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domingo, 1 de fevereiro de 2009

Brasão - o Timbre e Introdução à 2ªparte da Mensagem




BRAZÃO: V- O TIMBRE
- A cabeça do grypho- O INFANTE D.HENRIQUE (1928-09-26)




Em seu throno entre o brilho das espheras,
com seu manto de noite e solidão,
tem aos pés o mar novo e as mortas eras-
-o único imperador que tem, deveras,
o globo mundo em sua mão.




Comentários:
"entre o brilho das esferas"- refere-se ao modelo ptolomaico do Universo, que era o geralmente aceite na época do Infante, e que se baseava num conjunto de esferas concêntricas. Pode, eventualmente, tratar-se alternativamente de uma referência às esferas metálicas que representavam o firmamento..
"o mar novo e as mortas eras"- o mar desvendado e o passado de ignorância e temor do desconhecido.
"o único que tem deveras o globo mundo em sua mão"- os imperadores e alguns reis tomavam como simbolo do poder uma esfera que sustentavam na mão, representando a universalidade do seu estatuto. Só no caso do Infante, diz Pessoa, tal se justificaria!







- Uma asa do grypho- D.JOÃO O SEGUNDO (1928-09-26)


Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra-
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.

Seu formidável vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu
E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.


Comentários:
"parece temer o mundo vário que ele abra os braços e lhe rasgue o véu"- parece temer o mundo perplexo que ele revele os seus mistérios.


- A outra asa do grypho- AFFONSO DE ALBUQUERQUE (1928-09-26)

. De pé, sobre os paízes conquistados
desce os olhos cansados
de ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte,
tam poderoso que não quere o quanto
póde, que o querer tanto
calcára mais do que o submisso mundo
sob o seu passo fundo.
Trez impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Creou-os como quem desdenha.

Introdução à Segunda Parte- MAR PORTUGUÊS

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Introdução a MAR PORTUGUÊS

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A segunda parte de Mensagem tem como epígrafe "POSSESSIO MARIS" (Posse do Mar- escrita em maiúsculas porque o latim não tinha minúsculas) e o seu tema é, não tanto a hegemonia marítima como essa divisa poderia fazer supôr (e muito menos o império baseado nessa hegemonia), mas antes o desvendar do mar ignoto pelo Portugal dos séculos XV e XVI que representa a vitória do querer e da ousadia sobre a ignorância. O medo do desconhecido, uma fabricação do espírito que não tem, realmente, causa palpável, é vencido pela vontade de desvendar a Verdade. Essa vontade, inicialmente um sonho, materializa-se na Descoberta- este é, aliás, o tema do segundo poema do Ciclo: "Horizonte". Fernando Pessoa privilegiava os triunfos do espírito sobre os ganhos materiais e, conscientemente ou não, faz poucas referências ao império físico e nenhuma às riquezas materiais dele derivadas.
Mas então, perguntar-se-á: porque não ter feito de "Horizonte" o primeiro poema de "Mar Português"? É que esta parte de Mensagem é também sobre os homens que levaram a cabo a Grande Obra e o primeiro poema é dedicado àquele que esteve na origem do desvendar dos mares, o Infante D.Henrique. Mas esta dedicação está sobretudo no título ("O Infante") porque o texto é de índole geral e poderia também aplicar-se ao esforço da Raça na época das grandes viagens de descobrimento, ao contrário do poema "O Infante D.Henrique" de Brasão que se refere inequivocamente a um só homem.
Os poemas de "Mar Português" seguem uma ordem aproximadamente cronológica referindo (directa ou indirectamente) o Infante, Diogo Cão, D.JoãoII, ... até ao antepenúltimo poema, que dá o nome ao conjunto, "Mar Português" (geralmente considerado o melhor de Mensagem) que olha em retrospectiva a época das Descobertas e pergunta "Valeu a pena?" oferecendo, como resposta, duas das frase mais célebres de toda a literatura portuguesa; "tudo vale a pena se a alma não é pequena" e "quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor".
No penúltimo poema do ciclo (A Última Nau) a época de ouro é encerrada com o desaparecimento de D.Sebastião que, qual Rei Artur depois da batalha de Camlan, embarca para uma ilha desconhecida, e o poeta transporta-nos subitamente à actualidade em que escreve, interrompendo a narrativa para confiar ao leitor o seu pensamento. Mas a visão de Pessoa atira-nos imediatamente para o futuro, um futuro em que O Desejado regressa para retomar o sonho interrompido de um império universal. A intimidade entre poeta e leitor transforma-se no derradeiro poema do ciclo (Prece) em súplica a Deus a quem pede que reacenda a Alma Lusitana para que de novo "conquistemos a Distância".

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O ciclo poético de "Mar Português" é anterior a "Mensagem", tendo sido publicado pela primeira vez em 1922, e manteve a generalidade do conteúdo com apenas a substituição de um poema e alterações aos títulos de outros e a alguns versos. Compreende 12 poemas, incluindo quatro dos cinco através dos quais a poesia de Fernando Pessoa é realmente conhecida da generalidade dos portugueses: "O Infante", "Padrão", "O Mostrengo" e "Mar Português" (o quinto é "O menino da sua mãe" que não faz parte de "Mensagem"). Vale a pena notar que em todos estes o Poeta utiliza uma linguagem sumamente simples, sem recurso a termos estritamente eruditos. Eis alguns dos meus favoritos desta Parte, com links directos para as respectivas páginas, bem como uma selecção de grandes versos e frases escolhidas que ofereço à vossa atenção:
"O Infante" inclui o famosíssimo início Deus quer, o homem sonha, a obra nasce bem como Cumpriu-se o Mar e, em sequência, Falta cumprir-se Portugal!
"Horizonte" inclui uma sequência de quatro versos cuja sonoridade e imagem que invocam muito me agradam:
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
"Padrão" inclui as frases O esforço é grande e o homem é pequeno, e o mar com fim será grego ou romano; o mar sem fim é português.
"O Mostrengo" é conhecido, não por grandes frases mas pelo ritmo e pela imagem de um timoneiro que combate o pavor de sulcar os mares do fim do mundo com a lembrança múrmura das ordens que lho impõem até que, na última estrofe, vence o terror e se alevanta para gritar ao Medo o desafio de um povo condensado na vontade do seu Rei.
"Ascensão de Vasco da Gama" é notável pela descrição poética do indescritível.
"Mar Português" é O poema de "Mensagem" e é praticamente uma sucessão de grandes frases: Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! ; Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! ; Tudo vale a pena se a alma não é pequena. ; Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. ; e Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.
"A Última Nau" é o primeiro poema de "Mensagem" que se pode designar de místicamente complexo, indiciando um sentido oculto que será precisado na Terceira Parte do Poema. Tem excepcional beleza mas há que lê-lo e relê-lo até começar a saboreá-lo. De notar que este poema constitui o verdadeiro fulcro de Mensagem, concluindo a parte que diz respeito ao Passado, transportando o leitor ao presente e logo à visão do poeta para o futuro de Portugal... e tudo em quatro estrofes!
"Prece" é mais um poema de grande beleza que inclui os versos: Restam-nos hoje, no silêncio hostil, o mar universal e a saudade e Outra vez conquistemos a Distância- do mar ou outra, mas que seja nossa!

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