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sábado, 16 de junho de 2007

O Jardim de Sophia - Ribeiro Telles

Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas: Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sophia de Mello Breyner Andresen




Nascimento:1919 Porto






Poetisa e contista portuguesa, nasceu no Porto, no seio de uma família aristocrática, e aí viveu até aos dez anos, altura em que se mudou para Lisboa. De origem dinamarquesa por parte do pai, a sua educação decorreu num ambiente católico e culturalmente privilegiado que influenciou a sua personalidade. Frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em consonância com o seu fascínio pelo mundo grego (que a levou igualmente a viajar pela Grécia e por toda a região mediterrânica), não tendo todavia chegado a concluí-lo. Teve uma intervenção política empenhada, opondo-se ao regime salazarista (foi co-fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos) e também, após o 25 de Abril, como deputada. Presidiu ao Centro Nacional de Cultura e à Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores. O ambiente da sua infância reflecte-se em imagens e ambientes presentes na sua obra, sobretudo nos livros para crianças. Os verões passados na praia da Granja e os jardins da casa da família ressurgem em evocações do mar ou de espaços de paz e amplitude. A civilização grega é igualmente uma presença recorrente nos versos de Sophia, através da sua crença profunda na união entre os deuses e a natureza, tal como outra dimensão da religiosidade, provinda da tradição bíblica e cristã. A sua actividade literária (e política) pautou-se sempre pelas ideias de justiça, liberdade e integridade moral. A depuração, o equilíbrio e a limpidez da linguagem poética, a presença constante da Natureza, a atenção permanente aos problemas e à tragicidade da vida humana são reflexo de uma formação clássica, com leituras, por exemplo, de Homero, durante a juventude. Colaborou nas revistas Cadernos de Poesia (1940), Távola Redonda (1950) e Árvore (1951) e conviveu com nomes da literatura como Miguel Torga, Ruy Cinatti e Jorge de Sena. Na lírica, estreou-se com Poesia (1944), a que se seguiram Dia do Mar (1947), Coral (1950), No Tempo Dividido (1954), Mar Novo (1958), O Cristo Cigano (1961), Livro Sexto (1962, Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores), Geografia (1967), Dual (1972), O Nome das Coisas (1977, Prémio Teixeira de Pascoaes), Navegações (1977-82) e Ilhas (1989). Este último voltou a ser publicado em 1996, numa edição de poemas escolhidos acompanhada de fotografias de Daniel Blaufuks. Em 1968, foi publicada uma Antologia e, entre 1990 e 1992, surgiram três volumes da sua Obra Poética. Seguiram-se os títulos Musa (1994) e O Búzio de Cós (1997). Colaborou ainda com Júlio Resende na organização de um livro para a infância e juventude, intitulado Primeiro Livro de Poesia (1993). Em prosa, escreveu O Rapaz de Bronze (1956), Contos Exemplares (1962), Histórias da Terra e do Mar (1984) e os contos infantis A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958), Noite de Natal (1959), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). É ainda autora dos ensaios Cecília Meireles (1958), Poesia e Realidade(1960) e O Nu na Antiguidade Clássica (1975), para além de trabalhos de tradução de Dante, Shakespeare e Eurípedes. A sua obra literária encontra-se parcialmente traduzida em França, Itália e nos Estados Unidos da América. Em 1994 recebeu o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores e, no ano seguinte, o Prémio Petrarca, da Associação de Editores Italianos. O seu valor, como poetisa e figura da cultura portuguesa, foi também reconhecido através da atribuição do Prémio Camões, em 1999. Em 2001, foi distinguida com o Prémio Max Jacob de Poesia, num ano em que o prémio foi excepcionalmente alargado a poetas de língua estrangeira. Em Agosto do mesmo ano, foi lançada a antologia poética Mar. Em Outubro publicou o livro O Colar. Em Dezembro, saiu a obra poética Orpheu e Eurydice, onde o orphismo está, mais uma vez, presente, bem como o amor entre Orpheu, símbolo dos poetas, e Eurídice, que a autora recupera num sentido diverso do instaurado pela tradição helénica.






25 de Abril




Esta é a madrugada que eu esperava


O dia inicial inteiro e limpo


Onde emergimos da noite e do silêncio


E livres habitamos a substância do tempo










Poesia




A bela e pura palavra Poesia


Tanto pelos caminhos se arrastou


Que alta noite a encontrei perdida


Num bordel onde um morto a assassinou






A hora da partida




A hora da partida soa quando


Escurece o jardim e o vento passa,


Estala o chão e as portas batem, quando


A noite cada nó em si deslaça.




A hora da partida soa quando


as árvores parecem inspiradas


Como se tudo nelas germinasse.




Soa quando no fundo dos espelhos


Me é estranha e longínqua a minha face


E de mim se desprende a minha vida












A paz sem vencedor e sem vencidos




Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos


A paz sem vencedor e sem vencidos


Que o tempo que nos deste seja um novo


Recomeço de esperança e de justiça.


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos




Erguei o nosso ser à transparência


Para podermos ler melhor a vida


Para entendermos vosso mandamento


Para que venha a nós o vosso reino


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos




Fazei Senhor que a paz seja de todos


Dai-nos a paz que nasce da verdade


Dai-nos a paz que nasce da justiça


Dai-nos a paz chamada liberdade


Dai-nos Senhor paz que vos pedimos




A paz sem vencedor e sem vencidos










A pequena praça






A minha vida tinha tomado a forma da pequena praça


Naquele outono em que a tua morte se organizava meticulosamente


Eu agarrava-me à praça porque tu amavas


A humanidade humilde e nostálgica dos pequenas lojas


Onde os caixeiros dobram e desdobram fitos e fazendas


Eu procurava tornar-me tu porque tu ias morrer


E a vida toda deixava ali de ser a minha


Eu procurava sorrir como tu sorrias


Ao vendedor de jornais ao vendedor de tabaco


E à mulher sem pernas que vendia violetas


Eu pedia à mulher sem pernas que rezasse por ti


Eu acendia velas em todos os altares


Das igrejas que ficam no canto desta praça


Pois mal abri os olhos e vi foi para ler


A vocação do eterno escrita no teu rosto


Eu convocava as ruas os lugares as gentes


Que foram as testemunhas do teu rosto


Para que eles te chamassem para que eles desfizessem


O tecido que a morte entrelaçava em ti










As Amoras




O meu país sabe as amoras bravas


no verão.


Ninguém ignora que não é grande,


nem inteligente, nem elegante o meu país,


mas tem esta voz doce


de quem acorda cedo para cantar nas silvas.


Raramente falei do meu país, talvez


nem goste dele, mas quando um amigo


me traz amoras bravas


os seus muros parecem-me brancos,


reparo que também no meu país o céu é azul.










As ondas




As ondas quebravam uma a uma


Eu estava só com a areia e com a espuma


Do mar que cantava só para mim.






As pessoas sensíveis




As pessoas sensíveis não são capazes


De matar galinhas


Porém são capazes


De comer galinhas




O dinheiro cheira a pobre e cheira


À roupa do seu corpo


Aquela roupa


Que depois da chuva secou sobre o corpo


Porque não tinham outra


O dinheiro cheira a pobre e cheira


A roupa


Que depois do suor não foi lavada


Porque não tinham outra




"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"


Assim nos foi imposto


E não: "Com o suor dos outros ganharás o pão".




Ó vendilhões do templo


Ó construtores


Das grandes estátuas balofas e pesadas


Ó cheios de devoção e de proveito


Perdoai-lhes Senhor


Porque eles sabem o que fazem.








Terror de te amar


num sítio tão frágil


como o mundo


Mal de te amar


neste lugar de imperfeição


Onde tudo nos quebra e emudece


Onde tudo nos mente e nos separa














Sophia de Mello Breyner Andresen é, sem sombra de dúvida, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos – um nome que se transformou, em sinónimo de Poesia e de musa da própria poesia.
Sophia nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. A sua infância e adolescência decorrem entre o Porto e Lisboa, onde cursou Filologia Clássica.
Após o casamento com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, fixa-se em Lisboa, passando a dividir a sua actividade entre a poesia e a actividade cívica, tendo sido notória activista contra o regime de Salazar. A sua poesia ergue-se como a voz da liberdade, especialmente em "O Livro Sexto".
Foi sócia fundadora da "Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos"e a sua intervenção cívica foi uma constante, mesmo após a Revolução de Abril de 1974, tendo sido Deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.
Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota, para além da sólida cultura clássica da autora e da sua paixão pela cultura grega, a pureza e a transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita, do poema.
Luz, verticalidade e magia estão, aliás, sempre presentes na obra de Sophia, quer na obra poética, quer na importante obra para crianças que, inicialmente destinada aos seus cinco filhos, rapidamente se transformou em clássico da literatura infantil em Portugal, marcando sucessivas gerações de jovens leitores com títulos como "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana" ou "A Menina do Mar".
Sophia é ainda tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípedes, tendo sido condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de "O Purgatório".




Obra

Poesia

Poesia, Coimbra, ed. da autora (3ª ed., Lisboa, Ática, 1975), 1944.
Dia do Mar, Lisboa, Ática, 1947.
Coral, Porto, Livraria Simões Lopes (2ª ed., ilustrada por Escada, Lisboa, Portugália,1968, 3ª ed., s.l., s.d.), 1950.
Tempo Dividido, Lisboa, Guimarães Editores, 1954.
Mar Novo, Lisboa, Guimarães Editores, 1958.
Cristo Cigano, ilustrado por Júlio Pomar, s.l., Minotauro (2ª ed., Lisboa, Moraes, 1978), 1961.
Livro Sexto, s.l. [Lisboa], Salamandra, 1962.
Geografia, Lisboa, Ática (3ª ed., Lisboa, Salamandra), 1967.
Antologia, Lisboa, Portugália (5ª ed., aumentada com prefácio de Eduardo Lourenço, Porto, Figueinhas), 1968.
Grades - Antologia de Poemas de Resistência, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1970.
11 Poemas, Lisboa, Movimento, 1971.
Dual, Lisboa, Moraes Editores (3ª ed., Lisboa, Salamandra, 1986), 1972.
O Nome das Coisas, Lisboa, Moraes Editores (2ª ed., Lisboa, Salamandra, 1986), 1977.
Poemas Escolhidos, Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.
Navegações, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda (2ª ed., Lisboa, Caminho), 1983.
No Tempo e Mar Novo, 2ª ed., revista e ampliada, Lisboa, Salamandra, 1985.
Antologia, Porto, Figueirinhas, 1985.
Ilhas, Lisboa, Texto Editora, 1989.
Obra Poética, vol. I, Lisboa, Caminho, 1990.
Obra Poética, vol. II, Lisboa, Caminho, 1991.
Obra Poética, vol. III, Lisboa, Caminho, 1991.
Obra Poética I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992.
Obra Poética II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992.
Musa, Lisboa, Caminho, 1994.
Signo - Escolha de Poemas, Lisboa, Casa Pessoa, 1994.
O Búzio de Cós e Outros Poemas, Lisboa, Caminho, 1997.

Prosa
Rapaz de Bronze (O), Lisboa, Minotauro (2ª ed., Lisboa, Moraes, 1978), 1956.
Menina do Mar (A), Porto, Figueirinhas (17ªed., 1984), 1958.
A Fada Oriana, Porto, Figueirinhas (l2ªed., 1983), 1958.
Noite de Natal, Lisboa, Ática, 1960.
Contos Exemplares, Lisboa, Moraes (23ªed., prefácio de António Ferreira Gomes, Porto, Figueirinhas, 1990), 1962.
Cavaleiro da Dinamarca (O), Porto, Figueirinhas (21ª ed., 1984), 1964.
Os Três Reis do Oriente, desenhos de Manuel Lapa, s.l., Estúdio Cor, 1965.
Floresta (A), Porto, Figueirinhas (16ª ed., 1983), 1968.
Tesouro, Porto, Figueirinhas, 1978.
Contos: 1979, ilust. de Vieira da Silva, Lisboa, Galeria São Mamede, 1979.
Histórias da Terra e do Mar, Lisboa, Salamandra (3ªed., Lisboa, Texto Editora, 1989), 1984.
Árvore (A), Porto, Figueirinhas (3ª ed., 1987), 1985.
Era Uma Vez Uma Praia Lusitana, Lisboa, Expo 98, 1997.

Ensaio
"A poesia de Cecíla Meireles", Cidade Nova, 4ª série, nº 6, Novembro, 1956.
"Poesia e Realidade", Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 8, 1960.
"Hölderlin ou o lugar do poeta", Jornal de Comércio, 30 de Dez., 1967.
O Nu na Antiguidade Clássica, (col. O Nu e a Arte) Lisboa, Estúdios Cor (2ª ed., Lisboa, Portugália; 3ªed. [revista], Lisboa, Caminho, 1992), 1975.
"Torga, os homens e a terra", Boletim da Secretaria de Estado da Cultura, Dezembro, 1976.
"Luís de Camões. Ensombramentos e Descobrimentos", Cadernos de Literatura, nº 5, 1980.
"A escrita (poesia)", Estudos Italianos em Portugal, nº 45/47, 1982/1984.

Traduções pela Autora
A Anunciação de Maria, de Paul Claudel, Paris, Aster, 1962.
O Purgatório, de Dante, Lisboa, Minotauro, 1962.
"A Hera", "A última noite faz-se estrela e noite" (Vasko Popa); "Às cinzas", "Canto LI", "Canto LXVI" (Pierre Emmanuel); "imagens morrendo no gesto da", "Gosto de te encontrar nas cidades estrangeiras" (Edouard Maunick), O Tempo e o Modo, nº 22, 1964.
Muito Barulho por Nada, de William Shakespeare (inédito), [1964].
Hamlet, de William Shakespeare, Porto, Lello, 1965.
"Os reis Magos", tradução de um poema do Eré Frene, Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 43, 1967.
Quatre Poètes Portugais: Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, 2ª ed., Lisboa, Presses Universitaires de France e Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.
A Vida Quotidiana no Tempo de Homero, de Émile Mireaux, Lisboa, Livros do Brasil, s.d. [1979].
Ser Feliz, de Leif Kristianson, Lisboa, Presença, 1980.
Um Amigo, de Leif Kristianson, Lisboa, Presença, 1981.
Medeia, de Eurípedes (inédito) [199-].

Registo Áudio
DECLARAÇÕES E LEITURA DE POEMAS PELA AUTORA
"25 de Abril de 1974" - Significado cultural e declamação de Mário de Andrade: "Canção de Sabaú", Rádio Difusão Portuguesa, 9 de Mai., 1974.
"Declamação do poema 'No nosso e no vosso coração'" (Manuel Beira) e declaração sobre a "beleza", Rádio Difusão Portuguesa, 7 de Set., 1974.
Declaração sobre a literatura portuguesa depois de 25 de Abril. (Com Melo e Castro e Vasco Graça Moura, gravado em 28-5-1980 pela Rádio Sueca e posteriormente difundido pela Rádio Difusão Portuguesa.), 1980.
Declaração sobre o Dia Mundial da Criança, Rádio Difusão Portuguesa, 30 de Mai., 1980.
Declaração sobre o significado do uma condecoração, Rádio Difusão Portuguesa, 10 de Jun., 1980.
Sophia de Mello Breyner Andresen diz Navegações, (7''), MVSARVUM OFFICIA, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983.
"Sophia de Mello Breyner - Personalidade humana e literária: o significado da sua poesia", Rádio Difusão Portuguesa, 25 de Abr., 1985.
POEMAS DITOS OU CANTADOS
"Cantata da Paz", cantada pelo Padre Fanhais (escrita por Rui Paz), Rádio Difusão Portuguesa, 1991.
"Porque", cantada pelo Padre Fanhais (escrita por Francisco Fernes), Rádio Difusão Portuguesa, 1991.
Signo - Escolha de Poemas , (Declamação dos poemas da antologia por Luís Miguel Cintra), Lisboa, Casa Pessoa, 1994.
"A paz sem vencedor...", Som da Poesia, (dito por Isabel Machado) nº 3, Jan., http://www.pagina.de/somdapoesia , 1994
"Sem Título", Som da Poesia, (dito por Isabel Machado) nº 5, Mar./Abr., http://www.pagina.de/somdapoesia , 1994



ANTOLOGIAS EM QUE ESTÁ REPRESENTADA



CRESPO, Ángel (org. e trad.), Antología de la Nueva Poesía Portuguesa, Madrid, Adonais, 1961.
LONGLE, Jean R. (org. e trad.), Contemporary Portuguese Poetry, (edição bilingue) Nova Iorque, Harvey House In., 1966.
TELLES, Sérgio (org.), Encontros, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1970.
MEYRELLES, Isabel (org. e trad.), Anthologie de Ia Poésie Portugaise du XIIe au XXe Siècle, Paris, Gallimard, 1971.
WEISSBORT, Daniel e Hélder Macedo (eds.), Modern Poetry in Translation: Portugal, Salisbury, Wilts, Compton Press, 1972.
SALVADO, António (org.), Antologia da Poesia Feminina Portuguesa, s.l., Edições J. F., s.d. [1973].
GOLUBEVA, E.(ed. e trad.), Portugal'skaia Poeziia XX Veka, Moscovo, Khudozhestvennaia Literatura, 1974.
MENERES, Maria Alberta e E. M. de Melo e Castro (orgs.), Antologia da Poesia Portuguesa (1940-1977), Lisboa, Moraes, 1977.
MACEDO, Hélder e E. M. de Melo e Castro (orgs. e trads.), Contemporary Portuguese Poetry - An Anthology in English, Manchester, Carcanet, 1978.
CRESPO, Ángel (org. e trad.), Antología de la Poesía Portuguesa Contemporánea, 2 vols., Madrid, Ediciones Júcar, 1982
SEELS, Marianne (trad.), Smaken Av Oceanerna, (em sueco), Kristianstads, Fibs Lyrikklubb, 1982.
SENA, Jorge de (ed.), Líricas Portuguesas I, 3ª série, 3ª ed., Lisboa, Portugália (1ª ed., 1958), 1984.
WILLIEMSEN, Augusto (trad.), Ik Verheerlijk het Verlend Niet, Dertienhedendaadse Dichters uit Portugal, (em neerlandês), Amsterdão, Meulenhoff, 1985.
Translation: Portugal, vol.XXV, Primavera, Nova Iorque, 1991.
AMARAL, Fernando Pinto (org.), Antología de Poesía Portuguesa Contemporánea, trad. Eduardo Lagagne et alia, Cidade do México, Universidade Nacional Autónoma do México, 1999.
VIDAL, Joaquim (org. e trad.), Malgré les ruines et la mort: Soixante ans de poésie portugaise, Paris, La Différence, 1999.
Publicações em Revistas e Jornais Estrangeiros
"Sophia de Mello Breyner Andresen", Mundus Artium, trad. Jean R. Longland, vol. 7, nº 2, 1974.
"An autumn morning in the Palace at Sintra", Mundus Artium, trad. Alexis Levitin, vol. 11, nº 1, 1979.
"Portrait of an unknown princess", Mundus Artium, trad. Alexis Levitin, vol. 11, nº 1, 1979.
"Translation", Chelsea Review, (não se apurou o nome do tradutor,) nº 41, 1982.
"Seven poems", Mundus Artium, trad. Lisa Sapinkopf, vol. 14, nº 2, 1984.
"Assassination of Simonetta Vespucci", New Orleans Review, trad. Lisa Sapinkopf, vol. 11, nº 2, Summer, 1984.
"The small square", The Times Literary Supplement, trad. Ruth Fainlight, 30 Dez., 1994.
"The house by the sea", The Literary Review, trad. Alexis Levitin, vol. 38, Summer, 1995.
"Portrait of an unknown princess" e "Morning walk", (não se apurou o nome do tradutor,) The Prague Revue, nº 5, Winter-Spring, 1998.

Primeiras Edições
"Poesia" ["Senhor", Poesia I], Cadernos de Poesia, nº 1, 1940.
"O vidente e outro Poema" ["O vidente", Poesia I], Aventura - Revista Bimestral de Cultura, nº 1, Maio, 1942.
"Poema" ["Sinto os mortos", Poesia I], Variante, Inverno, 1943.
"Aos outros dei aquilo que não eram" ["Saga", No Tempo Dividido], Unicórnio - Antologia de Inéditos de Autores Portugueses Contemporâneos, Maio, 1948.
"Soneto a Eurídice" [Idem, No Tempo Dividido], Unicórnio - Antologia de Inéditos de Autores Portugueses Contemporâneos, Maio, 1951.
"As Três Parcas" [Idem, Mar Novo], Europa - Jornal de Cultura, nº 1, Jan., 1957.
"Assassinato de Simoneta Vespucci" [Idem, Coral], Estada Larga (Antologia do Suplemento "Cultura e Arte" de O Comércio do Porto, editado por Costa Barreto), nº 3, Porto, Porto Editora, s.d. [1963?].
"Poema" [Idem, Geografia], O Tempo e o Modo, nº 12, 1964.
"Manuel Bandeira" [idem, Geografia], Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 41, 1966.
"Camões e a Tença" [Idem, Dual], Ocidente - Revista Portuguesa de Cultura, nº 415, vol. LXXXII, Novembro, 1972.
"Cíclades" [Idem, O Nome das Coisas ], Nova - Magazine de Poesia e Desenho, ed. Herberto Hélder, Inverno, 1975.
"Poeta em Lisboa" ["'Fernando Pessoa ou Poeta em Lisboa'", O Nome das Coisas]; "A civilização em que estamos" ["O rei de Ítaca", O Nome das Coisas], Critério - Revista Mensal de Cultura, nº 6, Abr., 1976.
"Destruição" ["Tempo de não", Ilhas], Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 1, Jan., 1978.
"Persona" [Idem, Ilhas]; "Fragmento de Os Gracos" [Idem, Ilhas] - Colóquio-Letras, nº 56, 1980.
"Tão Grande a Dor"; "Salgueiro Maia"; "Fidelidade"; "À Maneira de Horácio" [Musa], Jornal de Letras, 23 Fev., 1994.

Poemas não incluídos na Obra Poética
"Juro que venho pra mentir"; "És como a Terra-Mãe que nos devora"; "O mar rolou sobre as suas ondas negras"; "História improvável"; "Gráfico", Távola Redonda - Folhas de Poesia, nº 7, Julho, 1950.
"Reza da manhã de Maio"; "Poema", A Serpente - Fascículos de Poesia, nº 1, Janeiro, 1951.
"Caminho da Índia", A Cidade Nova, suplemento dos nº 4-5, 3ª série, Coimbra,1958.
"A viagem" [Fragmento do poema inédito "Naufrágio"], Cidade Nova, 5ª série, nº 6, Dezembro, 1958.
"Novembro"; "Na minha vida há sempre um silêncio morto"; "Inverno", Fevereiro - Textos de Poesia, 1972.
"Brasil 77", Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 8, Março, 1982.
"A veste dos fariseus", Jornal dos Poetas e Trovadores - Mensário de Divulgação Cultural, nº 5/6, 2ª série, Março/Abril, 1983.
"Oblíquo Setembro de equinócio tarde", Portugal Socialista, Janeiro, 1984.
"Canção do Amor Primeiro", Sete Poemas para Júlio (Biblioteca Nacional, cota nº L39709), 1988.
"No meu Paiz", Escritor, nº 4, 1995.
"D. António Ferreira Gomes. Bispo do Porto"; "Naquele tempo" ["Dois poemas inéditos"], Jornal de Letras, 16 Jun., 1999.

Entrevistas
COELHO, Alexandra Lucas, "No jardim de Sophia", Público, 12 Jun., 1999.
COELHO, Eduardo Prado, "Sophia de Mello Breyer Andresen fala a Eduardo Prado Coelho", ICALP Revista, nº 6, Ago./Dez., 1986.
COIMBRA, Sérgio, Independente, 13 de Out., 1995.
COSTA, Soledade Martinho, Diário de Lisboa, 31 de Jan., 1979.
FRANÇA, Elisabete, Diário de Notícias, 24 de Nov., 1994.
GUERREIRO, António, Expresso, 15 de Jul., 1990.
LEMOS, Vergílio de, Ler, nº 7, Círculo de Leitores, 1989.
LEMOS, Vergílio de, Oceanos, Julho, 1990.
PASSOS, Maria Armanda, Jornal de Letras, 16 de Mar., 1982.
PEREIRA, Miguel Serras, Jornal de Letras, 5 de Fev., 1985.
SIGALHO, Lúcia, Vida Mundial, 31 de Mai., 1989.
SILVA, Sérgio S., Semanário, 7 de Jan., 1989.
TOMÉ, Luís Figueiredo, Diário de Notícias, 20 de Dez., 1987.
VASCONCELOS, José Carlos de, "Sophia: a luz dos versos", Jornal de Letras, 25 deJun., 1991.
ZENITH, Richard, Translation: Portugal, vol. XXV, Primavera, Nova Iorque, 1991.

Na Comunicação Social
"Sophia de Mello Breyner na A.P.E.": "A liberdade, para mim, não é unilateral: abrange o respeito pela liberdade dos próprios inimigos", O Século, 15 de Abr., 1976
"Respeito pelo pluralismo e defesa total da liberdade de criação e expressão", Diário de Notícias, 15 de Abr., 1976.
"O direito à cultura é um direito fundamental.", A Capital, 30 de Abr., 1977.
"Os julgamentos de Moscovo", A Capital, 27 de Jul.,1978.
"Porque apoio Eanes", O Jornal, 28 de Nov., 1981.
"Mário Soares estará sempre onde estiver a liberdade", Revista do Povo, Janeiro, 1986.
"Tenho esperança mas não confiança", Diário de Notícias, 1 de Jan., 1990.
"Falar do que vi", Ler, Círculo de Leitores/Instituto Português do Livro e da Leitura, Ago./Set., 1990.
"Sophia contra o Acordo Ortográfico", Jornal de Letras, 25 de Jun., 1991.
"Naquele Tempo" [sobre Mário Soares], Jornal de Letras, 7 de Dez., 1994.

Outras intervenções
Poesia Sempre I [Antologia de poesia portuguesa seleccionada pela Autora e Alberto de Lacerda] , Lisboa, Livraria Sampedro, 1964.
Poesia Sempre II [Antologia de poesia portuguesa seleccionada pela Autora], Lisboa, Livraria Sampedro, 1964.
[Introdução,] Catálogo da Exposição de Escada, Lisboa, Livraria São Mamede, 1979.
"Sicília", Grande Reportagem, nº 5, Ano II, 2ª série, Publicações Dom Quixote, 1991.
Primeiro Livro de Poesia: Poemas em Língua Portuguesa para a Infância e a Adolescência, ilustrado por Júlio Resende, Lisboa, Caminho, 1991.
[Prefácio], APARÍCIO, João, À Janela de Timor, Lisboa, Caminho, 1997.










O mundo de Sophia é povoado por deuses e não por homens. Por isso, é mais fácil encontrá-lo nos vestígios e nos lugares da civilização grega do que no mundo em que habitamos. Por vezes, esta poesia chega a ser de uma profunda desumanidade:sonhando com a perfeição, o equilíbrio e a harmonia (...) ergue-se para além do mal e da imperfeição que nos são consubstanciais e faz reviver um tempo sem mácula. (...) É aí que a poesia se dá como revelação e como relação com o Todo, como uma espécie de linguagem natural que decorre simbolicamente das coisas. (...) Impossível não sermos tocados pela força bem perceptível desta positividade. Sophia faz-nos sentir o júbilo de uma poesia que avança contra ou à margem do sentido negativo da História (...) e atribui ao poeta a sua missão original de celebração.






António Guerreiro














Entrevista
Maria Maia entrevista Sophia de Mello Breyner Andresen(em Jornal de Poesia, Lisboa, 10 de Maio de 2000)




Maria: Quando estive aqui com o Fernando Mendes Vianna há dois anos, a sra falou um pequeno trecho da Odisseia em grego. Falou de memória


Sophia: Falei em grego? Eu não sei grego, só uns versos.


Maria: Falou alguns versos... a senhora é muito marcada pela visão do mundo grego?


Sophia: Sim, sim, evidentemente.


Maria: Como assim?


Sophia: É natural, não é? É muito parecido. Como na Grécia tem a mesma cor, se come azeitona, figo, azeite. É como a Itália, não? Sabe, nós não sabemos ao certo como nos marcam as coisas que verdadeiramente nos marcaram. É como um amigo que perguntou: como fazer verso?Maria: Não se explica.


Sophia: Eu pelo menos não explico. Só as pessoas que fazem maus versos podem explicar. O que marcou e o que fez verso.Maria: Quando a senhora começou a escrever?


Sophia: Quando comecei escrever eu não sabia escrever. Eu tinha uma pena enorme (rindo ). Eu pedi a minha mãe papel e caneta. Escrevia uma grafia que eu tinha imaginado, imagine você...Uns desenhos de umas letras inventadas por mim. Eu contava em voz alta.


Maria: Muito criança ainda, antes de ser alfabetizada?Sophia: É. Foi. E depois aprendi a ler e a escrever. Comecei a escrever cedo, sim. 14 anos, 12 anos. Primeiro mal, depois melhor, não é?


Maria: E publicou com uns vinte e poucos anos.


Sophia: 23 ou 24, já não lembro mais. Primeiro livro, sim. (pausa. Retoma decidida). Não, publiquei antes. Em revistas e coisas assim. Depois publiquei um livro. Creio que aos 24 anos.


Maria: Isso em 44. O livro Poesias, não é?


Sophia: Poesia. No singular.Maria: Poesia. É. Depois então em 64 ganhou um prémio importante aqui em Portugal.Sophia: Um prémio importante? Sim, foi no ano passado.


Maria: O prémio Camões, no ano passado. Mas em 1964 um livro de poesia da senhora já tinha sido premiado.


Sophia: Sim.


Maria: E sua relação com a poesia brasileira, conheceu poetas brasileiros?Sophia: Bem, eu acho que tive uma relação muito profunda com o João Cabral e com as coisas que ele procurava ( pausa ). Eu não pensava muito nisso. Nuca tive muita teoria. Fui sempre uma pessoa muito antiteórica. Mas encontrei muita coisa. Quando encontrei João Cabral ele disse-me assim: eu tenho muita admiração por si...que é que ele disse? ( pausa) como é que foi que ele disse? (procurando na memória) ...porque você é uma poeta que usa muito substantivo concreto.( ri ). Eu pensei: é? Mas é verdade, não é? Nos encontramos em Sevilha. Nós fomos com uns amigos brasileiros que iam lá convidados pelo João, para a casa dele. E o João disse: por que vocês não vêm e ficam no hotel? E fomos e ficamos num hotel lindo que o João descobriu. Era lindo, era um antigo palácio de uma família sevilhana. Já não existe, sabe? ( dando um trago no cigarro). Já destruíram ( jogando as cinzas no cinzeiro). O turismo é uma desgraça em toda parte do mundo, não é?


Maria: Vai acabando tudo, nivelando, pasteurizando... O encontro com João Cabral foi quando ele era cônsul em Barcelona, não? E a partir daí a senhora entrou em contanto com a poesia brasileira?


Sophia: Não. Eu já tinha lido o Manuel Bandeira. Já tinha lido vários poetas brasileiros. É que nesse tempo havia uma relação muito mais próxima, sabe? Porque o mundo não estava tão confuso como agora. Sai tanto livro. Sai tanta confusão. Agora um poeta se projecta, fala-se de sua obra, não é porque escreveu livros bons. É porque tem uma boa pessoa encarregada de sua propaganda.


Maria: De preparação na mídia, nos jornais. É verdade.


Sophia: Naquele tempo não. Vinha um amigo que dizia assim: - "Li ontem um poeta brasileiro extraordinário". Ele não tinha nada a ver com propaganda alguma. Mas a gente, se queria, lia o livro.


Maria: E a senhora considera importante esta relação entre a poesia portuguesa e brasileira?


Sophia: Bem, eu considero importante a relação entre toda a poesia. A portuguesa com a brasileira é importante, como é importante a relação com a poesia africana. A poesia moçambicana é óptima, não é? Porque são países que falam português. Quer dizer, tem uma experiência de linguagem falada, de uma língua só.


Maria: E agora, ultimamente a senhora fez O Búzio de Cós, o último livro publicado foi O Búzio de Cós. E continua escrevendo?


Sophia: Sim, continuo.


Maria: E o sentido do trágico? A sua poesia é trágica, no sentido grego... A senhora se considera da mesma tradição de Fernando Pessoa?Sophia: Não acho muito parecido com a tradição do Pessoa não. ( pausa longa ) O pessoa é um homem que para escrever renunciou a viver. Isso não se parece comigo nem com o João Cabral, não é?


Maria: A sua é uma poesia de quem vive, não é?


Sophia: Sim. É uma poesia de quem vive.


Maria: A senhora tem um artigo, um ensaio, sobre a Cecília Meirelles.


Sophia: Tenho. Foi o primeiro artigo que fiz na minha vida, não é mesmo? Porque eu não gostava nada de artigos. Mesmo hoje em dia não gosto nada. Mas naquela época eu gostava menos, sabe?


Maria: E por que escreveu sobre a Cecília?


Sophia: Porque havia uma homenagem à Cecília e me convidaram para ir. Então eu fiz o artigo. Correu bem. Houve muita palma na minha intervenção. Mas a Cecília não foi, você sabe? Então aconteceu uma coisa, uma história engraçada. Ela não foi porque tinha uma amiga - agora se pode dizer porque a Cecília já morreu e a amiga também. E a amiga dela era uma mulher feia, fazia muita intriga. E disse à Cecília que éramos comunistas. A Cecília teve medo. Tratou a sério e não veio. Eu fui e também li os poemas dela. Depois ela ficou um bocado escandalizada, não é? Então a Cecília no Natal mandou uma grande caixa com frutos de natal, sabe? Frutas secas, nozes, essas coisas de natal. Você sabe que todos os natais eu ponho na árvore de natal ainda hoje? Mas eu nunca agradeci à Cecília.


Maria: Foi um equívoco que aconteceu entre vocês. Lamentável.


Sophia: (Levantando-se para pegar o segundo cigarro). Foi pateta. Mas é melhor perdoar, não? ( longo silêncio. Sophia levanta-se, pega a carteira de cigarros na mesa em frente ao sofá e leva para o seu escritório, contíguo à sala onde estamos sentadas). Vou guardar para não fumar mais. Fumo muito pouco. Eu tenho muito pouco cigarro. É uma coisa terrível, porque não se vendem cá estes cigarros. Então quando vem um amigo, me traz.


Maria: Ah! Não se vendem aqui em Portugal?


Sophia: É. E também tenho que fumar pouco, não é? Então meus amigos dizem-me assim: - "Eu mando pouco para você fumar pouco." [Espero. Depois de instantes, Sophia retorna com um cigarro, que mantém apagado.]


Maria: A fonte de sua poesia é Portugal, o mundo ou é interior?


Sophia: Daí eu não sei a diferença entre interior e exterior. Eu vejo com os olhos, ouço com os ouvidos, como com os dentes, sinto com o nariz. Quanto a minha poesia, é Portugal, é interior e é exterior. Tenho uma parte intelectual, evidentemente. Tem uma parte de cultura, tem uma parte intelectual. Mas tem uma parte vivida, não é?


Maria: E a senhora teria uma definição para a atitude poética?


Sophia: Não, não é possível.


Maria: É fazer.


Sophia: É.


Maria: E suas fontes, referências dentro da poesia, da tradição poética?


Sophia: ( partindo o cigarro ao meio e me oferecendo metade ) Quer?


Maria: Não.


Sophia: Eu parto aqui ( dividindo um cigarro entre 2/3 e 1/3 ) É que até aqui não se fuma ( apontando a parte do cigarro que, por incluir o filtro, focou maior). Esta parte não se fuma, não é? Se eu partir aqui ( aponta o meio do cigarro ) não fica nada (risos ).


Maria: Eu parei de fumar. Mas de vez em quando fumo um pouquinho.


Sophia (acendendo o meu cigarro e o dela) Estou muito mesquinha hoje. Estou um bocado cansada.


Maria: Quer parar?


Sophia: Não. Daqui mais um quarto de hora.


Maria: Então a senhora estava falando das referências. Eu perguntei sobre as referências poéticas da senhora.


Sophia: ( pausa, Sophia dá uma longa tragada) Pois, o que é que você chama de referências poéticas, ter lido Homero? Ter lido João Cabral?Maria: Sim


Sophia: Eu acho que é muito mal um poeta que só lê o que escreve. Mas há muito poeta assim hoje em dia, não é? Por isso é que a literatura moderna está tão confusa...O texto mais bonito do Saramago é um artigo não muito longo que ele publicou quando teve o prémio. Ele fala da sua relação com o avô quando era pequeno. É muito bonito. É o texto mais nostálgico e mais poético que o Saramago escreveu. É um texto que ele fala da sua própria vida. Ele fala o que os livros não falam ou se falam, falam de uma outra maneira.


Maria: Actualmente em Portugal se faz muita poesia boa?


Sophia: Há poetas bons, sim. António Ramos Rosa é muito bom, e outros bons poetas.


Maria: A senhora considera a língua portuguesa uma língua boa para se tratar de poesia?


Sophia: Eu penso que sim. Porque é uma língua que tem uma grande dificuldade em dizer tudo. Falar com tudo, não é. Não é uma língua estereotipada como é um pouco o francês e o inglês. No inglês há muita coisa compacta. O inglês é muito rico, mas tem que ser num único sentido. Em inglês deve-se começar o verso pela primeira pessoa. Eu sei porque tenho colaborado com escritores que me traduziram. Faz muita diferença. A única língua na qual se pode traduzir bem o poeta português é o italiano. Porque é a mesma organização da frase, não é?Maria: Interessante esta relação da língua portuguesa com outras. Porque também me parece que a língua portuguesa tem possibilidades extraordinárias.


Sophia: Sim, porque tem uma capacidade de dizer, de formar novas palavras.


Maria: Um pouco como o alemão, talvez?
Sophia: É.


Maria: O que é ser poeta hoje? Porque o mundo está tão confuso, tão fragmentário...tem lugar para o poeta hoje?


Sophia: Eu penso que tem, se ele arranja. Evidentemente que é importante que elas encontrem o eco da sua voz. (Toca o telefone, Sophia atende, era engano)


Maria: Este livro aqui foi encontrado entre os escritos de Fernando Pessoa, O que o turista deve ver em Lisboa . Foi encontrado há uns dez anos.


Sophia: Está escrito em que língua?


Maria: Ele foi escrito originalmente em inglês, mas esta edição é bilingue.


Sophia: Ah! Muito bom, muito interessante.


Maria: Porque ele achava que o povo português precisava ser mais respeitado dentro da Europa.


Sophia: Pois acontece uma coisa, sabe? Nós gostamos muito da Espanha, da arte espanhola. E o espanhol tem feitos extraordinários. Mas o espanhol é muito afirmativo, tem a mania de negar o outro. E eles têm feito uma política muito antiportuguesa. E eles atrás dos portugueses descobrindo a mesma coisa que os portugueses já tinham descoberto. E é preciso lembrar que as caravelas portuguesas que iam para os descobrimentos os espanhóis saqueavam na volta e mesmo na ida.


Maria: É também muito curioso que grande parte dos poetas contemporâneos importantes sejam poetas de língua portuguesa, não é? O Fernando Pessoa, a senhora, o Jorge de Sena...Mesmo poetas brasileiros importantes como Jorge de Lima, João Cabral...


Sophia: Você vê como o João Cabral usa a língua portuguesa - ele usa e quer usar - muito como Camões. Aqueles poemas conhecidos do Camões, da Índia, são poemas que brincam muito com a palavra. É muito parecido com o João Cabral.


Maria: E o seu exercício poético é também brincar com as palavras?


Sophia: É, sim. Jogo. Há muita parte de jogo, sim. Eu acho que o melhor momento da escrita do poema é quando as pessoas começam a sentir as palavras moverem-se sozinhas, sabe? E a brincarem umas com as outras. Andar a procura da rima, andar a procura do tempo, a procura da consonância, não é?