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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Antero de Quental

ESPIRITUALISMO I




Como um vento de morte e de ruína,

A Dúvida soprou sobre o Universo.

Fez-se de noite de súbito, imerso

O mundo em densa e álgida neblina.



Nem astro já reluz, nem ave trina,

Nem flor sorri no seu aéreo berço

Um veneno subtil, vago, disperso,

Empeçonhou a criação divina.



E, no meio da noite monstruosa,

Do silêncio glacial, que paira e estende

o seu sudário, donde a noite pende,



Só uma flor humilde, misteriosa

Como um vago protesto da existência,

Desabrocha no fundo da Consciência.



II



Dorme, entre os gelos, flor imaculada

Luta, pedindo um último clarão

Aos sóis que ruem pela imensidão,

Arrastando uma Auréola apagada...



Em vão! Do abismo a boca escancarada

Chama por ti na gélida amplidão...

Sobe do poço eterno, em turbilhão,

A treva primitiva conglobada...



Tu morrerás também. Um ai supremo,

Na noite universal que envolve o mundo,

Há-de ecoar, e teu perfume extremo



No vácuo eterno se esvairá disperso

Como o alento final dum moribundo

Como o último suspiro do Universo.



O POETA

Antero propõe-se inaugurar na literatura portuguesa uma poesia nova que se inspire em ideias filosóficas, ideais éticos e emoções religiosas. Considera a idealidade e a realidade como próprias da verdadeira poesia. É o antagonismo entre luz e trevas que domina na imaginação de Antero. A luz aparece relacionada com o Divino e o Sublime, a Verdade e a Beleza, a Fé e a Ideia, o Amor puro e o Pensamento puro, a Liberdade e o Heroísmo, mas também com a inquietude de ânsias febris, lutas absurdas e torturantes, revelações aniquiladoras e inexoráveis; a escuridão aparece relacionada com o terrestre e a imperfeição, a ilusão e a aparência, a descrença e a incerteza, a dúvida e a angústia, o abismo e o vácuo, mas também com o sossego e o esquecimento, a harmonia e a paz do Nirvana, do Não-Ser da Morte que, oposto ao ser inquieto, perturbador da vida, apenas aparente, ilusória e dolorosamente desenganadora, é o Ser absoluto imóvel e imutável.


CICLOS:

1º Ciclo (1860-1862)

Perturbação, incerteza, inquietude, abandono, perda de fé, busca de novas verdades.

2ºCiclo (1862-1866)

O homem e a Criação ficam unidos, a separação lembra a transitoriedade das coisas colocando o não-amado e aquele que não ama fora da harmonia natural.

3ºCiclo (1864-1874)

Devoção religiosa, cede à consciência de que o céu não abriga nenhuma divindade e à intuição de que não se trata de procurar Deus ou de acreditar nele, mas que se impõe conhecer a Verdade. Culto da luz e da claridade. A Ideia, a Verdade, o Bem a Essência só se revelam na Consciência Humana. Passa a envolver-se na luta por ideias e ideais.

4ºCiclo (1874-1880)

“A força da inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos (...) puseram-me face ao problema da existência. A minha vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível”.”A voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo...”. Achei que o misticismo, sendo o desnvolvimento psicológico, deve corresponder à essência mais funda das coisas”. “O pessimismo não é um ponto de chegada mas sim um caminho”. “O pessimismo é a redução ao absurdo do Naturalismo e das ilusões”. “A realidade visível não passa de mera ilusão, a realidade é mera aparência e só existe verdadeiramente como símbolo e veículo da vida moral”.

5ºCiclo (1880-1884)

Reflexo do triunfo sobre o pessimismo e da metamorfose religiosa. No Não-Ser reconhece-se o Ser absoluto. A transitoriedade das coisas deixa de ser motivo de desespero. Conhecê-la é penetrar na própria essência dos fenómenos e descobrir a verdadeira realidade do mundo moral, os limites que o mundo natural impõe e a liberdade que o mundo moral concede. A vida e a morte já não inspiram horror.


A OBRA:

1. MISSÃO SOCIAL DA POESIA /Apostolado Social

“A um poeta” (3ºciclo)

Os poetas têm em si a verdadeira essência mas estão adormecidos em relação ao que se passa à sua volta (atitude romântica). Faz-se por isso um apelo para que os poetas cantem a vida (o sol) e não a morte (larvas tumulares) e que façam da sua voz a voz das multidões (atitude realista). Esta atitude conduzirá a uma criação pura e à verdadeira poesia. Esta será uma forma de combate (missão social) e a palavra será uma arma, o poeta “soldado do futuro”.


“Hino à razão” (3ºCiclo)

A Liberdade é o que se procura como fim “entre clarões”. Para o conseguir é necessário Amor e Justiça. A atracção pela Liberdade que se apresenta como auto-determinação do ser não invalida a liberdade humana condicionada. A “alma livre” é condicionada pela Razão mas é pela Razão que as nações buscam a Liberdade como fim último. Amor, Justiça e Liberdade são três valores indispensáveis. Ao tornar a Razão irmã do Amor e da Justiça o poeta revela-se preocupado em harmonizar os conceitos. Cabe à Razão levar o homem a saber que só o Amor e a Justiça podem criar a harmonia e conduzir à Liberdade.


“Tese e Antítese I e II” (3ºciclo)

A nova Ideia (deusa furiosa) é a inteligência que comanda a força ou a Razão e que possui por isso uma força revolucionária e transformadora, uma força universal imparável. A nova Ideia é toda a força de transformação que existe no homem e nas sociedades e que é responsável por todas as revoluções. O pensamento é “fogo” ( logo revolução) e “luz” (Verdade e Justiça). O homem deverá mudar a sua atitude estática (“combatei pois...”


2. ANTÍTESE ESPIRITUALISMO E LIBERDADE/ MECANISMO E DETERMINISMO

“Evolução” (5ºciclo)

O homem evolui desde o estado primitivo (granito- elemento composto mas facilmente degradável- passando por tronco ou ramo que irrompe mesmo quando se fere), passa pelo estado animalesco (fera ou monstro primitivo) limitando-se a rugir e a buscar abrigo até que se torna um homem (hoje). Nesse momento descobre a “escada multiforme” (a própria vida com seus contornos), que conduz ao vácuo e à morte, se nos limitarmos a olhar para o fundo. Mas se olharmos para o alto, para o infinito surgem emoções (“às vezes choro”) e conseguimos finalmente sonhar com a liberdade porque o infinito é tudo aquilo que está para além do homem e a liberdade é o fim a que se aspira. Tal como a evolução biológica humana passou por várias fases, assim o homem e a sua espiritualidade são caminhos a percorrer.


“Espiritualismo I e II ” - (4ºciclo)

(Se a consciência é livre, o determinismo implica que, todavia, ela é sempre histórica e está condenada a desaparecer)


3.ANGÚSTIA EXISTENCIAL (pessimismo)


“O Palácio da Ventura” (2ºCiclo)

(nunca se encontra o que se espera, a felicidade é algo de inatingível, ou seja, a busca do absoluto conduz ao vazio e à morte)- A histórica jornada transcende o plano individual: o drama é eterno e universal e o Vagabundo e o Deserdado é o homem ansioso e eternamente infeliz. Na vida há miragens (o palácio que se desenha na sua pompa aérea), há lutas e entusiasmos (cavalgada numa amplidão sem fim), desânimos (espada quebrada e armadura rota) e decepções (silêncio e escuridão).


“Despondency”- (2ºciclo)


“Sonho Oriental”- (2ºCiclo)


4. DESEJO DE EVASÃO

Nirvana” (4ºciclo)

“Na mão de Deus “- (5ºciclo)

(identificação do “eu” com o mundo imperfeito, o mundo real e de injustiça, e a identificação da Ideia, da perfeição, com Deus, embora seja um Deus vago e panteísta. A Virgem é referida como a ligação maternal entre o homem (mundo imperfeito) e Deus (mundo da perfeição).


BEATRICE (Último soneto do 1ºciclo)


Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,

Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;

Depois que vi descer, baixar no céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:



Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:



Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contem...



Não temas pois- Oh vem! o céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!