Mostrar mensagens com a etiqueta memorial do convento. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta memorial do convento. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 29 de abril de 2014

José Saramago - Memorial do Convento. Grandes Livros.m4v

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Memorial do Convento


FICHA DE AVALIAÇÃO SOBRE A OBRA  "MEMORIAL DO CONVENTO"


I
A
Leia o texto com atenção e responda às questões que se seguem.


“Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-o o nimbo da inspiração, E se aumentássemos para duzentos frades o convento de Mafra, quem diz duzentos, diz quinhentos, diz mil, estou que seria uma acção de não menor grandeza que a basílica que não pode haver. O arquitecto ponderou, Mil frades, quinhentos frades, é muito frade, majestade, acabávamos por ter de fazer uma igreja tão grande como a de Roma, para lá poderem caber todos, Então, quantos, Digamos trezentos, e mesmo assim já vai ser pequena para eles a basílica que desenhei e está a ser construída, com muitos vagares, se me é permitido o reparo, Sejam trezentos, não se discute mais, é esta a minha vontade, Assim se fará, dando vossa majestade as necessárias ordens.
Foram dadas. (…) D. João V levantou-se da sua cadeira, beijou a mão do provincial, humildando o poder da terra ao poder do céu, e quando se tornou a sentar repetiu-se-lhe o halo em redor da cabeça, se este rei não se cautela acaba santo.
Retirou-se rasando vénias João Frederico Ludovice para ir reformar os desenhos, recolheu-se o provincial[1] à província para ordenar os actos congratulatórios adequados e dar a boa nova, ficou o rei, que está em sua casa, agora esperando que regresse o almoxarife[2] que foi pelos livros da escrituração, e quando ele volta pergunta-lhe, depois de colocados sobre a mesa os enormes in-fólios[3], Então diz-me lá como estamos de deve e haver. O guarda-livros leva a mão ao queixo parecendo que vai entrar em meditação profunda, abre um dos livros como para citar uma decisiva verba, mas emenda ambos os movimentos e contenta-se com dizer, Saiba vossa majestade de que, haver, havemos cada vez menos, e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me disseste o mesmo, E também o outro mês, e o ano que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade, Está longe daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, outro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos, Se vossa majestade me perdoa a o atrevimento, eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos, Mas, graças sejam dadas a Deus, o dinheiro não tem faltado, Pois não, e a minha experiência contabilística lembra-me todos os dias que o pior pobre é aquele a quem o dinheiro não falta, isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo, entra-lhe o dinheiro pela boca e sai-lhe pelo cu, com perdão de vossa majestade, Ah, ah, ah, riu o rei, essa tem muita graça, sim senhor, queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda, e eu estou em muito boa posição para o saber, de cócoras, que é como sempre deve estar quem faz as contas do dinheiro dos outros. Este diálogo é falso, apócrifo[4], calunioso, e também profundamente imoral, não respeita o trono nem o altar, pões um rei e um tesoureiro a falar como arrieiros em taberna, só faltava que os rodeassem inflamâncias de maritornes[5], seria um desbocamento completo, porém, isto que se leu é somente a tradução moderna do português de sempre, posto o que disse o rei, A partir de hoje, passas a receber vencimento dobrado para que te não custe tanto fazer força, Beijo as mãos de vossa majestade, respondeu o guarda-livros.”
José Saramago, Memorial do Convento

1. Indica as características da personalidade do rei presentes neste excerto, exemplificando com elementos textuais.

2. Explica, por palavras tuas, o sentido das expressões sublinhadas no contexto em que estão inseridas:
· “(…) ainda acabamos por ver o fundo ao saco(…)”
· “(…) isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo (..)”

3. A complexidade do estatuto do narrador de Memorial do Convento está bem presente nesta passagem da obra.
3.1. Aponta dois momentos em que o narrador utiliza um tom irónico em relação ao rei.
3.2. Sinaliza as passagens em que o narrador, assumindo a sua omnisciência, reflecte sobre a sua própria escrita.

4. Como sabes, o verbo haver, conforme o seu significado, pode empregar-se em todas as pessoas ou apenas na 3ª pessoa do singular.

4.1. Indica em qual das frases o verbo haver está na pessoa errada:

a. O rei entedia que eles haviam de construir um convento maior.
b. A gastar daquele modo, eles haverão de ver o fundo ao saco.
c. Foram muitos os governantes que se houveram com o mesmo problema.
d. O dinheiro não era problema, pois haviam dois sacos aonde ir buscá-lo.
e. Havia já alguns anos que as dívidas iam aumentando.

B
Pela leitura que fizeste de Memorial do Convento, comenta, num texto de sessenta a oitenta palavras, a relação amorosa de Baltasar e Blimunda por oposição à que o rei e a rainha mantêm.


II
A. Lê o texto que se segue e selecciona a alínea correcta para cada questão:

“Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando (…). A estranheza do título justifica uma explicação, para que ele não passe como um mero exercício de estilo.
Quando era pequeno — muito pequeno, talvez oito ou dez anos — lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, havia uma índia muito bonita — uma “squaw”, na literatura do Far-West — que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: “não te deixarei morrer, David Crockett!”
Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: “não te deixarei morrer, David Crockett!” E, não só por isso, eu sobreviria a todos os combates. Banal, elementar.
Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre. (…)”

Miguel Sousa Tavares, Não Te Deixarei Morrer, David Crockett

Selecciona a opção correcta para cada questão.

1. Com a afirmação “esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre”, o autor quer dizer que

a. se sentia marcado para toda a vida por aquela frase e aquela cena.
b. transportava consigo, sempre que viajava, um livro de David Crockett.
c. se lembrava daquela frase e daquela cena sempre que viajava.
d. tinha aquela frase gravada na pasta que usava em viagem.

2. Na frase iniciada por “Foi aí que” , o autor assinala o momento em que

a. leu a história aventurosa e acidentada do desbravador David Crockett.
b. tomou consciência de que David Crockett era o símbolo da sua infância.
c. sentiu a necessidade de preservar na memória o herói David Crockett.
d. julgou que era David Crockett, o mítico combatente de Forte Álamo.

3. A perífrase verbal em “e ao longo dos últimos anos fui publicando” traduz uma acção

a. momentânea, no passado.
b. repetida, do passado ao presente.
c. apenas começada, no passado.
d. posta em prática, no momento.

4. A locução “para que” permite estabelecer na frase uma relação de
a. causalidade.
b. completamento.
c. finalidade.
d. retoma.

5. O uso do travessão duplo justifica-se pela necessidade de

a. destacar uma explicitação.
b. registar falas em discurso directo.
c. marcar alteração de interlocutor.
d. sinalizar uma conclusão.

6. O uso repetido do nome “David Crockett”

a. constitui um mecanismo de coesão lexical.
b. assegura a progressão temática.
c. constitui um processo retórico.
d. assegura a coesão interfrásica do texto.

7. Assinala se as afirmações são verdadeiras (V) ou falsas (F):

a. O segmento textual “Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando” constitui um acto ilocutório directivo.
b. O constituinte “inconsciente” em “Nessa história, o David Crockett (…) ficava inconsciente” desempenha, na frase, a função de predicativo do sujeito.
c. Os vocábulos “batalha” e “combates” mantêm entre si uma relação de antonímia.
d. O antecedente do pronome relativo “que” é “uma índia muito bonita” .
e. Em “molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma”, as formas verbais “molhando”, “tratando” e “vigiando” traduzem o modo continuado como a índia cuidava de David Crockett.
f. Na frase “ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro” ,os adjectivos têm um valor restritivo.
g. Em “não te deixarei morrer, David Crockett” ,“te” e “David Crockett” são referências deícticas pessoais.
h. Na frase “preservei-as à luz do seu significado mais óbvio” , o referente de “as” é “esta frase e esta cena” i. A frase “que vigiaria o meu sono” é subordinada relativa restritiva.
j. O conector “Porém” introduz uma relação de oposição entre o que anteriormente foi dito e a ideia exposta posteriormente.


III
Selecciona apenas uma hipótese e constrói um texto coerente entre cento e cinquenta e duzentas palavras:

a. Reflecte sobre os malefícios da televisão e da vida sedentária.

b. Elabora um texto onde tenhas em conta as alterações climáticas, o aquecimento global, as tuas preocupações ambientais e o que fazes para melhorar o mundo.

c. Considera, no romance Memorial do Convento, de José Saramago, a relação entre o título e o conteúdo e refere a importância que o aspecto mencionado assume no universo da obra.



Notas de rodapé:
[1] Superior religioso de uma província eclesiástica
[2] Tesoureiro da casa real.
[3] Livro ou volume com formato de folha de impressão dobrada ao meio.
[4] Não autêntico
[5] “Maritornes”- personagem de D. Quixote, criada asturiana numa hospedaria, bem feita de corpo, mas feia e ordinária; “inflamâncias”- exaltações, entusiasmos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Dimensão simbólica das personagens em O Memorial do Convento

A Dimensão Simbólica das Personagens






Em Memorial do Convento há dois grupos antagónicos de personagens: a classe opressora, representada pela aristocracia e alto clero, e os oprimidos, o povo. No primeiro grupo destaca-se a actuação do Rei, enquanto que no segundo, além de Baltasar e Blimunda, se integram o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, perseguido pela Inquisição, pela modernidade do seu espírito científico, e Domenico Scarlatti que, pela liberdade de espírito e pelo poder subversivo da sua música, é uma figura incómoda para o Poder. É ainda importante referir que, em Memorial do Convento, as personagens históricas convivem com as fictícias, conduzindo à fusão entre realidade e ficção.

D. João V

Rei de Portugal de 1706 a 1750, desempenha o papel de monarca de setecentos que quer deixar como marca do seu reinado uma obra grandiosa e magnificente - o Convento de Mafra. Este é construído sob o pretexto de que cumpre uma promessa feita ao clero, classe que "santifica" e justifica o seu poder.
É símbolo do monarca absoluto, vaidoso, megalómano, egocêntrico, e mantém com a rainha apenas uma relação de "cumprimento do dever" e, em alguns momentos, pretende ser um déspota esclarecido, à semelhança dos monarcas europeus da sua época (favorece, durante algum tempo, o projecto do padre Bartolomeu de Gusmão e contrata Domenico Scarlatti para ensinar música a sua filha, a infanta Maria Bárbara). Dado aos prazeres da carne e a destemperos vários (teve muitos bastardos e a sua amante favorita era a Madre Pauta do Convento de Odivelas). Sacrificou todos os homens válidos e a riqueza do país na construção do convento.

Maria Ana Josefa
De origem austríaca, a rainha, surge como uma pobre mulher cuja única missão é dar herdeiros ao rei para glória do reino e alegria de todos. É símbolo do papel da mulher da época: submissa, simples procriadora, objecto da vontade masculina.

Baltasar Sete-Sóis
Baltasar Mateus, de alcunha Sete-Sóis, deixa o exército depois de ter ficado maneta em combate contra os espanhóis, conhece Blimunda em Lisboa, e com ela partilha a vida e os sonhos. De ex-soldado passa a açougueiro em Lisboa e, posteriormente, integra a legião de operários das obras do convento. A sua tarefa máxima vai ser a construção da passarola, idealizada pelo padre Bartolomeu de Gusmão, passando a ser o garante da continuidade do projecto, quando o padre Bartolomeu desaparece em Espanha.

Baltasar acaba por se constituir como a personagem principal do romance, sendo quase "divinizado" pela construção da passarola: "maneta é Deus, e fez o universo. (...) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar. " (p. 69) - diz o padre Bartolomeu a propósito do seu companheiro de sonhos. Após a morte do padre, Baltasar ocupa-se da passarola e, um dia, num descuido, desaparece com ela nos céus. Só é reencontrado, nove anos depois, em Lisboa, a ser queimado no último auto-de-fé realizado em Portugal.

O simbolismo desta personagem é evidente, a começar pelo seu nome: sete é um número mágico, aponta para uma totalidade (sete dias da criação do mundo, sete dias da semana, sete cores do arco-íris, sete pecados mortais, sete virtudes); o Sol é o símbolo da vida, da força, do poder do conhecimento, daí que a morte de Baltasar no fogo da Inquisição signifique, também, o regresso às trevas, a negação do progresso. Baltasar transcende, então, a imagem do povo oprimido e espezinhado, sendo o seu percurso marcado por uma aura de magia, presente na relação amorosa com Blimunda, na afinidade de "saberes" com o padre Bartolomeu e no trabalho de construção da passarola.

Baltasar é uma das personagens mais bem conseguidas de todo o romance porque descrever a ambição de um rei, as intrigas duns frades e a loucura de um cientista é relativamente fácil, mas escolher uma personagem do povo, maneta e vagabunda, que aparentemente não tem muito para dizer e convertê-la no fio condutor da narrativa e no protagonista duma das mais belas e sentidas histórias de amor, é algo que só conseguem autores como Cervantes, que de um criado como Sancho Pança criou um arquétipo e um digno "antagonista" de Dom Quixote.

Baltasar é um homem simples, elementar, fiel, terno e maneta, que confina a capacidade de surpresa com a resignação típica das pessoas humildes de coração e de condição. Aceita a vida que lhe foi dado viver e a mulher que o destino lhe ofereceu, sem assombro nem protestos; acata as suas circunstâncias e não tem medo nem do trabalho nem da morte. Não é um herói nem um anti-herói, é simplesmente um homem.

Blimunda de Jesus
Blimunda de Jesus é "baptizada" de Sete-Luas pelo padre Bartolomeu de Gusmão ("Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, (...) Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um" - pág. 94).

Conhece Baltasar quando assiste à partida de sua mãe, acusada de feitiçaria, para o degredo. Logo os dois se apaixonam, e este amor puro e verdadeiro foge às convenções, subvertendo a moral tradicional e entrando no domínio do maravilhoso - cf. primeira noite de amor (pp. 56-57).

Blimunda tem um dom: vê o interior das pessoas quando está em jejum, herdou da mãe um "outro saber" e integra-se no projecto da passarola, porque, para o engenho voar, era preciso "prender" vontades, coisa que só Blimunda, com o seu poder mágico, era capaz de fazer. Blimunda é, simultaneamente, uma personagem que releva o domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de ver "o interior" das pessoas (poder que nunca exerce sobre Baltasar: "Nunca te olharei por dentro" - p. 57), porque amar alguém é aceitá-lo sem reservas. Blimunda encerra uma dimensão trágica na vivência da morte de Baltasar.

Simbolicamente, o nome da personagem acaba por funcionar como uma espécie de reverso do de Baltasar. Para além da presença do sete, Sol e Lua completam-se: são a luz e a sombra que compõem o dia - Baltasar e Blimunda são, pelo amor que os une, um só. A relação entre os dois é também subversiva, porque não existe casamento oficial e porque os dois têm os mesmos direitos, facto inverosímil em pleno século XVIII.

Como outras personagens femininas de Saramago, também Blimunda tem uma grande firmeza interior, uma forma de oferecer-se em silêncio e de aceitar a vida e os seus desígnios sem orgulho nem submissão, com a naturalidade de quem sabe onde está e para quê.

Glória Hervás Fernandez, in Uma leitura espanhola de Memorial do Convento de José Saramago, in revista Palavras, n.º 21, Primavera de 2002.

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
O padre Bartolomeu, personagem real da História, forma com Baltasar e Blimunda o núcleo mágico e trágico do romance. Vive com uma obsessão, construir a máquina de voar, o que o leva a encetar uma investigação científica na Holanda. Como cientista ignora os fanatismos religiosos da época e questiona todos os principias dogmáticos da Igreja. O seu sonho de voar e as suas inabaláveis certezas científicas revelam orgulho, "ambição de elevar-se um dia no ar, onde até agora só subiram Cristo, a Virgem e alguns santos eleitos" e tornam-no persona non grata para a Inquisição que o acusa de bruxaria, obrigando-o a fugir para Espanha e a deixar o seu sonho/projecto nas mãos de Baltasar.

A sua obsessão de voar domina-o de tal forma, que ele não se inibe de integrar no seu projecto um casal não abençoado pela Igreja e de aceitar e usufruir das capacidades heréticas de Blimunda, que farão a passarola voar. A passarola, símbolo da concretização do sonho de um visionário, funciona de uma forma antagónica ao longo da narrativa: é ela que une Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu, mas também é ela que vai acabar por separá-los.


Domenico Scarlatti

Artista estrangeiro contratado por D. João V para iniciar a infanta Maria Bárbara na arte musical. O poder curativo da sua música liberta Blimunda da sua estranha doença, permitindo-lhe cumprir a sua tarefa ("Durante uma semana (...) o músico foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para levantar-se, sentava-se ao pé do Cravo, pálida ainda, rodeada de música como se mergulhasse num profundo mar, (...) Depois, a saúde voltou depressa" - pp. 191-2).

Scarlatti é cúmplice silencioso do projecto da passarola ("Saiu o músico a visitar o convento e viu Blimunda, disfarçou um, o outro disfarçou, que em Mafra não haveria morador que não estranhasse, e (...) fizesse logo seus juízos muito duvidosos" p. 231).

É, ainda, Scarlatti que dá a notícia a Baltasar e Blimunda da morte do padre Bartolomeu. A música do cravo de Scarlatti simboliza o ultrapassar, por parte do homem, de uma materialidade excessiva, e o atingir da plenitude da vida.

Bartolomeu de Gusmão, esse, aliado em diálogo excepcional com o músico Scarlatti, o único que pode de raiz compreender as suas congeminações aladas, representa a possibilidade de articulação entre a cultura e o humano, entre o saber e o sonho, entre o conhecimento e o desejo (...) São os caminhos da ficção os que mais justificadamente conduzem ao encontro da verdade.

Maria Alzira Seixo, in O Essencial sobre José Saramago, INCM.

Relações amorosas em Memorial do Convento

Espaço e Personagens em Memorial do Convento

Espaço
Evocação de dois espaços principais determinantes no desenrolar da acção: Mafra e Lisboa.

Mafra: passa da vila velha e do antigo castelo nas proximidades da Igreja de Santo André para a vila nova em cujas imediações se vai construir o convento. A vila nova cria-se justamente por causa da construção do convento.

Lisboa: descrevem-se vários espaços dos quais se destacam o Terreiro do Paço, o Rossio e S. Sebastião da Pedreira.

Portugal beneficiava da riqueza proveniente do ouro do Brasil. D. João V em decreto de 26 de Novembro de 1711 autorizou que se fundasse, na vila de Mafra, um convento dedicado a Santo António e pertencente à Província dos Capuchos Arrábidos.

Ludwig, arquitecto alemão, estava em Lisboa, em 1700, contratado como decorador-ourives, pelos Jesuítas. Foi a ele que entregaram o projecto do Mosteiro, destinado a albergar 300 frades. A traça do edifício terá sido executada por volta de 1714-1715 ao passo que a igreja, avançada ate ao zimbório, foi sagrada em 1730. Outras dependências foram construídas para além da igreja: portaria, refeitório, enfermaria, cozinha, claustros, biblioteca.

Terreiro do Paço: local onde primeiramente trabalha Baltasar na sua chegada a Lisboa, descrição pormenorizada e sugestiva da procissão do Corpo de Deus, em Junho. É um espaço fulgurante de vida, com grande importância no contexto da sociedade lisboeta da época.

Rossio: surge no início da obra, relacionado com o auto-de-fé que aí se realiza. A reconstituição do auto-de-fé é fidedigna, a cerimónia tinha por base as sentenças proferidas pelo Tribunal do Santo Ofício e nela figuravam não só reconciliados, mas também relaxados, aqueles que eram entregues à justiça secular para a execução da pena de morte. O dia da publicação do auto era festivo, segundo se pode constatar das defesas efectuadas. A procissão propriamente dita saía na manhã de domingo da sede do Santo Ofício e percorria a cidade de Lisboa antes de chegar ao local da leitura das sentenças, numa das praças centrais. À frente seguiam os frades de S. Domingos com o pendão da Inquisição. Atrás destes os penitentes por ordem de gravidade das culpas, cada um ladeado por dois guardas. Depois, os condenados à morte, acompanhados por frades, seguidos das estátuas dos que iam ser queimados em efígie. Finalmente os altos dignitários da Inquisição, precedendo o Inquisidor-Geral. A sorte dos réus vinha estampada nos sambenitos (hábito em forma de saco, de baeta amarela e vermelha que se vestia aos penitentes dos autos-de-fé) para que a compacta multidão que se aglomerava soubesse o destino dos condenados.

S. Sebastião da Pedreira: local mágico ao qual só acedem o padre, Bartolomeu Lourenço, o Voador, Baltasar e Blimunda. É lá que se encontra a máquina voadora que está a ser construída em simultâneo com o Convento de Mafra. A passarola insere-se na narrativa como um mito, do qual o homem depende para viver, mito proibido mas que se evidenciará e se deixará ver pelo voo espectacular que se realizará, mostrando que ao homem nada é impossível e que a vida é uma grande aventura. S. Sebastião da Pedreira era, àquele tempo, um espaço rural, onde não faltavam fontes, terras de olival, burros, noras, e onde se situava a quinta abandonada. Ali irão as personagens, variadíssimas vezes e pelas razões mais diversas.

Personagens
D. João V: proclamado rei a 1 de Janeiro de 1707, casou, no ano seguinte, com a princesa Maria Ana de Aústria e vive um dos mais longos reinados da nossa história. Surge na obra só pela sua promessa de erguer um convento se tivesse um filho varão do seu casamento. O casal real cumpre, no início da obra, com artificialismo, os rituais de acasalamento. O autor escreverá o memorial para resgatar o papel dos oprimidos que o construíram. Rei e rainha são representantes do poder, da ordem e da repressão absolutista.

Baltasar e Blimunda: são o casal que, simbolicamente, guardará os segredos dos infelizes, dos humilhados, dos condenados, enfim, dos oprimidos. Conhecem-se durante um auto-de-fé, levado a cabo pela Inquisição, o de 26 de Julho de 1711 e não mais deixam de se amar. Vivem um amor sem regras, natural e instintivo, entregando-se a jogos eróticos. A plenitude do amor é sentida no momento em que se amam e a procriação não é sonho que os atormente como sucede com os reis.

Blimunda: com poderes que a tornavam conhecedora dos outros nos seus bens e nos seus males, recusando-se, no entanto, a olhar Baltasar por dentro. Vai ser ela quem, com Baltasar, guardará a passarola quando o padre Bartolomeu vai para Espanha onde, afinal, acabará por morrer. Ela e Baltasar sentir-se-ão obrigados a guardá-la como sua, quando, após uma aventura voadora, conseguira aterrar na serra do Barregudo, não longe de Monte Junto, perdido o rasto do padre que desaparecera como fumo. Quando voltaram a Mafra, dois dias depois, todos achavam que tinha voado sobre as obras da basílica o Espírito Santo e fizeram uma procissão de agradecimento. Começaram a voltar ao local onde a passarola dormia para cuidar dela, remendá-la, compô-la e limpá-la.

Um dia Baltasar foi verificar os efeitos do tempo na passarola mas Blimunda não o acompanhou e ele não voltou. Procurou-o durante 9 anos, infeliz de saudade, na sua sétima passagem por Lisboa encontrou-o entre os supliciados da Inquisição, a arder numa das fogueiras, disse-lhe "Vem" e a vontade dele não subiu para as estrelas pois pertencia à terra e a Blimunda.

Povo: todos os anónimos que construíram a História são representados através daqueles a quem o autor dá nome: Alcino, Brás, Nicanor, etc.

Padre Bartolomeu de Gusmão: tem por alcunha O Voador, gosto pelas viagens, estrangeirado, a ciência era, para ele, a preocupação verdadeiramente nobre. O rei mostra-se muito empenhado no progresso do seu invento. A populaça troça dele, Baltasar e Blimunda serão ouvintes atentos das suas histórias e sermões. A amizade destes dois seres, simples, enigmáticos, mas verdadeiros protagonistas do Memorial, é tão valiosa para o padre como necessária à representatividade da obra como símbolo de solidariedade e beleza em dicotomia com egoísmo e poder.

Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço formam um trio que vai pôr em prática o sonho de voar. Assim, o trabalho físico e artesanal, de Baltasar, liga-se à capacidade mágica de Blimunda e aos conhecimentos científicos do padre. Todos partilham do entusiasmo na construção da passarola, aos quais se junta um quarto elemento, o músico Domenico Scarlatti, que passa a tocar enquanto os outros trabalham. O saber artístico junta-se aos outros saberes e todos corporizam o sonho de voar.

Scarlatti: veio como professor do irmão de D. João V, o infante D. António, passando depois a ser professor da infanta D. Maria Bárbara. Exerceu as funções de mestre-de-capela e professor da casa real de 1720 a 1729, tendo escrito inúmeras peças musicais durante esse tempo. No contexto do romance, para além do seu contributo na construção da passarola é determinante na cura da doença de Blimunda; durante uma semana tocou cravo para ela, até ela ter forças para se levantar.

Crítica da guerra: absurda, sacrifica homens em nome de um interesse que lhes é completamente estranho e abandona-os à sua sorte quando doentes ou estropiados.

José Saramago: Memorial do Convento

Resumo
Capítulo I
Já há dois anos que D. João V está casado com D. Maria e até agora ela ainda não engravidou. A rainha reza novenas e, duas vezes por semana, recebe o rei nos seus aposentos. Quando ambos se casaram, o rei dormia com a rainha todos os dias, mas devido ao cobertor de penas que ela trouxe da Áustria e porque com o passar do tempo, os odores de ambos faziam com que o cobertor ficasse com um cheiro insuportável, o rei deixou de dormir com a rainha.

El-rei está a montar em puzzle a Basílica de S. Pedro de Roma para se distrair e porque gosta. Mas a rainha está á espera do rei para que ele cumpra o seu dever conjugal. E para os aposentos da rainha o rei se dirige, mas entretanto chegou ao castelo D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor, e traz consigo um franciscano velho. Afirma o bispo que o frei António de S. José assegurou que se o rei se dignasse a construir um convento em Mafra, teria descendência. Enquanto isso, a rainha conversa com a marquesa de Unhão, rezam jaculatórias e proferem nomes de santos.

Após a saída do bispo e do frei, o rei anuncia-se e, consumado o acto, D. Maria tem que "guardar o choco", a conselho dos médicos e murmura orações, pedindo ao menos um filho que seja. D. Maria sonha com o infante D. Francisco, seu cunhado e dorme em paz, adormecida, invisível sob a montanha de penas, enquanto os percevejos começam a sair das fendas, dos refegos, e se deixam cair do alto dossel, assim tornando mais rápida a viagem. D João também sonhará esta noite, nos seus aposentos. Sonhará com o filho que poderá advir da promessa da construção do convento de Mafra.

Capítulo II
Se a concepção da rainha ocorresse, seria vista como mais um entre os vários milagres tradicionalmente relacionados à ordem de São Francisco. Diz-se, por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto, conservara o seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande quantidade de devotos para a sua igreja. Noutra ocasião, a imagem de Santo António, que vigiava uma igreja franciscana, locomovera-se até à janela, onde ladrões tentavam entrar, pregando-lhes assim um grande susto. Este caíra ao chão, tendo sido socorrido por fiéis, onde acabou por se recuperar. Outro caso, é o do furto de três lâmpadas de prata do convento de S. Francisco de Xabregas no qual entraram gatunos pela clarabóia e, passando junto à capela de Santo António, nada ali roubaram. Entrando na igreja, os frades deram com ele às escuras, e verificaram que não era o azeite que faltava, mas as lâmpadas que haviam sido levadas; os religiosos ainda puderam ver as correntes de onde pendiam as lâmpadas se balançando e saíram em patrulhas pelas estradas, atrás dos ladrões. E então, desconfiados de que os ladrões pudessem estar ainda escondidos na igreja, deram a volta, percorreram-na e só então, viram que no altar de Santo António, rico em prata, nada havia sido mexido. O frade, inflamado pelo zelo, culpou Santo António por ter deixado ali passar alguém, sem que nada lhe tirasse, e ir roubar ao altar-mor: O frade deixou que o Menino "como fiador", até que o santo se dignasse a devolver as lâmpadas. Dormiram os frades, alguns temerosos que o santo se desforrasse do insulto... Na manhã seguinte, apareceu na portaria do convento um estudante que, querendo falar ao prelado (bispo), revelou estarem as lâmpadas no Mosteiro da Cotovia, dos padres da Companhia de Jesus. Desta forma, faz-nos desconfiar que o tal estudante, apesar de querer ser padre, fora o autor do furto e que, arrependido, deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem de as devolver pessoalmente. Voltaram as lâmpadas a S. Francisco de Xabregas, e o responsável não foi descoberto.

De referir, que o narrador volta ao caso do frei António de S. José, e faz-nos de novo desconfiar de que o frei, através do confessor de D. Maria Ana, tinha sabido da gravidez da rainha muito antes do rei.

Capítulo III
Passado o "Entrudo", como de costume, durante a Quaresma as ruas encheram-se de gente que fazia cada uma as suas penitências. Segundo a tradição, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos. Porém, D. Maria Ana não podia gozar dessas liberdades pois, além de ser rainha, agora estava grávida. Assim, tendo ido para a cama cedo, consolou-se em sonhar outra vez com D. Francisco, seu cunhado. Passada a Quaresma, todas as mulheres retornaram para a reclusão das suas casas.

Capítulo IV
Baltasar regressa a Lisboa, vindo da guerra, onde perdeu a mão esquerda numa batalha contra Espanha, para decidir a quem pertencia o trono espanhol. Ao voltar a Lisboa traz consigo os ferros que mandara fazer para substituir a mão que perdera na guerra. A caminho de Lisboa Baltasar mata um homem de dois que o tentaram assaltar. Não sabia se ficaria em Lisboa ou se seguiria para Mafra onde estavam os seus pais, enquanto não se decide vagueia pelas ruas da capital, onde conhece João Elvas, que também fora soldado, com quem passa a noite junto de outros mendigos num telheiro abandonado. Antes de dormirem todos contaram histórias de assassinatos e mortes que ocorreram na cidade, as quais compararam com mortes que alguns presenciaram na guerra.

Capítulo V
D. Maria Ana está de luto pela morte do seu irmão José, imperador da Áustria. Apesar de o rei ter declarado luto, a cidade está alegre, pois vai haver um auto-de-fé. É domingo e os moradores gostam de ver as torturas impostas aos condenados. O rei não irá participar na festa mas jantará na inquisição juntamente com os irmãos, infantes e a rainha. Mesa recheada de comida, o rei não bebe, dando o exemplo.

Nas ruas o povo furioso grita impropérios aos condenados e as mulheres nas varandas guincham dizendo que a procissão é uma serpente enorme. Entre este mar de gente encontra-se Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda, procurando sua filha. Sebastiana imaginava que Blimunda estaria também condenada a degredo. Acaba por ver a filha entre as pessoas que acompanham o auto, mas sabe que ela não poderá falar-lhe, sob pena de condenação. Blimunda acompanha o padre Bartolomeu Lourenço. Perto dela está um homem, Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, a quem ela se dirige e cujo nome procura saber. Voltando a sua casa, Blimunda leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém conhecido também possa entrar. Jantaram... Antes de sair o padre deitou a bênção em tudo o que cercava o casal. Blimunda convida Baltasar para que fique morando na sua casa, pelo menos até que ele tivesse que voltar a Mafra. Deitaram-se, Blimunda era virgem e entrega-se a ele. Com o sangue escorrido ela desenhou uma cruz no peito de Baltasar. No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, sem abrir os olhos, come um pedaço de pão e promete a Baltasar que nunca o olharia "por dentro".

Capítulo VI
Este capítulo começa com Baltasar Sete-Sóis a realçar a importância do pão para os portugueses e o facto dos estrangeiros que vivem em Portugal estarem fartos de comer pão. Assim eles produziram e trouxeram dos seus países os seus alimentos e vendiam-nos muito mais caros sendo difícil aos portugueses comprarem-nos. Depois Baltasar conta a história caricata de uma frota francesa; quando ela chegou a Portugal, os portugueses pensavam que vinha invadir o nosso país, afinal tratava-se de um carregamento de bacalhau.

No decorrer do capítulo Baltasar fala com o padre Bartolomeu Lourenço, Bartolomeu diz sonhar que um dia conseguirá voar e disse a Baltasar que o Homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre e um dia voará. Baltasar dá a sua opinião argumentando que para o homem voar terá que nascer com asas. O padre Bartolomeu alerta Baltasar para o facto de ser um pecado ele dormir com Blimunda sem serem casados. Depois Baltasar e Bartolomeu vão para S. Sebastião da Pedreira para verem a máquina que Bartolomeu inventou para um dia poder voar e à qual chamou passarola. Quando chegaram, Bartolomeu mostrou o desenho da passarola a Baltasar explicando-lhe como é que tencionava fazê-Ia voar. Após a explicação, Bartolomeu pede-lhe para o ajudar na construção da passarola. Inicialmente Baltasar mostra-se receoso em aceitar a proposta, mas depois de Bartolomeu dizer que o facto de Baltasar ser maneta não tem importância, então este aceita o desafio.

Capítulo VII
No início deste capítulo a falta de dinheiro é o grande obstáculo que Baltasar tem de ultrapassar para começar a construção da passarola. Então Baltasar começa a trabalhar para ganhar o dinheiro necessário para poderem realizar o seu sonho, fazer a passarola voar.

No decorrer deste capítulo o narrador relata os assaltos que os portugueses sofreram durante as suas viagens marítimas. Fala também sobre a gravidez de D. Maria Ana que teve uma menina, embora D. João quisesse um rapaz; mas o mais importante é que a menina nasceu saudável. Na altura do nascimento a seca que durava há oito meses acabou, vindo assim muita chuva. Mais à frente o narrador narra o baptizado da princesa, a quem chamaram Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara e no fim deste capítulo anuncia a morte de Frei António de S. José.

Capítulo VIII
Baltasar e Blimunda estão a dormir na sua cama. Entretanto Blimunda acorda, e estende a mão para o saquitel onde costuma guardar o pão, mas apenas acha o lugar; então procura por baixo do travesseiro e no chão, no entanto Baltasar diz-lhe para não procurar mais, porque não irá encontrar o pão. Blimunda com os olhos fechados, tapando-os com as mãos, implora a Baltasar para que lhe de o pão, mas este só lhe dará o pão depois de Blimunda lhe contar que segredos esconde. Esta tenta sair da cama mas Baltasar não deixa, e acaba por haver um conflito entre eles e ele acaba por lhe dar o pão. Passados uns breves momentos após Blimunda ter comido o pão virou-se para Baltasar e diz-lhe: "Eu posso ver as pessoas por dentro, mas só o faço quando estou em jejum e promete nunca ver Baltasar por dentro. Ele não acredita. Então ela diz a Baltasar que lhe irá provar, que no dia seguinte quando acordassem iriam os dois à rua e ele iria atrás para que Blimunda não o pudesse ver, e Blimunda iria à frente de olhos fechados e que lhe diria o que veria por dentro das pessoas, o que estaria no interior da terra, por baixo da pele e até por baixo das roupas, mas tudo isto acabaria quando o quarto da lua mudasse. E assim foi... Entretanto nasceu o infante D. Pedro, segundo filho dos reis D. João e D. Maria Ana Josefa.

Capítulo IX
Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira, para trabalhar na construção da máquina de voar do Padre Bartolomeu Lourenço. Apesar de não ter a mão esquerda, Baltasar tem a ajuda de Blimunda, uma mulher vidente.

El-rei que ainda gosta de brinquedos protege o padre da Inquisição. Este decide partir para a Holanda, terra de muitos sábios sobre alquimia e éter, elemento que faz com que os corpos se libertem do peso da terra.

Nesta altura as freiras de Santa Mónica manifestam-se contra a ordem de D. João V de que elas só podem falar com familiares.

O padre abençoou o soldado e a vidente, despediu-se e partiu, deixando a quinta e a máquina de voar ao cuidado deles. Antes de partir para Mafra, o par decide não ir ao auto-de-fé e vão assistir às touradas, que é um bom divertimento. As touradas é como assar o touro em vida, tortura-se o touro enquanto o público aplaude a mísera morte. Cheira a carne queimada mas o povo nem nota pois está habituado ao churrasco do auto-de-fé.

Na madrugada seguinte Baltasar e Blimunda partem para Mafra com uma trouxa e alguma comida.

Capítulo X
Baltasar e Blimunda chegam a Mafra a casa dos pais de Baltasar, mas só encontram sua mãe em casa; o pai foi trabalhar. Sua mãe fica chocada por ver seu filho e ver que tinha perdido a mão. Blimunda fica entre portas a espera que seu marido chame para conhecer a sua nova família. Ela entra e fica a falar um pouco com sua sogra.

No fim do dia chega o seu pai João Francisco e conversam sobre o que tinha acontecido na guerra. Blimunda fala um pouco sobre a sua família e a uma dada altura diz que sua mãe foi degredada porque a tinham denunciado ao Santo Oficio. O pai de Baltasar fica preocupado, porque pensa que ela é judia ou cristã nova, mas Baltasar diz ao seu pai que sua sogra tinha sido degredada por ter visões e ouvir vozes, diz ainda que pretendem ficar em Mafra e que estão a pensar em comprar casa. Seu pai conta-lhe que vendeu as terras que tinha na vela, ao rei, porque queria construir um convento de frades.

João e Sete-Sois foram à salgadeira e tiraram um bocado de toucinho, que dividiram em quatro tiras e colocaram uma em cada fatia de pão e distribuíram por todos. Ficam a olhar Blimunda para verem se ela come a sua fatia, seu pai já podia tirar sua dúvida se ela era ou não judia, mas ela come-a e assim o sogro fica mais descansado. Baltasar diz a seu pai que precisa de arranjar um emprego para si e para sua mulher, todos ficaram com dúvidas se ele conseguiria arranjar trabalho devido à mão.

No outro dia, conheceram a nova parente, Inês e seu marido que falaram sobre a morte do filho do el-rei e do seu filho que está doente. Baltasar caminha sobre as terras da vela e relembra os momentos que ali passou, encontra o seu cunhado e conversa sobre o convento que ali se construirá, e sobre os frades que irão vir viver para ali. Ao chegar a casa encontra sua mãe a falar com sua mulher sobre a rainha que agora visita muitas igrejas e muitos conventos onde reza pelo seu marido que está muito doente. D. Maria fica em Lisboa a rezar enquanto seu marido se acaba de curar naqueles campos de Azeitão, onde os franciscanos da Arrábida estão a assistir. O infante D. Francisco sozinho em Lisboa tenta fazer a corte a sua cunhada deitando contas à morte do rei. D. Maria diz-lhe que seu marido ainda não morreu e que não pensa em se casar de novo.

Capítulo XI
O padre Bartolomeu regressou da Holanda, não sabemos se trouxe ou não os segredos que buscava. Foi à Quinta de S. Sebastião da Pedreira; três anos inteiros haviam se passado e tudo estava abandonado, o material que trabalhara disperso pelo chão, "ninguém adivinharia o que ali andar perpetrando." O padre vê rastos de Baltasar, mas não vê os de Blimunda e julga que ela morrera.

Depois, parte para Coimbra, não sem antes passar por Mafra, onde vai ver os homens que iniciam o trabalho do Convento. Procurou por Baltasar e Blimunda, junto do pároco que informa que os casara em Lisboa. Blimunda veio abrir a porta e reconheceu-o pelo vulto, quando desmontava. Beijou-lhe a mão. Marta Maria estranhou que a sua nora fosse abrir a porta a quem não batesse ainda.

Mais tarde, chegam Baltasar e o pai e aquele, por convivência com Blimunda, ao ver a mula adivinha tratar-se do padre. Marta Maria, que já desconfiava ter uma "nascida" (tumor) no ventre, lamenta nada ter a oferecer ao padre, nem comida, nem abrigo para passar a noite. O padre Bartolomeu dorme na casa do pároco e, pela madrugada, chegam Blimunda e Baltasar. Ela sem comer. Bartolomeu ama-os, eles sabem; Baltasar pergunta se o éter é a alma e o padre diz que não, que é da vontade dos vivos que ele se compõe. Blimunda espantou-se e o padre pediu que ela o olhasse por dentro. Ela viu uma nuvem escura, à altura do estômago. Era da vontade, diferente da alma, o que faria voar a passarola. Bartolomeu montou na mula, disse que ia a Coimbra e que, quando voltasse a Lisboa, mandaria avisar os dois para que lá estivessem. Baltasar ofereceu o pão a Blimunda, mas ela pediu, primeiro, para ver a vontade dos homens que trabalhavam no convento.

Capítulo XII
O filho mais velho de Inês Antónia e Álvaro Diogo morreu há três meses de bexigas; Álvaro tem a promessa de conseguir emprego na construção do convento; Marta Maria sofre de dores terríveis no ventre. João Francisco está infeliz porque o filho partirá novamente para Lisboa, e o convento dará trabalho a muitos homens. Blimunda foi à missa em jejum e viu que dentro da hóstia também havia a tal nuvem fechada, vontade dos homens...

O padre Bartolomeu de Gusmão escreve de Coimbra e diz ter chegado bem, mas agora viera uma nova carta para que seguissem para Lisboa "tão cedo pudessem". Partiram em dois meses, porque o rei vinha a Mafra inaugurar a obra do convento. Sete-Sóis e Blimunda conseguiram lugar na igreja. No dia seguinte formou-se a procissão, o rei apareceu. A pedra principal foi benzida; foi tanta a pompa que gastaram-se nisso duzentos miI cruzados. Partiram Baltasar e Blimunda para Lisboa. A mãe Marta Maria despede-se do filho dizendo que não o tornará a ver. Blimunda e Sete-Sóis dormem na estrada: Por fim chegaram à quinta onde esperariam o padre voador. Mal chegaram, choveu.

Capítulo XIII
Os arames e os ferros enferrujaram-se e os panos da passarola cobrem-se de mofo; o vime, ressequido, destrança-se. Baltasar experimenta os ferros, tudo perdido, é melhor começar outra vez. Enquanto o padre não chega, constrói-se a forja, vão a um ferreiro e vêem como se faz o fole.

Quando Bartolomeu de Gusmão chegou e viu o fole pronto, peça por peça desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou contente e disse; "Um dia voarão os filhos do homem." Encomendou a Blimunda duas mil vontades dos homens e mulheres que morreriam a fim de que, junto com âmbar e imãs, pudessem fazer subir a nau que construíam. O padre distribui tarefas, indica a Sete-Sóis onde comprar ferro, vime e peles para os foles, pede segredo absoluto de tudo o que estão a fazer. Trabalham na passarola quase um ano inteiro, procissões passam em delírio pelas ruas, povo misturado ao clero, clero misturado aos nobres.

Capítulo XIV
O padre Bartolomeu Lourenço voltou a Coimbra já doutor em cânones, e agora pode ser visto na casa de uma viúva.

D. João manda vir da Itália o maestro barroco Domenico Scarlatti, a fim de dar lições de música à sua filha, a infanta D. Maria Bárbara. Scarlatti e Bartolomeu tornam-se amigos, partilhando as mesmas ideias e sonhos. Confiante em Scarlatti, o padre leva-o a S. Sebastião da Pedreira e apresenta os amigos e a passarola a Scarlatti. Blimunda chega da horta trazendo "brincos de cereja", a fim de brincar com Baltasar. Quando os viu, o músico pensou: Vénus e Vulcano... O padre diz a Scarlatti que ele e Baltasar têm ambos 35 anos e que não poderiam ser pai e filho. Mas poderiam ser irmãos, portanto, desde o começo da história, o tempo que se passou pode ser contado, nove anos. Mostrada a passarola por dentro, retira-se Scarlatti, mas promete voltar e trazer o cravo, que tocará enquanto Blimunda e Baltasar trabalham. O padre lá permaneceu, onde treinou o seu sermão para que os dois ouvissem. Discutem sobre Deus uno, trino. Blimunda adormeceu com a cabeça apoiada no ombro de Baltasar. Um pouco mais tarde ele levou-a para dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a noite ali permaneceu, tomado por tentações.

Capítulo XV
Scarlatti voltou muitas vezes à quinta e pedia que não parassem o trabalho; ali, em meio aos ruídos e grandes barulhos, confusão, tocava o cravo.

Há um surto de varíola em Lisboa, oriundo de uma nau vinda do Brasil. O padre pede à Blimunda que vá à cidade e recolha as vontades das pessoas. É assim que ela, em jejum, durante um dia inteiro se põe a recolher tais vontades. Um mês depois, são mais de mil vontades presas ao frasco em que Blimunda as recolhia. E quando a epidemia terminou, ela tinha aprisionado duas mil vontades. Foi então que caiu doente. Nada a curava da extrema magreza; mas um dia, Scarlatti pôs-se a tocar e ela abriu os olhos e chorou. O maestro veio, então, todos os dias, quer fizesse chuva ou sol; e a saúde de Blimunda voltou depressa.

Um dia, Baltasar e Blimunda vão a Lisboa e encontram Bartolomeu doente, magro e pálido. Parecia ter medo de algo.

Capítulo XVI
Neste capítulo, comenta-se fortemente a governação do reino, criticando a maneira de se fazer justiça, onde o poder e a riqueza se sobrepõem sempre àqueles que nada têm nem podem... Até mesmo o destino, se calhar, foi injusto ao deixar morrer afogado o Infante D. Miguel, poupando a vida ao seu irmão o Infante D. Francisco.

Entretanto, criada pelo Padre Bartolomeu Lourenço, a passarola, a máquina de voar, está pronta. Em S. Sebastião da Pedreira, Baltasar e Blimunda, têm de deixar a quinta que foi perdida por El-rei para o Duque de Aveiro. O Padre Bartolomeu Lourenço, aguarda a vinda de El-rei para provar a máquina e quer dividir a glória e a fama do seu invento com Blimunda e Baltasar. Porém o Padre anda agitado e receoso de que o acusem de feiticeiro e judeu, embora conte com o apoio de El-rei.

O tempo passa, El-rei não chega; já é Outono e a máquina necessita de sol para se erguer do chão! Certo dia, eis que o Padre Bartolomeu Lourenço chega pálido e assustado dizendo que tinha de fugir, pois o Santo Ofício já andava à sua procura para o prender! Apontou a passarola e disse que iriam fugir nela! Depois de preparada pedem ajuda ao Anjo Custódio para aquela "viagem"... e partiram pelos ares sacudidos pelos ventos até onde o destino os quis levar. Passam por momentos de medo, euforia, deslumbramento e felicidade, considerando-se loucos. Lá do alto avistam Lisboa, o Terreiro do Paço, as ruas, etc... Nesta altura procuram o padre para o prender e percebem que este fugiu. A noite chega, sem sol a máquina começa a perder altitude... Estão assustados. O Padre Bartolomeu Lourenço, resignado, espera o fim mas Blimunda como que inspirada, consegue controlar a máquina com a ajuda de Baltasar e evitam o pior. Uma vez em terra firme, deixam-se escorregar para fora e consideram um milagre terem-se salvo sem qualquer ferimento.

Não sabem onde estão. O Padre acha que vão encontrá-los e que morrerão. Blimunda e Baltasar, confiantes, acreditam que se se salvaram daquele perigo, salvar-se-ão dos próximos, e estão prontos para fazer a máquina voar no dia seguinte. Cansados e depois de comerem algo, adormecem, Blimunda e Baltasar. O Padre está doente, tenta pegar lume na passarola mas os dois não o permitem. Afasta-se para umas moitas e nunca mais é visto. Baltasar vai procurá-lo, mas em vão. Cobriram a máquina de ramos e folhas para impedi-la de voar. Na manhã seguinte, desceram pelo mesmo sítio onde o Padre desaparecera sem deixar rasto, mas nem sombra dele. E lá partiram os dois. Ao fim de dois dias chegam a Mafra, onde havia uma Procissão na rua que dava graças a Deus por haver mandado voar sobre as obras da Basílica o seu Espírito Santo!...

Capítulo XVII
Numa altura em que se passam tantos prodígios, Blimunda e Sete-Sóis têm que guardar segredo porque se assim não fosse algo lhes aconteceria. Na casa dos pais de Baltasar, o par estava infeliz pela perda da mãe, mas Inês Antónia contou-lhes maravilhada os benefícios do Espírito Santo. No dia seguinte Baltasar saiu de casa com o cunhado à procura de emprego na obra de construção do convento.

A Mafra chegaram notícias que tinha ocorrido um pequeno terramoto em Lisboa derrubando beirais e chaminés. Passados mais de dois meses, Baltasar e Blimunda foram viver para Mafra. Baltasar fez uma jornada e foi ver que a máquina de voar estava no mesmo sítio, na mesma posição, descaída para um lado e apoiada na asa debaixo de uma cobertura de ramagens já secas. Dois meses mais tarde, Blimunda vem esperá-lo ao caminho e conta-lhe que Scarlatti está na casa do Visconde. Scarlatti tinha feito um pedido ao rei para poder visitar as obras do convento e o Visconde hospedara-o, apesar de não gostar de música.

Scarlatti disse a Baltasar que o padre Bartolomeu teria morrido em Toledo para onde tinha fugido e como não falavam de Baltasar nem Blimunda resolveu vir a Mafra verificar se estavam vivos. Nessa noite soube-se que quando a máquina caiu o padre havia fugido e nunca mais voltara. No dia seguinte Scarlatti partiu para Lisboa.

Capítulo XVIII
D. João V estava sentado numa cadeira escrevendo os seus bens e riquezas no rol. El-rei meditou acerca do que iria fazer às tão grandes somas de dinheiro, chegando à conclusão que a alma seria a primeira atenção, mandando construir o convento de Mafra, pagando com o ouro das suas minas e fazendas. Todos os materiais utilizados no convento eram de qualidade. De Portugal a pedra, o tijolo e a lenha para queimar, o arquitecto alemão, italianos mestres dos carpinteiros e da Holanda os sinos e os carrilhões. O convento levou 8 anos a ser construído.

Blimunda, Inês Antónia, Álvaro Diogo e o filho esperavam Baltasar, para jantarem com o velho João Francisco que mal mexe as suas pernas. Acabado o jantar Álvaro Diogo dorme a sesta. Baltasar bebe desde que soube da morte do padre Bartolomeu Lourenço e da sua passarola, foi um choque muito grande. Baltasar e seus amigos conversam acerca das suas vidas e falam de como eram as suas vidas antes de trabalharem em Mafra. Baltasar tem 40 anos, sua mãe já morreu e seu pai mal pode andar. Esteve na guerra e aí perdeu a sua mão, voltando a Mafra mais tarde. Sete Sois comenta que nem sabe se perdeu a sua mão na guerra ou se foi o Sol que a queimou, porque afirma que subiu uma serra tão alta que quando estendeu a mão tocou no Sol e queimou-o. Seus colegas comentaram que era impossível visto que só tocaria no Sol 'Se voasse como os pássaros, ou então seria bruxo. Baltasar nega dizendo que não é bruxo e também diz que ninguém o ouviu dizer que voou.

Capítulo IXX
Durante muito tempo Baltasar puxou e empurrou carros de mão e um dia, com a ajuda de João Pequeno, puxou uma junta de bois, fazendo companhia ao seu amigo corcunda.

Houve notícia que era preciso ir a Pêro Pinheiro buscar uma pedra muito grande que lá estava. Construíram lá um carro para carregar a pedra, como se fosse uma nau da Índia com calhas. Foram para lá 400 bois e mais de vinte carros. Ao amanhecer os homens partiram para cumprir 3 léguas até onde estava a pedra. Diziam que nunca tinham visto uma coisa como aquelas. Escavaram junto à pedra de forma a levá-la inteira para Mafra. A pedra vinha puxada a braços e Baltasar viu, num átimo de segundo, sangue e viu que um dos homens se ferira. No primeiro dia não andaram mais de 500 passos. No segundo dia foi pior porque o caminho era a descer e foi preciso meter calços nos carros. Um homem chamado Francisco Marques morreu atropelado por um carro, a roda passou-lhe sobre o ventre, quando chegou ao fundo do vale, o carro que transportava a pedra desandou atingindo 2 animais, a seguir tiveram que os matar. Gastaram 8 dias entre Pêro Pinheiro e Mafra, quando chegaram parecia que tinham vindo da guerra, vinham sujos e esfarrapados. Todos se admiraram com o tamanho da pedra.

Capítulo XX
Era a sexta ou sétima vez que Baltasar se deslocava a Monte Junto para consertar a máquina que se ia destruindo com o tempo. Mesmo protegida por mato e silvado, as lâminas da máquina voadora ficavam enferrujadas. Baltasar aproveitava a viagem para colher vimes, que serviam para consertar os rasgões que encontrava no entrançado da máquina.

Chegou o dia em que Blimunda decidiu acompanhar Baltasar na viagem. Justificando-se que gostaria de conhecer o percurso para o caso de necessitar deslocar-se até ao local sozinha poder fazê-lo sem problemas. Puseram-se a caminho depois das despedidas, com o burro que Baltasar arranjara para os ajudar na longa viagem que tinham pela frente. Foram passando pelas vilas que Blimunda ia decorando, até chegarem ao destino.

Durante o dia tentaram consertar a máquina até ao pôr-do-sol. Passaram a noite na passarola e voltaram no dia seguinte a Mafra.

Mesmo depois da longa viagem ainda não tinham passado pelo pior, pois foi à hora do jantar, quando todos se juntaram, que morreu o pai de Baltasar, João Francisco.

Capítulo XXI
D. João V queria construir uma basílica de S. Pedro em Lisboa, mas o arquitecto de Mafra, que foi chamado pelo rei, João Frederico Ludwig, aconselhou-o a não construir a basílica, porque demorava muito tempo a construir e D. João V poderia já não estar vivo quando acontecesse a inauguração desta. Então o rei decidiu aumentar o convento de Mafra de oitenta para trezentos frades, e assim foi, foram chamados o tesoureiro, o mestre dos carpinteiros, o mestre dos alvenéus, o abegão-mor e o engenheiro das minas. Então começaram as obras, mas depois o rei decidiu que a inauguração do novo convento seria no dia dos seus anos, que calhava num domingo, daí a dois anos; após essa data, o seu próximo dia de anos, que calhasse num domingo só seria daí dez anos e poderia ser muito tarde. Como dois anos seria pouco tempo para a construção do novo convento, D. João V mandou os seus homens irem buscar outros homens a todas as partes do país; estes eram recrutados contra a sua vontade, como escravos, indo assim trabalhar para as obras do convento, para este estar pronto a tempo. Alguns destes homens chegaram até a morrer com fome e perdidos a tentar voltar para casa.

Capítulo XXII
Este capítulo versa essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e espanhola. Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que agora se vão realizar, o de Maria Vitória, espanhola, que casou com o português José e o de Maria Bárbara, portuguesa, com o espanhol Fernando.

Maria Bárbara tem 17 anos, não é formosa nem bonita mas é boa rapariga. No decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria Bárbara e da família real até Espanha, onde ela e vai casar. Durante a viagem, a comitiva real passa por várias cidades portuguesas e depara-se com alguns problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos muito complicados para passar.

Também podemos referir a construção de várias propriedades reais para que se pudessem acolher durante a viagem.

É de salientar que Maria Bárbara vai para Espanha sem nunca ter visitado o convento de Mafra que estava a ser construído em sua honra (por causa do seu nascimento).

Capítulo XXIII
De Portugal todo chegam homens e são escolhidos um por um. A infanta Maria Bárbara casa-se com Fernando de Espanha. Esta é a marca do tempo narrativo de Saramago, ou seja os factos históricos. O noivo é dois anos mais novo que a noiva, e ele nunca poderá vir a ser rei, porque este é o sexto na linha sucessória. Domenico Scarlatti toca no seu cravo para a multidão de ignorantes, por ocasião do casamento da Infanta Dona Maria Bárbara, na fronteira com a Espanha.

Aqui, neste capítulo, o narrador menciona a procissão que levará os santos para serem colocados nos altares do convento de Mafra: S. Francisco, Santa Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião e Santa Isabel. Seguem também para Mafra frei Manuel da Cruz e os seus noviços; trinta, e ali, quando chegam cansados, são recebidos em triunfo.

Baltasar vai para casa, o narrador anuncia-nos que ele está muito debilitado. Depois já ceia, quando todos dormem, Baltasar pega em Blimunda e leva-a a ver as estátuas, juntos, vêem a lua nascer enorme e vermelha. Ele anuncia-lhe que vai ao Monte Junto na manhã seguinte, ver como está a passarola. Ela pede-lhe para ter cuidado e ele responde que ela fique sossegada, que o seu dia ainda não chegou. Olham os santos inertes, o que seria aquilo? Morte, santidade ou condenação? Quando amanheceu, Blimunda levantou-se e juntou comida para o farnel do marido que ia ao Monte e acompanhou-o até fora da vila: "Adeus Blimunda, Adeus Baltasar", e separaram-se. Ao chegar ao lugar onde estava a passarola, Baltasar come as sardinhas que Blimunda lhe tinha colocado no alforge: havia tanto trabalho a fazer...

Capítulo XXIV
Baltazar não voltou para casa, o que fez Blimunda não dormir aquela noite. Esperara que ele voltasse ao cair do dia, haveria os festejos da sagração da basílica, mas ele não voltara. Em jejum, olhando as pessoas que passavam para a festa, estava sentada numa vala e ali ficou, vendo o que os que passavam carregavam por dentro; recebendo insultos, dizendo outros. Voltou para casa, ceou com os cunhados e o sobrinho. Não conseguiu dormir.

Não verá o rei quando ele vier a Mafra, vai esperar Baltazar pelos caminhos, desesperadamente tentando encontrá-lo, chegou até ao Monte Junto e encontra o alforge mas nem sinal de Baltasar nem da passarola, chora sem saber se ele morreu ou vive. Encontra um frade que tenta violá-la e mata-o com o espigão de Baltazar. Parte em busca do seu amado. Voltou a Mafra pensando que se tinham desencontrado, mas ele não estava lá.

À tardinha, chegaram Inês António e Álvaro Diogo e encontraram-na a dormir. De manhã, ela esquece-se de comer o pão e vê-os por dentro.

D. João V faz quarenta e um anos e é 22 de Outubro de 1730. Inaugura-se o convento.

Capítulo XXV
Durante nove anos, Blimunda andou pelos caminhos sempre à procura de Baltazar que sabia estar. Perguntou por ele em todo o lado.

Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as demais sensatas palavras e acções, ficavam indecisos se aquilo que dizia era ou não falta de juízo completo. Passou a ser chamada de A Voadora, e sentava-se, então, às portas, ouvindo as queixas das mulheres que lamentavam, depois, que os seus homens não tivessem também desaparecido, para que elas pudessem, ao menos, devotar-lhes um amor tão grande como o de Blimunda a Baltazar. E os homens, quando ela partia, ficavam tristes inexplicavelmente tristes.

Voltava aos lugares por onde passara, sempre perguntando. Seis vezes passara por Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima. Sem comer, o tempo era chegado para ela. No Rossio, finalmente encontrou Baltazar. Havia lá um auto-de-fé. Eram onze os condenados à fogueira; entre eles, estava António José da Silva, o Judeu, comediógrafo autor das Guerras de Alecrim e Manjerona e Baltasar, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.

As Transgressões na obra Memorial do Convento

Transgressão do código religioso

Sumptuosidade do convento (pp.365-6) vs a simplicidade e a humildade (essência dos valores cristãos);
Recrutamento à força;
Construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior/divino (p. 198) - 4 bases de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
A castidade vs as relações sexuais nos conventos (pp. 95,97);
As estátuas dos santos (p. 344) vs a santidade humana (p. 342);
Missa, espaço de vivência espiritual (p. 145) vs missa, espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162, 236);
A benção de Deus vs a benção dos homens;
Funeral do Infante D. Pedro, espectáculo de pompa e circunstância vs funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.

Transgressão do código sexual

Sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-20) vs sexo, entrega permanente e mútua de corpos e almas (p. 77 e outras).

Transgressão linguística

Inversão de expressões bíblicas;
Jogos de palavras "os santos no oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das regras de pontuação;
Aforismos "Não está o homem livre... com a verdade";
Confluência de registos de língua:
Popular "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda";
Familiar "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";
Cuidado "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada antes (...)".

Transgressão ficcional

A Música vence a Doença;
A história vence a História;
O espaço da ficção é o espaço da Utopia, da Liberdade Suprema;
O Sonho é a Transcendência Humana.