segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Filomena Mónica ressalta diferença e genialidade da obra de Cesário Verde

29 de Outubro de 2007, 16:26
Lisboa, 29 Out (Lusa) - A biografia do poeta Cesário Verde, de Maria Filomena Mónica - hoje apresentada em Lisboa - procura "fazer ressaltar quão diferente e genial era a sua obra", disse a autora à Lusa.
A obra "Cesário Verde. Um génio ignorado" inicia uma nova colecção dedicada a biografias de personalidades tanto nacionais como estrangeiras da Alêtheia Editores, que prevê editar biografias do historiador e político Alexis de Tocqueville, e dos pintores Caravaggio e Grão Vasco.
Em declarações à Lusa, Filomena Mónica, que é uma das especialistas da obra de Eça de Queirós, de quem se confessa "grande admiradora", admitiu ter traído "o grande escritor" pelo poeta de "Sentimento de um Ocidental".
"É de facto uma traição pois gosto muito mais do Cesário que do Eça. O Cesário é um génio e esses só aparecem de cinco em cinco séculos, e o Eça é um grande artista", disse.
Tal como em Eça, cujos papéis privados ficaram para sempre depositados no oceano quando o navio que os transportava se afundou, para escrever esta biografia Filomena Mónica deparou-se também com "falta de fontes, tanto mais que a sua quinta em Linda-a-Pastora ardeu em 1919".
"Eu gostaria de ver mais as suas cartas, e ele escreveu muitas e é minha intuição, pelo que sobrou, que além de genial poeta seria um excelente prosador. Gostaria de conhecer a sua biblioteca, pois a família era culta e teria livros até anotados por ele", acrescentou. A este acidente "há a acrescentar que, quando morreu, Cesário era um desconhecido e os amigos desfizeram-se das cartas dele que porventura tinham".
Todavia, a investigadora procurou o retrato do homem no seu momento histórico.
"Procurei colocá-lo no meio cultural do seu tempo e nota-se que não tinha paralelo, era uma voz tão nova e revolucionária que impressiona", declarou.
Cesário Verde nasceu na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855, em 1873 "começou a rabiscar uns poemas" e morreu tuberculoso aos 33 anos.
O livro da sua poesia foi editado em 1901, mas "o seu reconhecimento como poeta genial surge 40 anos depois, com o alerta de Fernando Pessoa", de quem Filomena Mónica "seguiu o conselho": foi ler os seus contemporâneos e chegou à conclusão de que de facto "Cesário era um génio".

NL.
Lusa/Fim

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Cesário Verde


Aspectos biográficos de Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde nasceu em Caneças, no concelho de Loures, a 25 de Fevereiro de 1855.
O seu pai era lavrador e comerciante, sendo proprietário de uma quinta nas imediações de Lisboa, em Linda-a-Pastora, e de uma loja de ferragens na baixa lisboeta, onde Cesário Verde chegou a trabalhar. Foi nestas actividades que repartiu a sua vida, fazendo do quotidiano o assunto da sua poesia. Desta forma, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais com os quais nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874, e onde travou conhecimento com figuras da vida literária, como Silva Pinto, que se tornou seu grande amigo e, após a sua morte, compilador da sua obra.
Para além de algumas viagens curtas a Paris e a Londres, a sua vida resumia-se aos caminhos percorridos entre Lisboa e Linda-a-Pastora, e são esses mesmos caminhos e as pessoas desses locais que Cesário Verde reproduz na sua obra.
Aquando da sua entrada para a Faculdade de Letras, estreou-se com várias poesias nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença, acolhidos com críticas quase sempre desfavoráveis. Em 1874, foi anunciada a edição de um livro de Cesário Verde, o que, no entanto, não aconteceu. Esta falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário, fizeram com que Cesário Verde deixasse de publicar em jornais.
Assim, a partir de 1879, Cesário Verde empenha-se cada vez mais no auxílio nas tarefas da loja de ferragens e da exploração da quinta. Em 1872, a sua irmã morre, seguindo-se, dez anos depois, o seu irmão, ambos de tuberculose. Foi esta a doença que viria a vitimar igualmente o poeta, a 19 de Julho de 1886, apesar das várias tentativas de convalescença.
Só em 1887 foi organizada, por iniciativa de Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas com o título de O Livro de Cesário Verde.


Correntes literárias influentes

Cesário Verde era, antes de mais, um realista que utilizou também o impressionismo nos seus poemas, já que materializa o abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e locais para traduzir estados psicológicos, dá espírito a objectos.
Além disso, Cesário Verde e as suas composições poéticas enquadram-se também no Parnasianismo que defende “a arte pela arte” e que foi iniciado em França no século XIX.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito através de poesias descritivas. É uma reacção contra o Romantismo, defendendo a objectividade em detrimento do sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da indisciplina da linguagem. È um retorno ao racionalismo e uma busca pela impessoalidade.
Através da junção do realismo, com o impressionismo e o Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se autênticas representações pictóricas da realidade devido à utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à perfeição formal.
Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista, clara, objectiva e concreta. Procura descrever o mundo com objectividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e partir para uma subjectividade sóbria.


Flores Velhas[1]

Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um voo.

Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas;
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.

Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.

Diziam-me que tu, no flórido passado,
Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,
Aquele teu olhar moroso e delicado,
Que fala de langor e de emoções mimosas;…

E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,
Que não me desgostou nem uma vez sequer,
Eu não sabia haurir do cálix da ventura
O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,
Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;
As falas quase irmãs do vento com as flores
E a mole exalação das várzeas rescendentes.

Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas
No ninho de afeições criado para ti,
Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,
E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,
Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,
E sob aquele céu e sobre aquelas plantas
Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruído em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados...

Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.

E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!
Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,
A areia em que rangia a saia roçagante,
Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,
Que as ondas que formei das suas ilusões
Fizeram-me enganar na minha soledade
E as asas ir abrindo às minhas impressões.

Soltei com devoção lembranças inda escravas,
No espaço construí fantásticos castelos,
No tanque debrucei-me em que te debruçavas,
E onde o luar parava os raios amarelos.

Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,
Suster a minha fé, num véu consolador,
O teu divino olhar que as pedras amolece,
E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,
Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,
E imaginei ouvir ao conversar das aves
As célicas canções dos anjos teus irmãos.

E como na minha alma a luz era uma aurora,
A aragem ao passar parece que me trouxe
O som da tua voz, metálica, sonora,
E o teu perfume forte, o teu perfume doce.

Agonizava o Sol gostosa e lentamente,
Um sino que tangia, austero e com vagar,
Vestia de tristeza esta paixão veemente,
Esta doença enfim, que a morte há-de curar.

E quando me envolveu a noite, noite fria,
Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,
E vim a meditar em quem me cerraria,
Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

Pois que, minha adorada, eu peço que não creias
Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;
Há tempos que não sinto o sangue pelas veias
E a campa talvez seja afável para mim.

Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,
Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,
E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,
Em breve te olharei calado e moribundo.

Mas quero só fugir das coisas e dos seres,
Só quero abandonar a vida triste e má
Na véspera do dia em que também morreres,
Morreres de pesar, por eu não viver já!

E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,
Com lágrimas regar as plantações ruins;
E esperarão por ti, naqueles alegretes,
As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

Estrutura interna
Esta composição poética pode ser considerada uma elegia, já que exprime sentimentos tristes e dolorosos, em consequência da saudade provocada no eu poético por um amor passado. Este poema é um monólogo endereçado a uma mulher, Clarisse, que se encontra ausente. É apresentado um “jardinzinho agreste” onde o sujeito poético passou momentos de grande felicidade.
Podemos dividir o poema em três partes lógicas.
A primeira engloba as primeiras nove estrofes, onde o sujeito poético relembra a sua recente visita ao jardim, associando os elementos da Natureza à própria experiência amorosa que ali viveu (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem, / Traziam-me à memória idílios imortais…”). Também nesta parte se compreende um certo arrependimento do eu poético por não ter desfrutado devidamente daquele amor (“Eu não sabia haurir do cálix da ventura / O néctar que nos vem dos mimos da mulher.”).
A segunda parte vai da décima à décima quarta quadra, na qual o sujeito poético como que se apercebe, com arrependimento, de que o tempo não pode voltar atrás e que nunca reaverá aquele amor (“Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas / Nos bancos de tijolo…”). Assim, recorre à autocrítica e confessa não ter compreendido a coerência do silêncio do amor passado (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, …”). Faz também uma menção ao facto de as memórias, as “Flores Velhas”, que naquele momento estavam a ressurgir, terem sido apagadas temporariamente (“E tudo enfim passou, passou como uma pena / Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais, …”).
Este desgosto faz com que recorde as características da amada, passando mesmo a sentir ilusoriamente a presença desta, o que acontece na terceira parte do poema, que vai da décima quinta à décima oitava quadra.
A quarta parte do poema estende-se desde a décima nona ao final do poema, onde o eu poético revela o seu desejo de morrer e ironiza, dizendo que quer que isso aconteça na véspera da morte da sua amada, para que esta morra de desgosto.
O contraste entre a cidade e o campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário Verde e revela-nos, por um lado, o seu amor ao rústico e ao natural e, por outro lado, uma certa renúncia à perversidade e aos valores urbanos a que, no entanto, adere.
Neste poema, também esta temática é abordada visto que a experiência recordada se passa num “jardinzinho agreste”, o que nos dá a impressão de ser um local isolado, afastado pela cidade, e para onde o sujeito poético e a amada fugiam quando pretendiam estar a sós. O facto de se chamar “desterro” a este jardim, indica que este era um local solitário, mas que permitia escapar ao confinamento da cidade.
Ao revisitar esse jardim, as memórias desse amor agudizaram-se porque o próprio jardim ainda não o tinha esquecido. Este amor só seria possível no campo, longe da cidade. Isto pode ser constatado através dos versos: “Eu trouxe do jardim duas saudades roxas, / E vim a meditar em quem me cerraria, / Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.”, em que se verifica que após abandonar o campo, o sujeito poético é invadido por pensamentos mórbidos, acabando a sua felicidade, que neste caso, se prendia com as recordações de um amor passado. A cidade é, então, sinónimo de ausência de amor e, portanto, de vida.
Este contraste entre campo e cidade, entre vida e morte, está em tudo relacionado com o facto de o poeta ter sido afastado do campo na sua infância e, depois, ter sido enfraquecido pela cidade, o que fez com que, quando voltava para o campo, encontrasse sempre a energia perdida.
Outra das temáticas de Cesário Verde abordadas neste poema é a imagética feminina, relacionada também com a temática anterior.
A mulher representada neste poema era do campo, sendo retratada como sendo frágil, de olhar “moroso e delicado” de “emoções mimosas”, de “alma ardente e pura”, “boa amiga”, “meiga amante” e uma “pálida mulher, de longo olhar piedoso”. Esta mulher tem, portanto, grandes qualidades, não pertencendo ao mundo da cidade, o que está de acordo com a imagem denegrida que Cesário Verde tem da cidade. Assim, a referida mulher é o sentido da vida do sujeito poético, sendo também a razão do seu desejo de morrer quando este regressa à cidade.
O “néctar”, referido na quinta estrofe, que, para além de ser um suco produzido pelas plantas, é a bebida dos deuses, segundo a mitologia, associado ao “cálix”, que, para além de ser uma estrutura situada abaixo das pétalas numa flor, é também um vaso sagrado, vai dar uma imagem de beleza e pureza à mulher campestre, mas também uma imagem mística e superior.
Em termos de correntes literárias, e como já foi referido, Cesário Verde enquadra-se no Parnasianismo, o que se pode verificar neste poema pelas muitas descrições, acompanhadas de uma rica percepção sensorial e de uma adjectivação abundante, rica e expressiva, que, no entanto, não deixam de ser objectivas, claras e concretas.
Obviamente que também existe uma dimensão subjectiva neste poema que decorre da transfiguração das descrições do jardim em outras descrições, nomeadamente da sua amada e do seu estado de espírito. Cesário Verde dá-nos uma ideia muito clara do jardim e depois faz com que vários pormenores desse mesmo jardim traduzam o seu estado psicológico (“E como na minha alma a luz era uma aurora…”) e sirvam também para descrever a sua amada (“Soberba como um sol, serena como um voo.”).


Unidade forma – conteúdo
Neste poema de Cesário Verde, ao nível de linguagem, o registo é um misto de língua familiar e cuidada, pois, apesar de existir uma intimidade evidente com o “tu” ausente, existe uma certa preocupação na escolha do vocabulário, que é diversificado, e na construção gramatical (“A areia em que rangia a saia roçagante, / Que foi na minha vida o céu aurirrosado…”).
Relativamente ao vocabulário, pode dizer-se que há o emprego de vocábulos concretos, principalmente pertencentes ao campo lexical de jardim, como “abelha”, “alfazema”, “borboletas”, “rio”, “rosas” ou “néctar”.
Ao nível da pontuação, verifica-se que cada quadra engloba uma única frase. Isto permitia que pudesse tratar de determinado tema numa frase (numa quadra) e depois mudar para outro assunto. As frases acabam, na maior parte dos casos, com um ponto final, visto que este poema é descritivo, sendo maioritariamente constituído por frases declarativas. Contudo, existem também algumas exclamações a acompanhar interjeições (“Ah!”), que revelam, principalmente, o arrependimento do sujeito poético, e em invocações da amada (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”). As últimas duas estrofes terminam também com um ponto de exclamação de modo a que a conclusão do poema tenha um tom elevado e marcante.
Este poema é bastante rico em recursos expressivos. Os que são utilizados neste poema são:
- a adjectivação expressiva e abundante (“Os dedos de marfim, polidos e delgados...”), que está de acordo com o facto de ser um poema descritivo;
- a aliteração (“A areia em que rangia a saia roçagante / …aurirrosado”), que imprime uma maior musicalidade ao poema;
- a metáfora e a imagem (“…a lua nos beijou…”, “Nos bancos de tijolo em musgo atapetados…”);
- a sinestesia (“Por entre o riso claro…”, “Bebemos o elixir das tardes perfumadas.”);
- o assíndeto (“O som da tua voz, metálica, sonora…”);
- a enumeração (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem…”);
- a comparação (“Soberba como um sol, serena como um voo.”),
- o animismo (“Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,…”);
- a apóstrofe (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”),
- a hipálage (“… às horas sonolentas…”);
- a ironia (“Na véspera do dia em que também morreres, / Morreres de pesar, por eu não viver já!”), que serve para interromper o sentimentalismo;
- a repetição (“E o teu perfume forte, o teu perfume doce.”, “Falou-me tudo, tudo…”);
- o hipérbato (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, / Eu sinto as decepções e os grandes desalentos…”);
- o diminutivo (“jardinzinho”), revelando ternura;
- o polissíndeto (“…e as vozes das crianças, / E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.”);
- a hipérbole (“…dedos de marfim…”);
- o eufemismo (“Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim…”);
- a personificação (“As dálias a chorar nos braços dos jasmins!");
- a exclamação (“Morreres de pesar, por eu não viver já!”).

Estrutura externa

O poema é composto por vinte e quatro estrofes que são quadras (cada uma tem quatro versos). As estrofes são constituídas por versos alexandrinos (de doze sílabas), como se pode depreender através da seguinte análise do verso:“A / go / ni / za / va o / Sol / gos / to / sa e / len / ta / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Um / si / no / que / tan / gia, / aus / te / ro e / com / va / gar, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Ves / tia / de / tris / te / za es / ta / pai / xão / ve / e / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Es / ta / doen / ça en / fim, / que a / mor / te / há / -de / cu / rar” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

O esquema rimático é /ABAB/ em cada estrofe, repetindo-se esta sequência ao longo de todo o poema, havendo portanto rima cruzada.
A rima é, na sua maioria, consoante visto que existe uma correspondência total de sons a partir da última vogal tónica de cada um dos versos que rimam (pena / amena, vendavais / mais). Existem, no entanto, excepções em que a rima é toante, havendo correspondência na vogal tónica mas não sendo a rima total a partir daí (beijou / voo, ti / nutri).
Ainda em termos de rima, e analisando as estrofes no seu conjunto, pode-se dizer que existe uma predominância não muito significativa da rima rica (escravas / debruçavas, castelos / amarelos, prece / amolece, consolador / amor…) sobre a rima pobre (santas / plantas, inspiradas / perfumadas, desterro / enterro, atapetados / delgados…).


Ó áridas Messalinas, [1]

Ó áridas Messalinas
não entreis no santuário,
transformareis em ruínas
o meu imenso sacrário!
Oh! A deusa das doçuras,
a mulher! eu a contemplo!
Vós tendes almas impuras,
não me profaneis o templo!

A mulher é ser sublime,
é conjunto de carinhos,
ela não propaga o crime,
em sentimentos mesquinhos.

Vós sois umas vis afrontas,
que nos dão falsos prazeres,
não sei se sois más se tontas,
mas sei que não sois mulheres!


Estrutura interna
É conveniente, antes de tudo, esclarecer o que é uma Messalina, já que é uma palavra bastante relevante para a compreensão de todo o poema.
No Império Romano, existiu uma imperatriz, Valéria Messalina, mulher do imperador Cláudio, que ficou famosa pela sua crueldade e pela sua vida libertina, devassa e promíscua, acabando por ser executada por ordem do marido. Deste facto histórico, surge a palavra “messalina”, utilizada, num sentido figurado, para referenciar alguma mulher que leve uma vida como a de Valéria Messalina.
Muito claramente, os temas deste poema são o amor e a sedução, tendo a mulher por objecto. O sujeito lírico faz uma crítica às mulheres que levam uma vida devassa, pedindo para que não o seduzam.
Esta composição poética pode ser dividida em três porções lógicas.
A primeira porção é a primeira quadra, onde o eu poético pede às “áridas Messalinas”, ou seja, às mulheres depravadas e desprovidas de interesse, para que não invadam o “santuário”, referindo-se à sua vida regrada, cuja integridade seria posta em causa caso fosse seduzido por elas.
A segunda parte lógica do poema são a segunda e terceira estrofe onde o sujeito poético solta frases de veneração e descreve o seu conceito de mulher. Assim, para ele, a mulher seria um ser puro, “sublime”, que não transforma o amor num sentimento desprezível.
Na terceira parte do poema, ou seja, na quarta e última estrofe, o sujeito poético utiliza a definição de mulher que apresentou na segunda parte do poema para a comparar com as Messalinas, dizendo que estas, ao contrário das “mulheres”, são falsas, impuras, e que, portanto, não podem ser consideradas mulheres, apesar de o eu poético não saber se a vida que levam se deve à sua falta de juízo ou à sua crueldade.
As temáticas de Cesário Verde mais evidentes neste poema são o símbolo da mulher e a humilhação sentimental.
É apresentada a Messalina, a mulher fatal que desperta o desejo do eu lírico mas que o arrasta também para a morte, num sentido figurado (“…transformareis em ruínas / o meu imenso sacrário!”). Esta faz parte de um dos principais contrastes que Cesário faz ao longo de toda a sua obra, o “mulher fatal / mulher angélica”, estando, normalmente, a primeira estreitamente relacionada com a cidade, e a segunda com o campo. Assim, as mulheres citadinas, como as Messalinas, eram frias, opressoras e artificiais, símbolo do desenvolvimento urbano. Além disso, também surge a mulher objecto, vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico.
Também neste poema é tratada a humilhação afectiva visto que a mulher fatal, bela, artificial, poderosa e desumana faz com que o sujeito poético a deseje e a receie, levando a que este se sinta humilhado e seja compelido a controlar os seus impulsos amorosos.
A nível de correntes literárias influentes, percebe-se que mais uma vez está presente o Parnasianismo visto que este poema não tem muito de subjectivo, é muito directo e os termos utilizados são bastante fáceis de entender, recorrendo somente à transfiguração da realidade. Não são apresentados quaisquer ideais, mas coisas que são observadas a cada instante, o que é exemplo do carácter impessoal das composições parnasianas.
Este poema foi escrito em 1873, período em que Cesário Verde elaborou bastantes poemas que têm o amor e a mulher por temas. Nesta altura, Cesário Verde era ainda um adolescente, tinha 18 anos, mas a cidade e o campo constituíam já duas facetas da sua vida.
Assim, Cesário Verde produziu poemas que falavam do campo como representante de um amor vivido no passado (como em “Flores Velhas”) ou de um amor idílico, e que falavam da cidade como símbolo do erotismo e da sedução, que, como já foi analisado neste poema, o eu poético não considera sinónimos de verdadeiro amor, mas antes “sentimentos mesquinhos”. Neste poema, particularmente, é feita, em tom jocoso, uma dessacralização da mulher da cidade, pela qual terá tido alguns amores durante a sua adolescência.

Unidade forma – conteúdo
Nesta composição poética o vocabulário é predominantemente concreto e relaciona-se sobretudo com a religião (”templo”, “sacrário”, “santuário”, “deusa”).
São utilizados bastantes pontos de exclamação ao longo do poema que são usados em frases imperativas (“…não me profaneis o templo!”), em conjunto com interjeições (“Oh!”) e também para exprimir admiração, respeito, devoção (neste caso, à mulher pura, “Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”) e aversão (“…mas sei que não sois mulheres!”).
Pode encontrar-se um único ponto final, no final da terceira quadra, já que esta é a estrofe em que se procede à descrição da mulher angélica.
Neste poema, os recursos estético-estilísticos existentes são:
- a apóstrofe (“Ó áridas Messalinas…”);
- a metáfora (“…o meu imenso sacrário!”);
- a aliteração, (“…não sei se sois más se tontas, / mas sei que não sois mulheres!”);
- o hipérbato (“Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”);
- a hipérbole (“…transformareis em ruínas…);
- a sinédoque (“A mulher… é conjunto de carinhos…”);
- a exclamação (…não me profaneis o templo!”, “…mas sei que não sois mulheres!”), que serve para intensificar a emoção.
A linguagem utilizada é predominantemente informal, existindo, no entanto, uma selecção cuidada de vocabulário. A linguagem é prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.

Estrutura externa
A composição poética é constituída por quatro estrofes (quadras), sendo estas constituídas por versos de sete sílabas, como se verifica pela seguinte análise de versos:


“A / mu / lher / é / ser / su / bli / me, 1 2 3 4 5 6 7é / con / jun / to / de / ca / ri / nhos,1 2 3 4 5 6 7e / la / não / pro / pa / ga o / cri / me,1 2 3 4 5 6 7 em / sen / ti / men / tos / mes / qui / nhos.” 1 2 3 4 5 6 7
O esquema rimático é //ABAB/CDCD/EFEF/GHGH//, sendo a rima cruzada.



As rimas pobres (Messalinas / ruínas, santuário / sacrário, afrontas / tontas, prazeres / mulheres) e as rimas ricas (doçuras / impuras, contemplo / templo, sublime / crime, carinhos / mesquinhos) existem em igual quantidade. Verifica-se que as rimas pobres se encontram na primeira e na última estrofe e as rimas ricas se encontram nas outras duas estrofes.
As rimas são todas consoantes, à excepção de prazeres / mulheres.


Manias![1]

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!

Estrutura interna
Este poema, tal como o já analisado “Ó áridas Messalinas”, tem como temas o amor e a mulher. O eu poético conta a história de um sujeito que conhecia que era amante de uma mulher que, apesar de possuir mau aspecto, era prepotente e exercia sobre ele uma grande influência.
Este poema, um soneto italiano, pode ser dividido em três partes lógicas.
A primeira parte é a primeira quadra, na qual o sujeito lírico faz uma pequena introdução, dando a sua opinião sobre o mundo e a vida. Faz um contraste um pouco lúgubre entre a tragédia e a comédia de que é feita a sociedade. Se, por um lado, existem as pessoas excessivamente preocupadas que encaram a vida como se fosse uma desgraça descomedida (“O mundo é velha cena ensanguentada…”), por outro lado, existem os que levam, ridiculamente, a vida de uma forma irreflectida (“A vida é chula farsa assobiada.”).
Daí parte para a segunda parte lógica do poema, iniciando o relato da história de um rapaz já falecido (“…hoje uma ossada…”), a qual serve de suporte para a sua visão jocosamente negra do mundo, já que trata do amor deste rapaz para com uma mulher muito pretensiosa e que exercia no rapaz uma influência tal que este se mostrava receosamente obediente (“…o dengue, em atitude receosa…”).
Na terceira parte do soneto (última estrofe), dá-se a apresentação da ideia principal, ao que se chama “fechar com chave de ouro”. O sujeito poético critica, de modo trocista, a submissão daquele rapaz perante aquela mulher, evidenciando a devoção a Deus por parte da mulher (“…que a amante ia ouvir missa!”) e a devoção àquela mulher por parte do rapaz (“…sujeição canina mais submissa…”).
As temáticas mais significativas abordadas por Cesário Verde neste poema são a humilhação sentimental e a imagética feminina.
O rapaz de quem se fala no poema é, então, o símbolo da humilhação sentimental, já que é totalmente dominado pela mulher que ama, apesar de esta ter mau aspecto (“esquálida e chagada”) e ser mais velha que este (“…já rugosa…”), o que acentua ainda mais o vexame deste rapaz.
Tal como em “Flores Velhas” e em “Ó áridas Messalinas”, também esta composição poética se refere a uma mulher, que, neste caso, é uma mulher fria, perversa, altiva, poderosa, que só deve explicações a Deus (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”), vaidosa, afectada e egocêntrica (“…cheia de jactância quixotesca.”), talvez de meia-idade (“…a deia já rugosa…”). Esta imagem da mulher é o símbolo da artificialidade citadina. Desta forma, mais uma vez a cidade está presente no poema na forma de mulher que serve para retratar os valores decadentes e a violência social.
Mais uma vez o Parnasianismo se encontra presente como corrente literária influente. Recorre-se bastantes vezes à descrição, (nomeadamente do rapaz, da mulher e do mundo), usando vocábulos concretos e claros. Está presente uma clara busca pela perfeição que se denota pela constante recorrência a vocabulário e a recursos estético-estilísticos que permitam uma maior expressividade. Existe também uma despersonalização da poesia, muito pelo facto de a história ser narrada na terceira pessoa. Além disto, tudo é descrito conforme realmente acontece.
Este poema é do mesmo período de “Ó áridas Messalinas”, tempo em que Cesário Verde se dedicou a elaborar poemas cujos temas eram o amor e a mulher. Na maior parte dos casos, estas composições poéticas são de tom satírico, que é o caso de “Manias!”. Isto é claramente evidenciado pela ironia presente no próprio título do poema.
A envolvência de Cesário neste poema é evidente, visto que existe não só a presença da cidade como elemento negativo, mas também da mulher como causa de humilhação, o que explica o facto de nesta altura, 1874, Cesário Verde ser um jovem cuja mentalidade era, em parte, influenciada pelo generalizado fascínio exercido pela mulher fatal e poderosa na sensibilidade do tempo. Este aspecto está também presente em “Ó áridas Messalinas”.

Unidade forma – conteúdo
O vocabulário utilizado neste poema é bastante variado e um pouco complicado já que não faz parte da linguagem geralmente usada no nosso quotidiano (“jactância”, “picaresca”, “pedantesca”, “quixotesca”, “deia”, “dengue”).
Relativamente à pontuação, pode-se verificar que, como cada uma das quadras encerra uma frase, os versos destas terminam com uma vírgula ou com ponto e vírgula, excepto o último verso que termina com ponto final, dando assim um término à frase. Também cada um dos versos dos tercetos encerra com uma vírgula, já que os dois tercetos englobam uma única frase, à excepção do último verso que encerra com o único ponto de exclamação do poema, já que este é o verso que revela de forma mais clara a ironia inerente ao texto.
Também se verifica o emprego do hífen na segunda quadra (“…-hoje uma ossada - …”) que tem como função a introdução de um pequeno à parte que nos dá uma informação suplementar.
Comparando “Manias!” com os outros dois poemas anteriormente analisados pode-se constatar que, no que diz respeito à linguagem, este poema é mais complexo do que os outros dois, o que é devido, em grande parte, aos vocábulos pouco usuais, como já foi referido. Assim, pode-se dizer que a linguagem é cuidada. No entanto, a construção sintáctica das frases é simples.
As principais figuras de estilo utilizadas são:
- a metáfora (“Na sujeição canina mais submissa…”);
- a adjectivação expressiva e abundante (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a hipálage (“Levava na tremente mão nervosa…”);
- a enumeração (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a ironia (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”);
- o assíndeto (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- a imagem (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- o disfemismo (“…hoje uma ossada…”);
- a exclamação (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”).

Estrutura externa
Este poema é um soneto italiano, sendo constituído por duas quadras e dois tercetos. Possui, portanto, catorze versos, que são de dez sílabas, o que se pode confirmar pela seguinte análise:
“O / mun / do é / ve / lha / ce / na en / san / guen / ta / da, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Co / ber / ta / de / re / men / dos, / pi / ca / res / ca; 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10A / vi / da é / chu / la / far / sa a / sso / bi / a / da,1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Ou / sel / va / gem / tra / gé / dia / ro / ma / nes / ca.” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

O esquema rimático do soneto é//ABAB/ABAB/CDC/DCD//, pelo que existe rima cruzada. Todas as rimas são consoantes porque existe sempre correspondência de sons a partir da última vogal tónica.
A maior parte das rimas são pobres (picaresca / romanesca, rugosa / receosa, pedantesca / quixotesca, receosa / nervosa), existindo algumas rimas ricas (ossada / chagada, preguiça / submissa, submissa / missa).


Conclusão


Cores, formas, luz. São estas as impressões que se retêm em mente após esta leitura e análise de três dos vários poemas elaborados por Cesário Verde. Ou pelo menos é isso que espero que tenha acontecido aos leitores deste trabalho de exploração.
A forma como estes poemas foram elaborados, que parecem autênticas “pinturas em prosa”, permite uma boa compreensão das paisagens e dos episódios que o poeta nos pretendeu comunicar.
“Flores Velhas”, “Ó áridas Messalinas” e “Manias!” são bons e importantes exemplos das temáticas tratadas por Cesário ao longo da sua (curta) carreira poética, nomeadamente a mulher, a humilhação sentimental e, ainda, o sempre presente binómio cidade/campo. Existem ainda outras, como a questão social e a humilhação estética, que não foram abordadas nestes poemas, o que não deixa de ser um incentivo para uma leitura mais extensa da obra completa de Cesário Verde.
Assim, espero que este trabalho tenha conseguido alcançar os objectivos inicialmente propostos. Espero que tenha contribuído para um maior conhecimento acerca da obra e vida de Cesário Verde, no geral, e para uma melhor compreensão das três obras analisadas, em particular.
Em suma, é do meu desejo que deste trabalho possam ser colhidos dividendos positivos, como o despertar da curiosidade acerca da obra deste autor e o melhor entendimento relativamente às suas ideias, temáticas e formas de expressão.


Bibliografia


AAVV (2004). Diciopédia 2005, Porto: Porto Editora Multimédia.
Borregana, António Afonso (1995). O Texto em Análise, 5ª Edição, Lisboa: Texto Editora.
Macedo, Helder (1999). Nós. Uma leitura de Cesário Verde, 4ª Edição, Lisboa: Presença.
Pinto, José Manuel de Castro e Maria do Céu Vieira Lopes (2002). Gramática do Português Moderno, Lisboa: Plátano Editora.
Rodrigues, Fátima (1998). Cesário Verde: Recepção oitocentista e poética, Lisboa: Edições Cosmos.
Verde, Cesário (1987). O Livro de Cesário Verde, Aveiro: Livraria Estante Editora.
Veríssimo, Artur (2004). Ser em Português 11, Porto: Areal Editores.
http://www.officinadopensamento.com.br/
http://www.portodeabrigo.pt/
http://www.purl.pt/



[1] Este poema foi publicado n’O Diário da Tarde em 1874, no Porto.
[1] Este poema foi publicado no Diário de Noticias em 1873, em Lisboa.
[1] Este poema foi publicado n’O Jornal da Tarde em Dezembro de 1874, no Porto.

Caracterização de Personagens na obra Frei Luis de Sousa

Telmo Paes


A personalidade de Telmo é caracterizada pela grande cultura adquiri da ao longo dos anos através da sociabilização e dos livros, tendo em conta que foi aio e escudeiro de D. João de Portugal e camarada de seu pai. No desenrolar da obra, Telmo, apresenta a sua personalidade dividida enquanto ao amor e à fidelidade que sente pela sua escolar Maria (fruto do segundo casamento de Madalena, de que Telmo não concordou) e pelo seu outro educando, D. João de Portugal. Outra característica psicológica de Telmo é a sua crença e superstição, pois acredita no Sebastianismo; crença que desvanece ao longo da evolução psicológica do indivíduo pois a divisão interior é mais significativa; sabendo que o regresso de D. Sebastião implica o regresso de D. João de Portugal, Telmo deixa de acreditar na concretização do mito sebastianista (o que contradiz o seu carácter patriótico), deste modo aquele que foi tão desejado, por Telmo, deixa de o ser pois a sua vinda é a desgraça de Maria, aquela que Telmo decide ser a sua agraciada. Factor que demonstra grande ambiguidade sentimental.
Enquanto aos aspectos físicos Telmo é detentor de barbas e cabelos esbranquiçados (verifica-se tal característica através da comparação que este estabelece com o cabelo e barba de D. João), o que indica uma idade já algo avançada da personagem. Usará trajes simples, pois é escudeiro. O seu rosto denota confiança e amizade pois os vários conhecimentos, da personagem, são apreciados ao longo da obra e é a ele a quem Maria confia os seus pensamentos e considerações mais profundas.


D. João de Portugal - Romeiro


D. João foi guerreiro na Batalha de Alcácer Quibir, sob as ordens de el-rei D. Sebastião. É uma personagem que a nível bélico é considerado espelho de cavalaria. Possui um carácter forte e decisivo, rígido e em certa parte vingativo, (sendo este rancor vencido pela benevolência, pela pureza e pela bondade). É desejado e invocado consequentemente por Telmo seu aio, que numa evolução psicológica final, contraria os sentimentos demonstrados nas acções anteriores. Quando regressa para demonstrar a fidelidade e lealdade a Madalena depara-se com factos que o surpreendem alterando o seu objectivo principal. Nesse momento D. João sente um grande vazio interior, pois não tem nem família, nem parentes, apenas um amigo (Telmo) que o deixou de ser da forma que outrora o foi.
Em relação aos aspectos físicos D. João possui barbas e cabelos compridos, que seriam demasiado alvos em relação à sua idade. Com traços faciais carregados. As vestes elementares e deterioradas, acompanhadas de um bordão com as conchas de San Tiago, símbolo dos peregrinos. Tendo em conta, que no passado foi um elegante e aposto cavaleiro moço.

Texto Expositivo-Argumentativo

Tema: Os agouros, superstições e mitos em Frei Luís de Sousa, de A. Garrett.
Na obra Frei Luís de Sousa verifica-se a renovação de temas desvalidos pelas obras de cultura clássica, pois, com o romantismo instauraram-se assuntos patrióticos com sensibilidade histórica e mitológica. O aparecimento do mito sebastianista e de outros presságios, nesta obra, reforçam o caracter romântico de Garrett e o interesse e atractivo no desenrolar deste drama, pois a contrariedade de sentimentos em relação ao aparecimento de D. Sebastião não é apreciado, na obra, de uma maneira uniforme e invariável.
Tendo em conta a época histórica da obra, o aparecimento de el-rei D. Sebastião seria algo benéfico para o reino, contudo não se verifica tal interesse na sensibilidade da maioria das personagens. É o caso de D. Madalena e de D. Manuel de Sousa Coutinho que preferem não acreditar no sebastianismo, pois se o fizerem admitem não só o regresso de D. Sebastião, mas ainda, o aparecimento do primeiro marido de Madalena, D. João de Portugal. Com a análise psicológica de Madalena comprova-se que esta tem vivido cheia de temores durante toda a sua vida amorosa, devido ao acidente que lhe adiantou o casamento com D. Manuel e ao facto de se ter apaixonado por este quando ainda era cônjuge de D. João, (este acto, na sua consideração, é admitido como pecado e crime).
As superstições e mitos, nesta peça, são fundamentais. As crenças, os sonhos e o interesse profético de Maria servem como advertência e aviso daquilo que se avizinha, fornecendo, ainda, amparo ao desconhecimento sobre a influência do passado na sua existência. Madalena, como forma de desacreditar as ideias da filha, convence Telmo a não lhe prestar nenhuma informação, pois Madalena, através do desenrolar de diversas quimeras, vê a ignorância dos factos a única maneira de se salvar a si e à sua filha, do pecado que ela diz ter cometido e que a sociedade de então não lhe o permitiria.
A passagem do tempo sobre o desaparecimento de D. Sebastião e consequentemente sobre o desaparecimento de D. João parece desacreditar o mito sebastianista, o que profere uma certa contradição mitológica. Outro ponto negativo acerca das superstições é o facto do retrato de D. Manuel ter ardido, pois isto parece indicar a iminente destruição do próprio D. Manuel mas, com a amnistia dos governadores sobre o acto de D. Manuel, parece haver uma retomada de felicidade para toda a família de D. Manuel.
O sebastianismo, subjacente à peça, parece entrar em contradição com o próprio mito (tragédia / salvação), pois no prisma de Telmo (principalmente, numa fase inicial) e de Maria a concretização deste mito é desejada; enquanto que D. Madalena e D. Manuel, sendo o último um “português verdadeiro” e que deveria apoiar o sebastianismo, não pretendem ver o mito consumando, pois se este for concretizado a aliança entre eles não poderá existir e Maria será o fruto de um amor impossível e vista como ilegítima.
A analogia que se pode estabelecer entre os dois “filhos” de Telmo, Maria e D. João, é de drama pois um é a desgraça do outro e vice-versa.

João Martins

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Actores de Hollywood vão protagonizar «Os Maias» em Londres

Um elenco com actores de Hollywood vai protagonizar uma dramatização do romance «Os Maias», de Eça de Queirós, numa ambiciosa produção no «West End», em Londres, no próximo ano, revelou hoje o produtor, Eduardo Barreto.
«Só posso dizer que vai ser um elenco de luxo e o actor principal será um dos grandes nomes de Hollywood», adiantou à Agência Lusa Eduardo Barreto, responsável pelo projecto.
O produtor não quis nomear os actores, «uma mistura de ingleses e americanos com experiência em teatro e cinema», alegando que estão ainda a decorrer as negociações para encontrar datas possíveis nas suas agendas profissionais.
Devido a estes constrangimentos, deverá demorar ainda «umas boas semanas» até os contratos estarem assinados, adiando a peça - que esteve anunciada para Dezembro - para a próxima Primavera, em 2008, «não antes de Abril».
Um «grande elenco» é um dos ingredientes essenciais para concretizar este projecto com sucesso, enuncia Barreto, já que é isso que vai atrair financiadores e público.
«Tem de ter elementos comerciais para fazer dinheiro«, vincou, em declarações à Lusa.
A peça vai chamar-se »Lisbon« e foi adaptada do romance oitocentista de Eça pelo reputado dramaturgo britânico Peter Oswald, que escreveu um texto »lindíssimo, meio em verso, meio em prosa«, acrescenta o produtor.
A adaptação coloca em destaque as três personagens masculinas, Carlos da Maia, João da Ega e Afonso da Maia, e são esses papéis que serão protagonizados pelos actores conhecidos.
Parte do financiamento estará assegurada, assim como uma sala no conhecido »West End«, bairro londrino onde se concentram os principais teatros, já que Eduardo Barreto está a colaborar com um dos maiores grupos do meio.
A »força da história« e o facto de ser »um projecto de qualidade« conseguiu atrair também »um encenador inglês muito conceituado e premiado nos EUA«, mas cujo nome o produtor preferiu manter em segredo até estar confirmado.
A convicção de Eduardo Barreto neste projecto, no qual trabalha »há dois anos«, vem do facto de ter encenado »O Crime do Padre Amaro«, de Eça de Queirós, também na capital britânica em 2001, e que, segundo ele, »foi muito bem recebido.
Residente em Londres desde 1992, Eduardo Barreto, 37 anos, tem uma carreira variada como actor e realizador de filmes comerciais, tendo nos últimos anos trabalhado sobretudo em produção com a companhia que criou, a Requiem Productions.

Diário Digital / Lusa
11-07-2007 13:24:00

terça-feira, 19 de junho de 2007

Fernando Pessoa



É uma imagem conhecida e já serviu para ilustrar a capa de uma fotobiografia de Fernando Pessoa. O poeta tinha 10 anos quando tirou este retrato em Durban, na África do Sul, onde viveu e estudou. A expressão do Pessoa que nos foi dado a ver já está aqui. E quanto mais se olha para ela mais se fica com a impressão que o poeta só teve uma expressão. E manteve-a sempre de cada vez que enfrentava uma máquina fotográfica, quer tivesse 3, 10 ou 30 anos. No verso da fotografia, Pessoa escreveu esta dedicatória: “Á sua querida tia Lisbella com muitos beijos do seu sobrinho muito amigo Fernando. Durban 1898”.
A fotografia que Fernando Pessoa tirou em Durban, na África do Sul, quando tinha 10 anos, foi vendida a um alfarrabista por 8500 euros, tornando-se na imagem mais cara alguma vez vendida num leilão em Portugal. A outra carte-de-visite de Pessoa colocada em praça (um retrato do atelier Camacho, de Lisboa), captada quando o poeta tinha cerca de 3 anos, foi arrematada por 460 euros (o preço-base era de 300).

sábado, 16 de junho de 2007

Como comentar um poema

Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático. Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.

Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.

Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos. A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.

Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta. As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento
Personificação/prosopopeia
antítese ( contraste de ideias)
Hipérbole
Tropos
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque

Para saberes mais sobre as diversas figuras de estilo consulta:

Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual
Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os conceitos; é observar as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias explícitas; é um momento em que o leitor estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o modo como o fez, com a sua subjectividade de quem analisa e comenta.
O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos diferentes planos de análise.
As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário citar um verso completo ou uma frase completa deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição. Quando se desejar citar mais do que um verso e essa citação seguir exactamente a ordem do poema em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da utilização de uma barra oblíqua [/].

Modernismo

O MODERNISMO em Portugal tem seu início oficial no ano de 1915, quando um grupo de escritores e artistas plásticos lança o primeiro número da "Orpheu", revista trimestral de literatura. Esse grupo é composto por Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros o brasileiro Ronald de Carvalho e, entre outros, o fantástico e polêmico, Fernando Pessoa e seus heterônimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro).Segundo Luís de Montalvor, Orfeu "é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento". Ainda conforme Moltalvor, a pretensão dos integrantes da Orfeu "é formar, em grupo ou idéia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos".Esses jovens artistas, também conhecidos como Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Marinetti; pelo Institucionalismo de Henri Bergson, cuja linha de pensamento só admitia o conhecimento natural e espontâneo e dizia não à ciência e à técnica; e pelos ensinamentos de Martin Heidegger, que colocava a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como uma determinação social.




Os objectivos principais dos orfistas eram:



Mário de Sá Carneiro Almada Negreiros Fernando Pessoa

Chocar a burguesia com a sua obra irreverente (poesias sem metro, exaltando a modernidade);
Tirar Portugal de seu descompasso com a vanguarda do resto da Europa.
Logo no primeiro número, publicado em abril de 1915, os orfistas conseguiram criar o ambiente de escândalo desejado, graças a críticas violentas, que podem ser encontradas nos poemas "Ode triunfal" de Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa) e "Manicure" de Mário de Sá-Carneiro. Esse primeiro número esgotou-se em apenas três semanas graças a um sucesso "negativo": as pessoas que compravam a revista ficavam horrorizadas e despejavam sua ira contra os seus colaboradores. Armando Cortes Rodrigues, um dos membros da Orpheu, conta que os orfistas eram constantemente ironizados e chamados de loucos.O segundo e último número da revista Orpheu foi lançado em julho de 1915, com conteúdos bem mais futuristas. O terceiro número chegou a ser planejado, mas não foi editado por causa do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da revista.



Mário de Sá Carneiro

Almada Negreiros

Essa primeira geração Modernista, surgida em meio à Primeira Guerra Mundial, foi nitidamente influenciada pelos vários manifestos de vanguarda europeus. Esse talvez seja o motivo principal dos autores desse período apresentarem individualidades muito fortes e não seguirem um padrão estético linear. Apesar do precoce desaparecimento da "Orpheu", essa revista deixou uma rica herança, uma vez que surgiram várias outras revistas que, a grosso modo, foram seguidoras do orphismo e que tiveram duração efêmera, ou seja, duraram pouco. Foram elas:
Centauro (1916);
Exílio (1916);
ícaro (1917);
Portugal Futurista (1917);
Etc.
Ainda nesse primeiro momento do Modernismo português surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca. Nomes de destaque na literatura portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum dos momentos modernistas. Para o professor de Literatura Portuguesa Massaud Moisés esses dois poetas são enquadrados em um momento literário que classifica como "Interrogno".




Revista Exílio - nº unico abril 1916. Direção Augusto de Santa Rita
Linhas temáticas da poesia de Miguel Torga

Grupo 1 _A criação poética ( sonho, solidão, rebeldia, rito, liberdade) _ Lê os poemas: Canção do Semeador; Maceração; Prospecção.

Grupo 2 _ A condição humana (terrena, animal, mortal) _ Lê os poemas: Comunhão, Condição, Cântico de Humanidade

Grupo 3 _ A revolta da imanência humana contra a transcendência divina _ Lê os poemas: Desfecho, Súplica, Livro de Horas

Grupo 4 _ Problemática religiosa _ Lê os poemas: De Profundis, Tantum Ergo

Grupo 5 _ O desespero humanista _ Lê os poemas: Liberdade; Orfeu Rebelde, Drama

Grupo 6 _ A Obsessão Telúrica _ Lê os poemas: Êxtase, Lezíria, A Terra

Grupo 7 _ A dimensão telúrica da Natureza ( a Terra , corpo vivo; A terra, centro do Cosmos; o abraço Terra Céu, o anseio Terra/Mar; A Terra-Pátria-Ibéria) _ Lê os poemas: Ibéria; Pátria; Imagem; Regresso;

Grupo 8 _ Apego aos limites carnais, Terrenos e a revolta espontânea contra esses limites: Lê os poemas: Depoimento, Descida aos infernos, Mudez;

Grupo 9 _ Apologia de um sentido terreno, instintivo _ Lê os poemas: Bucólica, Mirante, Lavram e semeiam aqui ao lado, S. Leonardo da Galafura;

Grupo 10_ Miguel Torga reactualiza muitos mitos clássicos. Rescreve os seguintes mitos presentes na obra de Torga: Prometeu, Ícaro, Tântalo, Narciso, Orfeu, Anteu e Sísifo.

Nota: Para leres os poemas assinalados clica nesta página.

Comunicado- Miguel Torga

Na frente ocidental
nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Começo- Miguel Torga

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.


Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.

Terra- Miguel Torga

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação! Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.
Terra, minha mulher!

Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!
A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...

Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.
Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

O Jardim de Sophia - Ribeiro Telles

Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas: Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.

O Mar em Sophia de Mello Breyner

Metade da minha alma é feita de maresia.
A expressão prima pela economia de palavra que povoa o texto poético de Sophia: um verso ao qual não foi necessário acrescentar outros que igualmente o povoam; nem com eles fazer montagens, como se o poema fosse um filme, segundo o que Sophia de Mello Breyner explica com a maior clareza numa das suas Artes Poéticas . Um verso que define uma idiossincrasia da sua alma poética, como se a maresia pudesse a um tempo constituir metade da essência da sua alma e eventualmente cobrir, pelo seu elemento etéreo – o cheiro vindo do mar que penetra no ar -, a outra metade da sua alma.
A essência da sua alma poética vive da cumplicidade da maresia e da sua identidade como respiração da brisa marinha, numa harmonia perfeita de ritmo vital anímico e espiritual em que confluem as metáforas vividas do mar, do ar e da brisa ou vento suave, ritmo da própria respiração vital do sujeito lírico que, por sua vez, faz parte do universo do próprio mar, o qual dá pela ausência do sujeito lírico quando ele se aparta de uma praia e por ele vai esperando, no esplendor da maré vasa:

Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
A união cósmica do sujeito lírico com o “mar, o vento e a lua” passa de aspiração a acto, neste poema, pelo espaço de êxtase e nudez da praia, sintonizando-se com a dança e harmonia cósmicas que perpassa no universo poético de Sophia de Mello Breyner, sintonizando-se também, na expressão de outro poema, com o “secreto bailar do meu sonho” que o som humanizado do mar- “a tua voz”- segue:

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Claridade e Rigor na poesia de Eugénio de Andrade


MAIS de cinquenta anos passados sobre a revelação em livro, a poética de Eugénio de Andrade, na clara solaridade vocabular que em todos os seus poemas se patenteia com exuberância, tem reincidido nos últimos livrosna mesma sinceridade e brevidade expressivas que fazem de toda a sua obra essa morada onde pairam sempre as sombras, passos e lugares que foram da infância e adolescência, de peregrinação e de vagabundagem por muitas outras paragens. Por isso, retomar o diálogo com o Poeta de Mar de Setembro, mesmo na insistência de uma concisão vocabular que o fazem mergulhar por vezes em certas imagens quase comuns ou de menor forma expressiva, de algum modo estabelecer o convívio com uma das vozes mais coerentes da poesia desta segunda metade do século XX português.Na verdade, cada novo livro de Eugénio de Andrade, sendo ainda e sempre um mesmo e outro livro, prolonga ou retoma esse discurso cristalino e sincero, breve e incisivo, de saber guiar o leitor pelos lugares obscuros, 'branco no branco' (mesmo na aparente contradição expressiva e poética), que traz consigo essa tradição lírica portuguesa de Bernardim, Camões ou até dos primeiros trovadores medievais. Mas esse discurso, sendo idêntico e sempre diferente, ainda o mesmo tom e modo de o Poeta saber falar da vida e do mundo, dos pessoas e das coisas, dos olhares e dos sentimentos, nesse dizer por dizer ao rés das águas límpidas ou dos rios e lugares de diversa peregrinação, na persistente e decantada claridade poética:
Toda a ciência está aqui,na maneira como esta mulherdos arredores de Cantãoos dos campos de Alpedrinharega quatro ou cinco leiras de couves.
E, por essa repetida 'arte poética', Eugénio de Andrade, na brevidade e sinceridade do verbo, na emotiva e sempre renovada forma de abordar ou olhar o mundo, reencontra ou redescobre, mesmo num lódão perto da casa onde morara, num Porto que desde há muitos anos lhe pertence por direito de íntima coabitação, esse sentido solar da sua própria efemeridade, no fazer rente ao dizer e na carga simbólica e sentida das palavras com que todo esse seu 'verbo' poético se tece e enaltece:
Também a poesia é filha da necessidade- esta que me chega um pouco já fora do tempo, deixou de ser a sumarenta alegria do sol sobre a boca.

Por isso, na avalanche metafórica e expressiva de um propositado e claro rigor de expressão, uma poesia que arrebata e comove, destituída de sombras ou inibições, liberta de ironias ou de sarcasmos, mas, como declara Jorge de Sena, todavia'uma poesia aberta com generosidade a todos os anseios de libertação, sempre concebida num bom gosto que defendeu o poeta dos exageros do neo-realismo, do surrealismo ou do barroquismo hispânico', alcançando, no termo dessa sua pessoal experiência e aventura poética cumprida em largos anos, uma plenitude que faz a poesia de Eugénio de Andrade ser hoje verdadeiramente das mais lidas e admiradas por amplas camadas de leitores.Talvez porque no rigor prosseguido no fio calmo dos anos, o que o Poeta de As Mãos e os Frutos deseja acima de tudo é que, pela simplicidade formal e pela transfiguração da sua expressão e clareza, essa solidariedade se confirme, de livro a livro, na cadência dos próprios versos, nessa inocência quase pagã sem deuses nem excessos, no cantante enaltecer do corpo, da terra e da vida, ou como já observara Eduardo Lourenço poder ainda dizer-se que'nenhum poeta como Eugénio de Andrade escreveu poesia de tal modo convincente com as figuras que lha sugerem e o obrigam a cantá-las, como se tudo estivesse certo no universo e só nós, no fundo, estivéssemos a mais'.E assim, na intencional insistência dessa música vital que perpassa em cada poema de Eugénio de Andrade, saber-se que o rumor do mundo se constrói ainda e sempre de palavras, que nessa poética carregam todo o peso da memória, pelas sombras e lugares de um inalterável peregrinar, em trajecto que é único e singularíssimo na poesia portuguesa do nosso tempo, e ter sabido desde longe andar em boas companhias: Homero, Platão, Whitman ou Blake, Lorca, Machado, Montale ou Pessoa. E uma vez mais proclamar num dos poemas emblemáticos de Rente ao Dizer:
materna casa da alegriae da mágoa;dança do sol e do sal;língua em que escrevo;ou antes: falo.

Serafim Ferreira
OBRAS DE EUGÉNIO DE ANDRADE
Fundação Eugénio de Andrade / Porto.

Autor do Artigo
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.


Inf. sobre o artigo
Jornal "a Página"Nº 65
Ano 7 Fevereiro 1998
Pag. 27


sobre Eugénio de Andrade


José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, uma pequena aldeia da Beira Baixa situada entre o Fundão e Castelo Branco, filho de uma família de camponeses, "; gente que trabalhava a pedra e a terra". A sua infância é passada com a mãe, que é a figura dominante de toda a sua vida e da sua poesia. O pai, filho de camponeses abastados, pouco esteve presente, dado que o casamento, efectuado mais tarde, durou muito pouco.
Entra para a escola da aldeia natal aos 6 anos. Um ano depois, muda-se com a mãe para Castelo Branco. Em 1932, muda-se novamente, agora para Lisboa, cidade onde se fixara seu pai, e onde permanece por um período de 11 anos. Conclui, entretanto, a instrução primária. Prossegue os estudos e, em 1935, afirma-se em si o interesse pela leitura. Passa horas a ler em bibliotecas públicas e começa a escrever poemas.
Em 1938 escreve uma carta e envia três ou quatro poemas a António Botto, que manifesta interesse em conhecê-lo. Em 1939 publica o seu primeiro poema, "Narciso" e, pouco tempo depois, passa a assinar com outro nome: nasce o poeta Eugénio de Andrade.
Em 1941 faz-se a primeira referência pública à sua poesia na conferência que Joel Serrão, seu amigo, pronunciou na Faculdade de Letras de Lisboa, sobre "A Nova Humanidade da Poesia Nova". Um ano depois, em Novembro, Eugénio lança o seu primeiro livro de poesia: "Adolescente". Em 1943, o poeta muda-se novamente acompanhado pela sua mãe para Coimbra, onde permanece até ao final do ano de 1946, altura em que se fixa novamente em Lisboa. Entretanto, em 1944, cumpre o Serviço Militar e, após a recruta, é colocado nos Serviços de Sáude de Lisboa mas, visto que morava em Coimbra, trata rapidamente de transitar para lá. Fazem-se, nesse ano ainda, as primeiras traduções de poemas seus para francês e, em 1945, a Livraria Francesa publica o seu livro "Pureza".
É com "As Mãos e os Frutos", em 1948, que Eugénio de Andrade alcança o sucesso. A partir dessa data, inicia-se uma carreira especialmente rica em poesia, mas também com produções nos domínios da prosa, da tradução e da antologia. Eugénio de Andrade ergue-se ao primeiro plano da poesia portuguesa.
Entretanto, em 1947, graças a um amigo, ingressa nos quadros do Ministério da Saúde como inspector-administrativo dos Serviços Médico-Sociais, onde permaneceu até 1983. Em 1950 é tranferido para o Porto, cidade onde ainda hoje vive.
A 14 de Março de 1956 morre a sua mãe e morre uma parte do poeta: "A minha ligação à infância é, sobretudo, uma ligação à minha mãe e à minha terra, porque, no fundo, vivemos um para o outro".
Em 1977 inicia-se a publicação da "Obra de Eugénio de Andrade" pela Editora "Limiar". Nasce, em 1991, a Fundação Eugénio de Andrade, que está a reeditar toda a obra do poeta, sendo o último volume o número 26, o livro de poesia "O Sal da Língua" (1995).
Durante os anos que se seguem até hoje, o poeta fez diversas viagens, foi convidado para participar em vários eventos e travou amizades com muitas personalidades da cultura portuguesa e estrangeira, como Joel Serrão, Miguel Torga, Afonso Duarte, Carlos Oliveira, Eduardo Lourenço, Joaquim Namorado, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teixeira de Pascoaes, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Mário Cesariny de Vasconcelos, José Luís Cano, Ángel Crespo, Luís Cernuda, Marguerite Yourcenar, Herberto Helder, Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, Óscar Lopes, e muitos outros...
Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia. Obras em prosa, antologias, álbuns, livros para crianças e traduções para português de grandes poetas estrangeiros (Lorca, Safo, Char, Reverdy, Ritsos, Borges, etc...) completam até ao presente a sua bibliografia, para além de muitos títulos traduzidos e publicados em 20 línguas e em 20 países: na Alemanha, Itália, Venezuela, China, Espanha, no México, Luxemburgo, em França, nos Estados Unidos da América, ...Eugénio de Andrade é, realmente - a par de Pessoa - o poeta português mais divulgado no mundo. A sua obra tem sido, por outro lado, objecto de estudo e reflexão por parte de escritores e críticos literários quer estrangeiros quer portugueses. Avesso a participar em eventos mundanos, o poeta raramente tem concedido entrevistas.

A poesia de Eugénio de Andrade

O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa). A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimento, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
As mãos
Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono
As amoras
O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Alguns dos temas que atravessam a poesia de Eugénio de Andrade estão também na sua prosa, nomeadamente a memória do mundo da infância e a presença modeladora da pintura e da música. Mesmo ao nível do vocabulário essencial, o poeta e o prosador encontram-se muitas vezes; as diferenças residem sobretudo na articulação discursiva e no pressuposto teórico segundo o qual «a poesia é a ficção da verdade», como diz no poema «São Coisas Assim», do livro O Sal da Língua:

Quem dividiu comigo a alegria
merecia ao menos
que o trouxesse à orvalhada
e limpa terra do pema. Mas também
o poeta escreve direito por linhas
tortas: a poesia é a ficção
da verdade.(…)
Sendo «ficção da verdade», a poesia é um trabalho de construção que não elidindo os dados da experiência do sujeito, os transforma e amplifica, num processo de imaginação de que as palavras são, ao mesmo tempo, factor e resultado. Ora, o que parece desagradar a Eugénio de Andrade nos seus textos em prosa é precisamente o facto de a sua presença ser aí demasiado nítida, excessivamente visível; falta aquele trabalho de amplificação de sentidos que está bem explicado no poema «Ocorre-me tropeçar», inserto em O Sal da Língua:

Ocorre-me tropeçar em ti num linha
que escrevi noutra idade – tão discreta
é a tua presença que ninguém
a não ser eu te poderá descobrir.
(…)
“É o seu peito, a sua boca” digo então,
e na penumbra do quarto por instantes
brilha de novo o corpo do desejo.
Há um tipo de texto em que confluem harmoniosamente a vontade de contar e a necessidade de elaboração semântica e estilística: o poema em prosa. Eugénio de Andrade também tem escrito poemas deste género, com alguma regularidade. Assim, é um poema em prosa a longa dedicatória do livro Os Amantes sem Dinheiro (1950); em As Palavras Interditas (1951) é também em prosa o poema inaugural que, a partir do título – «Primeiramente» – institui o amor como tema central do livro; há em Limiar dos Pássaros (1976) um conjunto de textos subordinados ao título interno «Verão sobre o corpo», que constitui uma sequência de poemas em prosa, em estreita ligação, mesmo sintáctica, com o poema inicial7; e há, sobretudo, dois livros maiores do autor, totalmente compostos por poemas em prosa: Memória doutro Rio (1978) e Vertentes do Olhar (1987).
Numa entrevista, Eugénio de Andrade fala da «afasia» provocada por Limiar dos Pássaros, e alude a um novo livro composto por «poesia em prosa» – trata-se de Memória doutro Rio. Esta referência é relevante, porque o poeta reflecte sobre os motivos que o levaram a enveredar por um tipo de escrita que, aparentemente, se afasta dos preceitos mais exigentes da sua poética. O poema em prosa surge como um meio eficaz de contornar a «afasia», funcionando a dois níveis de libertação complementares: o escritor retoma o controlo da sua “voz” e a poesia ensaia novos caminhos, adquirindo, através da prosa, uma respiração diferente: «A mim, a mudança de clave, como diz uma amiga minha, permitiu-me uma respiração mais ampla, um ritmo mais próximo do falar materno(…)» Considerando que o poema em prosa «não tem entre nós tradição nem prestígio », Eugénio de Andrade acaba por concluir que «a fronteira entre poesia e prosa, quando a invenção verbal não tem outra finalidade que não seja ela própria, é puramente formal; em literaturas adultas, não é raro ambas juntarem as suas águas e o resultado podem ser coisas esplendorosas, quando assinadas por esses homens “que dão corpo à alma da sua língua”»

Cesário Verde- A oposição cidade-campo

Cesário Verde foi um dos nossos maiores poetas. Não editou nenhum livro em vida. A obra está compilada num volume a que Silva Pinto, seu grande amigo que a publicou, chamou "O Livro de Cesário Verde". O poeta publicou parte da sua obra em jornais, quando podia e nem sempre podia por não pactuar com o sistema instituído dos "lambe-botas".
Numa primeira fase Cesário inspira-se na mulher e no campo. Com a publicação do poema Esplêndida o poeta mostra estar já absorver a natureza urbana atingindo o cume com o poema Sentimento de um Ocidental. Em Contrariedades há a nevrose dos cigarros em excesso, as dores de cabeça, o "pobre esqueleto branco da vizinha", "uma infeliz sem peito, com os dois pulmões doentes".
Cesário não se deixa contagiar pelo positivismo filosófico e defende o trabalho como fonte de riqueza. Prefere o natural e o saudável à civilização industrial dos grandes centros urbanos. Um dos poemas mais característicos desta fase é Num Bairro Moderno. O cheiro a gás, o luxo, a depravação da cidade causam-lhe náuseas, incomodam-no. Mas a cidade também o fascina. Descreve assim uma manhã na Lisboa burguesa oitocentista, na parte de Lisboa que contrastava com os bairros pombalinos, feitos de ruelas escuras e estreitas. Nas ruas macadamizadas e bordadas de casas apalaçadas distingue-se a figura de uma vendedeira que transporta consigo o campo, num "retalho de horta aglomerada".De repente o poeta recria uma super-realidade: as melancias, repolhos, nabos, melões, cenouras, alfaces, tomates, humanizam-se através de uma visão transfiguradora do real: "uma cabeça numa melancia/ e nuns repolhos seios injectados/e os nabos- ossos nus, da cor do leite/e os cachos de uvas- os rosários d'olhos"
Vários foram os recursos estilísticos utilizados por Cesário. Dotado de uma linguagem amarga e sarcástica em que nos fala de "um desejo absurdo de sofrer", a sua poesia distingue-se pela exactidão do vocabulário e pelas imagens alucinadamente visuais. O poeta desenha, grava e esculpe em versos decassilábicos e alexandrinos. A sua linguagem está, contudo, cheia de movimento e pitoresco, linguagem familiar e técnica: "navalhas de mola, enxós de martelo, biscate, batatal, etc".
O seu estilo impressionista utiliza sobretudo a ironia num estilo dinâmico e realista:
"E eu que medito um livro que exacerbe/ quisera que o real e a análise mo dessem"

Eça e os Maias

Os Maias é o mais volumoso e complexo romance de Eça e talvez a sua obra-prima. O escritor apresenta uma visão social muito crítica, aos nobres e políticos (Conde de Gouvarinho), aos banqueiros (Cohen), aos diplomatas (Steinbroken), aos românticos (Alencar), aos oradores patrioteiros e verbosos (Rufino), aos jornalistas (Palma Cavalão). Todas as personagens são seres derrotados, vencidos, falhados, mesmo João da Ega, a personagem que se pode encarar como a sua auto-projecção. Todas as personagens são vítimas da sociedade.
A acção passa-se em Lisboa, no final do terceiro quartel do século XIX- Afonso da Maia, aristocrata e proprietário rico, estava casado com uma beata de quem tinha um filho, Pedro da Maia. Após uma vida de libertinagem, Pedro vai viver com Maria de Monforte, que havia chegado a Lisboa havia pouco tempo. Desta relação nascem dois filhos: Carlos e Maria Eduarda. Maria de Monforte apaixona-se por um napolitano e abandona Pedro, deixando-lhe apenas o filho: Carlos da Maia. Com o desgosto e devido ao facto de ser muito frágil, Pedro suicida-se, deixando Carlos com o seu avô, Afonso da Maia. Carlos era um rapaz esbelto e inteligente que tirou o curso de Medicina e tinha todas as hipóteses de vir a ser um homem de sucesso. O seu grande amigo, João da Ega tentava escrever um livro de sucesso: Memórias de um Átomo. Natural de Celorico da Beira, representava o dandismo... e era amante da mulher do banqueiro Cohen. Euzebiozinho era um tipo efeminado que representa a educação portuguesa típica da época. Dâmaso Salcede tinha a mania que era fidalgo e Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico amigo de Pedro da Maia, representa a persistência do Romantismo na sociedade... Depois de um caso com a condessa de Gouvarinho, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda. Supostamente esta era casada com Castro Gomes. Através de um baú chegado de Paris é desvendado o terrível segredo: Carlos e Maria Eduarda, os amantes, eram afinal irmãos. Afonso da Maia, o bastião da família, morre de desgosto. Maria Eduarda parte para Paris. Carlos e Ega vão viajar pelo mundo a fim de espairecerem.
Segundo Eça "os Maias sairam uma coisa extensa e sobrecarregada, em dois grossos volumes! Mas há episódios bastante toleráveis. Folheia-os, porque os dois tomos são volumosos demais para ler. Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a Sintra; as corridas; desafio; a cena no Jornal A Tarde; e sobretudo o Sarau Literário onde se discute o valor do realismo por oposição ao romantismo... ".
O que mais nos encanta, como sempre, é a sua prosa cheia de maleabilidade, de recursos caricaturais e de fina ironia, impossível de imitar.
Estilo e Linguagem
Eça utilizou a sensibilidade sensorial, o impressionismo e a ironia. Para desenvolver estes três tópicos serviu-se de vários processos linguísticos: o novo emprego da adjectivação dupla e tripla, o advérbio de modo como elemento de caracterização, uma inovadora construção de frases com frequente recurso à hipálage e à sinédoque.
Por tudo quanto acabámos de dizer, facilmente verificamos que foi uma das mais relevantes personalidades literárias na Literatura Portuguesa. Manejando ao mesmo tempo a ironia e o sarcasmo, fixando a vida maravilhosamente, soube tudo dizer numa linguagem dúctil e transparente, ondeante e simples.

Antero de Quental- Estilo e Linguagem dos sonetos

Antero de Quental foi o maior niilista do século XIX. Na sua alma abrigaram-se duas naturezas: uma, a do poeta militante, construtiva; outra, a do pessimista "nostálgico da fé, ávido de eternidade".
Os seus sonetos apresentam cenários vagos, de contornos mal definidos, grandiosos e imponentes. Nestes cenários surgem elementos familiares ao Romantismo como as nuvens, as estrelas, o vento, a noite, o mar, o deserto.... a adjectivação é de sabor romântico: sinistro, nocturno, pálido, trágico, vago... utiliza personagens alegóricas como a Ideia, a Razão, a Noite, a Consciência, a Morte...
Para traduzir o desalento utiliza frequentemente imagens pobres e rimas monótonas... aparecem com frequência dois ou mais adjectivos para classificarem o mesmo substantivo: "veneno subtil, vago, disperso"..."céu pesado, nevoento"..."trágica voz rouca"
Alguns adjectivos utilizados são de origem clássica: inulto, glauco, adusto, e vocábulos antigos para traduzir o tom solene e grave.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Miguel Torga






Apontamentos Bio-bibliográficos






Adolfo Correira da Rocha nasceu a 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta ( Trás-os-Montes), onde frequentou a escola primária. Depois de uma curta passagem pelo seminário de Lamego, partiu para o Brasil, com apenas treze anos, regressando a Portugal, após o que se matricula na Faculdade de Medicina, licenciando-se em 1933.
Tenda publicado em 1928 um pequeno livro de versos, Ansiedade, colaborou em seguida na Presença, que viria a abandonar. Rampa, em 1930, é a obra em que começa a afirmar a sua verdadeira força poética. Dirigiu também a revista Sinal, a que se seguiu uma outra, Manifesta, tendo também colaborado na Revista de Porutgal. Com A Terceira Voz, em 1934, surgiria o pseudónimo que o tornaria uma das maiores figuras das letras portuguesas: Miguel Torga. Com o seu espírito de independência e a originalidade da sua escrita, à margem de grupos literários, criaria uma obra com características muito próprias, que lhe conferem um lugar destacado na nossa literatura.
Após breve passagens profissionais por Vila Nova (Miranda do Corvo) e Leiria (onde viria a ser preso e remetido para os cárceres salazaristas), fixa-se definitivamente em Coimbra, onde desenvolveu, a par da sua actividade médica, o oficio de escritor, através de uma obra multifacetada, abrangendo os diversos géneros literários, da poesia a conto, do teatro ao romance, sem esquecer textos de empenhada afirmaçao ou os volumes autobiográficos da Criação do Mundo e as reflexões e poemas que nos deixou nos dezasseis volumes do seu Diário. A sua vasta bibliografia granjeou-lhe o reconhecimento do valor da sua obra, não só em Portugal, que retratou em páginas admiráveis, mas também por esse mundo fora, me que, traduções nos mais diversos paises e idiomas e prémios literários significativos, tomariam o seu nome verdadeiramente universal.
Com a tenacidade com que construiu a sua obra literária e exerceu a sua actividade de médico, lutando no seu isolamento criador, enfrentou estoicamento a doença que acabara por vencê-lo no dia 17 de Janeiro de 1995. E quando no dia seguinte, fez a derradeira viagem de Coimbra para Agarez natal da sua ficção, de Miguel Torga ficava para todo o sempre a originalidade e a força da sua obra singular.

Quando em 1925, o jovem Adolfo Rocha chega a Coimbra, para em três anos fazero curso dos liceus e ingressar na Faculdade de Medicina, estava, porventura, longe de imaginar que na Cidade do Mondego iria cumprir uma longa jornada de sete décadas. Setenta anos quase ininterruptos de estudo, de estudo, de devotado serviço a dois amos, a medicina e as letras, médico e escritor, tornando-se universal com o nome de Miguel Torga. Coimbra que lhe inspirou os versos que lhe ditou a escrita e foi janela aberta para o Portugal que calcorreou e o Mundo que percorreu. E onde os dias da sua criação atingiram os cumes literários e recebeu os ecos da sua consagração.Por isso, esta exposição é um breve retrato dessa jornada sem fim, pois para sempre se sentirá em Coimbra a presença de Torga, como para sempre estará Coimbra bem viva na sua obra.