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terça-feira, 11 de novembro de 2008

As rosas, poema de Ricardo Reis

As Rosas amo dos jardins de Adónis, (hipérbato)
Essas volucres amo, Lídia, rosas, (hipérbato)
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.

A luz para elas é eterna, porque (transporte)
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.

2ª parte – Mais apelativo - sugere a Lídia que faça qualquer coisa

Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente (hipérbato)
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Vocabulário útil:
Volucres – efémeras, que morrem cedo
Inscientes – que desconhecem, não sabem
Jardim de Adónis – diz a mitologia que as rosas do jardim de Adónis não duravam mais que um dia e como nasciam e cresciam com o dia, o dia era a única realidade que conheciam.

Tema: o poeta incita Lídia a viverem juntos como as rosas de Adónis, porque a vida é breve tal como a das rosas. O “pouco que duramos” revela de novo a brevidade da vida, e assim sendo é preferível ter tudo num só dia, viver intensamente um só dia, mas vivê-lo como se ignorássemos que a vida dura um pouco mais.
Nesta ode há inversão na ordem natural das palavras. Colocando alguma ordem no pensamento teríamos:

Lídia, eu amo as rosas volucres dos jardins de Adónis, que no mesmo dia em que nascem também morrem. (1ª estrofe)
A luz para elas é eterna porque quando nascem já o sol nasceu e quando morrem o sol ainda não morreu (2º estrofe)
Façamos o mesmo da nossa vida, Lídia, inscientes como as rosas que duram só um dia, porque a vida é breve (3ª estrofe)

Importante o binómio vida/morte e dia/noite
A vida para as rosas é o dia, a morte a noite
Para o ser humano a vida é o conhecimento (dia) e o não conhecimento (noite)

Prefiro Rosas.... Ricardo Reis

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre

Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.

"Prefiro rosas, meu amor, à pátria, / E antes magnólias amo / Que a glória e a virtude." - Reis demite-se da vida, e prefere as flores à realidade. Não é em vão que Reis clama pelas rosas ao iniciar este poema. As rosas, para os Gregos representam um ideal estético por excelência e opõe-se eficazmente à realidade crua e dolorosa da vida imposta. Estas flores, sobretudo as rosas, são um símbolo da contraposição entre o ideal estético nobre do poeta face à obrigação de viver. Efémeras e belas, as flores não prolongam a dor. Reis prefere as rosas (símbolo do amor), mas ama as magnólias (símbolo da nobreza).
"Logo que a vida me não canse, deixo / Que a vida por mim passe / Logo que eu fique o mesmo." - Marcada indiferença pela vida, um leit motif de Reis ao longo de todas as suas odes. A vida ao passar, deixa-o na margem do rio, do mesmo rio onde ele se senta com Lídia, apenas a observar. Ser alheio, ser estrangeiro é a forma de Reis se proteger da dor, mesmo que assim tenha de se proteger da vida. De notar também aqui os traços clássicos ("Logo que a vida" e "Que a vida").
"Que importa àquele a quem já nada importa / Que um perca e outro vença, /
Se a aurora raia sempre," - o ritmo morto do poema sugere isto mesmo, que Reis está indiferente à vida, às tribulações e movimento, em favor de um "quietismo" assustador, mas ao mesmo tempo mágico e infinito. Para além do homem e das suas preocupações, afinal está o destino e a natureza. Tudo se move e acontece mesmo sem as nossas acções e o egoísmo (de quem vence ou perde) dilui-se no momento.
"Se cada ano com a primavera / As folhas aparecem / E com o Outono cessam?" - eis o reforço do que dizíamos antes. Os ritmos incessantes da natureza. Da primavera (símbolo da renovação) e do Outono (símbolo da negatividade e do fluir do tempo).
"E o resto, as outras coisas que os humanos / Acrescentam à vida, /
Que me aumentam na alma?" - o que os homens acrescentam à vida opõe-se ao que é natural, às flores de gosto clássico. O passar pela vida sem a modificar opõe-se também à mudança, ao que os homens acrescentam à vida.
A interrogação retórica de Reis fica no ar e leva-nos de novo à pátria (em minúsculas, diminuída), à glória e à virtude - "as outras coisas".
"Nada, salvo o desejo de indiferença / E a confiança mole / Na hora fugitiva." - Responde Reis à sua própria interrogação. As coisas da vida trazem-lhe apenas indiferença. Reis espera apenas pela "hora fugitiva", pelo passar do tempo, e fica sereno, sempre igual.
Veja-se agora como é curioso todo o poema. Reis dirige-se a alguém (ao seu amor), mas fala como a um confidente, de maneira calma e solitária. Como se quem o ouvisse não existisse, senão na sua concepção ideal. Até a maneira como o vocativo está intercalado no verso 1 é clássica, fria, formal. Reis fala, mas é como se falasse consigo mesmo, não conseguindo quebrar a barreira que o impede de se encarar o exterior. Esta contemplação, sinal do seu epicurismo, não permite comunicação sincera, nem laços emocionais.
Estilisticamente o poema é constituído por 6 estrofes isomórficas, com um verso decassilábico e dois hexassílabos cada. Os versos são brancos, sem rima, uma marca também de Reis, que lhe advém da influência Horaciana."

"O poema "Prefiro rosas..." de Ricardo Reis, como outros deste heterónimo de Fernando Pessoa, é marcado por temas fortes e constantes da sua obra. Nomeadamente observamos, quase de imediato, a atitude expectante perante a vida, a resignação e a nobreza de espectador perante a realidade que se desenrola perante os seus olhos.
Heterónimo clássico por definição, Reis tem de Pessoa toda a sua disciplina mental, incorporando quase em ícone um classicismo perfeito, quer na forma quer no conteúdo dos seus poemas. Terá surgido a Pessoa como contraposição ao futurismo, representando em teoria uma perfeita imagem do passado no presente - um verdadeiro poeta neoclássico.
Por ser clássico Reis traz uma atitude contemplativa da vida, mas que já não é ingénua como a de Caeiro. Reis é um homem perturbado e a sua aceitação, a sua ataraxia é uma aceitação muito menos pacífica. Por isso podemos dizer que Reis vê na sua atitude perante a vida uma decisão nobre e não apenas uma inevitabilidade, embora esta última perspectiva seja também essencial para o compreender.
Reis sabe que é diferente da Natureza e está revoltado com isso, em vez de, como Caeiro, procurar a proximidade com as coisas. Afasta-se para dentro e encontra nesse afastamento a razão de viver. Austero e contido, ele é - usando palavras de Jacinto do Prado Coelho - civilizado, na beleza do artifício e na prática constante e perfeccionista da Ode.
Esta indiferença, aceitação da vida, recusa do esforço ou do compromisso - tudo isto se encontra nesta Ode.