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domingo, 1 de fevereiro de 2009

D.Duarte

Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.



D.Pedro, o Regente

Claro em pensar, e claro no sentir,
é claro no querer;
indifferente ao que há em conseguir
que seja só obter;
duplice dono, sem me dividir,
de dever e de ser-

não me podia a Sorte dar guarida
por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
calmo sob mudos céus,
fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!

D.João, Infante de Portugal

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
entre tam grandes almas minhas pares,
inutilmente eleita,
virgemmente parada;

porque é do portuguez, pae de amplos mares,
querer, poder só isto:
o inteiro mar, ou a orla vã desfeita-
o todo, ou o seu nada.

Comentários:
D.Duarte Rei de Portugal: "A regra de ser Rei almou meu ser"- A disciplina de ser rei encheu a minha vida (isto é, como D.Duarte viveu o fim do seu curto reinado no remorso das consequências da falhada expedição a Tânger e da prisão do irmão Fernando não tinha prazer na vida, dedicando-se inteiramente ao dever da governação). Esse remorso é a razão da frase do poema: "firme em minha tristeza".
D.Pedro Regente de Portugal: "indiferente ao que há em conseguir que seja só obter"- não fui movido pelo desejo de posse; não fui ambicioso de bens materiais.
"Dúplice dono, sem me dividir, de dever e de ser"- eu e o meu dever fomos um só.
D.João Infante de Portugal- "Minha alma estava estreita entre tão grandes almas...etc"- os meus irmãos (o Infante D.Henrique, o Rei D.Duarte, o Infante D.Pedro, e o Infante D.Fernando) tiveram tal grandeza que me ofuscaram completamente.
"virginalmente parada"- sem actividade; virgem de acção (esta afirmação é inexacta em relação ao Infante D.João que foi um homem de mérito e de préstimo para o País. Aliás, qualquer comparação com um homem de estatura mundial como o Infante D.Henrique só pode resultar injusta para o comparado!).
"é do português querer só isto: o inteiro mar ou a orla vã desfeita"- para um português não há meios termos: ou tudo ou nada (por isso, como não fui tudo, então eu não fui nada!).
"a orla vã desfeita"- a cercadura do mar; a espuma das ondas que se desfazem futilmente na costa.
NOTA: Para os que queiram saber mais sobre D.Duarte sugiro ESTA página.
Sobre D.Pedro sugiro ESTA página excepcional que mostra como o infante, apesar da sua morte trágica e inútil na batalha de Alfarrobeira (que inspirou a ilustração a esta página) teve uma vida verdadeiramente extraordinária e um papel importante no início das Descobertas.
Sobre o Infante D.João Sugiro ESTA página, notando apenas uma correcção: o ano da sua morte foi 1442 e não 1422 como refere a página aconselhada na versão que existia à data em que preparei esta página.

O dos Castelos - Mensagem

A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquelle diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.

Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.



O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada. Compare-se com um trecho d' Os Lusiadas de que a parte referente a Portugal pode ser lida (com comentários meus) seguindo este "link", ou a totalidade (a partir da Estância 6) este outro. O campo dos castelos representa a materialidade (ver "O das Quinas").
"olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa que Pessoa remontava à Grécia Antiga.
"olhar esfíngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas) pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia original o que permite, também, conservar a métrica que seria alterada pela grafia "esfíngico" em vez de "sphyngico". Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões de estilo mas também de elitismo.
"o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou, através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o futuro a haver).
NOTA: sobre este poema leia-se o comentário de Soares Feitosa que se segue e que pode ser lido na sua integralidade no Jornal da Poesia:
" O leitor já tem todo o direito de ir dizendo: "Também, com Pessoa, é moleza...". Nada disso. Só neste poema, de tudo o que li de Pessoa, há o abismo-absoluto-e-inesperado — hifenizei: abismo-absoluto-e-inesperado. A mesma angústia da falta de tempo do Anjo sobre as águas... Em análise: Trata-se de um poema “geográfico”, mero comparatório do mapa físico da Europa com a efígie de uma pessoa. A Europa jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando, E toldam-lhe romanticos cabellos Olhos gregos, lembrando. Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. O cotovello esquerdo é recuado; O direito é em angulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se appoia o rosto. Ainda sem maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema bobo. Confira no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra seriam os cotovelos de uma jovem. Fita, com olhar sphyngico e fatal, Occidente, futuro do passado. Aqui a coisa já começa a “complicar”. Anunciam-se borrascas e temporais: Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado. Mas, finalmente, mas: O rosto com que fita é Portugal. Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do mesmo Pessoa, contidos nesta frase perfeita: O rosto com que fita é Portugal.! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno preparatório (Batista, às margens do Jordão, batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde fitar não é simplesmente sinônimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!".

Mensagem por Fernando Pessoa (Introdução e Brasão)


ilustrada por Carlos Alberto Santos , anotada por João Manuel Mimoso

Mensagem é um Poema constituído por 44 poemas independentes que foram inseridos numa espécie de esqueleto que deu coerência ao conjunto. Este esqueleto está dividido em três partes (Brasão, Mar Português e O Encoberto que tratei individualmente em textos introdutórios) e a coerência é dada, não pelos poemas propriamente ditos, mas antes pelos seus nomes e pelos títulos e subtítulos das partes em que se inserem. Esta é uma solução deveras inovadora!! Para evitar confusões, quando falar do Poema (com maiúscula) estarei a referir Mensagem; se falar de poema (com minúscula) referir-me-ei a qualquer dos 44 poemas que constituem o Poema.

.Mensagem foi publicada em livro no dia 1 de Dezembro de 1934, em vida de Fernando Pessoa, mas em condições muito particulares que influenciaram a sua composição: destinava-se a participar num concurso com regras rígidas em relação ao prazo e número de páginas. Das três partes do Poema a segunda "Mar Português" já existia como um conjunto e é evidente a sua homogeneidade e a constância da qualidade da generalidade dos poemas; as duas restantes foram fabricadas a partir de poemas soltos. Destes, pelo menos quatro dos dezanove poemas da primeira parte (Brasão) foram escritos no próprio ano da publicação (as datas dos poemas, quando conhecidas, estão indicadas no índice) enquanto que pelo menos sete dos treze da terceira parte (O Encoberto) foram escritos em 1933 ou 1934. Talvez por ter sido mais apressadamente preparada, esta é a "menos boa" (todas são boas!!) do conjunto. Segundo as regras do concurso o livro teria que ter pelo menos cem páginas que foram conseguidas com muita dificuldade à custa dos 44 poemas e das páginas interpostas entre eles (artifício que, aliás, o júri não aceitou). Daqui resultaram enxertos de poemas soltos, anteriores, num conjunto para o qual não teriam sido pensados (pelo menos na posição que vieram a ocupar), duplicações e acrescentos. Quer isto dizer que Fernando Pessoa teve que construir de forma relativamente rápida um Poema que, provavelmente, teria sido diferente se as circunstâncias o não tivessem pressionado.

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Os Lusíadas foi escrito ainda no apogeu da expansão portuguesa (na sua fase final, que hoje sabemos ser já irremediavelmente decadente mas que, na época, não seria necessariamente apercebido como tal) glorificando o esforço da Raça e apontando para uma ainda maior predominância futura. Quando a si próprio se pôs como desafio produzir um Poema de grandeza semelhante (se possível superior), Pessoa vivia num Portugal descolorido e atrasado, sem nada que o recomendasse excepto a criatividade dos seus literatos. Há duas caracteristicas de Fernando Pessoa que importa notar: por um lado amava apaixonadamente a Pátria, de uma maneira que hoje, na Europa onde as nacionalidades se diluem, nos é difícil compreender; por outro era um lógico obsessivo cujas tentativas "científicas" de racionalizar o irracionalizável impressionam e, às vezes, divertem pela candura que demonstram.
Posto perante a inelutável equação do seu tempo, parece ter racionalizado a situação da seguinte maneira: o Universo teve uma causa que o contém, um Criador a que podemos convenientemente chamar "Deus"; se Deus contém em si o Universo então também contém toda a História, que deve ter determinado desde o início (a esta determinação chama-se "Destino"); alguns homens conseguem por vezes entrever o futuro porque ele já está estabelecido; um destes homens foi o Bandarra que profetizou nas suas "Trovas" (pensava o Padre António Vieira e com ele Fernando Pessoa, embora reconhecendo-lhes uma autoria múltipla) a hegemonia portuguesa numa época futura; o único trunfo de que Portugal dispunha era a cultura duma elite e, particularmente, um génio poético desproporcionado à sua população; logo a hegemonia terá uma base cultural e será alcançada através de uma poesia tão superior que inspire os homens à fruição da beleza em paz e concórdia...
Este será o Quinto Império, uma época de união e paz universais sem limite final no tempo. Se Portugal está predestinado, então terá que produzir um grande poeta (a que Pessoa chamava super-Camões referindo-se, presumivelmente, a si próprio) e um grande lider que inspirem e conduzam todo o Mundo à união cultural que marcará o advento do Quinto Império. Esse lider é convenientemente chamado de "O Desejado", "O Encoberto" ou "D.Sebastião", uma designação que Pessoa valorizava por pensar ser mais fácil passar a ideia de um mito já estabelecido do que criar um inteiramente novo. Na prática é uma esperança semelhante à do Grand Roi da mitologia francesa, que seria o Carlos Magno do futuro.
A insistência de Fernando Pessoa na figura de D.Sebastião não significa realmente que esperasse ver o espírito do rei morto reencarnar para conduzir o País à glória. Até porque a história nos ensina (e Pessoa sabê-lo-ia melhor do que eu) que D.Sebastião tinha muito pouco que o recomendasse. Só me ocorre uma coisa: soube morrer bem! Quando o nome do rei morto em Alcácer Quibir ocorre nos poemas, ou se trata de uma passagem histórica e, portanto, literal, ou então deve subentender-se que Pessoa se refere Àquele que há-de guiar Portugal e o Mundo ao Quinto Império.

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Introdução a BRASÃO

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A primeira parte de Mensagem é curiosíssima na ideia que a estruturou: considera uma versão do brasão real português utilizado no século XV e a cada uma das suas partes relevantes associa um poema relativo a Portugal. O Brasão tem dois campos: o escudo central que é o campo dos cinco escudetes azuis com besantes brancos a que chamamos "quinas", e a bordadura periférica que é o campo dos castelos (ver a figura abaixo). Cada um destes campos inspirou um poema adequado: "O dos Castelos" refere-se à terra (ou mais genericamente à materialidade) e consiste numa descrição geográfica da Europa e da posição de Portugal nela; "O das Quinas" ( segundo a lenda as quinas representariam as cinco chagas de Cristo) refere-se à divindade, ao Deus Cristão cuja religião se entrelaça indissociavelmente com a história de Portugal e ao sacrifício da felicidade à obrigação para com a História (genericamente representa, assim, os valores espirituais). Nenhum dos campos é explicitamente dedicado ao povo português: Mensagem é um poema sobre elites (e, creio, também para elites).
Aos poemas relativos aos Campos, segue-se um conjunto de poemas chamado "Os Castelos". A cada um dos sete castelos do brasão associa-se um herói (incluindo o mítico Ulisses) ou um monarca que pela sua acção tenha moldado a História de Portugal de uma maneira materialmente relevante.
Segue-se, em "As Quinas", um conjunto de cinco poemas dedicados a figuras portuguesas que, por uma razão ou por outra, foram vítimas da engrenagem implacável da História, e dela sofreram as consequências (tais como o Infante Santo ou D.Sebastião). Num caso realça-se o triunfo da espiritualidade ("D.Fernando Infante de Portugal"), mas o tema comum é a infelicidade terrena.

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Uma parte individual, chamada "A Coroa", distingue com um belo poema o cavaleiro que combinou em si as qualidades de comando do Rei Artur, a bravura de Sir Lancelote e a piedade pura de Sir Galahad: Nuno Álvares Pereira.
Finalmente "O Timbre" (que no sécXV era uma espécie de dragão conhecido na Mitologia como grifo) justifica três poemas referidos aos três alicerces da política de expansão portuguesa: o Infante D.Henrique que a iniciou, D.João II que apontou a meta das Índias e traçou o futuro de Portugal, e Afonso de Albuquerque que foi o arquitecto e o braço do Império Português do Oriente.

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Cada uma das partes do Poema inclui uma divisa ou epígrafe em latim e que em "Brasão" é: BELLUM SINE BELLO (literalmente "Guerra sem a guerra") que eu, não sendo latinista, traduziria por "Guerra sem combate". Este parece ser, pois, o mote que Fernando Pessoa associaria a Portugal através da lição da sua história e, como tal, merece-me um curto comentário, sobretudo porque, de certa maneira, me recordou o Fado Tropical do Chico Buarque (e do Ruy Guerra) em que ele diz pela boca de um português-brasileiro da época dos holandeses: "Meu coração tem um sereno jeito e as minhas mãos o golpe duro e presto, de tal maneira que depois de feito, desencontrado eu mesmo me contesto. Se trago as mãos distantes do meu peito é que há distância entre a intenção e o gesto...". BELLUM SINE BELLO é um ideal português de paz a que hoje se convencionou chamar "brandos costumes". "Guerra sem combate" é o poder associado à recusa consciente da violência, recusa essa que enobrece o poder. A divisa poderia igualmente ser "A Paz dos fortes" embora, claro, lhe faltasse então a subtileza da epígrafe escolhida por Fernando Pessoa!
Uma outra explicação da epígrafe (que imaginei não porque me pareça provável mas apenas para exemplificar as dúvidas que se deparam a quem tenta interpretar alegorias alheias) poder-se-ia basear na tradução alternativa "Guerra sem armas". Neste caso a divisa representaria um ideal de conquista espiritual e humana (pela difusão da cultura portuguesa e não apenas da religião) que foi no passado um importante vector da expansão portuguesa e seria no futuro, presumivelmente, a via para o Quinto Império. A cultura é, afinal, o único remanescente da colonização que não é efémero...

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Brasão inclui 19 poemas, muitos dos quais verdadeiramente extraordinários. Todos valem a pena ler! Eis alguns dos meus favoritos, com links directos para as respectivas páginas, bem como uma selecção de grandes versos e frases escolhidas que ofereço à vossa atenção:
"O dos Castelos" é um dos melhores poemas do conjunto. É nele que o poeta diz que A Europa fita com olhar esfíngico e fatal o Ocidente- o rosto com que fita é Portugal!
De "O das Quinas" (lembre-se que o nome refere O Campo das Quinas no brasão português) pode não se gostar à primeira, mas aconselho a leitura até se mudar de opinião. É nele que Pessoa escreve: Os Deuses vendem quando dão: compra-se a glória com desgraça. e também o verso maravilhoso: Foi com desgraça e com vileza que Deus ao Cristo definiu: assim o opôs à natureza, e Filho o ungiu.
Em "Ulisses" escreve Pessoa uma frase famosa: O mito é o nada que é tudo.
"D.Tareja" tem uma singular beleza. É neste poema que se encontra o verso: As nações todas são mistérios, cada uma é todo o mundo a sós. Ó mãe de reis e avó de impérios, vela por nós!
"D.Dinis" é uma sucessão de grandes versos (tantos que para os citar necessitaria uma transcrição integral do poema!) sugerindo imagens dos pinhais plantados pelo rei-lavrador e da sua contrapartida futura nas caravelas da Descoberta.
Em "D.João, O Primeiro" diz Pessoa: O homem e a Hora são um só quando Deus faz e a História é feita.
"D.Fernando, Infante de Portugal" (também conhecido como "Gládio") é, para mim, o melhor poema de Brasão e um dos melhores de Mensagem. IMPERDÍVEL!!
Finalmente em "O Infante D.Henrique" Pessoa precisa apenas de cinco versos para demonstrar, quase com desdém, a sua extraordinária craveira.

Pode-se ver na visão de Mensagem uma estranha beleza, bem como uma inegável grandiosidade. Mas não pode ser ocultado que essa visão é também decadente já que, ao dizer que o futuro nos está traçado em grandeza, desincentiva o esforço que poderia levar a essa meta. Não se trata do tradicional efeito de uma "self-fulfilling prophecy" (que pode realmente ter ocorrido no caso das Trovas do Bandarra em relação à Restauração) mas de um convite à inacção porque nos bastaria esperar pelos Tempos e ter fé no Destino! Mas este meu ensaio é sobre beleza e não sobre decadência, por isso passemos a examinar as grandes linhas do Poema.

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As duas primeiras partes de Mensagem percorrem a história de Portugal através de personalidades (quer heróis, quer pessoas-chave que, mesmo sem saber, tiveram consequência no futuro do País, quer ainda e até alguns anti-heróis), mitos e sinopses históricas. A Primeira Parte, chamada Brasão, propõe um extraordinário tour-de-force ao percorrer os campos, peças e figuras de um brasão real do tipo do utilizado por D.Joao II associando, a cada, um traço marcante ou uma personalidade relevante da nossa história. A Segunda, chamada Mar Português, aborda a Idade das Descobertas que foi a época individualizante da história portuguesa. No penúltimo poema do ciclo (A Última Nau) a época de ouro é encerrada com o desaparecimento de D.Sebastião e o poeta como que desperta de um sonho transportando subitamente o leitor à sua actualidade e confiando-lhe os seus pensamentos. Mas esses pensamentos são uma janela para um futuro em que O Desejado regressa para retomar o caminho interrompido para o Império Universal. No último poema (Prece) Pessoa invoca a intercessão de Deus para reacender a Alma Lusitana para que de novo "conquiste a Distância".
A Terceira Parte de Mensagem, O Encoberto, é quase inesperada e totalmente extraordinária: Fernando Pessoa retoma o tema só indiciado em "A Última Nau" e precisa o que entende pela "Distância" que haveremos de conquistar. Trata-se do advento do Quinto Império do Mundo, um império de cultura, paz e harmonia entre os povos que será liderado por um português- O Encoberto, O Desejado, o Rei ou D.Sebastião, como é indistintamente chamado. Nesta Parte vai intercruzar profecias, mitos antigos, símbolos de vária origem, e factos históricos sempre orientado por três vectores básicos: Portugal que dorme e que tem que despertar; o Quinto Império que há-de seguramente ser estabelecido mas que depende desse despertar; e O Desejado que realizará a visão do poeta.
Apesar de publicado numa época em que uma revisão ortográfica tinha já imposto um padrão muito semelhante ao que ainda hoje utilizamos, Fernando Pessoa optou por utilizar em Mensagem uma ortografia arcaica. Por isso, essa ortografia é parte do Poema ( e, de facto, está-lhe de tal maneira associada que choca ler "Mar Português" em vez do clássico "Mar Portuguez") e nos textos que transcrevi optei pela fidelidade à intenção do poeta, utilizando a ortografia em que ele quis que Mensagem fosse lido.
Antes de passar à apresentação detalhada de cada parte de Mensagem, deixo-vos com um pensamento: sugere a lógica e comprova a história recente que uma agregação pacífica de estados baseada no entendimento terá necessariamente que advir dentro de alguns séculos, quando a tecnologia tal como a conhecemos já for irrelevante, a menos que a Humanidade sofra um retrocesso. Os grandes passos em frente são em geral fruto da influência de alguém extraordinário, com uma visão revolucionária e a capacidade de a levar à prática. Dentro de alguns séculos, quem sabe, talvez o encoberto se descubra e seja mesmo português (ou portuguesa). Afinal, como diz Pessoa, "Deus guarda o corpo e a forma do futuro"!

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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

estrutura de A Mensagem de Fernando Pessoa

Mensagem, a epopeia lírica

A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.
A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

A estrutura da obra
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…
É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.

Mensagem de Fernando Pessoa

Carácter épico-lírico
• A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.
O mito• As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo
• A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual• É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.


A estrutura• A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.

Mensagem (Resumido)
1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”
Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.
2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”
Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O mostrengo”, “Mar Português”.
3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”
Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

A Mensagem de Fernando Pessoa


Mensagem, uma aventura espiritual da Pátria

È com a obra Mensagem, que Fernando Pessoa adquire o grau de “Criador de Mitos”.
O poeta expressa poeticamente os mitos que os Descobrimentos tinham revelado como acção: “O mito é o nada que é tudo”. Através de uma formulação simbólica e mitológica, a Mensagem contem uma concepção que passa para além da História, uma realidade que passa para além das coordenadas do tempo. Transcreve-se a história de uma Nação de uma forma transfigurada. As personagens históricas transformam-se em mitos transformando-se numa outra realidade. Trata-se, pois, de um conjunto de antepassados que abrem caminho à realização de um ser colectivo. A obra pode ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, não possuirá a continuidade do relato histórico. A acção dos heróis só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Sò terão direito à imortalidade aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos.
A estrutura da Mensagem , sendo a de um Mito, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte dum mundo; à morte seguir-se-á um renascimento no sentido cósmico. Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria; as mães que estão na origem das dinastias cantadas como “antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do Império”; os heróis navegantes que percorrem o mar em busca do caminho da imortalidade; os profetas, vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, todos estão presentes à espera que nasça o Quinto Império.
Fernando Pessoa vê os Descobrimentos como uma aventura iniciática. Toda a Mensagem aparece a partir desta intuição, motivações vindas dum consciente intangível. A obra surge assim como um dever, missão terrestre que, estando para além do homem,lhe concede por este caminho a sua verdadeira personalidade. Empossados de uma missão que os ultrapassa, surgem sempre esses construtores e heróis da nação, tal como o argonauta que faz frente e riposta ao Mostrengo:
“Aqui, ao leme, sou mais do que eu
Sou um povo que quer o mar que é teu”