terça-feira, 19 de junho de 2007

Fernando Pessoa



É uma imagem conhecida e já serviu para ilustrar a capa de uma fotobiografia de Fernando Pessoa. O poeta tinha 10 anos quando tirou este retrato em Durban, na África do Sul, onde viveu e estudou. A expressão do Pessoa que nos foi dado a ver já está aqui. E quanto mais se olha para ela mais se fica com a impressão que o poeta só teve uma expressão. E manteve-a sempre de cada vez que enfrentava uma máquina fotográfica, quer tivesse 3, 10 ou 30 anos. No verso da fotografia, Pessoa escreveu esta dedicatória: “Á sua querida tia Lisbella com muitos beijos do seu sobrinho muito amigo Fernando. Durban 1898”.
A fotografia que Fernando Pessoa tirou em Durban, na África do Sul, quando tinha 10 anos, foi vendida a um alfarrabista por 8500 euros, tornando-se na imagem mais cara alguma vez vendida num leilão em Portugal. A outra carte-de-visite de Pessoa colocada em praça (um retrato do atelier Camacho, de Lisboa), captada quando o poeta tinha cerca de 3 anos, foi arrematada por 460 euros (o preço-base era de 300).

domingo, 17 de junho de 2007

Como construir um discurso político

sábado, 16 de junho de 2007

Como comentar um poema

Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático. Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.

Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.

Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos. A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.

Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta. As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento
Personificação/prosopopeia
antítese ( contraste de ideias)
Hipérbole
Tropos
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque

Para saberes mais sobre as diversas figuras de estilo consulta:

Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual
Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os conceitos; é observar as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias explícitas; é um momento em que o leitor estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o modo como o fez, com a sua subjectividade de quem analisa e comenta.
O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos diferentes planos de análise.
As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário citar um verso completo ou uma frase completa deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição. Quando se desejar citar mais do que um verso e essa citação seguir exactamente a ordem do poema em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da utilização de uma barra oblíqua [/].

Modernismo

O MODERNISMO em Portugal tem seu início oficial no ano de 1915, quando um grupo de escritores e artistas plásticos lança o primeiro número da "Orpheu", revista trimestral de literatura. Esse grupo é composto por Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros o brasileiro Ronald de Carvalho e, entre outros, o fantástico e polêmico, Fernando Pessoa e seus heterônimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro).Segundo Luís de Montalvor, Orfeu "é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento". Ainda conforme Moltalvor, a pretensão dos integrantes da Orfeu "é formar, em grupo ou idéia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos".Esses jovens artistas, também conhecidos como Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Marinetti; pelo Institucionalismo de Henri Bergson, cuja linha de pensamento só admitia o conhecimento natural e espontâneo e dizia não à ciência e à técnica; e pelos ensinamentos de Martin Heidegger, que colocava a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como uma determinação social.




Os objectivos principais dos orfistas eram:



Mário de Sá Carneiro Almada Negreiros Fernando Pessoa

Chocar a burguesia com a sua obra irreverente (poesias sem metro, exaltando a modernidade);
Tirar Portugal de seu descompasso com a vanguarda do resto da Europa.
Logo no primeiro número, publicado em abril de 1915, os orfistas conseguiram criar o ambiente de escândalo desejado, graças a críticas violentas, que podem ser encontradas nos poemas "Ode triunfal" de Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa) e "Manicure" de Mário de Sá-Carneiro. Esse primeiro número esgotou-se em apenas três semanas graças a um sucesso "negativo": as pessoas que compravam a revista ficavam horrorizadas e despejavam sua ira contra os seus colaboradores. Armando Cortes Rodrigues, um dos membros da Orpheu, conta que os orfistas eram constantemente ironizados e chamados de loucos.O segundo e último número da revista Orpheu foi lançado em julho de 1915, com conteúdos bem mais futuristas. O terceiro número chegou a ser planejado, mas não foi editado por causa do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da revista.



Mário de Sá Carneiro

Almada Negreiros

Essa primeira geração Modernista, surgida em meio à Primeira Guerra Mundial, foi nitidamente influenciada pelos vários manifestos de vanguarda europeus. Esse talvez seja o motivo principal dos autores desse período apresentarem individualidades muito fortes e não seguirem um padrão estético linear. Apesar do precoce desaparecimento da "Orpheu", essa revista deixou uma rica herança, uma vez que surgiram várias outras revistas que, a grosso modo, foram seguidoras do orphismo e que tiveram duração efêmera, ou seja, duraram pouco. Foram elas:
Centauro (1916);
Exílio (1916);
ícaro (1917);
Portugal Futurista (1917);
Etc.
Ainda nesse primeiro momento do Modernismo português surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca. Nomes de destaque na literatura portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum dos momentos modernistas. Para o professor de Literatura Portuguesa Massaud Moisés esses dois poetas são enquadrados em um momento literário que classifica como "Interrogno".




Revista Exílio - nº unico abril 1916. Direção Augusto de Santa Rita
Linhas temáticas da poesia de Miguel Torga

Grupo 1 _A criação poética ( sonho, solidão, rebeldia, rito, liberdade) _ Lê os poemas: Canção do Semeador; Maceração; Prospecção.

Grupo 2 _ A condição humana (terrena, animal, mortal) _ Lê os poemas: Comunhão, Condição, Cântico de Humanidade

Grupo 3 _ A revolta da imanência humana contra a transcendência divina _ Lê os poemas: Desfecho, Súplica, Livro de Horas

Grupo 4 _ Problemática religiosa _ Lê os poemas: De Profundis, Tantum Ergo

Grupo 5 _ O desespero humanista _ Lê os poemas: Liberdade; Orfeu Rebelde, Drama

Grupo 6 _ A Obsessão Telúrica _ Lê os poemas: Êxtase, Lezíria, A Terra

Grupo 7 _ A dimensão telúrica da Natureza ( a Terra , corpo vivo; A terra, centro do Cosmos; o abraço Terra Céu, o anseio Terra/Mar; A Terra-Pátria-Ibéria) _ Lê os poemas: Ibéria; Pátria; Imagem; Regresso;

Grupo 8 _ Apego aos limites carnais, Terrenos e a revolta espontânea contra esses limites: Lê os poemas: Depoimento, Descida aos infernos, Mudez;

Grupo 9 _ Apologia de um sentido terreno, instintivo _ Lê os poemas: Bucólica, Mirante, Lavram e semeiam aqui ao lado, S. Leonardo da Galafura;

Grupo 10_ Miguel Torga reactualiza muitos mitos clássicos. Rescreve os seguintes mitos presentes na obra de Torga: Prometeu, Ícaro, Tântalo, Narciso, Orfeu, Anteu e Sísifo.

Nota: Para leres os poemas assinalados clica nesta página.

Comunicado- Miguel Torga

Na frente ocidental
nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Começo- Miguel Torga

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.


Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.

Terra- Miguel Torga

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação! Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.
Terra, minha mulher!

Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!
A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...

Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.
Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

O Jardim de Sophia - Ribeiro Telles

Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas: Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.

O Mar em Sophia de Mello Breyner

Metade da minha alma é feita de maresia.
A expressão prima pela economia de palavra que povoa o texto poético de Sophia: um verso ao qual não foi necessário acrescentar outros que igualmente o povoam; nem com eles fazer montagens, como se o poema fosse um filme, segundo o que Sophia de Mello Breyner explica com a maior clareza numa das suas Artes Poéticas . Um verso que define uma idiossincrasia da sua alma poética, como se a maresia pudesse a um tempo constituir metade da essência da sua alma e eventualmente cobrir, pelo seu elemento etéreo – o cheiro vindo do mar que penetra no ar -, a outra metade da sua alma.
A essência da sua alma poética vive da cumplicidade da maresia e da sua identidade como respiração da brisa marinha, numa harmonia perfeita de ritmo vital anímico e espiritual em que confluem as metáforas vividas do mar, do ar e da brisa ou vento suave, ritmo da própria respiração vital do sujeito lírico que, por sua vez, faz parte do universo do próprio mar, o qual dá pela ausência do sujeito lírico quando ele se aparta de uma praia e por ele vai esperando, no esplendor da maré vasa:

Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
A união cósmica do sujeito lírico com o “mar, o vento e a lua” passa de aspiração a acto, neste poema, pelo espaço de êxtase e nudez da praia, sintonizando-se com a dança e harmonia cósmicas que perpassa no universo poético de Sophia de Mello Breyner, sintonizando-se também, na expressão de outro poema, com o “secreto bailar do meu sonho” que o som humanizado do mar- “a tua voz”- segue:

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Claridade e Rigor na poesia de Eugénio de Andrade


MAIS de cinquenta anos passados sobre a revelação em livro, a poética de Eugénio de Andrade, na clara solaridade vocabular que em todos os seus poemas se patenteia com exuberância, tem reincidido nos últimos livrosna mesma sinceridade e brevidade expressivas que fazem de toda a sua obra essa morada onde pairam sempre as sombras, passos e lugares que foram da infância e adolescência, de peregrinação e de vagabundagem por muitas outras paragens. Por isso, retomar o diálogo com o Poeta de Mar de Setembro, mesmo na insistência de uma concisão vocabular que o fazem mergulhar por vezes em certas imagens quase comuns ou de menor forma expressiva, de algum modo estabelecer o convívio com uma das vozes mais coerentes da poesia desta segunda metade do século XX português.Na verdade, cada novo livro de Eugénio de Andrade, sendo ainda e sempre um mesmo e outro livro, prolonga ou retoma esse discurso cristalino e sincero, breve e incisivo, de saber guiar o leitor pelos lugares obscuros, 'branco no branco' (mesmo na aparente contradição expressiva e poética), que traz consigo essa tradição lírica portuguesa de Bernardim, Camões ou até dos primeiros trovadores medievais. Mas esse discurso, sendo idêntico e sempre diferente, ainda o mesmo tom e modo de o Poeta saber falar da vida e do mundo, dos pessoas e das coisas, dos olhares e dos sentimentos, nesse dizer por dizer ao rés das águas límpidas ou dos rios e lugares de diversa peregrinação, na persistente e decantada claridade poética:
Toda a ciência está aqui,na maneira como esta mulherdos arredores de Cantãoos dos campos de Alpedrinharega quatro ou cinco leiras de couves.
E, por essa repetida 'arte poética', Eugénio de Andrade, na brevidade e sinceridade do verbo, na emotiva e sempre renovada forma de abordar ou olhar o mundo, reencontra ou redescobre, mesmo num lódão perto da casa onde morara, num Porto que desde há muitos anos lhe pertence por direito de íntima coabitação, esse sentido solar da sua própria efemeridade, no fazer rente ao dizer e na carga simbólica e sentida das palavras com que todo esse seu 'verbo' poético se tece e enaltece:
Também a poesia é filha da necessidade- esta que me chega um pouco já fora do tempo, deixou de ser a sumarenta alegria do sol sobre a boca.

Por isso, na avalanche metafórica e expressiva de um propositado e claro rigor de expressão, uma poesia que arrebata e comove, destituída de sombras ou inibições, liberta de ironias ou de sarcasmos, mas, como declara Jorge de Sena, todavia'uma poesia aberta com generosidade a todos os anseios de libertação, sempre concebida num bom gosto que defendeu o poeta dos exageros do neo-realismo, do surrealismo ou do barroquismo hispânico', alcançando, no termo dessa sua pessoal experiência e aventura poética cumprida em largos anos, uma plenitude que faz a poesia de Eugénio de Andrade ser hoje verdadeiramente das mais lidas e admiradas por amplas camadas de leitores.Talvez porque no rigor prosseguido no fio calmo dos anos, o que o Poeta de As Mãos e os Frutos deseja acima de tudo é que, pela simplicidade formal e pela transfiguração da sua expressão e clareza, essa solidariedade se confirme, de livro a livro, na cadência dos próprios versos, nessa inocência quase pagã sem deuses nem excessos, no cantante enaltecer do corpo, da terra e da vida, ou como já observara Eduardo Lourenço poder ainda dizer-se que'nenhum poeta como Eugénio de Andrade escreveu poesia de tal modo convincente com as figuras que lha sugerem e o obrigam a cantá-las, como se tudo estivesse certo no universo e só nós, no fundo, estivéssemos a mais'.E assim, na intencional insistência dessa música vital que perpassa em cada poema de Eugénio de Andrade, saber-se que o rumor do mundo se constrói ainda e sempre de palavras, que nessa poética carregam todo o peso da memória, pelas sombras e lugares de um inalterável peregrinar, em trajecto que é único e singularíssimo na poesia portuguesa do nosso tempo, e ter sabido desde longe andar em boas companhias: Homero, Platão, Whitman ou Blake, Lorca, Machado, Montale ou Pessoa. E uma vez mais proclamar num dos poemas emblemáticos de Rente ao Dizer:
materna casa da alegriae da mágoa;dança do sol e do sal;língua em que escrevo;ou antes: falo.

Serafim Ferreira
OBRAS DE EUGÉNIO DE ANDRADE
Fundação Eugénio de Andrade / Porto.

Autor do Artigo
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.


Inf. sobre o artigo
Jornal "a Página"Nº 65
Ano 7 Fevereiro 1998
Pag. 27


sobre Eugénio de Andrade


José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, uma pequena aldeia da Beira Baixa situada entre o Fundão e Castelo Branco, filho de uma família de camponeses, "; gente que trabalhava a pedra e a terra". A sua infância é passada com a mãe, que é a figura dominante de toda a sua vida e da sua poesia. O pai, filho de camponeses abastados, pouco esteve presente, dado que o casamento, efectuado mais tarde, durou muito pouco.
Entra para a escola da aldeia natal aos 6 anos. Um ano depois, muda-se com a mãe para Castelo Branco. Em 1932, muda-se novamente, agora para Lisboa, cidade onde se fixara seu pai, e onde permanece por um período de 11 anos. Conclui, entretanto, a instrução primária. Prossegue os estudos e, em 1935, afirma-se em si o interesse pela leitura. Passa horas a ler em bibliotecas públicas e começa a escrever poemas.
Em 1938 escreve uma carta e envia três ou quatro poemas a António Botto, que manifesta interesse em conhecê-lo. Em 1939 publica o seu primeiro poema, "Narciso" e, pouco tempo depois, passa a assinar com outro nome: nasce o poeta Eugénio de Andrade.
Em 1941 faz-se a primeira referência pública à sua poesia na conferência que Joel Serrão, seu amigo, pronunciou na Faculdade de Letras de Lisboa, sobre "A Nova Humanidade da Poesia Nova". Um ano depois, em Novembro, Eugénio lança o seu primeiro livro de poesia: "Adolescente". Em 1943, o poeta muda-se novamente acompanhado pela sua mãe para Coimbra, onde permanece até ao final do ano de 1946, altura em que se fixa novamente em Lisboa. Entretanto, em 1944, cumpre o Serviço Militar e, após a recruta, é colocado nos Serviços de Sáude de Lisboa mas, visto que morava em Coimbra, trata rapidamente de transitar para lá. Fazem-se, nesse ano ainda, as primeiras traduções de poemas seus para francês e, em 1945, a Livraria Francesa publica o seu livro "Pureza".
É com "As Mãos e os Frutos", em 1948, que Eugénio de Andrade alcança o sucesso. A partir dessa data, inicia-se uma carreira especialmente rica em poesia, mas também com produções nos domínios da prosa, da tradução e da antologia. Eugénio de Andrade ergue-se ao primeiro plano da poesia portuguesa.
Entretanto, em 1947, graças a um amigo, ingressa nos quadros do Ministério da Saúde como inspector-administrativo dos Serviços Médico-Sociais, onde permaneceu até 1983. Em 1950 é tranferido para o Porto, cidade onde ainda hoje vive.
A 14 de Março de 1956 morre a sua mãe e morre uma parte do poeta: "A minha ligação à infância é, sobretudo, uma ligação à minha mãe e à minha terra, porque, no fundo, vivemos um para o outro".
Em 1977 inicia-se a publicação da "Obra de Eugénio de Andrade" pela Editora "Limiar". Nasce, em 1991, a Fundação Eugénio de Andrade, que está a reeditar toda a obra do poeta, sendo o último volume o número 26, o livro de poesia "O Sal da Língua" (1995).
Durante os anos que se seguem até hoje, o poeta fez diversas viagens, foi convidado para participar em vários eventos e travou amizades com muitas personalidades da cultura portuguesa e estrangeira, como Joel Serrão, Miguel Torga, Afonso Duarte, Carlos Oliveira, Eduardo Lourenço, Joaquim Namorado, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teixeira de Pascoaes, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Mário Cesariny de Vasconcelos, José Luís Cano, Ángel Crespo, Luís Cernuda, Marguerite Yourcenar, Herberto Helder, Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, Óscar Lopes, e muitos outros...
Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia. Obras em prosa, antologias, álbuns, livros para crianças e traduções para português de grandes poetas estrangeiros (Lorca, Safo, Char, Reverdy, Ritsos, Borges, etc...) completam até ao presente a sua bibliografia, para além de muitos títulos traduzidos e publicados em 20 línguas e em 20 países: na Alemanha, Itália, Venezuela, China, Espanha, no México, Luxemburgo, em França, nos Estados Unidos da América, ...Eugénio de Andrade é, realmente - a par de Pessoa - o poeta português mais divulgado no mundo. A sua obra tem sido, por outro lado, objecto de estudo e reflexão por parte de escritores e críticos literários quer estrangeiros quer portugueses. Avesso a participar em eventos mundanos, o poeta raramente tem concedido entrevistas.

A poesia de Eugénio de Andrade

O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa). A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimento, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
As mãos
Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono
As amoras
O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Alguns dos temas que atravessam a poesia de Eugénio de Andrade estão também na sua prosa, nomeadamente a memória do mundo da infância e a presença modeladora da pintura e da música. Mesmo ao nível do vocabulário essencial, o poeta e o prosador encontram-se muitas vezes; as diferenças residem sobretudo na articulação discursiva e no pressuposto teórico segundo o qual «a poesia é a ficção da verdade», como diz no poema «São Coisas Assim», do livro O Sal da Língua:

Quem dividiu comigo a alegria
merecia ao menos
que o trouxesse à orvalhada
e limpa terra do pema. Mas também
o poeta escreve direito por linhas
tortas: a poesia é a ficção
da verdade.(…)
Sendo «ficção da verdade», a poesia é um trabalho de construção que não elidindo os dados da experiência do sujeito, os transforma e amplifica, num processo de imaginação de que as palavras são, ao mesmo tempo, factor e resultado. Ora, o que parece desagradar a Eugénio de Andrade nos seus textos em prosa é precisamente o facto de a sua presença ser aí demasiado nítida, excessivamente visível; falta aquele trabalho de amplificação de sentidos que está bem explicado no poema «Ocorre-me tropeçar», inserto em O Sal da Língua:

Ocorre-me tropeçar em ti num linha
que escrevi noutra idade – tão discreta
é a tua presença que ninguém
a não ser eu te poderá descobrir.
(…)
“É o seu peito, a sua boca” digo então,
e na penumbra do quarto por instantes
brilha de novo o corpo do desejo.
Há um tipo de texto em que confluem harmoniosamente a vontade de contar e a necessidade de elaboração semântica e estilística: o poema em prosa. Eugénio de Andrade também tem escrito poemas deste género, com alguma regularidade. Assim, é um poema em prosa a longa dedicatória do livro Os Amantes sem Dinheiro (1950); em As Palavras Interditas (1951) é também em prosa o poema inaugural que, a partir do título – «Primeiramente» – institui o amor como tema central do livro; há em Limiar dos Pássaros (1976) um conjunto de textos subordinados ao título interno «Verão sobre o corpo», que constitui uma sequência de poemas em prosa, em estreita ligação, mesmo sintáctica, com o poema inicial7; e há, sobretudo, dois livros maiores do autor, totalmente compostos por poemas em prosa: Memória doutro Rio (1978) e Vertentes do Olhar (1987).
Numa entrevista, Eugénio de Andrade fala da «afasia» provocada por Limiar dos Pássaros, e alude a um novo livro composto por «poesia em prosa» – trata-se de Memória doutro Rio. Esta referência é relevante, porque o poeta reflecte sobre os motivos que o levaram a enveredar por um tipo de escrita que, aparentemente, se afasta dos preceitos mais exigentes da sua poética. O poema em prosa surge como um meio eficaz de contornar a «afasia», funcionando a dois níveis de libertação complementares: o escritor retoma o controlo da sua “voz” e a poesia ensaia novos caminhos, adquirindo, através da prosa, uma respiração diferente: «A mim, a mudança de clave, como diz uma amiga minha, permitiu-me uma respiração mais ampla, um ritmo mais próximo do falar materno(…)» Considerando que o poema em prosa «não tem entre nós tradição nem prestígio », Eugénio de Andrade acaba por concluir que «a fronteira entre poesia e prosa, quando a invenção verbal não tem outra finalidade que não seja ela própria, é puramente formal; em literaturas adultas, não é raro ambas juntarem as suas águas e o resultado podem ser coisas esplendorosas, quando assinadas por esses homens “que dão corpo à alma da sua língua”»

Cesário Verde- A oposição cidade-campo

Cesário Verde foi um dos nossos maiores poetas. Não editou nenhum livro em vida. A obra está compilada num volume a que Silva Pinto, seu grande amigo que a publicou, chamou "O Livro de Cesário Verde". O poeta publicou parte da sua obra em jornais, quando podia e nem sempre podia por não pactuar com o sistema instituído dos "lambe-botas".
Numa primeira fase Cesário inspira-se na mulher e no campo. Com a publicação do poema Esplêndida o poeta mostra estar já absorver a natureza urbana atingindo o cume com o poema Sentimento de um Ocidental. Em Contrariedades há a nevrose dos cigarros em excesso, as dores de cabeça, o "pobre esqueleto branco da vizinha", "uma infeliz sem peito, com os dois pulmões doentes".
Cesário não se deixa contagiar pelo positivismo filosófico e defende o trabalho como fonte de riqueza. Prefere o natural e o saudável à civilização industrial dos grandes centros urbanos. Um dos poemas mais característicos desta fase é Num Bairro Moderno. O cheiro a gás, o luxo, a depravação da cidade causam-lhe náuseas, incomodam-no. Mas a cidade também o fascina. Descreve assim uma manhã na Lisboa burguesa oitocentista, na parte de Lisboa que contrastava com os bairros pombalinos, feitos de ruelas escuras e estreitas. Nas ruas macadamizadas e bordadas de casas apalaçadas distingue-se a figura de uma vendedeira que transporta consigo o campo, num "retalho de horta aglomerada".De repente o poeta recria uma super-realidade: as melancias, repolhos, nabos, melões, cenouras, alfaces, tomates, humanizam-se através de uma visão transfiguradora do real: "uma cabeça numa melancia/ e nuns repolhos seios injectados/e os nabos- ossos nus, da cor do leite/e os cachos de uvas- os rosários d'olhos"
Vários foram os recursos estilísticos utilizados por Cesário. Dotado de uma linguagem amarga e sarcástica em que nos fala de "um desejo absurdo de sofrer", a sua poesia distingue-se pela exactidão do vocabulário e pelas imagens alucinadamente visuais. O poeta desenha, grava e esculpe em versos decassilábicos e alexandrinos. A sua linguagem está, contudo, cheia de movimento e pitoresco, linguagem familiar e técnica: "navalhas de mola, enxós de martelo, biscate, batatal, etc".
O seu estilo impressionista utiliza sobretudo a ironia num estilo dinâmico e realista:
"E eu que medito um livro que exacerbe/ quisera que o real e a análise mo dessem"

Eça e os Maias

Os Maias é o mais volumoso e complexo romance de Eça e talvez a sua obra-prima. O escritor apresenta uma visão social muito crítica, aos nobres e políticos (Conde de Gouvarinho), aos banqueiros (Cohen), aos diplomatas (Steinbroken), aos românticos (Alencar), aos oradores patrioteiros e verbosos (Rufino), aos jornalistas (Palma Cavalão). Todas as personagens são seres derrotados, vencidos, falhados, mesmo João da Ega, a personagem que se pode encarar como a sua auto-projecção. Todas as personagens são vítimas da sociedade.
A acção passa-se em Lisboa, no final do terceiro quartel do século XIX- Afonso da Maia, aristocrata e proprietário rico, estava casado com uma beata de quem tinha um filho, Pedro da Maia. Após uma vida de libertinagem, Pedro vai viver com Maria de Monforte, que havia chegado a Lisboa havia pouco tempo. Desta relação nascem dois filhos: Carlos e Maria Eduarda. Maria de Monforte apaixona-se por um napolitano e abandona Pedro, deixando-lhe apenas o filho: Carlos da Maia. Com o desgosto e devido ao facto de ser muito frágil, Pedro suicida-se, deixando Carlos com o seu avô, Afonso da Maia. Carlos era um rapaz esbelto e inteligente que tirou o curso de Medicina e tinha todas as hipóteses de vir a ser um homem de sucesso. O seu grande amigo, João da Ega tentava escrever um livro de sucesso: Memórias de um Átomo. Natural de Celorico da Beira, representava o dandismo... e era amante da mulher do banqueiro Cohen. Euzebiozinho era um tipo efeminado que representa a educação portuguesa típica da época. Dâmaso Salcede tinha a mania que era fidalgo e Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico amigo de Pedro da Maia, representa a persistência do Romantismo na sociedade... Depois de um caso com a condessa de Gouvarinho, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda. Supostamente esta era casada com Castro Gomes. Através de um baú chegado de Paris é desvendado o terrível segredo: Carlos e Maria Eduarda, os amantes, eram afinal irmãos. Afonso da Maia, o bastião da família, morre de desgosto. Maria Eduarda parte para Paris. Carlos e Ega vão viajar pelo mundo a fim de espairecerem.
Segundo Eça "os Maias sairam uma coisa extensa e sobrecarregada, em dois grossos volumes! Mas há episódios bastante toleráveis. Folheia-os, porque os dois tomos são volumosos demais para ler. Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a Sintra; as corridas; desafio; a cena no Jornal A Tarde; e sobretudo o Sarau Literário onde se discute o valor do realismo por oposição ao romantismo... ".
O que mais nos encanta, como sempre, é a sua prosa cheia de maleabilidade, de recursos caricaturais e de fina ironia, impossível de imitar.
Estilo e Linguagem
Eça utilizou a sensibilidade sensorial, o impressionismo e a ironia. Para desenvolver estes três tópicos serviu-se de vários processos linguísticos: o novo emprego da adjectivação dupla e tripla, o advérbio de modo como elemento de caracterização, uma inovadora construção de frases com frequente recurso à hipálage e à sinédoque.
Por tudo quanto acabámos de dizer, facilmente verificamos que foi uma das mais relevantes personalidades literárias na Literatura Portuguesa. Manejando ao mesmo tempo a ironia e o sarcasmo, fixando a vida maravilhosamente, soube tudo dizer numa linguagem dúctil e transparente, ondeante e simples.

Antero de Quental- Estilo e Linguagem dos sonetos

Antero de Quental foi o maior niilista do século XIX. Na sua alma abrigaram-se duas naturezas: uma, a do poeta militante, construtiva; outra, a do pessimista "nostálgico da fé, ávido de eternidade".
Os seus sonetos apresentam cenários vagos, de contornos mal definidos, grandiosos e imponentes. Nestes cenários surgem elementos familiares ao Romantismo como as nuvens, as estrelas, o vento, a noite, o mar, o deserto.... a adjectivação é de sabor romântico: sinistro, nocturno, pálido, trágico, vago... utiliza personagens alegóricas como a Ideia, a Razão, a Noite, a Consciência, a Morte...
Para traduzir o desalento utiliza frequentemente imagens pobres e rimas monótonas... aparecem com frequência dois ou mais adjectivos para classificarem o mesmo substantivo: "veneno subtil, vago, disperso"..."céu pesado, nevoento"..."trágica voz rouca"
Alguns adjectivos utilizados são de origem clássica: inulto, glauco, adusto, e vocábulos antigos para traduzir o tom solene e grave.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Miguel Torga






Apontamentos Bio-bibliográficos






Adolfo Correira da Rocha nasceu a 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta ( Trás-os-Montes), onde frequentou a escola primária. Depois de uma curta passagem pelo seminário de Lamego, partiu para o Brasil, com apenas treze anos, regressando a Portugal, após o que se matricula na Faculdade de Medicina, licenciando-se em 1933.
Tenda publicado em 1928 um pequeno livro de versos, Ansiedade, colaborou em seguida na Presença, que viria a abandonar. Rampa, em 1930, é a obra em que começa a afirmar a sua verdadeira força poética. Dirigiu também a revista Sinal, a que se seguiu uma outra, Manifesta, tendo também colaborado na Revista de Porutgal. Com A Terceira Voz, em 1934, surgiria o pseudónimo que o tornaria uma das maiores figuras das letras portuguesas: Miguel Torga. Com o seu espírito de independência e a originalidade da sua escrita, à margem de grupos literários, criaria uma obra com características muito próprias, que lhe conferem um lugar destacado na nossa literatura.
Após breve passagens profissionais por Vila Nova (Miranda do Corvo) e Leiria (onde viria a ser preso e remetido para os cárceres salazaristas), fixa-se definitivamente em Coimbra, onde desenvolveu, a par da sua actividade médica, o oficio de escritor, através de uma obra multifacetada, abrangendo os diversos géneros literários, da poesia a conto, do teatro ao romance, sem esquecer textos de empenhada afirmaçao ou os volumes autobiográficos da Criação do Mundo e as reflexões e poemas que nos deixou nos dezasseis volumes do seu Diário. A sua vasta bibliografia granjeou-lhe o reconhecimento do valor da sua obra, não só em Portugal, que retratou em páginas admiráveis, mas também por esse mundo fora, me que, traduções nos mais diversos paises e idiomas e prémios literários significativos, tomariam o seu nome verdadeiramente universal.
Com a tenacidade com que construiu a sua obra literária e exerceu a sua actividade de médico, lutando no seu isolamento criador, enfrentou estoicamento a doença que acabara por vencê-lo no dia 17 de Janeiro de 1995. E quando no dia seguinte, fez a derradeira viagem de Coimbra para Agarez natal da sua ficção, de Miguel Torga ficava para todo o sempre a originalidade e a força da sua obra singular.

Quando em 1925, o jovem Adolfo Rocha chega a Coimbra, para em três anos fazero curso dos liceus e ingressar na Faculdade de Medicina, estava, porventura, longe de imaginar que na Cidade do Mondego iria cumprir uma longa jornada de sete décadas. Setenta anos quase ininterruptos de estudo, de estudo, de devotado serviço a dois amos, a medicina e as letras, médico e escritor, tornando-se universal com o nome de Miguel Torga. Coimbra que lhe inspirou os versos que lhe ditou a escrita e foi janela aberta para o Portugal que calcorreou e o Mundo que percorreu. E onde os dias da sua criação atingiram os cumes literários e recebeu os ecos da sua consagração.Por isso, esta exposição é um breve retrato dessa jornada sem fim, pois para sempre se sentirá em Coimbra a presença de Torga, como para sempre estará Coimbra bem viva na sua obra.

Eugénio de Andrade


Biografia Breve

1923 - a 19 de Janeiro, nasce na Póvoa de Atalaia, Eugénio de Andrade, nome civil José Fontinhas. Inicia aí mesmo os seus estudos primários que prossegue em Castelo Branco.

1932 - com sua mãe, figura titular e poética da sua vida, migra para Lisboa.

1933 - estuda no Liceu Passos Manuel e inscreve-se, depois, na Escola Técnica Machado de Castro pensando seguir Engenharia, que viria a abandonar.

1939 - incentivado por António Botto, que conhecera anteriormente, publica o poema “Narciso” que ainda assina com o nome civil e que mais tarde repudia.

1942 - publica Adolescente, o seu livro de estreia, dedicado a Pessoa que também virá a repudiar e que apenas retirará alguns textos depois publicados em Primeiros Poemas.

1943 - instala-se com sua mãe nos arredores de Coimbra. Conhece Afonso Duarte, Miguel Torga, Carlos de Oliveira e Eduardo Lourenço.

1944 - é incorporado no serviço militar onde, após a recruta, é colocado nos serviços de saúde de Lisboa e depois em Coimbra.

1945 - publica Pureza que terá o mesmo destino de Adolescente .

1947 - é admitido nos Serviços Médicos-Sociais, nos quais se manterá em funções como inspector, até 1983. Conhece Sophia de Mello Breyner Andresen.

1949 - torna-se amigo de Mário Cesariny e priva com o grupo de surrealistas, movimento que poucas marcas deixará na sua poesia.

1950 - publica Os Amantes Sem Dinheiro . Muda-se para o Porto. Em 1951 publica Palavras Interditas . Conhece Pascoaes. Em Madrid, priva com Vicente Aleixandre e Ángel Crespo.

1956 - morre sua mãe. Publica Até Amanhã ilustrado com originais de Jean Cocteau.1957 - publica Coração do Dia . Conhece Luís Cernuda, cujas cartas a Eugénio foram mais tarde publicadas em Espanha. Jorge de Sena, seu amigo desde o inicio da década, inclui-o nas suas Líricas Portuguesas .

1960 - conhece Marguerite Yourcenar com quem se corresponderá. Lopes-Graça edita em disco as suas composições para os poemas de As Mãos e os Frutos .

1964 - publica Ostinato Rigore , que ele próprio considera, a par do posterior Branco no Branco um dos seus melhores livros.

1968 - publica Os Afluentes do Silêncio , prosa, e Daqui Houve Nome Portugal uma monumental antologia de verso e prosa sobre o Porto.

1969 - traduz as Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado.

1971 - publica Obscuro Domínio e mais uma antologia Memórias de Alegria dedicada a Coimbra. É lançado, ainda, 21 Ensaios sobre Eugénio de Andrade .

1972 - publica a antologia de poesia erótica Variações Sobre Um Corpo , uma recolha da sua própria poesia Antologia Breve e o volume Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões . Uma das reedições da sua escolha de Camões iria ultrapassar, logo após o 25 de Abril, todos os recordes de tiragens.

1974 - publica Escrita da Terra com títulos como Monfortinho, Castelo Branco, Póvoa de Atalaia e numa 3ª edição Campos de Atalaia

1976 - publica Limiar dos Pássaros e a sua primeira obra de literatura infanto-juvenil História da Égua Branca .

1981 - primeiro encontro com Jorge Luís Borges. Óscar Lopes edita um volume dedicado à poesia de Eugénio Uma Espécie de Música .

1982 - publica O Peso da Sombra . Recebe o grau de Grande Oficial de Ordem Militar de Sant'Iago de Espada.

1983 - é nomeado para a Academie Mallarmé de Paris.

1984 - Branco no Branco , editado em este ano, recebe o Prémio de Poesia Pen Club.

1985 - a C. M. do Porto concede-lhe a Medalha de Méritos da Cidade e no ano seguinte recebe o prémio da Assoc. Internacional dos Críticos Literários.

1987 - edita Vertentes do Olhar que recebe o Prémio Dom Dinis.

1988 - publica O Outro Nome da Terra obtendo o primeiro Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. É homenageado com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito.

1989 - a tradução francesa de Branco no Branco vale-lhe o Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia estrangeira editado em França.

1991 - um grupo de amigos decide criar a Fundação Eugénio de Andrade e publica, já com a chancela da fundação, o livro Rente a Dizer . Os seus 50 anos de trabalho literário são comemorados.

1994 - publica Oficio da Paciência . Muda-se para a casa da Fundação Eugénio de Andrade, um ano mais tarde publica O Sal da Língua e a Fundação abre finalmente ao público.

1996 - recebe o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz.

2000 - é-lhe atribuído o Prémio Extremadura de criação literária, o Prémio Celso Emílio Ferreiro e o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e no ano seguinte recebe o Prémio Camões.

2002 - recebe o Prémio de Poesia Pen Club com o Os Sulcos da Sede editado no ano anterior.

Vergílio Ferreira- Bibliografia Breve









1916 - Vergílio Ferreira nasce em Melo, concelho de Gouveia, na Serra da Estrela.
1926 - Entra para o Seminário do Fundão.
1932 - Estuda no Liceu da Guarda onde conclui o curso liceal.
1936 - Vai para Coimbra, como aluno da Faculdade de Letras. Escreve as primeiras poesias. 1940 - Licencia-se em Filologia Clássica.
1942 - Lecciona no liceu de Faro.
1943 - Publica O Caminho Fica Longe , romance.
1944 - Lecciona no liceu de Bragança.
1945 - Ingressa no Liceu de Évora, onde leccionará durante 14 anos.
1946 - Casa com Regina Kasprzykowsky. Publica Vagão «J», romance.
1949 - Publica Mudança , romance.
1953 - Publica A Face Sangrenta , colectânea de contos e Manhã Submersa, romance.
1959 - Ingressa no Liceu Camões, em Lisboa. Publica Aparição , romance galardoado no ano seguinte com o «Prémio Camilo Castelo-Branco», da Sociedade Portuguesa de Escritores. Publica Cântico Final , romance.
1965 - Publica Alegria Breve , romance galardoado com o «Prémio da Casa da Imprensa».
1971 - Publica Nítido Nulo , romance.
1976 - Publica os Contos.
1979 - Publica Signo Sinal , romance.
1980 - Lauro António realiza a longa--metragem Manhã Submersa , onde Vergílio Ferreira desempenha o papel de Reitor.
1981 - Jubila-se de professor do ensino secundário.

1983 - Recebe os Prémios do Pen Club, daAssociação Internacional dos Críticos Literários, do Município de Lisboa e o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus. Publica Para Sempre , romance.
1984 - É eleito sócio da Academia Brasileira de Letras.
1986 - É homenageado em Gouveia, seu concelho natal. É dado o seu nome à Biblioteca Municipal.
1987 - Publica Até ao Fim, romance.
1988 - Recebe o «Grande Prémio do Romance e da Novela» da Associação Portuguesa de Escritores pelo romance Até ao Fim .
1990 - Recebe o prémio «Fémina» com «Matin Perdu», tradução francesa de Manhã Submersa. Publica Em Nome da Terra , romance.
1991 - Recebe, em Bruxelas, o «Prémio Europália» pelo conjunto da sua obra literária.
1992 - É eleito para a Academia das Ciências de Lisboa. Recebe o «Prémio Camões».
1993 - Realização do «Colóquio sobre Vergílio Ferreira», em homenagem aos seus 50 anos de actividade literária, na Faculdade de Letras do Porto. Torna-se Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
1995 - 10 de Setembro - Inaugura a Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira em Gouveia, à qual doa a sua biblioteca particular.
1996 - 1 de Março - Morre em Lisboa. Está sepultado em Melo «virado para a Serra», como foi seu desejo. É editada a obra inacabada Cartas a Sandra.



Uma voz canta não sei onde.
Ergue-se sobre o silêncio da terra.
[…] É a voz da escuridão e das raízes.

Para Sempre
Uma aldeia perdida num recanto de montanha – a Serra da Estrela.


É uma paisagem familiar, que Vergílio Ferreira conheceu na sua infância e a ela constantemente regressa, descrevendo-a nos seus livros. A casa de família, onde escreveu algumas das sua obras. A paz da aldeia natal, no seu ritmo sereno. A coragem e resignação das suas gentes, os seus cantos de trabalho, as suas preces, as suas festas e tradições. E a montanha, o seu silêncio e solidão, o seu encantamento e mistério. Imensa massa de duro granito, ora coberta de neve, ora vestida de verde, ora estalando ao sol. Recortada contra o azul intenso de um céu de Verão ou emersa nos nevoeiros de Inverno. Topo do mundo, de onde se abarcam horizontes sem fim. Repleta de cores e cheiros da urze, das giestas e pinhais. Percorrida pelo balido das ovelhas, o marulhar das águas livres das ribeiras, o rugido do vento, o som imperceptível da neve a cair... Foi esse o ambiente que formou a sensibilidade do Escritor, a sua forma de viver e sentir, a sua maneira de estar no mundo. É esse o ambiente que tentamos desvendar, e convidamos a descobrir, na presente exposição.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sophia de Mello Breyner Andresen




Nascimento:1919 Porto






Poetisa e contista portuguesa, nasceu no Porto, no seio de uma família aristocrática, e aí viveu até aos dez anos, altura em que se mudou para Lisboa. De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação decorreu num ambiente católico e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em consonância com o seu fascínio pelo mundo grego (que a levou igualmente a viajar pela Grécia e por toda a região mediterrânica), não tendo todavia chegado a concluí-lo. Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores. O ambiente da sua infância reflecte-se em imagens e ambientes presentes na sua obra, sobretudo nos livros para crianças. Os verões passados na praia da Granja e os jardins da casa da família ressurgem em evocações do mar ou de espaços de paz e amplitude. A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza, tal como outra dimensão da religiosidade, provinda da tradição bíblica e cristã. A sua actividade literária (e política) pautou-se sempre pelas ideias de justiça, liberdade e integridade moral. A depuração, o equilíbrio e a limpidez da linguagem poética, a presença constante da Natureza, a atenção permanente aos problemas e à tragicidade da vida humana são reflexo de uma formação clássica, com leituras, por exemplo, de Homero, durante a juventude. Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia (1940), Távola Redonda (1950) e Árvore (1951) e conviveu com nomes da literatura como Miguel Torga, Ruy Cinatti e Jorge de Sena. Na lírica, estreou-se com Poesia (1944), a que se seguiram Dia do Mar (1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962, Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores), Geografia (1967), Dual (1972), O Nome das Coisas (1977, Prémio Teixeira de Pascoaes), Navegações (1977-82) e Ilhas (1989). Este último voltou a ser publicado em 1996, numa edição de poemas escolhidos acompanhada de fotografias de Daniel Blaufuks. Em 1968, foi publicada uma Antologia e, entre 1990 e 1992, surgiram três volumes da sua Obra Poética. Seguiram-se os títulos Musa (1994) e O Búzio de Cós (1997). Colaborou ainda com Júlio Resende na organização de um livro para a infância e juventude, intitulado Primeiro Livro de Poesia (1993). Em prosa, escreveu O Rapaz de Bronze (1956), Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar (1984) e os contos infantis A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958), Noite de Natal (1959), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). É ainda autora dos ensaios Cecília Meireles (1958), Poesia e Realidade(1960) e O Nu na Antiguidade Clássica (1975), para além de trabalhos de tradução de Dante, Shakespeare e Eurípedes. A sua obra literária encontra-se parcialmente traduzida em França, Itália e nos Estados Unidos da América. Em 1994 recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores e, no ano seguinte, o Prémio Petrarca, da Associação de Editores Italianos. O seu valor, como poetisa e figura da cultura portuguesa, foi também reconhecido através da atribuição do Prémio Camões, em 1999. Em 2001, foi distinguida com o Prémio Max Jacob de Poesia, num ano em que o prémio foi excepcionalmente alargado a poetas de língua estrangeira. Em Agosto do mesmo ano, foi lançada a antologia poética Mar. Em Outubro publicou o livro O Colar. Em Dezembro, saiu a obra poética Orpheu e Eurydice, onde o orphismo está, mais uma vez, presente, bem como o amor entre Orpheu, símbolo dos poetas, e Eurídice, que a autora recupera num sentido diverso do instaurado pela tradição helénica.






25 de Abril




Esta é a madrugada que eu esperava


O dia inicial inteiro e limpo


Onde emergimos da noite e do silêncio


E livres habitamos a substância do tempo










Poesia




A bela e pura palavra Poesia


Tanto pelos caminhos se arrastou


Que alta noite a encontrei perdida


Num bordel onde um morto a assassinou






A hora da partida




A hora da partida soa quando


Escurece o jardim e o vento passa,


Estala o chão e as portas batem, quando


A noite cada nó em si deslaça.




A hora da partida soa quando


as árvores parecem inspiradas


Como se tudo nelas germinasse.




Soa quando no fundo dos espelhos


Me é estranha e longínqua a minha face


E de mim se desprende a minha vida












A paz sem vencedor e sem vencidos




Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos


A paz sem vencedor e sem vencidos


Que o tempo que nos deste seja um novo


Recomeço de esperança e de justiça.


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos




Erguei o nosso ser à transparência


Para podermos ler melhor a vida


Para entendermos vosso mandamento


Para que venha a nós o vosso reino


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos




Fazei Senhor que a paz seja de todos


Dai-nos a paz que nasce da verdade


Dai-nos a paz que nasce da justiça


Dai-nos a paz chamada liberdade


Dai-nos Senhor paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos










A pequena praça






A minha vida tinha tomado a forma da pequena praça


Naquele outono em que a tua morte se organizava meticulosamente


Eu agarrava-me à praça porque tu amavas


A humanidade humilde e nostálgica dos pequenas lojas


Onde os caixeiros dobram e desdobram fitos e fazendas


Eu procurava tornar-me tu porque tu ias morrer


E a vida toda deixava ali de ser a minha


Eu procurava sorrir como tu sorrias


Ao vendedor de jornais ao vendedor de tabaco


E à mulher sem pernas que vendia violetas


Eu pedia à mulher sem pernas que rezasse por ti


Eu acendia velas em todos os altares


Das igrejas que ficam no canto desta praça


Pois mal abri os olhos e vi foi para ler


A vocação do eterno escrita no teu rosto


Eu convocava as ruas os lugares as gentes


Que foram as testemunhas do teu rosto


Para que eles te chamassem para que eles desfizessem


O tecido que a morte entrelaçava em ti










As Amoras




O meu país sabe as amoras bravas


no verão.


Ninguém ignora que não é grande,


nem inteligente, nem elegante o meu país,


mas tem esta voz doce


de quem acorda cedo para cantar nas silvas.


Raramente falei do meu país, talvez


nem goste dele, mas quando um amigo


me traz amoras bravas


os seus muros parecem-me brancos,


reparo que também no meu país o céu é azul.










As ondas




As ondas quebravam uma a uma


Eu estava só com a areia e com a espuma


Do mar que cantava só para mim.






As pessoas sensíveis




As pessoas sensíveis não são capazes


De matar galinhas


Porém são capazes


De comer galinhas




O dinheiro cheira a pobre e cheira


À roupa do seu corpo


Aquela roupa


Que depois da chuva secou sobre o corpo


Porque não tinham outra


O dinheiro cheira a pobre e cheira


A roupa


Que depois do suor não foi lavada


Porque não tinham outra




"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"


Assim nos foi imposto


E não: "Com o suor dos outros ganharás o pão".




Ó vendilhões do templo


Ó construtores


Das grandes estátuas balofas e pesadas


Ó cheios de devoção e de proveito


Perdoai-lhes Senhor


Porque eles sabem o que fazem.








Terror de te amar


num sítio tão frágil


como o mundo


Mal de te amar


neste lugar de imperfeição


Onde tudo nos quebra e emudece


Onde tudo nos mente e nos separa














Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia.
Sophia nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. A sua infância e adolescência decorrem entre o Porto e Lisboa, onde cursou Filologia Clássica.
Após o casamento com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, fixa-se em Lisboa, passando a dividir a sua actividade entre a poesia e a actividade cívica, tendo sido notória activista contra o regime de Salazar. A sua poesia ergue-se como a voz da liberdade, especialmente em "O Livro Sexto".
Foi sócia fundadora da "Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos"e a sua intervenção cívica foi uma constante, mesmo após a Revolução de Abril de 1974, tendo sido Deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.
Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota, para além da sólida cultura clássica da autora e da sua paixão pela cultura grega, a pureza e a transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita, do poema.
Luz, verticalidade e magia estão, aliás, sempre presentes na obra de Sophia, quer na obra poética, quer na importante obra para crianças que, inicialmente destinada aos seus cinco filhos, rapidamente se transformou em clássico da literatura infantil em Portugal, marcando sucessivas gerações de jovens leitores com títulos como "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana" ou "A Menina do Mar".
Sophia é ainda tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípedes, tendo sido condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de "O Purgatório".




Obra

Poesia

Poesia, Coimbra, ed. da autora (3ª ed., Lisboa, Ática, 1975), 1944.
Dia do Mar, Lisboa, Ática, 1947.
Coral, Porto, Livraria Simões Lopes (2ª ed., ilustrada por Escada, Lisboa, Portugália,1968, 3ª ed., s.l., s.d.), 1950.
Tempo Dividido, Lisboa, Guimarães Editores, 1954.
Mar Novo, Lisboa, Guimarães Editores, 1958.
Cristo Cigano, ilustrado por Júlio Pomar, s.l., Minotauro (2ª ed., Lisboa, Moraes, 1978), 1961.
Livro Sexto, s.l. [Lisboa], Salamandra, 1962.
Geografia, Lisboa, Ática (3ª ed., Lisboa, Salamandra), 1967.
Antologia, Lisboa, Portugália (5ª ed., aumentada com prefácio de Eduardo Lourenço, Porto, Figueinhas), 1968.
Grades - Antologia de Poemas de Resistência, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1970.
11 Poemas, Lisboa, Movimento, 1971.
Dual, Lisboa, Moraes Editores (3ª ed., Lisboa, Salamandra, 1986), 1972.
O Nome das Coisas, Lisboa, Moraes Editores (2ª ed., Lisboa, Salamandra, 1986), 1977.
Poemas Escolhidos, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.
Navegações, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda (2ª ed., Lisboa, Caminho), 1983.
No Tempo e Mar Novo, 2ª ed., revista e ampliada, Lisboa, Salamandra, 1985.
Antologia, Porto, Figueirinhas, 1985.
Ilhas, Lisboa, Texto Editora, 1989.
Obra Poética, vol. I, Lisboa, Caminho, 1990.
Obra Poética, vol. II, Lisboa, Caminho, 1991.
Obra Poética, vol. III, Lisboa, Caminho, 1991.
Obra Poética I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992.
Obra Poética II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992.
Musa, Lisboa, Caminho, 1994.
Signo - Escolha de Poemas, Lisboa, Casa Pessoa, 1994.
O Búzio de Cós e Outros Poemas, Lisboa, Caminho, 1997.

Prosa
Rapaz de Bronze (O), Lisboa, Minotauro (2ª ed., Lisboa, Moraes, 1978), 1956.
Menina do Mar (A), Porto, Figueirinhas (17ªed., 1984), 1958.
A Fada Oriana, Porto, Figueirinhas (l2ªed., 1983), 1958.
Noite de Natal, Lisboa, Ática, 1960.
Contos Exemplares, Lisboa, Moraes (23ªed., prefácio de António Ferreira Gomes, Porto, Figueirinhas, 1990), 1962.
Cavaleiro da Dinamarca (O), Porto, Figueirinhas (21ª ed., 1984), 1964.
Os Três Reis do Oriente, desenhos de Manuel Lapa, s.l., Estúdio Cor, 1965.
Floresta (A), Porto, Figueirinhas (16ª ed., 1983), 1968.
Tesouro, Porto, Figueirinhas, 1978.
Contos: 1979, ilust. de Vieira da Silva, Lisboa, Galeria São Mamede, 1979.
Histórias da Terra e do Mar, Lisboa, Salamandra (3ªed., Lisboa, Texto Editora, 1989), 1984.
Árvore (A), Porto, Figueirinhas (3ª ed., 1987), 1985.
Era Uma Vez Uma Praia Lusitana, Lisboa, Expo 98, 1997.

Ensaio
"A poesia de Cecíla Meireles", Cidade Nova, 4ª série, nº 6, Novembro, 1956.
"Poesia e Realidade", Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 8, 1960.
"Hölderlin ou o lugar do poeta", Jornal de Comércio, 30 de Dez., 1967.
O Nu na Antiguidade Clássica, (col. O Nu e a Arte) Lisboa, Estúdios Cor (2ª ed., Lisboa, Portugália; 3ªed. [revista], Lisboa, Caminho, 1992), 1975.
"Torga, os homens e a terra", Boletim da Secretaria de Estado da Cultura, Dezembro, 1976.
"Luís de Camões. Ensombramentos e Descobrimentos", Cadernos de Literatura, nº 5, 1980.
"A escrita (poesia)", Estudos Italianos em Portugal, nº 45/47, 1982/1984.

Traduções pela Autora
A Anunciação de Maria, de Paul Claudel, Paris, Aster, 1962.
O Purgatório, de Dante, Lisboa, Minotauro, 1962.
"A Hera", "A última noite faz-se estrela e noite" (Vasko Popa); "Às cinzas", "Canto LI", "Canto LXVI" (Pierre Emmanuel); "imagens morrendo no gesto da", "Gosto de te encontrar nas cidades estrangeiras" (Edouard Maunick), O Tempo e o Modo, nº 22, 1964.
Muito Barulho por Nada, de William Shakespeare (inédito), [1964].
Hamlet, de William Shakespeare, Porto, Lello, 1965.
"Os reis Magos", tradução de um poema do Eré Frene, Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 43, 1967.
Quatre Poètes Portugais: Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, 2ª ed., Lisboa, Presses Universitaires de France e Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.
A Vida Quotidiana no Tempo de Homero, de Émile Mireaux, Lisboa, Livros do Brasil, s.d. [1979].
Ser Feliz, de Leif Kristianson, Lisboa, Presença, 1980.
Um Amigo, de Leif Kristianson, Lisboa, Presença, 1981.
Medeia, de Eurípedes (inédito) [199-].

Registo Áudio
DECLARAÇÕES E LEITURA DE POEMAS PELA AUTORA
"25 de Abril de 1974" - Significado cultural e declamação de Mário de Andrade: "Canção de Sabaú", Rádio Difusão Portuguesa, 9 de Mai., 1974.
"Declamação do poema 'No nosso e no vosso coração'" (Manuel Beira) e declaração sobre a "beleza", Rádio Difusão Portuguesa, 7 de Set., 1974.
Declaração sobre a literatura portuguesa depois de 25 de Abril. (Com Melo e Castro e Vasco Graça Moura, gravado em 28-5-1980 pela Rádio Sueca e posteriormente difundido pela Rádio Difusão Portuguesa.), 1980.
Declaração sobre o Dia Mundial da Criança, Rádio Difusão Portuguesa, 30 de Mai., 1980.
Declaração sobre o significado do uma condecoração, Rádio Difusão Portuguesa, 10 de Jun., 1980.
Sophia de Mello Breyner Andresen diz Navegações, (7''), MVSARVUM OFFICIA, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983.
"Sophia de Mello Breyner - Personalidade humana e literária: o significado da sua poesia", Rádio Difusão Portuguesa, 25 de Abr., 1985.
POEMAS DITOS OU CANTADOS
"Cantata da Paz", cantada pelo Padre Fanhais (escrita por Rui Paz), Rádio Difusão Portuguesa, 1991.
"Porque", cantada pelo Padre Fanhais (escrita por Francisco Fernes), Rádio Difusão Portuguesa, 1991.
Signo - Escolha de Poemas , (Declamação dos poemas da antologia por Luís Miguel Cintra), Lisboa, Casa Pessoa, 1994.
"A paz sem vencedor...", Som da Poesia, (dito por Isabel Machado) nº 3, Jan., http://www.pagina.de/somdapoesia , 1994
"Sem Título", Som da Poesia, (dito por Isabel Machado) nº 5, Mar./Abr., http://www.pagina.de/somdapoesia , 1994



ANTOLOGIAS EM QUE ESTÁ REPRESENTADA



CRESPO, Ángel (org. e trad.), Antología de la Nueva Poesía Portuguesa, Madrid, Adonais, 1961.
LONGLE, Jean R. (org. e trad.), Contemporary Portuguese Poetry, (edição bilingue) Nova Iorque, Harvey House In., 1966.
TELLES, Sérgio (org.), Encontros, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1970.
MEYRELLES, Isabel (org. e trad.), Anthologie de Ia Poésie Portugaise du XIIe au XXe Siècle, Paris, Gallimard, 1971.
WEISSBORT, Daniel e Hélder Macedo (eds.), Modern Poetry in Translation: Portugal, Salisbury, Wilts, Compton Press, 1972.
SALVADO, António (org.), Antologia da Poesia Feminina Portuguesa, s.l., Edições J. F., s.d. [1973].
GOLUBEVA, E.(ed. e trad.), Portugal'skaia Poeziia XX Veka, Moscovo, Khudozhestvennaia Literatura, 1974.
MENERES, Maria Alberta e E. M. de Melo e Castro (orgs.), Antologia da Poesia Portuguesa (1940-1977), Lisboa, Moraes, 1977.
MACEDO, Hélder e E. M. de Melo e Castro (orgs. e trads.), Contemporary Portuguese Poetry - An Anthology in English, Manchester, Carcanet, 1978.
CRESPO, Ángel (org. e trad.), Antología de la Poesía Portuguesa Contemporánea, 2 vols., Madrid, Ediciones Júcar, 1982
SEELS, Marianne (trad.), Smaken Av Oceanerna, (em sueco), Kristianstads, Fibs Lyrikklubb, 1982.
SENA, Jorge de (ed.), Líricas Portuguesas I, 3ª série, 3ª ed., Lisboa, Portugália (1ª ed., 1958), 1984.
WILLIEMSEN, Augusto (trad.), Ik Verheerlijk het Verlend Niet, Dertienhedendaadse Dichters uit Portugal, (em neerlandês), Amsterdão, Meulenhoff, 1985.
Translation: Portugal, vol.XXV, Primavera, Nova Iorque, 1991.
AMARAL, Fernando Pinto (org.), Antología de Poesía Portuguesa Contemporánea, trad. Eduardo Lagagne et alia, Cidade do México, Universidade Nacional Autónoma do México, 1999.
VIDAL, Joaquim (org. e trad.), Malgré les ruines et la mort: Soixante ans de poésie portugaise, Paris, La Différence, 1999.
Publicações em Revistas e Jornais Estrangeiros
"Sophia de Mello Breyner Andresen", Mundus Artium, trad. Jean R. Longland, vol. 7, nº 2, 1974.
"An autumn morning in the Palace at Sintra", Mundus Artium, trad. Alexis Levitin, vol. 11, nº 1, 1979.
"Portrait of an unknown princess", Mundus Artium, trad. Alexis Levitin, vol. 11, nº 1, 1979.
"Translation", Chelsea Review, (não se apurou o nome do tradutor,) nº 41, 1982.
"Seven poems", Mundus Artium, trad. Lisa Sapinkopf, vol. 14, nº 2, 1984.
"Assassination of Simonetta Vespucci", New Orleans Review, trad. Lisa Sapinkopf, vol. 11, nº 2, Summer, 1984.
"The small square", The Times Literary Supplement, trad. Ruth Fainlight, 30 Dez., 1994.
"The house by the sea", The Literary Review, trad. Alexis Levitin, vol. 38, Summer, 1995.
"Portrait of an unknown princess" e "Morning walk", (não se apurou o nome do tradutor,) The Prague Revue, nº 5, Winter-Spring, 1998.

Primeiras Edições
"Poesia" ["Senhor", Poesia I], Cadernos de Poesia, nº 1, 1940.
"O vidente e outro Poema" ["O vidente", Poesia I], Aventura - Revista Bimestral de Cultura, nº 1, Maio, 1942.
"Poema" ["Sinto os mortos", Poesia I], Variante, Inverno, 1943.
"Aos outros dei aquilo que não eram" ["Saga", No Tempo Dividido], Unicórnio - Antologia de Inéditos de Autores Portugueses Contemporâneos, Maio, 1948.
"Soneto a Eurídice" [Idem, No Tempo Dividido], Unicórnio - Antologia de Inéditos de Autores Portugueses Contemporâneos, Maio, 1951.
"As Três Parcas" [Idem, Mar Novo], Europa - Jornal de Cultura, nº 1, Jan., 1957.
"Assassinato de Simoneta Vespucci" [Idem, Coral], Estada Larga (Antologia do Suplemento "Cultura e Arte" de O Comércio do Porto, editado por Costa Barreto), nº 3, Porto, Porto Editora, s.d. [1963?].
"Poema" [Idem, Geografia], O Tempo e o Modo, nº 12, 1964.
"Manuel Bandeira" [idem, Geografia], Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 41, 1966.
"Camões e a Tença" [Idem, Dual], Ocidente - Revista Portuguesa de Cultura, nº 415, vol. LXXXII, Novembro, 1972.
"Cíclades" [Idem, O Nome das Coisas ], Nova - Magazine de Poesia e Desenho, ed. Herberto Hélder, Inverno, 1975.
"Poeta em Lisboa" ["'Fernando Pessoa ou Poeta em Lisboa'", O Nome das Coisas]; "A civilização em que estamos" ["O rei de Ítaca", O Nome das Coisas], Critério - Revista Mensal de Cultura, nº 6, Abr., 1976.
"Destruição" ["Tempo de não", Ilhas], Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 1, Jan., 1978.
"Persona" [Idem, Ilhas]; "Fragmento de Os Gracos" [Idem, Ilhas] - Colóquio-Letras, nº 56, 1980.
"Tão Grande a Dor"; "Salgueiro Maia"; "Fidelidade"; "À Maneira de Horácio" [Musa], Jornal de Letras, 23 Fev., 1994.

Poemas não incluídos na Obra Poética
"Juro que venho pra mentir"; "És como a Terra-Mãe que nos devora"; "O mar rolou sobre as suas ondas negras"; "História improvável"; "Gráfico", Távola Redonda - Folhas de Poesia, nº 7, Julho, 1950.
"Reza da manhã de Maio"; "Poema", A Serpente - Fascículos de Poesia, nº 1, Janeiro, 1951.
"Caminho da Índia", A Cidade Nova, suplemento dos nº 4-5, 3ª série, Coimbra,1958.
"A viagem" [Fragmento do poema inédito "Naufrágio"], Cidade Nova, 5ª série, nº 6, Dezembro, 1958.
"Novembro"; "Na minha vida há sempre um silêncio morto"; "Inverno", Fevereiro - Textos de Poesia, 1972.
"Brasil 77", Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 8, Março, 1982.
"A veste dos fariseus", Jornal dos Poetas e Trovadores - Mensário de Divulgação Cultural, nº 5/6, 2ª série, Março/Abril, 1983.
"Oblíquo Setembro de equinócio tarde", Portugal Socialista, Janeiro, 1984.
"Canção do Amor Primeiro", Sete Poemas para Júlio (Biblioteca Nacional, cota nº L39709), 1988.
"No meu Paiz", Escritor, nº 4, 1995.
"D. António Ferreira Gomes. Bispo do Porto"; "Naquele tempo" ["Dois poemas inéditos"], Jornal de Letras, 16 Jun., 1999.

Entrevistas
COELHO, Alexandra Lucas, "No jardim de Sophia", Público, 12 Jun., 1999.
COELHO, Eduardo Prado, "Sophia de Mello Breyer Andresen fala a Eduardo Prado Coelho", ICALP Revista, nº 6, Ago./Dez., 1986.
COIMBRA, Sérgio, Independente, 13 de Out., 1995.
COSTA, Soledade Martinho, Diário de Lisboa, 31 de Jan., 1979.
FRANÇA, Elisabete, Diário de Notícias, 24 de Nov., 1994.
GUERREIRO, António, Expresso, 15 de Jul., 1990.
LEMOS, Vergílio de, Ler, nº 7, Círculo de Leitores, 1989.
LEMOS, Vergílio de, Oceanos, Julho, 1990.
PASSOS, Maria Armanda, Jornal de Letras, 16 de Mar., 1982.
PEREIRA, Miguel Serras, Jornal de Letras, 5 de Fev., 1985.
SIGALHO, Lúcia, Vida Mundial, 31 de Mai., 1989.
SILVA, Sérgio S., Semanário, 7 de Jan., 1989.
TOMÉ, Luís Figueiredo, Diário de Notícias, 20 de Dez., 1987.
VASCONCELOS, José Carlos de, "Sophia: a luz dos versos", Jornal de Letras, 25 deJun., 1991.
ZENITH, Richard, Translation: Portugal, vol. XXV, Primavera, Nova Iorque, 1991.

Na Comunicação Social
"Sophia de Mello Breyner na A.P.E.": "A liberdade, para mim, não é unilateral: abrange o respeito pela liberdade dos próprios inimigos", O Século, 15 de Abr., 1976
"Respeito pelo pluralismo e defesa total da liberdade de criação e expressão", Diário de Notícias, 15 de Abr., 1976.
"O direito à cultura é um direito fundamental.", A Capital, 30 de Abr., 1977.
"Os julgamentos de Moscovo", A Capital, 27 de Jul.,1978.
"Porque apoio Eanes", O Jornal, 28 de Nov., 1981.
"Mário Soares estará sempre onde estiver a liberdade", Revista do Povo, Janeiro, 1986.
"Tenho esperança mas não confiança", Diário de Notícias, 1 de Jan., 1990.
"Falar do que vi", Ler, Círculo de Leitores/Instituto Português do Livro e da Leitura, Ago./Set., 1990.
"Sophia contra o Acordo Ortográfico", Jornal de Letras, 25 de Jun., 1991.
"Naquele Tempo" [sobre Mário Soares], Jornal de Letras, 7 de Dez., 1994.

Outras intervenções
Poesia Sempre I [Antologia de poesia portuguesa seleccionada pela Autora e Alberto de Lacerda] , Lisboa, Livraria Sampedro, 1964.
Poesia Sempre II [Antologia de poesia portuguesa seleccionada pela Autora], Lisboa, Livraria Sampedro, 1964.
[Introdução,] Catálogo da Exposição de Escada, Lisboa, Livraria São Mamede, 1979.
"Sicília", Grande Reportagem, nº 5, Ano II, 2ª série, Publicações Dom Quixote, 1991.
Primeiro Livro de Poesia: Poemas em Língua Portuguesa para a Infância e a Adolescência, ilustrado por Júlio Resende, Lisboa, Caminho, 1991.
[Prefácio], APARÍCIO, João, À Janela de Timor, Lisboa, Caminho, 1997.










O mundo de Sophia é povoado por deuses e não por homens. Por isso, é mais fácil encontrá-lo nos vestígios e nos lugares da civilização grega do que no mundo em que habitamos. Por vezes, esta poesia chega a ser de uma profunda desumanidade:sonhando com a perfeição, o equilíbrio e a harmonia (...) ergue-se para além do mal e da imperfeição que nos são consubstanciais e faz reviver um tempo sem mácula. (...) É aí que a poesia se dá como revelação e como relação com o Todo, como uma espécie de linguagem natural que decorre simbolicamente das coisas. (...) Impossível não sermos tocados pela força bem perceptível desta positividade. Sophia faz-nos sentir o júbilo de uma poesia que avança contra ou à margem do sentido negativo da História (...) e atribui ao poeta a sua missão original de celebração.






António Guerreiro














Entrevista
Maria Maia entrevista Sophia de Mello Breyner Andresen(em Jornal de Poesia, Lisboa, 10 de Maio de 2000)




Maria: Quando estive aqui com o Fernando Mendes Vianna há dois anos, a sra falou um pequeno trecho da Odisseia em grego. Falou de memória


Sophia: Falei em grego? Eu não sei grego, só uns versos.


Maria: Falou alguns versos... a senhora é muito marcada pela visão do mundo grego?


Sophia: Sim, sim, evidentemente.


Maria: Como assim?


Sophia: É natural, não é? É muito parecido. Como na Grécia tem a mesma cor, se come azeitona, figo, azeite. É como a Itália, não? Sabe, nós não sabemos ao certo como nos marcam as coisas que verdadeiramente nos marcaram. É como um amigo que perguntou: como fazer verso?Maria: Não se explica.


Sophia: Eu pelo menos não explico. Só as pessoas que fazem maus versos podem explicar. O que marcou e o que fez verso.Maria: Quando a senhora começou a escrever?


Sophia: Quando comecei escrever eu não sabia escrever. Eu tinha uma pena enorme (rindo ). Eu pedi a minha mãe papel e caneta. Escrevia uma grafia que eu tinha imaginado, imagine você...Uns desenhos de umas letras inventadas por mim. Eu contava em voz alta.


Maria: Muito criança ainda, antes de ser alfabetizada?Sophia: É. Foi. E depois aprendi a ler e a escrever. Comecei a escrever cedo, sim. 14 anos, 12 anos. Primeiro mal, depois melhor, não é?


Maria: E publicou com uns vinte e poucos anos.


Sophia: 23 ou 24, já não lembro mais. Primeiro livro, sim. (pausa. Retoma decidida). Não, publiquei antes. Em revistas e coisas assim. Depois publiquei um livro. Creio que aos 24 anos.


Maria: Isso em 44. O livro Poesias, não é?


Sophia: Poesia. No singular.Maria: Poesia. É. Depois então em 64 ganhou um prémio importante aqui em Portugal.Sophia: Um prémio importante? Sim, foi no ano passado.


Maria: O prémio Camões, no ano passado. Mas em 1964 um livro de poesia da senhora já tinha sido premiado.


Sophia: Sim.


Maria: E sua relação com a poesia brasileira, conheceu poetas brasileiros?Sophia: Bem, eu acho que tive uma relação muito profunda com o João Cabral e com as coisas que ele procurava ( pausa ). Eu não pensava muito nisso. Nuca tive muita teoria. Fui sempre uma pessoa muito antiteórica. Mas encontrei muita coisa. Quando encontrei João Cabral ele disse-me assim: eu tenho muita admiração por si...que é que ele disse? ( pausa) como é que foi que ele disse? (procurando na memória) ...porque você é uma poeta que usa muito substantivo concreto.( ri ). Eu pensei: é? Mas é verdade, não é? Nos encontramos em Sevilha. Nós fomos com uns amigos brasileiros que iam lá convidados pelo João, para a casa dele. E o João disse: por que vocês não vêm e ficam no hotel? E fomos e ficamos num hotel lindo que o João descobriu. Era lindo, era um antigo palácio de uma família sevilhana. Já não existe, sabe? ( dando um trago no cigarro). Já destruíram ( jogando as cinzas no cinzeiro). O turismo é uma desgraça em toda parte do mundo, não é?


Maria: Vai acabando tudo, nivelando, pasteurizando... O encontro com João Cabral foi quando ele era cônsul em Barcelona, não? E a partir daí a senhora entrou em contanto com a poesia brasileira?


Sophia: Não. Eu já tinha lido o Manuel Bandeira. Já tinha lido vários poetas brasileiros. É que nesse tempo havia uma relação muito mais próxima, sabe? Porque o mundo não estava tão confuso como agora. Sai tanto livro. Sai tanta confusão. Agora um poeta se projecta, fala-se de sua obra, não é porque escreveu livros bons. É porque tem uma boa pessoa encarregada de sua propaganda.


Maria: De preparação na mídia, nos jornais. É verdade.


Sophia: Naquele tempo não. Vinha um amigo que dizia assim: - "Li ontem um poeta brasileiro extraordinário". Ele não tinha nada a ver com propaganda alguma. Mas a gente, se queria, lia o livro.


Maria: E a senhora considera importante esta relação entre a poesia portuguesa e brasileira?


Sophia: Bem, eu considero importante a relação entre toda a poesia. A portuguesa com a brasileira é importante, como é importante a relação com a poesia africana. A poesia moçambicana é óptima, não é? Porque são países que falam português. Quer dizer, tem uma experiência de linguagem falada, de uma língua só.


Maria: E agora, ultimamente a senhora fez O Búzio de Cós, o último livro publicado foi O Búzio de Cós. E continua escrevendo?


Sophia: Sim, continuo.


Maria: E o sentido do trágico? A sua poesia é trágica, no sentido grego... A senhora se considera da mesma tradição de Fernando Pessoa?Sophia: Não acho muito parecido com a tradição do Pessoa não. ( pausa longa ) O pessoa é um homem que para escrever renunciou a viver. Isso não se parece comigo nem com o João Cabral, não é?


Maria: A sua é uma poesia de quem vive, não é?


Sophia: Sim. É uma poesia de quem vive.


Maria: A senhora tem um artigo, um ensaio, sobre a Cecília Meirelles.


Sophia: Tenho. Foi o primeiro artigo que fiz na minha vida, não é mesmo? Porque eu não gostava nada de artigos. Mesmo hoje em dia não gosto nada. Mas naquela época eu gostava menos, sabe?


Maria: E por que escreveu sobre a Cecília?


Sophia: Porque havia uma homenagem à Cecília e me convidaram para ir. Então eu fiz o artigo. Correu bem. Houve muita palma na minha intervenção. Mas a Cecília não foi, você sabe? Então aconteceu uma coisa, uma história engraçada. Ela não foi porque tinha uma amiga - agora se pode dizer porque a Cecília já morreu e a amiga também. E a amiga dela era uma mulher feia, fazia muita intriga. E disse à Cecília que éramos comunistas. A Cecília teve medo. Tratou a sério e não veio. Eu fui e também li os poemas dela. Depois ela ficou um bocado escandalizada, não é? Então a Cecília no Natal mandou uma grande caixa com frutos de natal, sabe? Frutas secas, nozes, essas coisas de natal. Você sabe que todos os natais eu ponho na árvore de natal ainda hoje? Mas eu nunca agradeci à Cecília.


Maria: Foi um equívoco que aconteceu entre vocês. Lamentável.


Sophia: (Levantando-se para pegar o segundo cigarro). Foi pateta. Mas é melhor perdoar, não? ( longo silêncio. Sophia levanta-se, pega a carteira de cigarros na mesa em frente ao sofá e leva para o seu escritório, contíguo à sala onde estamos sentadas). Vou guardar para não fumar mais. Fumo muito pouco. Eu tenho muito pouco cigarro. É uma coisa terrível, porque não se vendem cá estes cigarros. Então quando vem um amigo, me traz.


Maria: Ah! Não se vendem aqui em Portugal?


Sophia: É. E também tenho que fumar pouco, não é? Então meus amigos dizem-me assim: - "Eu mando pouco para você fumar pouco." [Espero. Depois de instantes, Sophia retorna com um cigarro, que mantém apagado.]


Maria: A fonte de sua poesia é Portugal, o mundo ou é interior?


Sophia: Daí eu não sei a diferença entre interior e exterior. Eu vejo com os olhos, ouço com os ouvidos, como com os dentes, sinto com o nariz. Quanto a minha poesia, é Portugal, é interior e é exterior. Tenho uma parte intelectual, evidentemente. Tem uma parte de cultura, tem uma parte intelectual. Mas tem uma parte vivida, não é?


Maria: E a senhora teria uma definição para a atitude poética?


Sophia: Não, não é possível.


Maria: É fazer.


Sophia: É.


Maria: E suas fontes, referências dentro da poesia, da tradição poética?


Sophia: ( partindo o cigarro ao meio e me oferecendo metade ) Quer?


Maria: Não.


Sophia: Eu parto aqui ( dividindo um cigarro entre 2/3 e 1/3 ) É que até aqui não se fuma ( apontando a parte do cigarro que, por incluir o filtro, focou maior). Esta parte não se fuma, não é? Se eu partir aqui ( aponta o meio do cigarro ) não fica nada (risos ).


Maria: Eu parei de fumar. Mas de vez em quando fumo um pouquinho.


Sophia (acendendo o meu cigarro e o dela) Estou muito mesquinha hoje. Estou um bocado cansada.


Maria: Quer parar?


Sophia: Não. Daqui mais um quarto de hora.


Maria: Então a senhora estava falando das referências. Eu perguntei sobre as referências poéticas da senhora.


Sophia: ( pausa, Sophia dá uma longa tragada) Pois, o que é que você chama de referências poéticas, ter lido Homero? Ter lido João Cabral?Maria: Sim


Sophia: Eu acho que é muito mal um poeta que só lê o que escreve. Mas há muito poeta assim hoje em dia, não é? Por isso é que a literatura moderna está tão confusa...O texto mais bonito do Saramago é um artigo não muito longo que ele publicou quando teve o prémio. Ele fala da sua relação com o avô quando era pequeno. É muito bonito. É o texto mais nostálgico e mais poético que o Saramago escreveu. É um texto que ele fala da sua própria vida. Ele fala o que os livros não falam ou se falam, falam de uma outra maneira.


Maria: Actualmente em Portugal se faz muita poesia boa?


Sophia: Há poetas bons, sim. António Ramos Rosa é muito bom, e outros bons poetas.


Maria: A senhora considera a língua portuguesa uma língua boa para se tratar de poesia?


Sophia: Eu penso que sim. Porque é uma língua que tem uma grande dificuldade em dizer tudo. Falar com tudo, não é. Não é uma língua estereotipada como é um pouco o francês e o inglês. No inglês há muita coisa compacta. O inglês é muito rico, mas tem que ser num único sentido. Em inglês deve-se começar o verso pela primeira pessoa. Eu sei porque tenho colaborado com escritores que me traduziram. Faz muita diferença. A única língua na qual se pode traduzir bem o poeta português é o italiano. Porque é a mesma organização da frase, não é?Maria: Interessante esta relação da língua portuguesa com outras. Porque também me parece que a língua portuguesa tem possibilidades extraordinárias.


Sophia: Sim, porque tem uma capacidade de dizer, de formar novas palavras.


Maria: Um pouco como o alemão, talvez?
Sophia: É.


Maria: O que é ser poeta hoje? Porque o mundo está tão confuso, tão fragmentário...tem lugar para o poeta hoje?


Sophia: Eu penso que tem, se ele arranja. Evidentemente que é importante que elas encontrem o eco da sua voz. (Toca o telefone, Sophia atende, era engano)


Maria: Este livro aqui foi encontrado entre os escritos de Fernando Pessoa, O que o turista deve ver em Lisboa . Foi encontrado há uns dez anos.


Sophia: Está escrito em que língua?


Maria: Ele foi escrito originalmente em inglês, mas esta edição é bilingue.


Sophia: Ah! Muito bom, muito interessante.


Maria: Porque ele achava que o povo português precisava ser mais respeitado dentro da Europa.


Sophia: Pois acontece uma coisa, sabe? Nós gostamos muito da Espanha, da arte espanhola. E o espanhol tem feitos extraordinários. Mas o espanhol é muito afirmativo, tem a mania de negar o outro. E eles têm feito uma política muito antiportuguesa. E eles atrás dos portugueses descobrindo a mesma coisa que os portugueses já tinham descoberto. E é preciso lembrar que as caravelas portuguesas que iam para os descobrimentos os espanhóis saqueavam na volta e mesmo na ida.


Maria: É também muito curioso que grande parte dos poetas contemporâneos importantes sejam poetas de língua portuguesa, não é? O Fernando Pessoa, a senhora, o Jorge de Sena...Mesmo poetas brasileiros importantes como Jorge de Lima, João Cabral...


Sophia: Você vê como o João Cabral usa a língua portuguesa - ele usa e quer usar - muito como Camões. Aqueles poemas conhecidos do Camões, da Índia, são poemas que brincam muito com a palavra. É muito parecido com o João Cabral.


Maria: E o seu exercício poético é também brincar com as palavras?


Sophia: É, sim. Jogo. Há muita parte de jogo, sim. Eu acho que o melhor momento da escrita do poema é quando as pessoas começam a sentir as palavras moverem-se sozinhas, sabe? E a brincarem umas com as outras. Andar a procura da rima, andar a procura do tempo, a procura da consonância, não é?