Análise
de texto
Grupo
A
Fernando Pessoa
Fernando
Pessoa Ortónimo
Características temáticas
-Identidade perdida e incapacidade de
definição-Consciência do absurdo da existência-Para ele a realidade não é
apenas aquilo que se vê superficialmente-Tensão sinceridade / fingimento,
consciência /inconsciência-Oposição: sentir / pensar, pensamento / vontade,
esperança 7 desilusão-Anti-sensacionismo: intelectualização da emoção-Estados
negativos: solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero - Inquietação
metafísica-Neoplatonismo - Tentativa de superação da dor, do presente, etc.,
através da evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida
e onde não existia o doloroso sentir -refúgio no sonho, no ocultismo
(correspondência entre o visível e o invisível)-criação dos heterónimos (“Sê
plural como o Universo!”)-Intuição de um destino colectivo e épico para o seu
País (Mensagem)-Renovador de mitos -a visão do mundo exterior é fabricada em
função do sentimento interior -Reflexão sobre o problema do tempo como vivência
e como factor de fragmentação do “eu”- O presente é o único tempo por ele
experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi)-Tem uma visão
negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é
o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade
Características
estilísticas
-simplicidade formal; rimas externas e internas;
redondilha maior (gosto pelo popular) dá uma ideia de simplicidade e
espontaneidade-Grande sensibilidade musical:
·
eufonia –
harmonia de sons
·
aliterações,
encavalgamentos, transportes, rimas, ritmo
·
verso geralmente
curto (2 a 7 sílabas)
·
predomínio da
quadra e da quintilha-Adjectivação expressiva-Economia de meios:3
Linguagem
sóbria e nobre – equilíbrio clássico-Pontuação emotiva-Uso frequente de frases
nominais-Associações inesperadas [por vezes desvios sintácticos –
enálage-Comparações, metáforas originais, oximoros -Uso de
símbolos-Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar...)
Temáticas
·
O sonho, a
intersecção entre o sonho e a realidade (exemplo: Chuva oblíqua – “E os navios passam por dentro dos troncos
das árvores”);
·
A angústia
existencial e a nostalgia da infância (exemplo: Pobre velha música – “Recordo
outro ouvir-te./Não sei se te ouvi/Nessa minha infância/Que me lembra em ti.”
;
·
Distância entre o
idealizado e o realizado – e a consequente frustração (“Tudo o que faço ou medito”);
·
A máscara e o
fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o
que quer comunicar (“Autopsicografia”, verso “O poeta é um fingidor”);
·
A
intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da
arte(exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O
que julguei que senti”) ;
·
ocultismo e o
hermetismo (exemplo: Eros e Psique)
·
O sebastianismo
(a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma na obra Mensagem
·
Tradução dos
sentimentos nas linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável.
·
Sinceridade/fingimento
: - Intelectualização do sentimento para exprimir a arte -> poeta fingidor -
despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria
criação poética- uso da ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria
sinceridade- Crítica de sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na
união decontrários- Mentira: linguagem ideal da alma, pois usamos as palavras
para traduzir emoções e pensamentos (incomunicável)
·
Consciência/inconsciência
- Aumento da autoconsciência humana (despersonalização)- tentativa de resposta
a várias inquietações que perturbam o poeta
·
Sentir/pensar -
concilia o pensar e o sentir - nega o que as suas percepções lhe transmitem-
recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível- Fragmentação do eu
·
Interseccionismo
entre o material e o sonho; a realidade e a idealidade; realidades psíquicas e físicas;
interiores e exteriores; sonhos e paisagens reais; espiritual e material;
tempos e espaços; horizontalidade e verticalidade.
·
O tempo e a
degradação: o regresso à infância
- desencanto e angústia acompanham o sentido da
brevidade da vida e da passagem dos dias- busca múltiplas emoções e abraça
sonhos impossíveis, mas acaba “sem alegria nem aspirações”, inquieto, só e
ansioso.- o passado pesa “como a realidade de nada” e o futuro “como a
possibilidade de tudo”. O tempo é para ele um factor de desagregação na medida
em que tudo é breve e efémero.- procura superar a angústia existencial através
da evocação da infância e de saudade desse tempo feliz.
·
O tédio, o
cansaço de viver
O poeta constata que não é ninguém, ele é nada – o
sonho de ir mais além desaparece. Diz que não sabe nada, não sabe sentir, não
sabe pensar, não sabe querer, ele é um livro que ficou por escrever. Ele é o
tédio de si próprio: está cansado da sua vida, está cansado de si.
Poemas
-“Meu coração é 1 pórtico partido”- fragmentação do
“eu”- “Hora Absurda” - fragmentação do “eu”- interseccionismo- “Chuva Oblíqua”-
fragmentação do “eu”: o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações
que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível.- Interseccionismo
impressionista: recria vivências que se interseccionam com outra que, por sua
vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade.-“Autopsicografia”-
dialéctica entre o eu do escritor e o eu poético, personalidade fictícia e
criadora.- criação de 1 personalidade livre nos seus sentidos e emoções
<> sinceridadede sentimento - o poeta codifica o poema q o receptor
descodifica à sua maneira, sem necessidade de encontrar a pessoa real do
escritor - o acto poético apenas comunica 1 dor fingida, pois a dor real
continua no sujeito que tenta 1 representação.- os leitores tendem a considerar
uma dor que não é sua, mas que apreendem de acordo com a sua experiência de
dor.- A dor surge em 3 níveis: a dor real, a dor fingida e a “dor lida”۰A arte nasce da realidade۰A poesia consiste no fingimento dessa realidade: a
dor fingida ou intelectualizada۰A
intelectualização é expressa de forma tão artística que parece mais autêntica
que a realidade۰Relação do leitor com a obra de arte: Não sente a dor
real (inicial): essa pertence ao poeta Não sente a dor imaginária: essa
pertence ao criador (poeta) Não sente a dor que ele (leitor) tem . Sente o que
o objecto artístico lhe desperta: uma quarta dor, a dor lida
A obra é autónoma, quer em relação ao leitor, quer em
relação ao autor (vale por si). Há uma intelectualização da emoção: é recebido
um estímulo (emoção) – dado pelo coração – que é intelectualizado – pela razão
; o que surge na criação são as emoções intelectualizadas. Ou seja, o pensar
domina o sentir – a poesia é um acto intelectual-
Ela canta pobre ceifeira
– a ceifeira representa os sensacionistas e o seu
canto seduz o poeta, que mesmo assim não consegue deixar de pensar; o poeta
quer o impossível: ser inconsciente mas saber que o é, sentir sem deixar de
pensar – o seu ideal de felicidade; acaba por verificar que só os
sensacionistas são felizes, pois limitam-se a sentir, e tem então um desejo de
aniquilamento; musicalidade produzida pelas aliterações, transporte, metáfora e
quadra-
Não sei se é sonho, se realidade
– Exprime um tensão entre o apelo do sonho (caracterizado
pela tranquilidade, sossego, serenidade e afastamento) e o peso da realidade; a
realidade fica sempre aquém do sonho e mesmo no sonho o mal permanece –
frustração; conclui que a felicidade, a cura da dor de viver, de pensar, não se
encontra no exterior mas no interior de cada um.
- Não sei
quantas almas tenho
– o poeta confessa a sua desfragmentação em múltiplos
“eus”, revelando a sua dor de pensar, porque esta divisão provém do facto de ele
intelectualizar as emoções; a sucessiva mudança leva-o a ser estranho de si
mesmo (não reconhece aquilo que escreveu); metáfora da vida como um livro: lê a
sua própria história (despersonalização, distancia-se para se ver)-
Entre o sono e o sonho
-símbolo do rio: divisão, separação, fluir da vida –
percurso da vida; é a imagem permanente da divisão e evidencia a incapacidade
de alterar essa situação (o rio corre sem fim – efemeridade da vida); no
presente, tal como no passado e no futuro (fatalidade), o eu está condenado à
divisão porque condenado ao pensamento (se fosse inconsciente não pensava e por
isso não havia possibilidade de haver divisão); tristeza, angústia por não
poder fazer nada em relação à divisão que há dentro de si; metáfora da casa
como a vida: o seu eu é uma casa com várias divisões – fragmentação-
Bóiam leves, desatentos
- poema apresenta um conjunto de elementos que sugerem
indefinição e estagnação, estados que provocam o tédio e o cansaço de viver
(“bóiam”, “sono”, “corpo morto”, folhas mortas”, águas paradas”, casa
abandonada”); todos estes elementos apontam para a dor, a incapacidade de
viver, a angústia, o tédio; os seus pensamentos andam como que à deriva, não
têm onde ficar, pois ele é nada; são insignificantes, sem consistência, vagos,
sem conteúdo; impossibilidade do sujeito sair do estado de estagnação em que se
encontra (entre a vida e a não vida); musicalidade: transporte, anáfora
(repetição duma palavra), ritmo (lento, parado – como ele)-
Aqui na orla da praia, mudo e contente do
mar
- sujeito não quer desejar muito mais para além do que
é natural e espontâneo na vida; tudo aquilo a que o homem se pode agarrar é
imperfeito e inútil (ex: amor); a melhor maneira de passar pela vida é não
desejar, não se sentir atraído por nada (apatia, cansaço total); revela um
certo desejo de morte porque já n quer nada; desejo de comunhão com a natureza
Fernando Pessoa canta e chora a insatisfação da alma
humana. A sua precariedade, a sua limitação, a dor de pensar, a fome de se
ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir
e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição desmedida,
desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio. Os remédios
para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença
num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico,
o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativas frustradas
porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma
poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e
angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e
insatisfação do relativo. A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas
no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras
sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a
exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretização opera
na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autêntica do que
a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real (inicial), a que o
poeta imagina (finge), a dor real
do leitor e a dor lida, ou seja,
intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.
“Mensagem”
Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma
visão épico-lírica do destino português, nela se salientando o Sebastianismo, o
Mito do Encoberto e o V Império.
“Criar
um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-ado
túmulo onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade (...) E isto leva a crer
que deve estar para breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas
supremos[...] porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará
para segundo plano a figura até aqui principal de Camões”
A citação transcrita aponta, logo de início, para o
estado de desagregação em que se encontra a Nação portuguesa e que, de algum
modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernando Pessoa e
operacionalizada nos textos da Mensagem. Fernando Pessoa acreditava que,
através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar
e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o
reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o passado
histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura
mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império. Preconizava
para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os
Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta
projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua genialidade,
colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os
outros. Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal,
não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais É
nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que
enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste
super poeta, em detrimento da de Camões.
O
Sebastianismo
O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso. «D.
Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo
branco...» O sebastianismo,
fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta
duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal:
Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la
com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino,
a própria vida dele fora simbólica (mas
em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã
de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a
hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado
por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade. D.
Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de
D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa. D. Sebastião aparece
cinco vezes explicitamente na Mensagem - (uma vez nas Quinas, outra em Mar
português e três vezes nos Símbolos). Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e
o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade
de Messias de Portugal. D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura
(condenação da matéria e sublimação do espírito). A vinda do Encoberto era
apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como
faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse
Desejado não seria mais do que um «estimulador de almas. O Quinto Império era
afinal «o Império Português, subordinado ao espírito definido pela língua
portuguesa. O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como
Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará
um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que
toda a sua obra proclama.
Os Símbolos
e os Mitos - Estrutura simbólica de
Mensagem
Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se
trata de uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado, como
em Os Lusíadas, mas sim, de um cantar de um Império de teor espiritual, da
construção de uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente: não são os
factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam;
são sim as suas atitudes e o que eles representam sendo o assunto de Mensagem a
essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se interpretem as figuras
dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que isso, como símbolos,
de diferentes significados. O três é um número que exprime a ordem intelectual
e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra).
Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da
totalidade. O Sete assume também uma
extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III
conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos. O sete corresponde
aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as
fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D.
Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D.
Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número
sete como número da criação. O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número
de um ciclo completo. O cinco está
ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por
Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa
pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em
apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial,
o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal. Também os nomes dados a cada parte
e alguns nomes referidos nos poemas são também simbólicos:
• Brasão:
o passado inalterável
•Campo:espaço
de vida de de acção
•Castelo:refúgio
e segurança
•Quinas:
chagas de Cristo – dimensão espiritual
•Coroa:
perfeição e poder
•Timbre:
marca – sagração do herói para missão transcendente
•Grifo:
terra e céu – criação de uma obra terrestre e celeste
•Mar:
vida e morte; ponto de partida; reflexo do céu; princípio masculino
•Terra:casa
do homem; espelho do céu; paraíso mítico; princípio feminino
•Padrão:
marco; sinal de presença; obra da civilização cristã
• Mostrengo:
o desconhecido; as lendas do mar; os obstáculos a vencer
• Nau: viagem; iniciação; aquisição de
conhecimentos
•Ilha:
refúgio espiritual; espaço de conquista; recompensa do sacrifício
• Noite: morte; tempo de inércia; tempo de
germinação; certeza da vida
• Manhã:
luz; felicidade; vida; o novo mundo
Nevoeiro: indefinição;
promessa de vida; força criadora; novo dia
Síntese Temática da “Mensagem”
•O
mito é tudo: sem ele a realidade não existe, pois é dele que ela parte
•Deus
é o agente da história; ou seja, é ele quem tem as vontades; nós somos os seus
instrumentos que realizam a sua vontade. É assim que a obra nasce e se atinge a
perfeição
•O
sonho é aquilo que dá vida ao homem: sem ele a vida não tem sentido e limita-se
à mediocridade
•A
verdadeira grandeza está na alma; É através do sonho e da vontade de lutar que se
alcança a glória
•Portugal
encontra-se num estado de decadência. Por isso, é necessário voltar a sonhar,
voltar a arriscar, de modo a que se possa construir um outro império, um império
que não se destrói, por não ser material: é o Quinto Império, o Império Civilizacional-Espiritual.
•D. Sebastião,
além de ser o exemplo a seguir (pois deixa-se levar pela loucura/sonho), é
também visto como o salvador, aquele que trará de novo a glória ao povo
português e que virá completar o sonho, cumprindo-se assim Portugal.
A estrutura
tripartida da “Mensagem”
1ª Parte
–
BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados criaram
a pátria)
·
“Ulisses”- –
símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua
lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de
tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de
quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica!(“Sem
existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é
o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar
o ideal de ser português.
·
“D. Dinis” – símbolo da
importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D. Dinis como o rei
capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele
plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada amadeira para as caravelas, e
falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura
ultrapasse a mediocridade.
·
“D. Sebastião, rei de Portugal” –
símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é
simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D.
Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, FOI em frente, e morreu
por uma ideia de grandeza ,e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua
morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a
tomem/Com o que nela ia.”)
2ª Parte
– MAR
PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis empossados da grande
missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação)
·
O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade
divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário
entre os homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)
·
“Mar Português” – símbolo do
sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma
supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado,
quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)
·
O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os
portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por
alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que
tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou
entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do
mundo?”)
3ª Parte
– O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo
que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)
·
“O Quinto Império” – símbolo da
inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar
sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso
e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se
é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer
da asa.../Triste de que mé feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística
certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de
cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula.
·
“Nevoeiro” – símbolo da nossa
confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como
emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o
desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia distante perto chora?)”),
mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”)
O carácter
épico-lírico
-Lírico -
Forma fragmentária
Atitude introspectiva
A interiorização
O simbolismo (3ªparte)
-Épico:
O tom heróico (“O Monstrengo”)
A evocação da história Trágico-Marítima (2ªparte)´
“Mensagem” vs. “Os Lusíadas” – Semelhanças
concepção mística e missionária/missionante da
história portuguesa, preocupação arquitectónica: ambas obedecem a um plano
cuidadosamente elaborado, o reverso da vitória são as lágrimas.
Diferenças:
1.
Os Lusíadas foram
compostos no início do processo de dissolução do império e a Mensagem publicada
na fase terminal de dissolução do império; Os Lusíadas têm um carácter
predominantemente narrativo e pouco abstractizante, enquanto que Mensagem tem
um carácter menos narrativo e mais interpretativo e cerebral; no primeiro o
Adamastor é sinónimo de lágrimas e mortes, sofrimento e audácia que as
navegações exigiram, enquanto que no segundo simboliza os medos e terrores
vencidos pela ousadia; nos Lusíadas o tema é o real, o histórico, o factual (os
acontecimentos, os lugares),em Mensagem o tema é a essência de Portugal e a
necessidade de cumprir uma missão; para
Camões os deuses olímpicos regem os acidentes e as peripécias do real quotidiano,
para Pessoa os deuses são superados pelo destino, que é força abstracta e
inexorável;۰ nos Lusíadas os heróis são pessoas com limitações
próprias da condição humana, mesmo se ajudados nos sonhos pela intervenção
divina cristã ou pelos deuses do Olimpo, em Mensagem os heróis são mitificados
e encarnam valores simbólicos, assumindo proporções gigantescas;۰ Lusíadas: narrativa comentada da história de
Portugal, Mensagem: metafísica do ser português; Lusíadas: heróis e mitos que
narram as grandezas passadas. Mensagem: heróis e mitos que exaltam as façanhas
do passado em função de um desesperado apelo para grandezas futuras; A
comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo
próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de
decadência - o novo mito de pátria portuguesa.
Os Lusíadas/
Mensagem
Homens
reais com dimensões heróicas mas verosímeis;
Heróis
mitificados, carregando dimensões simbólicas;
O projecto da Mensagem é o de superar o carácter
obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional.
Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional”
e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título
aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de
vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação. Pessoa
previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará
o“Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre
por achar”. A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo
intertextual, com Os Lusíadas , que por sua vez são já um reflexo intertextual
da Eneida e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa
múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica
uma obra nova, com modernidade, mas também com a herança da memória. Em Camões
memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança
transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo. Pessoa
identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo
lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definível
pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto
Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano
absurdo. O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por
cumprir .Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as
personagens da história nacional. A Mensagem é o sonho de um império sem
fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre
por achar”. “A Mensagem comparada com Os
Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas , conseguiu fazer a síntese entre o mundo
pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo
uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo
esotérico.”
Heterónimos
Comparação entre Alberto Caeiro e Ricardo Reis:
A nível de conteúdo estes dois heterónimos aproximam-se
principalmente pelo modo como tentam encarar a vida: tanto Caeiro como Reis, além
de considerarem que a felicidade só se alcança através de uma vida serena e em
comunhão com a natureza (aurea
mediocritas), defendem a vivência plena do presente, sem preocupação nem
com o passado nem com o futuro (carpe
diem, desfrutar de cada momento). No entanto, pode verificar-se que são
grandes as diferenças entre eles. Enquanto que Reis é caracterizado pela
intelectualização das emoções e pelo medo perante a morte, Caeiro é exactamente
o poeta das sensações, considerando o pensamento como uma entrave à observação
da natureza, e é o poeta que não se preocupa com a passagem do tempo. Outra
grande diferença é que Caeiro acredita (num só) Deus enquanto elemento da
natureza (tudo é divino), ao passo que Ricardo Reis crê em vários deuses pois
identifica-se com a civilização grega. A nível formal estes dois heterónimos
são o oposto: de um lado temos Caeiro com a sua linguagem simples e familiar, a
sua despreocupação a nível fónico, a sua irregularidade estrófica, métrica e
rítmica e as suas frases essencialmente coordenadas; e, de outro, temos RR com
toda a sua complexidade – estrofes e métrica regulares, predomínio da
subordinação e linguagem erudita, cheia de simbolismos clássicos
Comparação entre Alberto Caeiro e Álvaro de Campos:
Não é de
estranhar que estes dois poetas não tenham muito em comum, uma vez que um é o
poeta natural e pacífico, e o outro é o poeta da modernidade, da técnica e é
caracterizado por um certa violência e agressividade. No entanto, apesar destes
contrastes, têm alguns pontos em comum, considerando a 2ªfase de A. Campos:
ambos são poetas solitários, rejeitam a subjectividade da lírica tradicional,
tentando ser objectivos na observação do real, e neles predominam as sensações
visuais. As maiores divergências, a nível temático, verificam-se na concepção
do tempo (para Caeiro só existe o presente, para Campos o presente é a
concentração de todos os tempos), no objecto da sua poesia (Caeiro exulta as
qualidades da natureza e Campos, na 2ªfase, exulta as da civilização moderna),
e na atitude perante a vida (enquanto Caeiro é feliz, Campos – na 3ªfase – é um
homem sem identidade e cansado de viver, pois a vida nunca lhe trouxe nada de
bom).A nível formal, apesar de ambos se caracterizarem pela irregularidade estrófica,
métrica e rítmica, verifica-se que, enquanto Caeiro utiliza uma linguagem simples
e com poucos artifícios, Campos distingue-se pelo recurso a um grande número de
figuras de estilo (que tornam a compreensão da mensagem mais difícil), e por
uma exuberância que choca evidentemente com a simplicidade e serenidade dos versos
do mestre Caeiro.
Comparação entre Álvaro de Campos e Ricardo Reis:
Álvaro de Campos foi um poeta que, pelo seu estilo
eufórico e, mais tarde, disfórico, se afastou dos outros heterónimos, já que
estes procuravam a serenidade, que Campos também procurava, de uma forma mais
tranquila. Assim, são poucas as semelhanças entre RR e Campos: tanto Campos (na
3ªfase) como Reis se angustiam perante a efemeridade da vida, consideram a
infância como momento de maior felicidade e aceitam o seu destino (conformismo).
No entanto, neste último ponto, os motivos para essa aceitação são diferentes:
enquanto que Reis o aceita pois considera que essa é a melhor forma de ser
feliz, Campos fá-lo numa atitude de resignação perante a vida, não deixando de
se sentir infeliz por aquilo que ela lhe reservou. Aquilo que mais os distancia
é a sua relação com a realidade – campos vive em eterno conflito com a
humanidade e reis“ dá-lhe conselhos” (através da 1ªpessoa do plural no
imperativo) – e a solidão que caracteriza campos na 3ªfase.A nível formal tanto
um como outro apresentam versos brancos, embora Reis seja regular a nível
estrófico e métrico. Pode verificar-se que Álvaro de campos, na2ªfase, utiliza
a ode como forma de expressão, tal como Ricardo Reis. Nestes dos heterónimos
pode encontrar-se grande riqueza a nível estilístico, nomeadamente no que
respeita `assonância e aliteração, e uma utilização frequente do modo
imperativo. No entanto, enquanto que RR submete a expressão ao conteúdo, Campos
valoriza mais a expressividade dos seus poemas, sendo que esta acaba por se sobrepor
ao seu conteúdo – ou acabar por resumir o último.
Características comuns aos três:
Encontram-se, nos heterónimos, dois factores comuns a
todos eles. Primeiro, a descoberta de um equilíbrio entre o sentir e o pensar: Caeiro
encontra-se através da natureza; reis encontra-se através do equilíbrio entre dor e o prazer; e campos não se encontra. Em
segundo lugar, verifica-se que todos associam à infância o momento em que foram
verdadeiramente felizes – porque ingénuos e inocentes. No entanto, enquanto que
reis e Caeiro acreditam poder voltar a ser felizes como foram em criança,
campos considera essa felicidade perdida, pois só é feliz se for inconsciente,
o que só aconteceu na sua infância, na pré-consciência.
Alberto
Caeiro
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária,
espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos, e de
impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a subjectividade,
sendo o poeta do real objectivo. Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem
angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o estar, o
combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, enão fragmentado.
•Discurso poético de características oralizantes (de
acordo com a simplicidade das ideias que apresenta): vocabulário corrente,
simples, frases curtas ,repetições, frases interrogativas, recurso a perguntas
e respostas, reticências;
•Apologia da visão como valor essencial (ciência de
ver)
•Relação de harmonia com a Natureza (poeta da
natureza)
•Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem
porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o anseio, o receio são emoções que
perturbam a nitidez da visão de que depende a clareza de espírito)
Características
da escrita
-Verso livre-Métrica irregular -Pobreza
lexical-Adjectivação objectiva
Pontuação lógica -Predomínio da
coordenação-Comparações simples-
Características orais: vocabulário corrente, simples,
frases curtas, repetições, frases interrogativas, recursos a perguntas e
respostas, reticências-Pouca subordinação-Ausência de preocupações
estilísticas-Número reduzido de vocábulos e de classes de palavras: pouca
adjectivação, predomínio de substantivos concretos, uso de verbos no presente
do indicativo ou no gerúndio-Polissíndeto-Frases incorrectas.
Objectivismo -apagamento do sujeito-atitude anti lírica -atenção à
“eterna novidade do mundo”-integração e comunhão com a Natureza-poeta
deambulatório
Sensacionismo
-poeta das sensações tal como elas
são-poeta do olhar -predomínio das sensações visuais e das auditivas
Anti-metafísico
-recusa do pensamento-recusa do
mistério-recusa do misticismo
Panteísmo
Naturalista- tudo é Deus, as coisas
são divinas-paganismo-desvalorização do tempo enquanto categoria
conceptual-contradição entre “teoria” e a “prática”
Ideologia da
poesia de Caeiro
-Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária,
espontânea e de impressões visuais, sobretudo-Recusa a introspecção e a
subjectividade, sendo poeta do real objectivo. -Caeiro “canta” o viver sem dor,
o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com
o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno e não fragmentado. -Apologia
da visão como valor essencial (ciência de ver)- Relação de harmonia com a
natureza , poeta da natureza)-Rejeita o pensamento e a linguagem porque alteram
a realidade-Inocência e constante novidade das coisas-Mestre de pessoa e dos
outros heterónimos-Elimina a dor de pensar de Pessoa. Ele não quer pensar, mas
não consegue evitar -Escreve intuitivamente-Para ele a natureza é para usufruir
não para pensar -Desejo de despersonificação (de fusão com a natureza) -Valorização
das sensações-Preocupação apenas com o presente- é anti-religião-é
anti-metafísica-é anti-filosofia.
Características
estilísticas
-Verso livre-Métrica irregular -Despreocupação a nível
fónico-Pobreza lexical (linguagem simples, familiar) -Adjectivação
objectiva-Pontuação lógica-Predomínio do presente do indicativo-Frases
simples-Predomínio da coordenação-Comparações simples-Raras metáforas.
Ricardo Reis
Biografia:
-Nasce a 1887 no Porto -É um pouco baixo, mais seco e
mais forte que Caeiro. Tem a cara rapada eé moreno mate-Surge como produto do
pensamento abstracto de Pessoa-Frequentou um colégio Jesuíta e estudou
medicina; é latinista e semi -helenista por auto – didactismo-Habita no Brasil
desde 1919
Características
de escrita:
-Exagerado-Purismo da língua-Pagão-Disciplinado
mentalmente -O Verso não tem rima, porque se os pensamentos são elevados as
palavras também fluem superiormente-Todos os seus poemas são Odes-Recurso à
assonância, à rima interior e à aliteração.
-Uso frequente do gerúndio e do imperativo-Uso de
latinismos-Metáforas, eufemismos, comparações, imagens-Importância dada ao
ritmo-Estilo construído com muito rigor e muito denso (Ode)
Ode:-Versos decassílabos e hexassílabos (geralmente
alternados)-Linguagem erudita (próxima do latim, muito cuidada)-Hipérbato
(desorganização dos elementos da frase)-Transporte-Tom Elevado
Filosofia: *”epicurista triste”- (Carpe Diem)- busca
do prazer moderado a da ataraxia;* busca do prazer relativo;*estoicismo –
aceitação calma e serena da ordem das coisas;*moralista – pretende levar os
outros a adoptar a sua filosofia de vida;*intelectualiza as emoções;*temática
da miséria da condição humana do FATUM (destino), da velhice, da irreversibilidade
da morte e da efemeridade da vida, do tempo;*espirito grave, ansioso de
perfeição;*aceitação do Fado, da ordem natural das coisas; A filosofia de Reis
rege-se pelo ideal “Carpe Diem”, a
sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida
é breve. Há que nos contentarmos com o que o destino nos trouxe. Há que viver
com moderação, sem nos apegarmos Às coisas, e por isso as paixões devem ser
comedidas, para que a hora da morte não seja demasiado dolorosa. Aceita a
relatividade e fugacidade das coisas.I intelectualiza as emoções. Temática da
miséria da condição humana do destino, da velhice, da irreversibilidade da
morte e da efemeridade da vida, do tempo. Espírito grave, ansioso de perfeição.
Neoclassicismo
-poesia construída com base em ideias
elevada-Odes (forma métrica por excelência
Paganismo -crença nos deuses-crença na civilização da
Grécia-sente-se um “estrangeiro” fora da sua pátria, a Grécia.
Horacianismo
-carpe diem : vive o momento-
aurea
mediocritas : a felicidade possível
no sossego do campo(proximidade de Caeiro)-Culto do Belo, como forma de superar
a efermeridade dos bens e amiséria da vida-Intelectualização das emoções-Medo
da morte-Quase ausência de erotismo, em contraste com o seu mestre Horácio
Estoicismo -aceitação das leis do destino (“... a vida/ passa e
não fica, nada deixa e nunca regressa.”)-indiferença face às paixões e à dor
-abdicação de lutar -autodisciplina-Considera ser possível encontrar a
felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o
mundo permanecendo indiferente aos males e ás paixões, que são a perturbação da
razão
Classicismo
erudito: -Precisão verbal-Recurso à mitologia
(crença e culto aos deuses)- Princípio de moral e da estética epicurista e
estóica-Tranquila resignação ao destino
Epicurismo: -Prazer do momento-Caminho da felicidade, alcançada
pela indiferença à perturbação-Não cede aos impulsos dos instintos-Ataraxia
(tranquilidade sem qualquer perturbação)- Calma, ou pelo menos a sua
ilusão-Ideal ético de apatia que permite a ausência da paixão e a
liberdade-Busca da felicidade relativa-moderação nos prazeres-fuga à dor
-ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação “ Reis […] manifesta uma
aguda mas estóica sensibilidade em relação ao tema da passagem do tempo. ” Ricardo
Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidade
epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas
as coisas. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, “Prefiro rosas, meu amor,
à pátria” ou “Segue o teu destino” são poemas que nos mostram que este discípulo
de Caeiro aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas
emoções e sentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa
alcançada pela indiferença à perturbação. A filosofia de Ricardo Reis é a de um
epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos
dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja alcançar,
considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia. Ricardo
Reis propõe, pois, uma filosofia moral de acordo com os princípios do epicurismo
e uma filosofia estóica:- “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai
a vida em cada dia, como caminho da felicidade;- Buscar a felicidade com
tranquilidade (ataraxia);- Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo); Procurar
a calma, ou pelo menos, a sua ilusão;- Seguir o ideal ético da apatia que
permite a ausência da paixão e a liberdade(sobre esta apenas pesa o
Fado).Ricardo Reis, que adquiriu a lição do paganismo espontâneo de Caeiro,
cultiva um neoclassicismo neopagão (crê nos deuses e nas presenças quase
divinas que habitam todas as coisas), recorrendo à mitologia greco-latina, e
considera a brevidade ,a fugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabe que
o tempo passa e tudo é efémero. Daí fazer a apologia da indiferença solene
diante o poder dos teus e do destino inelutável. Considera que a verdadeira
sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena, “sem desassossegos
grandes”. A precisão verbal e o recurso à mitologia, associados aos princípios
da moral e da estética epicuristas e estóicas ou à tranquila resignação ao
destino, são marcas do classicismo erudito de Reis. Poeta clássico da
serenidade, Ricardo Reis privilegia a ode, o epigrama e a elegia. A frase
concisa e a sintaxe clássica latina, frequentemente com a inversão da ordem
lógica (hipérbatos), favorecem o ritmo das suas ideias lúcidas e disciplinadas.
Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”.
O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, inteiramente
oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro. Campos
é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo
faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta
integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de
existir. Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe
basta a «sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e
das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de
todas as maneiras”. Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é figurado
“biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se
este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a
civilização moderna e os valores do progresso. Cantor do mundo moderno, o poeta
procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força
explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir.
“Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial,
amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa
o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem
da cidade. O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante entre o
amor do mundo e da humanidade; é uma espécie de frustração total feita de
incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento, mundo exterior e mundo
interior. Revela, como Pessoa, a mesma inadaptação à existência e a mesma
demissão da personalidade íntegra., o cepticismo, a dor de pensar e a nostalgia
da infância.
Biografia
• Nasce em
Tavira, em 1890
•Estuda engenharia mecânica e naval na Escócia
•“Filho indisciplinado da sensação e para ele a
sensação é tudo. Osensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da
arte.”
• “Sentir tudo de todas as maneiras”
• Vanguardista e cosmopolita
• Único heterónimo que comparticipa da vida extra
literária de Fernando Pessoa heterónimo
Fases
Primeira – decadentismo
(1914) - Exprime o tédio, o
cansaço e a necessidade de novas sensações (“Opiário”); o decadentismo surge
como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio, o enfado, a náusea,
o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Traduza falta de um
sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. Com rebuscamento,
preciosismo, símbolos e imagens apresenta-se marcado pelo Romantismo e pelo
Simbolismo.
• Tédio, cansaço, necessidade de novas sensações
• Falta de um sentido para a vida
• Romantismo e simbolismo
• Nostalgia
, Saturação, Embriaguez do ópio, Horror à vida, Realismo satírico, Vocabulário precioso e
vulgar , Imagens, Símbolos, Estilo confessional brusco, Decassílabos agrupados
em quadras, •
“Opiário “Segunda – Futurismo (1914 a 1916) Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da
máquina, da energia mecânica e da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma
atracção quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta
a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica
e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o exemplo
desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela máquina, há
a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna.
• Elogio da civilização industrial e da técnica
•Triunfo da máquina, beleza dos “maquinistas em fúria”
•Intelectualização das sensações, delírio sensorial
• Não aristotélica
•Sado masoquismo
•Cantar lúcido do mundo moderno
•Influência de Walt Whitman
•Vertigem das sensações modernas , Volúpia da
imaginação, Hipertrofia ilimitada do eu, Energia explosiva , Impulsos
inconscientes
• Verso livre, longo, Estilo esfuziante, torrencial, Anáforas,
exclamações, interjeições, apóstrofes e enumerações, Fantasia verbal
• “Ode triunfal”
) Terceira fase – pessoal ou intimista (1916 a 1935 - Perante a incapacidade das realizações, traz de volta
o abatimento, que provoca “Um supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo,
/Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido.
Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado. (“Esta velha angústia”;
“Apontamento”; “Lisbon revisited”).
• Melancolia
• Devaneio
• Cosmopolitismo
• Cepticismo
• Dor de pensar
•Saudades da Infância ou do Irreal
•Dissolução do eu
•Conflito entre a realidade e o poeta
•Cansaço, tédio e abulia
•Angustia existencial
•Solidão
•“Aniversário” e a “Tabacaria”
Traços da sua poesia
• Poeta modernista
•Poeta sensacionista
•Cultor das sensações sem limite
•Poeta de verso livre
•Poeta de angustia existencial e da auto ironia
Traços
estilísticos
•Verso livre em geral muito longo
•Assonâncias, onomatopeias, aliterações
•Grafismos expressivos
•Mistura de níveis de língua
•Enumerações excessivas, exclamações, interjeições e
pontuação emotiva
•Estrangeirismos e neologismos
•Metáforas ousadas, oximoros, personificações,
hipérboles
Características do género épico em “Os Lusíadas”:
·
a)A acção é a
descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco daGama, como
acontecimento culminante da História de Portugal até à datada composição da
obra e definidor do perfil do herói, isto é, o Povo Português, “o peito ilustre
lusitano” Havia determinadas qualidades que a acção de uma epopeia devia reunir:
a unidade, a variedade, a verdade e a integridade.
A unidade é, porventura, a característica fundamental,
dado que exige que todas as suas partes ou séries de acontecimentos constituam
um todo harmonioso
.A variedade é conseguida através da inserção de
episódios, cuja função é embelezar a acção e quebrar a monotonia de uma
narração continuada, mas sempre sem prejudicar a unidade, através do estabelecimento
hábil de uma relação como o acontecimento ou afigura de que a acção se ocupa em
cada momento. São variados os tipos de episódios que encontramos em “Os
Lusíadas”:
Mitológicos
Bélicos
Líricos
Naturalistas
Simbólicos
Humorístico
ou herói-cómico
Cavalheiresco
A verdade consiste no tratamento de um assunto real
ou, pelo menos,verosímil4.A integridade exige a estruturação de uma narrativa
com princípio, meio e fim ( introdução, desenvolvimento e conclusão)
·
b) A personagem -
(os sujeitos ou heróis da acção) – o povo português, um herói colectivo, que na
obra é simbolicamente representado por vasco da Gama
·
c)O maravilhoso,
que consiste na intervenção, de entidades sobrenaturais na acção, umas
favorecendo, outras dificultando. Cada interventor tem as suas razões para
desejar o sucesso ou o insucesso dos marinheiros portugueses.
·
d)A forma: “Os
Lusíadas” são uma narrativa em verso, dividida em dez cantos, com um número
aproximado de cento e dez estrofes cada. As estrofes são oitavas em verso
decassilábico, geralmente heróico O esquema rimático é fixo – ABABABCC – sendo,
portanto, a rima cruzada A acção – acontecimentos representados ao longo da obra-
viagem de Vasco da Gama, acontecimento culminante
da história de Portugal-
Unidade - ligação entre as diversas partes-
Variedade - inserção de episódios para quebrar a monotonia e
embelezar a acção-
Verdade - assunto real, ou, pelo menos, verosímil-
Integridade
- criação de uma intriga com
principio, meio e fim-
Personagens - os agentes ou heróis da acção-Vasco da gama-O Povo Português-Camões-Etc-individual
e principal, comum a dimensão simbólica (um povo de marinheiros)-herói
colectivo, fundamental numa epopeia-herói individual-Não são meros símbolos,
têm paixões humaníssimas, identificam o êxito e o fracasso, a vitoria e a
derrota-O
Maravilhoso
- intervenção de seres sobrenaturais
na acção-Júpiter, Vénus,Marte, Baco,etc.-Deus (A Divina Providência Cristã)-
Pagão - deuses pagãos-
Cristão – Deus do cristianismo-
A forma - -dez cantos-narrativa em versos decassilábicos,
geralmente heróicos, agrupados em oitavas -rima cruzada nos seis primeiros
versos e emparelhada nos dois últimos31
A estrutura
externa - A obra distribui-se por dez
cantos, cada um deles com um número variável de estrofes ( em média cento e
dez). O número total de estrofes da epopeia é de mil cento e duas. As estrofes
são oitavas, isto é, constituídas por oito versos. Os versos são
decassilábicos, na sua maioria heróicos (acentuados nas 6º e 10ª sílabas),
surgindo, também, por vezes, o verso sáfico (acentuado nas 4º, 8ª e
10ªsílabas).O esquema rimático é o mesmo em todas as estrofes da obra
-ABABABCC, sendo, portanto, a rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada
nos dois últimos.
A estrutura
interna
“Os Lusíadas” apresenta as tradicionais três partes
lógicas: introdução, desenvolvimento e conclusão. Assim, das quatro partes de
uma epopeia clássica (proposição, invocação, dedicatória e narração) constituem
as três primeiras a introdução( I, 1-18 ); a narração constituirá o
desenvolvimento; e considerar-se-á concluída quando os marinheiros entrarem
“pela foz do Tejo ameno” ( X,144). A conclusão, ou epílogo, inclui as restantes
doze estrofes do canto X(145-156) e exprime um desabafo desencantado perante a
Musa e uma exortação final a D.Sebastião, prometendo cantar-lhe os feitos
futuros
Introdução (proposição, invocação e dedicatória)
A proposição
Consiste na apresentação do assunto (Canto I, 1-3), em
que Camões proclama cantar as grandes vitórias e os homens ilustres (“As armas
e os barões assinalados”), as conquistas e navegações no Oriente (reinados de D.
Manuel e de D. João III), as vitórias em África e na Ásia (desde D. João I aD.
Manuel), que dilataram “a Fé e o Império” e, por último, todos aqueles que “por
obras valerosas se vão da lei Morte libertando”, todos aqueles que, no passado,
no presente e no futuro, mereceram, merecem ou vieram a merecer a imortalidade”
na memória dos homens. Predomínio da função apelativa, pelo uso do conjuntivo
com sentido de imperativo (cessem, cale-se, cesse) e pela repetição daquelas
formas verbais sinónimas.
A invocação
Consiste em pedir ajuda a entidades mitológicas,
chamadas Musas. Isso acontece várias vezes ao longo do poema, sempre que o
sujeito da enunciação sente faltar-lhe a inspiração suficiente, seja em
resultado da grandeza da tarefa que se lhe impõe, seja porque as condições são
adversas. Todavia, no canto X, estrofe 145, Camões dirige-se, finalmente, à
Musas(Calíope) para um lamento sincero e a confissão de “não mais” poder
“cantar agente surda e endurecida”.
Predomínio,
ainda, da função apelativa da linguagem, pelo uso do imperativo, do vocativo, e
da repetição anafórica- Pretende Camões, nestas duas estrofes, que as tágides
lhe dêem um estilo sublime, à altura dos
feitos que se propõe narrar e de forma que a gesta lusíada se torne conhecida
em todo o universo. Não lhe interessa, agora, a inspiração lírica e bucólica
que as Musas lhe prodigalizaram. Pretende agora voar mais alto.
A
dedicatória - A dedicatória (I, 6-18)
é o oferecimento do poema a D. Sebastião. O carácter oratório do discurso é que
determina o uso da 2ª pessoa do plural (“vós”), do modo imperativo (“inclinai”,
“ponde”) e de numerosas apóstrofes. D. Sebastião encarna toda a esperança do
poeta que quer ver nele um monarca poderoso, capaz de retomar a “dilatação da
Fé e do Império” e de ultrapassar a crise do momento. Camões dirige-se a D.
Sebastião, usando repetidamente a cerimoniosa 2ª pessoa do plural e sucessivas
apóstrofes e perífrases altamente elogiosas, vendo nele o depositário
providencial da independência da Pátria e a garantia da dilatação da Fé Cristã
e da construção dum Império onde sempre haveria Sol, porque se estenderia de
Leste a Oeste do Universo.
Desenvolvimento
– os quatro planos de organização
da narrativa: A viagem
A quarta parte da epopeia, a narração, é que constitui
a acção principal que, à maneira clássica, se inicia “in media res”, isto é,
quando a viagem já vai a meio, encontrado-se já os marinheiros em pleno Oceano
Índico. Este começo da acção central, a viagem de descoberta do caminho marítimo
para a Índia, quando os Portugueses se encontram já a meio do percurso, no
Canal de Moçambique, vai permitir:
a narração do percurso até Melinde pelo narrador
heterodiegético (cantos I e II)- a narração da História de Portugal até à
viagem (cantos III, IV e V,85), em forma de discurso do Gama, dirigido ao Rei
de Melinde e a pedido deste-A inclusão da narração da primeira parte da viagem
e ao surgimento da “doença crua e feia” (escorbuto) na retrospectiva histórica
atrás referida-A apresentação do último troço da viagem (canto VI), entre
Melinde e Calecute, de novo por um narrador heterodiegético. Mas,
simultaneamente, os deuses reúnem em consílio, para decidir “sobre as cousas
futuras do Oriente” e, de vez em quando, tece o poeta considerações pessoais. A
narrativa organiza-se em quatro planos: o da viagem e dos deuses, em
alternância, ocupam uma posição fulcral; a História passada de Portugalestá
encaixada na viagem; as considerações pessoais aparecem normalmente nos fins de
cantos e constituem, de um modo geral, a visão crítica do Poeta sobre o seu
tempo. Já a Proposição aponta para os quatro planos do poema: a celebração de
uma viagem a glorificação de um povo do poema: a celebração de uma viagem, a
glorificação de um povo cuja histórica será narrada, por traduzir a vitória
sobre os deuses, na interpretação pessoal do poeta: “Cantando espalharei por
toda a parte”.
A Histórica
de Portugal: os discursos e as profecias
A História de Portugal, exposta em discurso (de Vasco
da Gama ao rei de Melinde e de Paulo da Gama ao Catual, para a histórica
passada em relação à viagem – 1498) e em profecias ( de Júpiter, de Adamastor,
da ninfa Sirena e de Tétis, em relação à história futura em relação à viagem),
não tem uma unidade intrínseca. Uma parte dessa história é dada em sequência
cronológica e consta do discurso de vasco da Gama ao rei de Melinde. Outra
parte é dada em quadros soltos, como são as pinturas (“bandeiras”) que Paulo da
Gama explica ao Catual ou as profecias de Júpiter, do gigante Adamastor, de
Tétis ou da Ninfa Sirena. Abundam, os discursos, ora dos narradores, ora dos
protagonistas das histórias: o da “formosísima Maria”, a seu pai; o de Inês de
Castro ao sogro(Afonso IV); o de Nuno Álvares Pereira, no canto IV.A exposição
dos feitos dos Portugueses caracteriza-se pela ausência de uma acção de
conjunto. Não é, portanto, que encontrámos a mola do poema.
Os deuses
A intriga dos deuses abre com o consílio, com que se
inicia a acção do poema (I; 20-41) e fecha na ilha de Vénus, com que ele,
praticamente, se encerra. Formalmente, a unidade de “Os Lusíadas” é
estabelecida pela intrigados deuses. Eles estão em cena desde o princípio até
ao fim do poema, o qual abre com o consílio dos deuses e termina com a Ilha dos
Amores. Não se trata de mero quadro externo, ou de uma sobreposição, mas da
mola real do poema, que não tem outra. As personagens mitológicas têm uma vida
que falta às personagens históricas: são elas as verdadeiras criaturas humanas,
que sentem, que se apaixonam, intrigam e fazem rebuliço. O Gama é muito mais
hirto e frio que o Gigante Adamastor, apesar de este ser um cabo, uma rocha. E ninguém
tem o vulto, a irradiação, a força, a personalidade provocante de Vénus. Através
da mitologia, Camões exprime algumas tendências profundas do Renascimento:-a
vitória dos homens sobre os deuses, que personificam os limites opostos pela
tradição à iniciativa humana-a confiança na capacidade humana para dominar a
natureza -a concepção da natureza como um ser vivo-a afirmação (apenas virtual)
de Deus coo uma imanência -a crença na bondade da natureza -a identificação da
lei da razão com a lei da liberdade -a proscrição da noção de pecado
As considerações
pessoais
Este plano, é aquele em que o autor se permite tecer
considerações, na maior parte das vezes de carácter satírico, sobre matérias
muito diferenciadas: -a fragilidade da vida humana face ais “grandes e
gravíssimos perigos” tanto no mar como na terra (I, 105-106 -o desprezo a que
as Artes e as Letras muitas vezes são votadas pelos Portugueses (V, 91-100) , o
valor da glória e das honras por mérito próprio (VI, 95-99)-a ingratidão de que
se sente vítima por parte da sociedade (VII, 78-87)-o poder corruptor do ouro,
o “metal luzente e louro”, também motor de traições (VIII, 96-99)-os modos de
atingir a imortalidade, condenado a cobiça, a ambição e a tirania (IX, 92-95)-a
decadência da Pátria, a “austera, apagada e vil tristeza” (X, 145)-a invectiva
ao Rei, renovando os apelos da Dedicatória, e incentivando-o a tomar medidas no
sentido de corrigir e repor o país na senda do êxito (X, 146-156)
Conclusão
Camões lamenta perante a Musa (Calíope) a inutilidade
do seu canto face à indiferença da sociedade do seu tempo (“gente surda e
endurecida”),afogada que está “no gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera,
apagada e vil tristeza”; da estrofe 146 até ao fim do , Camões dirige-se ao
novo Rei, última esperança de regeneração da Pátria, aconselha-o a “favorecer”
todos aqueles que estejam dispostos a servir desinteressadamente e conclui a
sua obra oferecendo-se para cantar os feitos que D. Sebastião venha a praticar
em África.
A
universalidade e actualidade da mensagem da obra
“os Lusíadas” são o poema do mar, dos descobrimentos,
das trocas internacionais? Sim, sem qualquer dúvida. Mas Camões defende, simultaneamente,
o amor e a guerra, o império do amor e o amor do império. Tem-se a impressão de
que Camões, poeta lírio, faz uma aposta – a aposta de escrever uma epopeia –
cumpriu a sua palavra até ao fim, mas durante a realização de um trabalho de
muitos anos sofreu momentos de dúvida e pôs em causa aquilo que exaltava. As
contradições do poema são as contradições do seu século, e desta conclusão
podemos inferir da sua universalidade, pois “OS Lusíadas” não são
exclusivamente o canto do nacionalismo que se estruturava – mas também uma
meditação sobre os valores. Trata-se, com efeito, das contradições dialécticas
de uma voz que exprime a consciência moral, social e política da Europa num
momento da sua evolução.
“Os Lusíadas,. Poema simultaneamente épico e crítico,
veiculam pois uma mensagem universal de humanismo generoso que contrabalança e ultrapassa
a tolerância religiosa e um patriotismo estreito. A sua problemática, bem como
a sua arte, interessa ainda aos nosso dias, aos homens de todo o mundo. Nele se
descobre já a aspiração profunda ao conhecimento e ao amor do próximo, condição
necessária quer para o desenvolvimento harmonioso do indivíduo quer para a criação
cultural e o triunfo da paz.
Felizmente há luar
A influência do teatro de Brecht em “Felizmente há Luar!”
No teatro
clássico pretende-se despertar as emoções, levando o espectador a identificar-se
com as personagens. No teatro de épico de Brecht, defende-se a “distanciação” a
fim de levar o espectador a pensar e a desenvolver o espírito crítico. Em
“Felizmente há Luar!” pode-se estabelecer um paralelismo histórico-metafórico
entre o tempo representado e o da escrita. Nas tragédias clássicas, a acção é
marcada pelo Destino, ao contrário do teatro épico onde esta se deve a causas
políticas e sociais que a sociedade pode combater. Na epígrafe, invoca-se um
texto em que existe um conflito entre o indivíduo inconformista e a sociedade
corrupta.
Felizmente há luar!
é um drama narrativo de carácter social dentro dos
princípios do teatro épico. Defende as capacidades do homem, que tem o direito
e o dever de transformar o mundo em que vive, oferecendo-nos uma análise
crítica da sociedade em procurando mostrar a realidade em vez de a representar,
para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição
Intenção didáctica: o espectador sai consciente de que
há algo a mudar, o que levará a uma consciência crítica, socialmente empenhada,
por exemplo, através da personagem de Matilde. Apoteose trágica (climax):
desfecho trágico mas também apoteótico, transfigurador, de homenagem a Gomes
Freire transformado em herói, dando esperança ao povo. Encenação: cenários
neutros, pouco aparatosos; jogo de luzes; projecção de diapositivos –
cicloramas: silhueta da cidade de lisboa ( situação espacial)
A estrutura
externa e interna da peça
O texto principal é constituído pelas falas ou
réplicas das personagens; o texto secundário fornece informações várias. O
texto principal permite analisar a estrutura interna e a didascália, a
estrutura externa.
Estrutura
externa: peça em dois actos, sem
divisão gráfica de cenas. O primeiro acto divide-se em onze momentos O segundo
acto começa precisamente como o primeiro e possui treze momentos. A obra
apresenta todo o processo que conduziu à execução do general Gomes Freire de
Andrade. No primeiro acto trama-se a sua prisão e, no segundo, verifica-se a sua
execução.
Primeiro Acto:
-o povo, vítima da miséria e da opressão, sonha com a
sua salvação, motivado pela esperança que lhe inspira o general Gomes Freire de
Andrade, figura que define como “amigo do Povo”- Vicente, um homem do povo,
considera Gomes Freire um “estrangeirado” e tenta convencer os populares que o
ouvem de que o general nunca será aliado do povo; mais tarde, será levado por
dois polícias junto do governador, D. Miguel de Forjaz, manifestando-se um
traidor para com a classe social a que pertence (esta atitude valer-lhe-á a
ascensão social, pois o governador alicia-o com a promessa de que lhe dará o
cargo de chefe da polícia) -D. Miguel, preocupado com a hipótese (para ele,
eminente) de uma revolução, manda Vicente vigiar a casa de Gomes
Freire-Beresford, governador do reino, informa D. Miguel e o Principal Sousa
deque, em Lisboa, se prepara, efectivamente, uma revolução contra o poder
instituído (o seu informador é o capitão Andrade Corvo, um ex-maçon, amigo de
Morais Sarmento, também maçon).Os governadores do reino tomam a decisão de
destruir o líder dos conspiradores.
-Morais sarmento e Andrade Corvo dispõem-se a
denunciar o chefe da conspiração em Lisboa,. Mediante a intimação de D. Miguel,
no sentido do cumprimento de um “missão”.-Vicente informa os governadores
(Beresford, D. Miguel e o Principal Sousa) do número de pessoas que entram em
casa de Gomes Freire e anuncia a identidade de algumas; Andrade Corvo, por sua
vez, revela aos governadores que são muitas as pessoas que partilham o ideal de
revolução, afirmando que já tinham sido enviados emissários desta causa para a província;
Andrade Corvo adianta o nome do chefe dos conspiradores: o general Gomes Freire
de Andrade. -D. Miguel ordena que se prendam os conspiradores, abarcando um
número significativo de pessoas; por outro lado, tenta que a sua atitude surja
de uma forma justificada, pensando, assim, impedir a estranheza perante a sua
decisão, cujo objectivo é a repressão e a eliminação de Gomes Freire ( os seus argumento
baseiam-se no patriotismo e na defesa do nome e da vontade de Deus).
Segunda Acto:
-o acto inicia-se exactamente como o anterior, ou
seja, Manuel interroga-se ”Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?”
através do seu monólogo, o espectador (ou o leitor) tem conhecimento da prisão
de Gomes Freire ocorrida na madrugada anterior -a polícia proíbe os aglomerados
populares-Matilde exprime a sua dor revolta face À situação do marido, o
general Gomes Freire; contudo, decide intervir, de modo a conseguir a sua
libertação-António Sousa falcão, o “inseparável amigo” de Matilde e do general,
surge como a voz que critica o poder instituído e o comportamento abusivo dos governantes,
que tentam enganar o povo, mencionando o nome de Deus.
-Matilde procura Beresford, a fim de interceder pelo
marido; objectivo que não alcança, pois, através do diálogo com Matilde, o governador
humilha Gomes Freire.
-O padre dá a informação de que seria feita uma acção
de graças em todas as paróquias e igrejas das conventos por todos aqueles que
se tinham insurgido contra o governo (esta ocorreria num domingo)-Matilde
apercebe-se da indiferença dos populares perante a situação em que se encontra
Gomes Freire (na realidade, eles não têm qualquer hipótese de o ajudar; a
traição a que povo é obrigado é simbolizada na moeda que Manuel oferece a
Matilde); sabe-se, entretanto, que Vicente é chefe da polícia.
-António de Sousa Falcão transmite a notícia de que a
situação de Gomes Freire é cada vez mais crítica (não são autorizadas visitas,
encontra-se numa masmorra às escuras, não lhe permitiram escolher um advogado,
descuida-se a sua higiene física e a sua alimentação)
-Matilde tenta pedir a D. Miguel que liberte o marido;
o governador não a recebe-Matilde pede ao Principal Sousa que liberte Gomes
Freire; o Principal Sousa evoca “as razões de estado” como o motivo da morte do
general, apesar de Matilde o acusar de cumplicidade em relação ao destino do
seu marido
Frei Digo, que confessara Gomes Freire, revela a sua
solidariedade para com Matilde
-Matilde acusa o Principal Sousa de não adoptar o
comportamento que seria de esperar de um bispo-Sousa Falcão informa a esposa do
general de que já havia fogueiras em S. Julião da Barra, para onde Gomes Freire
tinha sido levado, o que leva Matilde a implorar, de novo, ao Principal Sousa a
vida do marido-Matilde tenta consolar-se através da religião; depois, lançará
aos pés do Principal Sousa a moeda que Manuel lhe dera-Matilde assiste À
execução do marido, vendo o seu corpo ser devorado pelas chamas, ainda que
imagine que o seu espírito vem abraça-la; profetiza uma nova vida para
Portugal, simboliza no clarão da fogueira, fruto de uma revolução que
encerraria o período de ditadura.
Paralelismo
estrutural:
-Manuel interroga-se sobre o que fazer para alterar a
sua situação e da sua classe social
O povo lamenta a sua miséria- A chegada dos polícias
faz dispersas os populares (no primeiro acto, dois polícias procuram Vicente
para que este traia a sua classe; no segundo acto, a policia proíbe os
“ajuntamentos”)- No primeiro acto, os diálogos entre os governadores, Vicente,
Andrade Corvo, e Morais Sarmento funcionam como o plano de preparação para a
condenação de Gomes Freire; no segundo acto, os diálogos entre os governadores
e Matilde significam a efectivação das intenções dos representantes do poder –
destruir Gomes Freire.
-O primeiro acto termina com a prisão de populares que
conspiravam contra o governo e com apelo de “morte ao traidor Gomes Freire
d’Andrade”, feito por D. Miguel; o final do segundo acto apresenta-nos a morte
do general ( ainda que, em simultâneo, ecoe o grito de esperança de Matilde)
As personagens
Gomes Freire
de Andrade:
Gomes Freire aparece-nos como um homem instruído,
letrado, um estrangeirado, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e
da justiça. É também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas
ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder
instituído. Assim, quando é necessário encontrar uma vítima que simbolize uma
situação de revolta que se advinha, Gomes Freire é a personagem ideal. Ele é
símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais – daí que a
sua presença se torne incómoda não só para os reis do Rossio, mas também para
os senhores do regime para os senhores do regime fascizante dos anos 60. A sua
morte, duplamente aviltante para um militar seria o fuzilamento), servirá de lição
a todos aqueles que ousem afrontar o poder político e também, de certa forma,
económica representado pela tença que Beresford recebe e que se arriscaria a
perder se Gomes Freire chegasse ao poder.
Matilde de
Melo:
Todas as tiradas de Matilde revelam uma clara lucidez
e uma verdadeira coragem na análise que toda a teia que envolve a prisão e condenação
de Gomes freire. No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do
seu homem ( e daí o carácter épico personagem Gomes Freire) arrasta-a para um
delírio final em que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em
paris (símbolo esperança num futuro diferente?), Matilde dialoga com Gomes
Freire, vivendo momentos de alucinação intensa e dramática. Estes momentos
finais, pelo carácter surreal que transmitem, são também a denúncia do absurdo
a que a intolerância e a violência dos homens conduzem.
Sousa
Falcão:
Sousa Falcão é o amigo de todas as horas, é amigo fiel
em que se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade
e amizade. No entanto, ele próprio tem a consciência de que, muitas vezes, não actuou
de forma consentânea com os seus ideias, faltando-lhe coragem para passar à
acção.
Vicente, o
traidor:
Apesar da repulsa/ antipatia que as atitudes de Vicente
possam provocar no público/leito, o que é facto é não se lhe pode negar nem lucidez
nem acuidade na análise que faz da sua situação de origem e da força corruptora
do poder. Vicente é uma personagem incómoda, talvez porque nos faça olhar para
dentro de nós próprios, acordando más consciências adormecidas.
Manuel e
Rita:
Manuel e Rita acabam também por simbolizar a desesperança,
a desilusão, a frustração de toda uma legião face à quase impossibilidade de
mudança da situação opressiva em que vivem.
Beresford:
Personagem cínica e controversa, aparece como alguém
que, desassombradamente, assume o processo de Gomes Freire, não como um imperativo
nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses individuais: a manutenção
do seu posto e da sua tença anual. A sua posição, face a toda a trama que
evolve Gomes Freire, é nitidamente de distanciamento crítico e irónico,
acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício
incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa.
D.Miguel:
é o protótipo do pequeno tirano, inseguro e
prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria. Todo o seu
discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades
falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar. Os argumentos do ardor
patriótico, da construção de um Portugal próspero e feliz, com um povo simples,
bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no
senhor, são o eco fiel dos discursos políticos dos anos 60. D.Miguel e o
Principal Sousa são talvez as duas personagens mais detestáveis de todo o texto
pela falsidade e hipocrisia que veiculam.
Principal
Sousa:
Para além da hipocrisia e da falta de valores éticos
que esta personagem transmite, o Principal Sousa simboliza também o arranjo
entre a Igreja, enquanto, enquanto instituição, e o poder e a demissão da
primeira relação à denúncia das verdadeiras injustiças. Nas palavras do
principal Sousa é igualmente possível detectar os fundamentos da política do
“orgulhosamente sós”dos anos 60.
Andrade Corvo
e Morais Sarmento : São os delatores
por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideias para
servirem obscuros propósitos patrióticos.
O espaço
O espaço
cénico – outras linguagens estéticas
O cenário assume, nesta peça, um valor fundamental e
integra a construção do sentido do texto, pelas conotações implícitas à sua
concepção. Os jogos de sombra/luz e a posição que as personagens cumprem em
palco constituem formas de enfatizar aspectos que se pretendem relevantes em
várias situações, ao longo da peça, e que servem a caracterização do espaço
social, revelando a dimensão ideológica da obra
O espaço
físico
É, por vezes, a partir das didascálias e das falas das
personagens que retiramos algumas ilações em relação aos espaços onde decorre a
acção. Assim surge um macro espaço – Lisboa -, a Baixa, o Rato, o campo de
Sant’Ana, a serra de Santo António e a zona do Tejo. Lisboa surge, pois, como o
centro e símbolo do país, a capital do reino, onde está instalado o governo e
onde se inicia a rebelião do povo contra a opressão: é deste espaço que emana a
voz da revolução e a conspiração inicia-se em Lisboa e só depois se alarga à
província.
O espaço
social
O clima de opressão, de pobreza, de revolta está
presente ao longo de toda a peça e é visível a intenção do autor, ao propor, à
maneira de Brecht, que assistamos, distantes, a episódios que fizeram a nossa
História e que merecem a nossa reflexão e a nossa análise crítica. E a
repressão fazia-se sentir a todos os níveis.
Paralelismo
entre o passado e as condições históricas do anos 60
Em “Felizmente há luar!” percebe-se, facilmente, que a
história serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60 do século XX.
Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa
durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que, anos
mais tarde, contribuiriam para a “revolução dos Cravos”, em 25 de Abril de
1974. Tal como a agitação e conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo
dos opressores, permitiu o triunfo do liberalismo em 1834, após uma guerra
civil, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante
ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.
A
ambiguidade do título
O título da peça de Sttau Monteiro reveste-se de um
sentido ambíguo marcado pela dupla simbologia do fogo, que remete
simultaneamente para a destruição e para a purificação, do luar que se liga à
morte mas também à vida e dos diferentes pontos de vista das personagens que
profere ma frase: ”felizmente há luar!”: D.Miguel e Matilde
As
didascálias
A peça é rica de marcações com referências concretas
(sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, desprezo, irritação –
normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo
– relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz,
movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o
silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, o sino k toca a rebate, um
murmúrio de vozes,...) e efeitos de luz (o contraste entre escuridão e luz: os
dois actos terminam em sombra, de acordo com o desenlace trágico). De realçar
que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que
vai num crescendo de intensidade ate ao cair do pano”) em oposição à luz
(“Desaparece o clarão da fogueira”), no entanto, a escuridão não é total porque
“felizmente há luar”. As didascálias funcionam na obra como:-Explicações do
autor -Referência à posição das personagens em cena-Indicações aos actores-Caracterização
do tom de voz das personagens e suas flexões-Indicação das pausas-Saída ou
entrada de personagens-Apresentação da dimensão interior das
personagens-Indicações sonoras ou ausência de som-Ilações que funcionam como
informações e como forma de caracterização das personagens-Sugestão do
aspecto-Exterior das personagens-Movimentação cénica das personagens-Expressão
fisionómica dos actores; linguagem gestual a que, por vezes, se acrescenta a
visão do autor -Expressão do estado de espírito das personagens
Os símbolos
A saia verde: a felicidade (a prenda comprada em Paris
– terra da liberdade -, no Inverno, com o dinheiro da venda das duas medalhas);
sendo um presente de Gomes Freire para a sua amada em “tempos de crise”,
simboliza a sua coragem, altruísmo e o seu amor e carinho por Matilde; ao
escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a
“alegria” do reencontro (“agora que se acabaram as batalhas, vem apertar-me
contra o peito”); o facto de ser verde remete para a esperança e é uma cor
tranquilizadora, refrescante e humana; O título/a luz/a noite/o luar: o título
surge por duas vezes, ao longo da peça, inserido nas falas das personagens: D.
Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre
todos os k discutem as ordens dos Governadores (“Lisboa há-de cheirar toda a
noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-lhes ficar na memória
durante muitos anos...Sempre k pensarem em discutir as nossas ordens,
lembra-se-ão do cheiro...” Logo de seguida afirma “é verdade que a execução se
prolongará pela noite mas felizmente há luar...”); esta primeira referência ao
título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo
expresso de garantir a eficácia da execução pública: a noite é mais assustadora,
as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as
pessoas à rua para assistirem ao castigo que se pretendia exemplar Na altura da execução, as últimas palavras de
Matilde são de estímulo para k o povo se revolte contra a tirania dos
governantes (“Olhem bem! Limpem os olhos no clarão (...)”)A luz, simbolicamente
está associada à vida, à saúde, à felicidade, enquanto a noite e as trevas se
associam ao mal, à infelicidade, ao castigo, à perdição e à morte. A lua,
simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do sol, e por
atravessar fases, mudando de forma, representa a dependência, a periodicidade e
a renovação. Assim, é símbolo de transformação e de crescimento. A lua é ainda considerada
como “o primeiro morto”, dado que durante três noites em cada ciclo lunar ela
está desaparecida, como morta, depois reaparece e vai crescendo em tamanha e em
luz... ao acreditar na vida para além da morte, o homem vê nela o símbolo desta
passagem da vida para a morte e da morte para a vida...Por isso, na peça,
nestes dois momentos em k se faz referência directa ao título, a expressão
“felizmente há luar” pode indiciar duas perspectivas de análise e de
posicionamento das personagens: A força das trevas, do obscurantismo, do
anti-humanismo e a utilização do lume (fonte de luz e calor) para “purificar a
sociedade” Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da
sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade. Assim, dado k
o luar permitirá k as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o
medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência, isso
significará: Para uns, que mais pessoas ficarão avisadas e o efeito dissuasor. Para
outros, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade...A
fogueira/o lume: assume um papel de fonte de esperança, de apelo para a mobilização
dos esforços do povo contra a opressão do regime, de luz que indica o caminho a
seguir; pode também ter um papel dissuasor, na medida em que impressiona e mete
medo aos menos convictos da causa liberal
Memorial do Convento
Contextualização
Memorial do Convento evoca a história Portuguesa do
reinado de D. João V, no séc. XVIII, procurando estabelecer um paralelo com as
situações políticas da actualidade. Relata essa época de luxo e de grandeza da
corte de Portugal que procura imitar a corte francesa de Luís XIV. O ouro
proveniente do Brasil permite a resolução de alguns problemas financeiros e
permite ao rei investir no luxo de palácios e igrejas.Com o objectivo de ultrapassar
a grandiosidade do “escorial de Madrid” e do palácio de Versalhes, e em acção
de graças pelo nascimento do seu filho, manda construir o convento de Mafra,
juntamente com um palácio e uma extraordinária basílica.
Romance
O Memorial do Convento é um romance histórico na
medida em que nos oferece uma minuciosa descrição da sociedade portuguesa do início
do séc. XVIII, marcada pela sumptuosidade da corte, associada à inquisição e
pela exploração dos operários. A referência à guerra da sucessão, em que Baltasar
se vê amputado da mão esquerda, a imponência brutal dos autos de fé, a
construção do convento, os esponsais da princesa Mª Barbara, a construção da
Passarola pelo Padre Bartolomeu de Gusmão confirmam a correspondência
aproximada ao que nessa época ocorre e conferem àobra a designação de romance
histórico. Apresenta-se como romance social porque se preocupa com a realidade
do operário oprimido. Nesta medida, afirma-se como romance social, uma vez que
retracta a história repressiva Portuguesa do séc. XX. O passado presentifica-se
pela intemporalidade de comportamentos, desejos e pela denúncia de situações de
opressão, repressão e censura no momento da escrita. Há uma tentativa de
encontrar um sentido para a história de uma época, que permite compreender o
tempo presente e recolher ensinamentos para o futuro.
Romance de espaço, porque representa uma época, interessando-se não só
por apresentar um momento histórico, mas também por apresentar vários quadros
sociais que permitem um melhor conhecimento do ser humano.
Dimensão
Simbólica/Histórica : Observa-se que em Memorial do Convento há uma intenção
de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir
utilizar a reinvenção da História como estratégica discursiva para olhar a
actualidade. A história torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o
presente, na perspectiva da denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de
lição para o futuro.
Estrutura
A estrutura de o Memorial do Convento apresenta duas
linhas condutoras de acção: a construção do convento de Mafra e a relação entre
Baltasar e Blimunda (que se interliga com a construção da Passarola).
Subjacente à acção principal estão os sentimentos: medo e engano. No desenrolar
do romance denota-se o medo de Blimunda ao ver sua mãe morta num auto de fé ou
enquanto o Padre Bartolomeu constrói a Passarola às escondidas com medo da
inquisição. O engano faz-se notar
principalmente com a atitude dos padres franciscanos que “chantagearam”
o rei dizendo-lhe que só teria herdeiros se construísse um convento. Na obra
são expostos, os excessos do rei ao “esbanjar” o ouro proveniente do Brasil em
luxos (daí o seu cognome Magnânimo) contrastando com as dificuldades do povo e
a crueldade dos autos de fé. É relatado impressionantemente as condições de trabalho
dos trabalhadores e todo o seu sofrimento (“...a diferença que há entre tijolo
e Homem é a diferença que se julga haver entre quinhentos e
quinhentos”).Paralelamente à acção principal está o amor que une Baltasar e
Blimunda. Amor este, verdadeiro, sentido e mútuo contrapondo-se ao de D. João e
D. M.ª Ana: um amor pouco leal (o rei tem filhos bastardos de uma madre e de
uma freira) e convencional. A construção do convento por sua vez, espelha bem o
tremendo sofrimento do povo, as mortes de que resultou a edificação do convento
e também a dessacralização matrimonial (separação das famílias). Saramago faz
aqui uma critica á igreja, uma vez que para servir a Deus não são precisos
mortes e sacrifícios. Critica também a brutalidade dos autos de fé – profano.
Por outro lado a construção da Passarola (sagrado) simboliza uma esperança de
fugir ao medo e obter liberdade (a arte e a escrita libertam-se da opressão do
poder). A construção é a partilha de um sonho do Padre Bartolomeu com Blimunda
e Baltasar e é com entusiasmo, cooperação e solidariedade que a Passarola é
construída, contrapondo-se à construção do convento
Tempo
As referências temporais são escassas, ou
apresentam-se por dedução. As analepses são pouco significativas. A data de
1711, tempo cronológico do início da acção, não surge explícita na obra, mas
facilmente se deduz.
Narração
Saramago rejeita a omnipotência do narrador, voz
crítica. A voz narrativa controla a acção, as motivações e pensamentos das
personagens, mas faz também as suas reflexões e juízos de valor. Os discursos facilmente
passam da história à ficção. (Segundo Sartre, estamos perante um narrador privilegiado, com poder de ubiquidade (está
dentro da consciência de cada personagem, mas também sabe o antes e o depois))
Carga
Simbólica
Sugere as memórias evocativas do passado + remete para
o mítico e misteriosoao lado da história da construção do convento, surge o
fantástico erudito e popular.
Personagens:
D. João V
– Rei de Portugal, rico e poderoso, preocupado com a
falta de descendentes, promete levantar convento em Mafra se tiver filhos da
rainha. Orgulhoso, vaidoso, prepotente, absoluto
D. Maria Ana Josefa - devota, humilde, passiva, submissa, infeliz, sente
culpa pelos sonhos com o cunhado.
Baltasar Sete-Sóis – maneta, chega a Lisboa como pedinte, conhece Blimunda, ajuda na
construção da passarola, morre num auto-de-fé.
Blimunda Sete-Luas – capacidades
de vidente, vê entranhas e vontades, ajuda na construção da passarola, partilha
a sua vida com Baltasar, o seu poder permite curar ou criar. Saramago consegue
dotá-la de forças latentes e extraordinárias, que permitem ao povo a
sobrevivência, mesmo quando as forças da repressão atingem requintes de
sadismo. Intuitiva, extraordinária compreensão e força interior, personagem
invulgar. É possuidora de um do m fantástico: vê dentro das pessoas e através
de determinadas substâncias. É possuidora de um pensamento rigoroso e
inteligente. Tem uma linguagem profética. Tem um código de valores não comuns.
Tem iniciativa, segurança e superioridade moral; muitas vezes fala com
autoridade e de modo sacudido. Nunca foi muito religiosa e, à medida que a
história vai avançando vai se tornando progressivamente paganista. A pouco e
pouco vai deixando de praticar os actos religiosos e só Bartolomeu a coloca na
ordem do sobrenatural pelos poderes que possui. Ama o Baltasar com um amor
incondicional, puro, espontâneo, natural, numa comunhão total de corpos e almas
(amor verdadeiro).
Padre Bartolomeu de Gusmão – evita
a Inquisição devido à amizade com o Rei, apoiado por Baltasar, Blimunda e
Scarlatti, morre em Toledo. Personagem complexa, algo controversa, angustiada,
em conflito. O facto de ser investigador e sonhador pode ajudar a compreender a
sua evolução espiritual. Desde o seu aparecimento que apresenta alguma
duplicidade ao nível da linguagem é representante do pensamento livre, moderno,
com os seus sonhos, as usas fraquezas e, por isso mesmo, muito humano.
O Povo – construiu o convento em Mafra, à custa de muitos
sacrifícios e até mesmo algumas mortes. Definido pelo seu trabalho e miséria
física e moral, surge como o verdadeiro obreiro da realização do sonho de D.
João V