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segunda-feira, 21 de maio de 2007

Felizmente há Luar - Sttau Monteiro

RESUMO DA OBRA:

1ºACTO

Várias personagens do povo dialogam falando da miséria e opressão em que vivem. Alimentam a esperança de que o General Gomes Freire de Andrade as salve da vida que têm.
Vicente, personagem do povo, diz-lhes que para ele os generais estão todos do lado do poder. Considera Freire de Andrade um “estrangeirado” e perante o 1ºPolícia assume a sua traição face ao povo. A única coisa que ele pretende da vida é ascender socialmente para sair da miséria em que nasceu. Rejeita o seu nascimento e a sua origem humilde.
Os polícias foram incumbidos de levar Vicente à presença de D. Miguel Forjaz. Este está preocupado com a revolta do povo e teme o poder que o General Gomes Freire de Andrade tem sobre o povo. Assim, incumbe Vicente de vigiar a casa do general, prometendo-lhe em troca torná-lo chefe da polícia.
Principal Sousa conversa com D.Miguel e comentam preocupados que as movimentações políticas que se adivinham poderão levá-los a perder poderes e privilégios. Beresford chega e anuncia a ambos uma conjura em Lisboa, segundo informações recebidas pelo capitão Andrade Corvo, ex-maçónico ao serviço da Junta. Os três decidem aniquilar o chefe dos conspiradores.
Morais Sarmento, e Andrade Corvo tentam vencer os escrúpulos de estarem a trair a causa maçónica. D. Miguel pede-lhes que denunciem os chefes da conjura a troco de benesses. Beresford pede-lhes também que tragam uma proclamação contra o rei.
Beresford, Principal Sousa e D.Miguel conversam e é visível :
- o desprezo de Beresford em relação a Portugal, só colabora com a regência a troco de dinheiro.
- D.Miguel chama-lhe mercenário
- Principal Sousa chama-lhe herege.
- Principal Sousa é um hipócrita fascinado pelo poder
- Têm os três receio do General Gomes Freire.

Vicente informa Beresford, Principal Sousa e D.Miguel de que das dez pessoas que entraram em casa de Gomes Freire só conhece sete e de que grande parte dos conspiradores são oficiais mas o povo aguarda a revolta com entusiasmo.
Para Beresford é seu inimigo quem o impede de organizar o exército, quem pensa que o pode substituir e todos aqueles que quiserem retirar-lhe os 16000$00 anuais.
Apesar destas três personagens se odiarem mutuamente, unem-se em torno do mesmo interesse comum: conservar o poder e procurar um bode expiatório para executar. Assim escolhem o General Gomes Freire.



2ºACTO


Manuel representa o papel de mendigo e de nobre ríspido. Num monólogo desta personagem fica o público a saber que o General foi preso e levado para o forte de S.Julião da Barra.
Para o povo,que vive em grande miséria, chegou o momento do desespero e todos sentem que a prisão do General os deixou sem esperança no futuro. A polícia proibe ajuntamentos e obriga o povo a dispersar. Rita diz ao marido, Manuel, que arrombaram as portas de casa do General e que Matilde, sua mulher, ficou a chorar. Pede ao marido que se afaste da política pois prefere morrer de fome do que perdê-lo.
Matilde, num monólogo, manifesta revolta e rancor por considerar a prisão do marido altamente injusta. Gomes Freire lutou sempre pelos valores de valentia, justiça e lealdade, ao contrário da classe política que revela cobardia, injustiça, deslealdade, hipocrisia, desonestidade e materialismo. Sente saudades do passado e da companhia do seu marido e revela desencanto pela vida que viveu. Sente ânimo e força interior para lutar pela libertação do marido.

Sousa Falcão critica a classe dirigente, considerando-a mesquinha e materialista, receosa e insegura. Acha que os políticos concebem um Deus à sua imagem e semelhança.

Matilde vai falar com Beresford e fala-lhe da sua vida:
- em solteira fora criada no meio da natureza, num ambiente pobre mas muito religioso
- casou com Gomes Freire e viveu feliz, com total dedicação. Com ele tomou consciência da opressão que há no mundo.

Matilde pede a Beresford que liberte o marido mas este humilha o general, e acusa-o de, apesar do seu nascimento, defender os interesses do povo. Segundo ele, “a simples existência de certos homens é já um crime”.

O padre informa que será feita uma acção de graças, no Domingo, em todas as paróquias, por alma dos conjurados que pensavam formar um governo revolucionário.
Matilde sente-se revoltada com a indiferença que o povo manifesta face ao facto do marido estar preso.
O 1ºPopular informa que Vicente foi feito chefe da polícia e que quando lhe estendeu a mão levou uma cacetada.
Manuel tem consciência de que o povo foi sempre explorado e que na situação em que vivem não podem fazer nada pelo General a não ser continuar a aceitar moedas dos poderosos. Num gesto simbólico oferece a Matilde uma moeda, “as moedas por que se vende a alma”.
Sousa Falcão, amigo e confidente de Gomes Freire, traz notícias. Diz que não autorizam que ninguém o veja, nem sequer os amigos e parentes. Meteram-no numa masmorra sem comer durante seis dias, ninguém o autoriza a barbear-se nem a escolher um advogado. Indicaram-lhe um que tinha já a seu cargo a defesa de 12 presos.

Matilde vai pedir a D. Miguel a libertação do marido, mesmo sabendo que ele não atenderá o seu pedido. D. Miguel recusa-se a recebê-la. O criado traz o recado de que D. Miguel não recebe “amantes de traidores e amigos dos inimigos de el-rei”.
Matilde vai então pedir a Principal Sousa a libertação do general. Ela acusa-o de ser cúmplice da prisão, condenação e morte do marido. Indiferente, principal Sousa não ouve a voz de Matilde e diz que o General morre por razões de Estado.

Frei Diogo, que acabara de confessar o General tem compaixão de matilde e sente a injustiça que recai sobre o General. Reconforta-a e diz-lhe: “O general pediu-me para a procurar, minha senhora, e para lhe dizer que tem pensado em si constantemente”.
Matilde roga pragas a Principal Sousa, acusando-o de hipócrita e traidor, não cumprindo a sua missão de bispo.
Sousa Falcão informa que os presos vão já a caminho do Campo de Sant’Ana. E que já se viam as fogueiras.
Matilde volta a pedir ao Principal a libertação do marido.
D.Miguel, cheio de rancor, afirma que o cheiro proveniente da execução dos conspiradores permanecerá na memória de todos, durante muitos anos e que, sempre “que pensarem em discutir as nossas ordens lembra-se-ão do cheiro”. Matilde fala com a cruz como símbolo da resignação, misericórdia e salvação.
Sousa Falcão sente remorsos por não estar com Gomes Freire de Andrade pois partilhava das suas opiniões.
Matilde, juntamente com Sousa Falcão contempla pela última vez o marido que em breve será enforcado. Veste uma saia verde que o marido lhe comprara em Paris. O corpo do general arde na fogueira mas o seu espírito vem abraçá-la num adeus derradeiro. Matilde profetiza com o clarão da fogueira o início de uma revolução que porá fim á opressão e à ditadura.
Numa noite em que “felizmente há luar”, o clarão poderá ser visto por todos e todos poderão ver a injustiça que foi feita com o general.

Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro – , esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.

Quem foi Sttau Monteiro?



Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade, acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar. Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo a advocacia por pouco tempo. Parte novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e colabora em várias publicações, destacando-se a revista Almanaque e o suplemento "A Mosca" do Diário de Lisboa, e cria a secção Guidinha no mesmo jornal. Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela Pide após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia.Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968).

A OBRA FELIZMENTE HÁ LUAR

CLASSIFICAÇÃO


Trata-se de uma drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, do modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição.


- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- desfesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denúncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem.

As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
BRECHT ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.
Em "FELIZMENTE HÁ LUAR!", as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para que a "distanciação se concretize".
Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição.
O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a entender de forma clara a mensagem.

LINGUAGEM: natural, viva e maleável; frases em latim com conotação irónica, frases incompletas por hesitação ou interrupção, marcas características do discurso oral e recurso frequente à ironia e sarcasmo.
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinonimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para falar do presente.
o teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influencia de Brecht – DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da historia narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se distanciam da historia narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um olhar crítico para que se aperceber e criticar as injustiças e opressões.

TEMPO
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da acção

ESPAÇO
espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

O TÍTULO
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo momento, representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência e do antipoder. Porém o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma eufórica exclamação
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e percebessem que aquele é o fim ultimo de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações.
Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.

CONTEXTO HISTÓRICO: Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão, a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: GENERAL BERESFORD

Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto é, em 1965, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo.
A peça "Felizmente há luar" é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.



GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade

D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista. prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros);

PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses

BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico

VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender socialmente).

MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos populares; é corajoso.

MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor, como pelo ódio.

SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal Sousa.
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.

MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela liberdade.

LINGUAGEM E ESTILO
Linguagem
- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas das personagens
- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento da condenação e da execução
- frases incompletas por hesitação ou interrupção
- marcas características do discurso oral
- recurso frequente à ironia e sarcasmo

Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia)
Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
TEXTO PRINCIPAL: As falas das personagens
TEXTO SECUNDÁRIO: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que mais tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.
Tempo da História (século XIX – 1817)

- agitação social que levou à revolta liberal - 1820
– conspirações internas;
-revolta contra a presença da Corte no Brasil e influência do exército britânico
- regime absolutista e tirânico
- classes sociais fortemente hierarquizadas
- classes dominantes com medo de perder privilégios
- povo oprimido e resignado
- a “miséria, o medo e a ignorância”
- obscurantismo, mas “felizmente há luar”
- luta contra a opressão do regime absolutista
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria
- perseguições dos agentes de Bereford
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmente que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam
- censura
- severa repressão dos conspiradores
- processos sumários e pena de morte
- execução do General Gomes Freire

Tempo da escrita - 1961
- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial
- regime ditatorial de Salazar
- maior desigualdade entre abastados e pobres
- classes exploradas, com reforço do seu poder
- povo reprimido e explorado
- miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas crença nas mudanças
- luta contra o regime totalitário e ditatorial
- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem
- Perseguições da PIDE
- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam, para colher informações e denunciar
- censura à imprensa
- prisão e duras medidas de repressão e de tortura
- condenação em processos sem provas

Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de Brecht)


Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir "sentir" por "pensar".
Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.

"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista

Felizmente Há Luar! é uma "trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista, interpretando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno Picchio, é retratada a conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que se manifestava contrária à presença inglesa ("Manuel – Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa de Beresford, e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a peça a situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção" britânica, iniciada após a retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de perspectivas para o futuro.
Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes Freire, dos seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que em nome dos seus ideais são sacrificados pela pátria. Conspiradores e traidores para o poder e para as classes dominantes, que sentem os seus privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se num estímulo. A fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os governadores querem que seja dissuasora, torna-se na luz para que os oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a tirania dos governantes: ("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! / Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente – felizmente há luar!").

OS SÍMBOLOS:

Saia verde
: A saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa terra de liberdade: Paris. , no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. "alegria no reencontro"; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e dos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por D.Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo se revolte).
A luz – como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a esperança num momento trágico.
Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo
Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periodicidade. A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a força extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar.
O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e liberdade.
Moeda de cinco reis – símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.
Tambores – símbolo da repressão sempre presente.

Carácter interpretativo e simbólico
A saia verde
" A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito").
" A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso, envolvente e refrescante.
O título/a luz/a noite/o luar
O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das personagens:
D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro…"Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se pretendia exemplar. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!"Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão "felizmente há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens:
As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam, paradoxalmente, o lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade" (a Inquisição considerava a fogueira como fonte e forma de purificação);
Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor pretendido será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
A fogueira/o lume
Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz triste" (segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…Para nós, a noite ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir também um carácter de profecia e de esperança: "É por pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…". Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar.A linguagem em Felizmente Há Luar! é…Natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas personagens;Uso de frases em latim, com conotação irónica, por aparecerem aquando da condenação e da execução;
Frases incompletas por hesitação ou interrupção;
Marcas características do discurso oral;
Recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.

A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em oposição à luz ("Desaparece o clarão da fogueira."); no entanto, a escuridão não é total, porque "felizmente há luar".