O rei D. João V mandou erguer um
convento em Mafra, o Padre Bartolomeu sonha com máquinas voadoras, Blimunda e
Baltazar apaixonam-se enquanto a Inquisição faz autos de fé e o povo,
empobrecido, vive faminto. Este é um resumo do enredo de "Memorial do
Convento", uma das obras mais importante de José Saramago.
O “Memorial do Convento” foi publicado em 1982. Nele, José Saramago
cruza a História, a ficção e o fantástico, com personagens inventadas e
figuras históricas de carácter exagerado ou excêntrico como o rei
D.João V, sua consorte a princesa austríaca D. Josefa ou o Padre Bartolomeu de
Gusmão. a quem foi atribuída a invenção da passarola.
D. João V promete a Deus e à Igreja a
construção de um convento caso tenha um filho com D. Josefa. A rainha
engravida e o Convento é construído por vontade do rei, sacrificando o tesouro
do reino e o povo.
Do povo vêm os dois personagens centrais
do “Memorial do Convento”: Baltazar, um ex-militar que perdeu
uma mão na guerra, e Blimunda, que vê o interior das pessoas quando está em
jejum. Conhecem-se num julgamento da Santa Igreja onde,
normalmente, os hereges eram condenados ao degredo ou à fogueira. Os dois formam um dos pares mais extraordinários da literatura
portuguesa, e vivem uma história de amor imediato e sem reservas.
Apaixonados, vivem marginais às leis de
Deus, pois não são casados. Mesmo assim, são abençoados por um homem da Igreja: o
padre Bartolomeu de Gusmão, brasileiro com uma educação jesuíta, mas
liberto de convenções. Sonhador, pretende criar uma máquina voadora e
encontra em Blimunda e Baltazar, eco para os seus sonhos.
O final do romance é trágico, como trágica foi a vida do povo anónimo,
oprimido pelo capricho do rei, pela Igreja, numa época em que a fogueira era o
castigo por decreto divino, mas fundamentalmente, por vontade dos homens.
A ação deste romance publicado pela
primeira vez em 1982, desenvolve-se no Portugal de D. João V, em pleno
barroco e sob a égide do Santo Ofício. O livro abre com a história deste rei
que tenta com vigor fecundar a rainha que não ama porque precisa de um
herdeiro. A narrativa depressa troca o mundo da nobreza pelas tragédias reais
do povo. No meio da multidão, escolhe um homem que perdeu uma mão na Guerra de
Sucessão, e uma mulher que tem o dom miraculoso de ver o que não se vê.
Resumo
Capítulo I
Já há dois anos que D. João V está casado com D. Maria e até agora ela
ainda não engravidou. A rainha reza novenas e, duas vezes por semana, recebe o
rei nos seus aposentos. Quando ambos se casaram, o rei dormia com a rainha
todos os dias, mas devido ao cobertor de penas que ela trouxe da Áustria e
porque com o passar do tempo, os odores de ambos faziam com que o cobertor
ficasse com um cheiro insuportável, o rei deixou de dormir com a rainha.
El-rei está a montar em puzzle a Basílica de S. Pedro de Roma para se
distrair e porque gosta. Mas a rainha está á espera do rei para que ele cumpra
o seu dever conjugal. E para os aposentos da rainha o rei se dirige, mas
entretanto chegou ao castelo D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor, e traz consigo
um franciscano velho. Afirma o bispo que o frei António de S. José assegurou
que se o rei se dignasse a construir um convento em Mafra, teria descendência.
Enquanto isso, a rainha conversa com a marquesa de Unhão, rezam jaculatórias e
proferem nomes de santos.
Após a saída do bispo e do frei, o rei anuncia-se e, consumado o acto, D.
Maria tem que "guardar o choco", a conselho dos médicos e murmura
orações, pedindo ao menos um filho que seja. D. Maria sonha com o infante D.
Francisco, seu cunhado e dorme em paz, adormecida, invisível sob a montanha de
penas, enquanto os percevejos começam a sair das fendas, dos refegos, e se
deixam cair do alto dossel, assim tornando mais rápida a viagem. D João também
sonhará esta noite, nos seus aposentos. Sonhará com o filho que poderá advir da
promessa da construção do convento de Mafra.
Capítulo II
Se a concepção da rainha ocorresse, seria vista como mais um entre os
vários milagres tradicionalmente relacionados à ordem de São Francisco. Diz-se,
por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto,
conservara o seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande
quantidade de devotos para a sua igreja. Noutra ocasião, a imagem de Santo
António, que vigiava uma igreja franciscana, locomovera-se até à janela, onde
ladrões tentavam entrar, pregando-lhes assim um grande susto. Este caíra ao
chão, tendo sido socorrido por fiéis, onde acabou por se recuperar. Outro caso,
é o do furto de três lâmpadas de prata do convento de S. Francisco de Xabregas
no qual entraram gatunos pela clarabóia e, passando junto à capela de Santo
António, nada ali roubaram. Entrando na igreja, os frades deram com ele às
escuras, e verificaram que não era o azeite que faltava, mas as lâmpadas que
haviam sido levadas; os religiosos ainda puderam ver as correntes de onde
pendiam as lâmpadas se balançando e saíram em patrulhas pelas estradas, atrás
dos ladrões. E então, desconfiados de que os ladrões pudessem estar ainda
escondidos na igreja, deram a volta, percorreram-na e só então, viram que no
altar de Santo António, rico em prata, nada havia sido mexido. O frade,
inflamado pelo zelo, culpou Santo António por ter deixado ali passar alguém,
sem que nada lhe tirasse, e ir roubar ao altar-mor: O frade deixou que o Menino
"como fiador", até que o santo se dignasse a devolver as lâmpadas.
Dormiram os frades, alguns temerosos que o santo se desforrasse do insulto...
Na manhã seguinte, apareceu na portaria do convento um estudante que, querendo
falar ao prelado (bispo), revelou estarem as lâmpadas no Mosteiro da Cotovia,
dos padres da Companhia de Jesus. Desta forma, faz-nos desconfiar que o tal
estudante, apesar de querer ser padre, fora o autor do furto e que,
arrependido, deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem de as devolver
pessoalmente. Voltaram as lâmpadas a S. Francisco de Xabregas, e o responsável
não foi descoberto.
De referir, que o narrador volta ao caso do frei António de S. José, e faz-nos
de novo desconfiar de que o frei, através do confessor de D. Maria Ana, tinha
sabido da gravidez da rainha muito antes do rei.
Capítulo III
Passado o "Entrudo", como de costume, durante a Quaresma as ruas
encheram-se de gente que fazia cada uma as suas penitências. Segundo a
tradição, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as
igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até
mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos. Porém, D. Maria Ana não
podia gozar dessas liberdades pois, além de ser rainha, agora estava grávida.
Assim, tendo ido para a cama cedo, consolou-se em sonhar outra vez com D.
Francisco, seu cunhado. Passada a Quaresma, todas as mulheres retornaram para a
reclusão das suas casas.
Capítulo IV
Baltasar regressa a Lisboa, vindo da guerra, onde perdeu a mão esquerda numa
batalha contra Espanha, para decidir a quem pertencia o trono espanhol. Ao
voltar a Lisboa traz consigo os ferros que mandara fazer para substituir a mão
que perdera na guerra. A caminho de Lisboa Baltasar mata um homem de dois que o
tentaram assaltar. Não sabia se ficaria em Lisboa ou se seguiria para Mafra
onde estavam os seus pais, enquanto não se decide vagueia pelas ruas da
capital, onde conhece João Elvas, que também fora soldado, com quem passa a
noite junto de outros mendigos num telheiro abandonado. Antes de dormirem todos
contaram histórias de assassinatos e mortes que ocorreram na cidade, as quais
compararam com mortes que alguns presenciaram na guerra.
Capítulo V
D. Maria Ana está de luto pela morte do seu irmão José, imperador da
Áustria. Apesar de o rei ter declarado luto, a cidade está alegre, pois vai
haver um auto-de-fé. É domingo e os moradores gostam de ver as torturas
impostas aos condenados. O rei não irá participar na festa mas jantará na
inquisição juntamente com os irmãos, infantes e a rainha. Mesa recheada de
comida, o rei não bebe, dando o exemplo.
Nas ruas o povo furioso grita impropérios aos condenados e as mulheres nas
varandas guincham dizendo que a procissão é uma serpente enorme. Entre este mar
de gente encontra-se Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda, procurando sua
filha. Sebastiana imaginava que Blimunda estaria também condenada a degredo.
Acaba por ver a filha entre as pessoas que acompanham o auto, mas sabe que ela
não poderá falar-lhe, sob pena de condenação. Blimunda acompanha o padre
Bartolomeu Lourenço. Perto dela está um homem, Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, a
quem ela se dirige e cujo nome procura saber. Voltando a sua casa, Blimunda
leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém conhecido também
possa entrar. Jantaram... Antes de sair o padre deitou a bênção em tudo o que
cercava o casal. Blimunda convida Baltasar para que fique morando na sua casa,
pelo menos até que ele tivesse que voltar a Mafra. Deitaram-se, Blimunda era
virgem e entrega-se a ele. Com o sangue escorrido ela desenhou uma cruz no
peito de Baltasar. No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, sem abrir os olhos,
come um pedaço de pão e promete a Baltasar que nunca o olharia "por
dentro".
Capítulo VI
Este capítulo começa com Baltasar Sete-Sóis a realçar a importância do pão
para os portugueses e o facto dos estrangeiros que vivem em Portugal estarem
fartos de comer pão. Assim eles produziram e trouxeram dos seus países os seus
alimentos e vendiam-nos muito mais caros sendo difícil aos portugueses
comprarem-nos. Depois Baltasar conta a história caricata de uma frota francesa;
quando ela chegou a Portugal, os portugueses pensavam que vinha invadir o nosso
país, afinal tratava-se de um carregamento de bacalhau.
No decorrer do capítulo Baltasar fala com o padre Bartolomeu Lourenço,
Bartolomeu diz sonhar que um dia conseguirá voar e disse a Baltasar que o Homem
primeiro tropeça, depois anda, depois corre e um dia voará. Baltasar dá a sua
opinião argumentando que para o homem voar terá que nascer com asas. O padre
Bartolomeu alerta Baltasar para o facto de ser um pecado ele dormir com
Blimunda sem serem casados. Depois Baltasar e Bartolomeu vão para S. Sebastião
da Pedreira para verem a máquina que Bartolomeu inventou para um dia poder voar
e à qual chamou passarola. Quando chegaram, Bartolomeu mostrou o desenho da
passarola a Baltasar explicando-lhe como é que tencionava fazê-Ia voar. Após a
explicação, Bartolomeu pede-lhe para o ajudar na construção da passarola.
Inicialmente Baltasar mostra-se receoso em aceitar a proposta, mas depois de
Bartolomeu dizer que o facto de Baltasar ser maneta não tem importância, então
este aceita o desafio.
Capítulo VII
No início deste capítulo a falta de dinheiro é o grande obstáculo que
Baltasar tem de ultrapassar para começar a construção da passarola. Então
Baltasar começa a trabalhar para ganhar o dinheiro necessário para poderem
realizar o seu sonho, fazer a passarola voar.
No decorrer deste capítulo o narrador relata os assaltos que os portugueses
sofreram durante as suas viagens marítimas. Fala também sobre a gravidez de D.
Maria Ana que teve uma menina, embora D. João quisesse um rapaz; mas o mais
importante é que a menina nasceu saudável. Na altura do nascimento a seca que
durava há oito meses acabou, vindo assim muita chuva. Mais à frente o narrador
narra o baptizado da princesa, a quem chamaram Maria Xavier Francisca Leonor
Bárbara e no fim deste capítulo anuncia a morte de Frei António de S. José.
Capítulo VIII
Baltasar e Blimunda estão a dormir na sua cama. Entretanto Blimunda acorda,
e estende a mão para o saquitel onde costuma guardar o pão, mas apenas acha o
lugar; então procura por baixo do travesseiro e no chão, no entanto Baltasar
diz-lhe para não procurar mais, porque não irá encontrar o pão. Blimunda com os
olhos fechados, tapando-os com as mãos, implora a Baltasar para que lhe de o
pão, mas este só lhe dará o pão depois de Blimunda lhe contar que segredos
esconde. Esta tenta sair da cama mas Baltasar não deixa, e acaba por haver um
conflito entre eles e ele acaba por lhe dar o pão. Passados uns breves momentos
após Blimunda ter comido o pão virou-se para Baltasar e diz-lhe: "Eu posso
ver as pessoas por dentro, mas só o faço quando estou em jejum e promete nunca
ver Baltasar por dentro. Ele não acredita. Então ela diz a Baltasar que lhe irá
provar, que no dia seguinte quando acordassem iriam os dois à rua e ele iria
atrás para que Blimunda não o pudesse ver, e Blimunda iria à frente de olhos
fechados e que lhe diria o que veria por dentro das pessoas, o que estaria no
interior da terra, por baixo da pele e até por baixo das roupas, mas tudo isto
acabaria quando o quarto da lua mudasse. E assim foi... Entretanto nasceu o
infante D. Pedro, segundo filho dos reis D. João e D. Maria Ana Josefa.
Capítulo IX
Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do Duque de Aveiro, em S.
Sebastião da Pedreira, para trabalhar na construção da máquina de voar do Padre
Bartolomeu Lourenço. Apesar de não ter a mão esquerda, Baltasar tem a ajuda de
Blimunda, uma mulher vidente.
El-rei que ainda gosta de brinquedos protege o padre da Inquisição. Este
decide partir para a Holanda, terra de muitos sábios sobre alquimia e éter,
elemento que faz com que os corpos se libertem do peso da terra.
Nesta altura as freiras de Santa Mónica manifestam-se contra a ordem de D. João
V de que elas só podem falar com familiares.
O padre abençoou o soldado e a vidente, despediu-se e partiu, deixando a quinta
e a máquina de voar ao cuidado deles. Antes de partir para Mafra, o par decide
não ir ao auto-de-fé e vão assistir às touradas, que é um bom divertimento. As
touradas é como assar o touro em vida, tortura-se o touro enquanto o público
aplaude a mísera morte. Cheira a carne queimada mas o povo nem nota pois está
habituado ao churrasco do auto-de-fé.
Na madrugada seguinte Baltasar e Blimunda partem para Mafra com uma trouxa e
alguma comida.
Capítulo X
Baltasar e Blimunda chegam a Mafra a casa dos pais de Baltasar, mas só
encontram sua mãe em casa; o pai foi trabalhar. Sua mãe fica chocada por ver
seu filho e ver que tinha perdido a mão. Blimunda fica entre portas a espera
que seu marido chame para conhecer a sua nova família. Ela entra e fica a falar
um pouco com sua sogra.
No fim do dia chega o seu pai João Francisco e conversam sobre o que tinha
acontecido na guerra. Blimunda fala um pouco sobre a sua família e a uma dada
altura diz que sua mãe foi degredada porque a tinham denunciado ao Santo
Oficio. O pai de Baltasar fica preocupado, porque pensa que ela é judia ou
cristã nova, mas Baltasar diz ao seu pai que sua sogra tinha sido degredada por
ter visões e ouvir vozes, diz ainda que pretendem ficar em Mafra e que estão a
pensar em comprar casa. Seu pai conta-lhe que vendeu as terras que tinha na
vela, ao rei, porque queria construir um convento de frades.
João e Sete-Sois foram à salgadeira e tiraram um bocado de toucinho, que
dividiram em quatro tiras e colocaram uma em cada fatia de pão e distribuíram
por todos. Ficam a olhar Blimunda para verem se ela come a sua fatia, seu pai
já podia tirar sua dúvida se ela era ou não judia, mas ela come-a e assim o
sogro fica mais descansado. Baltasar diz a seu pai que precisa de arranjar um
emprego para si e para sua mulher, todos ficaram com dúvidas se ele conseguiria
arranjar trabalho devido à mão.
No outro dia, conheceram a nova parente, Inês e seu marido que falaram
sobre a morte do filho do el-rei e do seu filho que está doente. Baltasar
caminha sobre as terras da vela e relembra os momentos que ali passou, encontra
o seu cunhado e conversa sobre o convento que ali se construirá, e sobre os
frades que irão vir viver para ali. Ao chegar a casa encontra sua mãe a falar
com sua mulher sobre a rainha que agora visita muitas igrejas e muitos
conventos onde reza pelo seu marido que está muito doente. D. Maria fica em
Lisboa a rezar enquanto seu marido se acaba de curar naqueles campos de
Azeitão, onde os franciscanos da Arrábida estão a assistir. O infante D.
Francisco sozinho em Lisboa tenta fazer a corte a sua cunhada deitando contas à
morte do rei. D. Maria diz-lhe que seu marido ainda não morreu e que não pensa
em se casar de novo.
Capítulo XI
O padre Bartolomeu regressou da Holanda, não sabemos se trouxe ou não os
segredos que buscava. Foi à Quinta de S. Sebastião da Pedreira; três anos
inteiros haviam se passado e tudo estava abandonado, o material que trabalhara
disperso pelo chão, "ninguém adivinharia o que ali andar
perpetrando." O padre vê rastos de Baltasar, mas não vê os de Blimunda e
julga que ela morrera.
Depois, parte para Coimbra, não sem antes passar por Mafra, onde vai ver os
homens que iniciam o trabalho do Convento. Procurou por Baltasar e Blimunda,
junto do pároco que informa que os casara em Lisboa. Blimunda veio abrir a
porta e reconheceu-o pelo vulto, quando desmontava. Beijou-lhe a mão. Marta
Maria estranhou que a sua nora fosse abrir a porta a quem não batesse ainda.
Mais tarde, chegam Baltasar e o pai e aquele, por convivência com Blimunda,
ao ver a mula adivinha tratar-se do padre. Marta Maria, que já desconfiava ter
uma "nascida" (tumor) no ventre, lamenta nada ter a oferecer ao
padre, nem comida, nem abrigo para passar a noite. O padre Bartolomeu dorme na
casa do pároco e, pela madrugada, chegam Blimunda e Baltasar. Ela sem comer.
Bartolomeu ama-os, eles sabem; Baltasar pergunta se o éter é a alma e o padre
diz que não, que é da vontade dos vivos que ele se compõe. Blimunda espantou-se
e o padre pediu que ela o olhasse por dentro. Ela viu uma nuvem escura, à
altura do estômago. Era da vontade, diferente da alma, o que faria voar a
passarola. Bartolomeu montou na mula, disse que ia a Coimbra e que, quando
voltasse a Lisboa, mandaria avisar os dois para que lá estivessem. Baltasar
ofereceu o pão a Blimunda, mas ela pediu, primeiro, para ver a vontade dos
homens que trabalhavam no convento.
Capítulo XII
O filho mais velho de Inês Antónia e Álvaro Diogo morreu há três meses de
bexigas; Álvaro tem a promessa de conseguir emprego na construção do convento;
Marta Maria sofre de dores terríveis no ventre. João Francisco está infeliz
porque o filho partirá novamente para Lisboa, e o convento dará trabalho a
muitos homens. Blimunda foi à missa em jejum e viu que dentro da hóstia também
havia a tal nuvem fechada, vontade dos homens...
O padre Bartolomeu de Gusmão escreve de Coimbra e diz ter chegado bem, mas
agora viera uma nova carta para que seguissem para Lisboa "tão cedo
pudessem". Partiram em dois meses, porque o rei vinha a Mafra inaugurar a
obra do convento. Sete-Sóis e Blimunda conseguiram lugar na igreja. No dia
seguinte formou-se a procissão, o rei apareceu. A pedra principal foi benzida;
foi tanta a pompa que gastaram-se nisso duzentos miI cruzados. Partiram
Baltasar e Blimunda para Lisboa. A mãe Marta Maria despede-se do filho dizendo
que não o tornará a ver. Blimunda e Sete-Sóis dormem na estrada: Por fim
chegaram à quinta onde esperariam o padre voador. Mal chegaram, choveu.
Capítulo XIII
Os arames e os ferros enferrujaram-se e os panos da passarola cobrem-se de
mofo; o vime, ressequido, destrança-se. Baltasar experimenta os ferros, tudo
perdido, é melhor começar outra vez. Enquanto o padre não chega, constrói-se a
forja, vão a um ferreiro e vêem como se faz o fole.
Quando Bartolomeu de Gusmão chegou e viu o fole pronto, peça por peça
desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou contente e disse; "Um dia voarão os
filhos do homem." Encomendou a Blimunda duas mil vontades dos homens e
mulheres que morreriam a fim de que, junto com âmbar e imãs, pudessem fazer
subir a nau que construíam. O padre distribui tarefas, indica a Sete-Sóis onde
comprar ferro, vime e peles para os foles, pede segredo absoluto de tudo o que
estão a fazer. Trabalham na passarola quase um ano inteiro, procissões passam
em delírio pelas ruas, povo misturado ao clero, clero misturado aos nobres.
Capítulo XIV
O padre Bartolomeu Lourenço voltou a Coimbra já doutor em cânones, e agora
pode ser visto na casa de uma viúva.
D. João manda vir da Itália o maestro barroco Domenico Scarlatti, a fim de
dar lições de música à sua filha, a infanta D. Maria Bárbara. Scarlatti e
Bartolomeu tornam-se amigos, partilhando as mesmas ideias e sonhos. Confiante
em Scarlatti, o padre leva-o a S. Sebastião da Pedreira e apresenta os amigos e
a passarola a Scarlatti. Blimunda chega da horta trazendo "brincos de
cereja", a fim de brincar com Baltasar. Quando os viu, o músico pensou:
Vénus e Vulcano... O padre diz a Scarlatti que ele e Baltasar têm ambos 35 anos
e que não poderiam ser pai e filho. Mas poderiam ser irmãos, portanto, desde o
começo da história, o tempo que se passou pode ser contado, nove anos. Mostrada
a passarola por dentro, retira-se Scarlatti, mas promete voltar e trazer o cravo,
que tocará enquanto Blimunda e Baltasar trabalham. O padre lá permaneceu, onde
treinou o seu sermão para que os dois ouvissem. Discutem sobre Deus uno, trino.
Blimunda adormeceu com a cabeça apoiada no ombro de Baltasar. Um pouco mais
tarde ele levou-a para dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a noite ali
permaneceu, tomado por tentações.
Capítulo XV
Scarlatti voltou muitas vezes à quinta e pedia que não parassem o trabalho;
ali, em meio aos ruídos e grandes barulhos, confusão, tocava o cravo.
Há um surto de varíola em Lisboa, oriundo de uma nau vinda do Brasil. O
padre pede à Blimunda que vá à cidade e recolha as vontades das pessoas. É
assim que ela, em jejum, durante um dia inteiro se põe a recolher tais
vontades. Um mês depois, são mais de mil vontades presas ao frasco em que
Blimunda as recolhia. E quando a epidemia terminou, ela tinha aprisionado duas
mil vontades. Foi então que caiu doente. Nada a curava da extrema magreza; mas
um dia, Scarlatti pôs-se a tocar e ela abriu os olhos e chorou. O maestro veio,
então, todos os dias, quer fizesse chuva ou sol; e a saúde de Blimunda voltou
depressa.
Um dia, Baltasar e Blimunda vão a Lisboa e encontram Bartolomeu doente,
magro e pálido. Parecia ter medo de algo.
Capítulo XVI
Neste capítulo, comenta-se fortemente a governação do reino, criticando a
maneira de se fazer justiça, onde o poder e a riqueza se sobrepõem sempre
àqueles que nada têm nem podem... Até mesmo o destino, se calhar, foi injusto
ao deixar morrer afogado o Infante D. Miguel, poupando a vida ao seu irmão o
Infante D. Francisco.
Entretanto, criada pelo Padre Bartolomeu Lourenço, a passarola, a máquina
de voar, está pronta. Em S. Sebastião da Pedreira, Baltasar e Blimunda, têm de
deixar a quinta que foi perdida por El-rei para o Duque de Aveiro. O Padre
Bartolomeu Lourenço, aguarda a vinda de El-rei para provar a máquina e quer
dividir a glória e a fama do seu invento com Blimunda e Baltasar. Porém o Padre
anda agitado e receoso de que o acusem de feiticeiro e judeu, embora conte com
o apoio de El-rei.
O tempo passa, El-rei não chega; já é Outono e a máquina necessita de sol
para se erguer do chão! Certo dia, eis que o Padre Bartolomeu Lourenço chega
pálido e assustado dizendo que tinha de fugir, pois o Santo Ofício já andava à
sua procura para o prender! Apontou a passarola e disse que iriam fugir nela!
Depois de preparada pedem ajuda ao Anjo Custódio para aquela
"viagem"... e partiram pelos ares sacudidos pelos ventos até onde o
destino os quis levar. Passam por momentos de medo, euforia, deslumbramento e
felicidade, considerando-se loucos. Lá do alto avistam Lisboa, o Terreiro do
Paço, as ruas, etc... Nesta altura procuram o padre para o prender e percebem
que este fugiu. A noite chega, sem sol a máquina começa a perder altitude...
Estão assustados. O Padre Bartolomeu Lourenço, resignado, espera o fim mas
Blimunda como que inspirada, consegue controlar a máquina com a ajuda de
Baltasar e evitam o pior. Uma vez em terra firme, deixam-se escorregar para
fora e consideram um milagre terem-se salvo sem qualquer ferimento.
Não sabem onde estão. O Padre acha que vão encontrá-los e que morrerão.
Blimunda e Baltasar, confiantes, acreditam que se se salvaram daquele perigo,
salvar-se-ão dos próximos, e estão prontos para fazer a máquina voar no dia
seguinte. Cansados e depois de comerem algo, adormecem, Blimunda e Baltasar. O
Padre está doente, tenta pegar lume na passarola mas os dois não o permitem.
Afasta-se para umas moitas e nunca mais é visto. Baltasar vai procurá-lo, mas
em vão. Cobriram a máquina de ramos e folhas para impedi-la de voar. Na manhã
seguinte, desceram pelo mesmo sítio onde o Padre desaparecera sem deixar rasto,
mas nem sombra dele. E lá partiram os dois. Ao fim de dois dias chegam a Mafra,
onde havia uma Procissão na rua que dava graças a Deus por haver mandado voar
sobre as obras da Basílica o seu Espírito Santo!...
Capítulo XVII
Numa altura em que se passam tantos prodígios, Blimunda e Sete-Sóis têm que
guardar segredo porque se assim não fosse algo lhes aconteceria. Na casa dos
pais de Baltasar, o par estava infeliz pela perda da mãe, mas Inês Antónia
contou-lhes maravilhada os benefícios do Espírito Santo. No dia seguinte
Baltasar saiu de casa com o cunhado à procura de emprego na obra de construção
do convento.
A Mafra chegaram notícias que tinha ocorrido um pequeno terramoto em Lisboa
derrubando beirais e chaminés. Passados mais de dois meses, Baltasar e Blimunda
foram viver para Mafra. Baltasar fez uma jornada e foi ver que a máquina de
voar estava no mesmo sítio, na mesma posição, descaída para um lado e apoiada
na asa debaixo de uma cobertura de ramagens já secas. Dois meses mais tarde,
Blimunda vem esperá-lo ao caminho e conta-lhe que Scarlatti está na casa do
Visconde. Scarlatti tinha feito um pedido ao rei para poder visitar as obras do
convento e o Visconde hospedara-o, apesar de não gostar de música.
Scarlatti disse a Baltasar que o padre Bartolomeu teria morrido em Toledo
para onde tinha fugido e como não falavam de Baltasar nem Blimunda resolveu vir
a Mafra verificar se estavam vivos. Nessa noite soube-se que quando a máquina
caiu o padre havia fugido e nunca mais voltara. No dia seguinte Scarlatti
partiu para Lisboa.
Capítulo XVIII
D. João V estava sentado numa cadeira escrevendo os seus bens e riquezas no
rol. El-rei meditou acerca do que iria fazer às tão grandes somas de dinheiro,
chegando à conclusão que a alma seria a primeira atenção, mandando construir o
convento de Mafra, pagando com o ouro das suas minas e fazendas. Todos os
materiais utilizados no convento eram de qualidade. De Portugal a pedra, o
tijolo e a lenha para queimar, o arquitecto alemão, italianos mestres dos
carpinteiros e da Holanda os sinos e os carrilhões. O convento levou 8 anos a
ser construído.
Blimunda, Inês Antónia, Álvaro Diogo e o filho esperavam Baltasar, para
jantarem com o velho João Francisco que mal mexe as suas pernas. Acabado o
jantar Álvaro Diogo dorme a sesta. Baltasar bebe desde que soube da morte do
padre Bartolomeu Lourenço e da sua passarola, foi um choque muito grande.
Baltasar e seus amigos conversam acerca das suas vidas e falam de como eram as
suas vidas antes de trabalharem em Mafra. Baltasar tem 40 anos, sua mãe já
morreu e seu pai mal pode andar. Esteve na guerra e aí perdeu a sua mão,
voltando a Mafra mais tarde. Sete Sois comenta que nem sabe se perdeu a sua mão
na guerra ou se foi o Sol que a queimou, porque afirma que subiu uma serra tão
alta que quando estendeu a mão tocou no Sol e queimou-o. Seus colegas
comentaram que era impossível visto que só tocaria no Sol 'Se voasse como os
pássaros, ou então seria bruxo. Baltasar nega dizendo que não é bruxo e também
diz que ninguém o ouviu dizer que voou.
Capítulo XIX
Durante muito tempo Baltasar puxou e empurrou carros de mão e um dia, com a
ajuda de João Pequeno, puxou uma junta de bois, fazendo companhia ao seu amigo
corcunda.
Houve notícia que era preciso ir a Pêro Pinheiro buscar uma pedra muito
grande que lá estava. Construíram lá um carro para carregar a pedra, como se
fosse uma nau da Índia com calhas. Foram para lá 400 bois e mais de vinte
carros. Ao amanhecer os homens partiram para cumprir 3 léguas até onde estava a
pedra. Diziam que nunca tinham visto uma coisa como aquelas. Escavaram junto à
pedra de forma a levá-la inteira para Mafra. A pedra vinha puxada a braços e
Baltasar viu, num átimo de segundo, sangue e viu que um dos homens se ferira.
No primeiro dia não andaram mais de 500 passos. No segundo dia foi pior porque
o caminho era a descer e foi preciso meter calços nos carros. Um homem chamado Francisco
Marques morreu atropelado por um carro, a roda passou-lhe sobre o ventre,
quando chegou ao fundo do vale, o carro que transportava a pedra desandou
atingindo 2 animais, a seguir tiveram que os matar. Gastaram 8 dias entre Pêro
Pinheiro e Mafra, quando chegaram parecia que tinham vindo da guerra, vinham
sujos e esfarrapados. Todos se admiraram com o tamanho da pedra.
Capítulo XX
Era a sexta ou sétima vez que Baltasar se deslocava a Monte Junto para
consertar a máquina que se ia destruindo com o tempo. Mesmo protegida por mato
e silvado, as lâminas da máquina voadora ficavam enferrujadas. Baltasar
aproveitava a viagem para colher vimes, que serviam para consertar os rasgões
que encontrava no entrançado da máquina.
Chegou o dia em que Blimunda decidiu acompanhar Baltasar na viagem.
Justificando-se que gostaria de conhecer o percurso para o caso de necessitar
deslocar-se até ao local sozinha poder fazê-lo sem problemas. Puseram-se a
caminho depois das despedidas, com o burro que Baltasar arranjara para os
ajudar na longa viagem que tinham pela frente. Foram passando pelas vilas que
Blimunda ia decorando, até chegarem ao destino.
Durante o dia tentaram consertar a máquina até ao pôr-do-sol. Passaram a
noite na passarola e voltaram no dia seguinte a Mafra.
Mesmo depois da longa viagem ainda não tinham passado pelo pior, pois foi à
hora do jantar, quando todos se juntaram, que morreu o pai de Baltasar, João
Francisco.
Capítulo XXI
D. João V queria construir uma basílica de S. Pedro em Lisboa, mas o
arquitecto de Mafra, que foi chamado pelo rei, João Frederico Ludwig,
aconselhou-o a não construir a basílica, porque demorava muito tempo a
construir e D. João V poderia já não estar vivo quando acontecesse a
inauguração desta. Então o rei decidiu aumentar o convento de Mafra de oitenta
para trezentos frades, e assim foi, foram chamados o tesoureiro, o mestre dos
carpinteiros, o mestre dos alvenéus, o abegão-mor e o engenheiro das minas.
Então começaram as obras, mas depois o rei decidiu que a inauguração do novo
convento seria no dia dos seus anos, que calhava num domingo, daí a dois anos;
após essa data, o seu próximo dia de anos, que calhasse num domingo só seria
daí dez anos e poderia ser muito tarde. Como dois anos seria pouco tempo para a
construção do novo convento, D. João V mandou os seus homens irem buscar outros
homens a todas as partes do país; estes eram recrutados contra a sua vontade,
como escravos, indo assim trabalhar para as obras do convento, para este estar
pronto a tempo. Alguns destes homens chegaram até a morrer com fome e perdidos
a tentar voltar para casa.
Capítulo XXII
Este capítulo versa essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e
espanhola. Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que
agora se vão realizar, o de Maria Vitória, espanhola, que casou com o português
José e o de Maria Bárbara, portuguesa, com o espanhol Fernando.
Maria Bárbara tem 17 anos, não é formosa nem bonita mas é boa rapariga. No
decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria
Bárbara e da família real até Espanha, onde ela e vai casar. Durante a viagem,
a comitiva real passa por várias cidades portuguesas e depara-se com alguns
problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos
muito complicados para passar.
Também podemos referir a construção de várias propriedades reais para que se
pudessem acolher durante a viagem.
É de salientar que Maria Bárbara vai para Espanha sem nunca ter visitado o convento
de Mafra que estava a ser construído em sua honra (por causa do seu
nascimento).
Capítulo XXIII
De Portugal todo chegam homens e são escolhidos um por um. A infanta Maria
Bárbara casa-se com Fernando de Espanha. Esta é a marca do tempo narrativo de
Saramago, ou seja os factos históricos. O noivo é dois anos mais novo que a
noiva, e ele nunca poderá vir a ser rei, porque este é o sexto na linha
sucessória. Domenico Scarlatti toca no seu cravo para a multidão de ignorantes,
por ocasião do casamento da Infanta Dona Maria Bárbara, na fronteira com a
Espanha.
Aqui, neste capítulo, o narrador menciona a procissão que levará os santos
para serem colocados nos altares do convento de Mafra: S. Francisco, Santa
Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião e Santa Isabel. Seguem também
para Mafra frei Manuel da Cruz e os seus noviços; trinta, e ali, quando chegam
cansados, são recebidos em triunfo.
Baltasar vai para casa, o narrador anuncia-nos que ele está muito
debilitado. Depois já ceia, quando todos dormem, Baltasar pega em Blimunda e
leva-a a ver as estátuas, juntos, vêem a lua nascer enorme e vermelha. Ele
anuncia-lhe que vai ao Monte Junto na manhã seguinte, ver como está a
passarola. Ela pede-lhe para ter cuidado e ele responde que ela fique sossegada,
que o seu dia ainda não chegou. Olham os santos inertes, o que seria aquilo?
Morte, santidade ou condenação? Quando amanheceu, Blimunda levantou-se e juntou
comida para o farnel do marido que ia ao Monte e acompanhou-o até fora da vila:
"Adeus Blimunda, Adeus Baltasar", e separaram-se. Ao chegar ao lugar
onde estava a passarola, Baltasar come as sardinhas que Blimunda lhe tinha
colocado no alforge: havia tanto trabalho a fazer...
Capítulo XXIV
Baltazar não voltou para casa, o que fez Blimunda não dormir aquela noite.
Esperara que ele voltasse ao cair do dia, haveria os festejos da sagração da
basílica, mas ele não voltara. Em jejum, olhando as pessoas que passavam para a
festa, estava sentada numa vala e ali ficou, vendo o que os que passavam
carregavam por dentro; recebendo insultos, dizendo outros. Voltou para casa,
ceou com os cunhados e o sobrinho. Não conseguiu dormir.
Não verá o rei quando ele vier a Mafra, vai esperar Baltazar pelos
caminhos, desesperadamente tentando encontrá-lo, chegou até ao Monte Junto e
encontra o alforge mas nem sinal de Baltasar nem da passarola, chora sem saber
se ele morreu ou vive. Encontra um frade que tenta violá-la e mata-o com o
espigão de Baltazar. Parte em busca do seu amado. Voltou a Mafra pensando que
se tinham desencontrado, mas ele não estava lá.
À tardinha, chegaram Inês António e Álvaro Diogo e encontraram-na a dormir.
De manhã, ela esquece-se de comer o pão e vê-os por dentro.
D. João V faz quarenta e um anos e é 22 de Outubro de 1730. Inaugura-se o
convento.
Capítulo XXV
Durante nove anos, Blimunda andou pelos caminhos sempre à procura de
Baltazar que sabia estar. Perguntou por ele em todo o lado.
Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as demais sensatas palavras e acções,
ficavam indecisos se aquilo que dizia era ou não falta de juízo completo.
Passou a ser chamada de A Voadora, e sentava-se, então, às portas, ouvindo as
queixas das mulheres que lamentavam, depois, que os seus homens não tivessem
também desaparecido, para que elas pudessem, ao menos, devotar-lhes um amor tão
grande como o de Blimunda a Baltazar. E os homens, quando ela partia, ficavam
tristes inexplicavelmente tristes.
Voltava aos lugares por onde passara, sempre perguntando. Seis vezes
passara por Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima. Sem comer, o tempo
era chegado para ela. No Rossio, finalmente encontrou Baltazar. Havia lá um
auto-de-fé. Eram onze os condenados à fogueira; entre eles, estava António José
da Silva, o Judeu, comediógrafo autor das Guerras de Alecrim e Manjerona e
Baltasar, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.
Memorial
As Transgressões na obra - Transgressão do código religioso
Sumptuosidade do convento vs a simplicidade e a humildade (essência
dos valores cristãos);
Recrutamento à força;
Construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano
superior/divino - 4 bases de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar,
Blimunda e Scarlatti;
A castidade vs as relações sexuais nos conventos ;
As estátuas dos santos vs a santidade humana ;
Missa, espaço de vivência espiritual vs missa, espaço de namoros e de
encontros clandestinos
A benção de Deus vs a benção dos homens;
Funeral do Infante D. Pedro, espectáculo de pompa e circunstância vs
funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.
Transgressão do código sexual
Sexo ritual protocolar para procriação vs sexo, entrega permanente e
mútua de corpos e almas. Transgressão linguística
Inversão de expressões bíblicas:
Jogos de palavras "os santos no oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das regras de pontuação;
Aforismos "Não está o homem livre... com a verdade";
Confluência de registos de língua:
Popular "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não,
majestade, é o dinheiro que é merda";
Familiar "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";
Cuidado "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada
antes (...)".
Transgressão ficcional
A Música vence a Doença;
A história vence a História;
O espaço da ficção é o espaço da Utopia, da Liberdade Suprema;
O Sonho é a Transcendência Humana.
Espaço
Evocação de dois espaços principais determinantes no desenrolar da acção:
Mafra e Lisboa.
Mafra: passa da vila velha e do antigo castelo nas proximidades da Igreja
de Santo André para a vila nova em cujas imediações se vai construir o
convento. A vila nova cria-se justamente por causa da construção do convento.
Lisboa: descrevem-se vários espaços dos quais se destacam o Terreiro do
Paço, o Rossio e S. Sebastião da Pedreira.
Portugal beneficiava da riqueza proveniente do ouro do Brasil. D. João V em
decreto de 26 de Novembro de 1711 autorizou que se fundasse, na vila de Mafra,
um convento dedicado a Santo António e pertencente à Província dos Capuchos
Arrábidos.
Ludwig, arquitecto alemão, estava em Lisboa, em 1700, contratado como
decorador-ourives, pelos Jesuítas. Foi a ele que entregaram o projecto do
Mosteiro, destinado a albergar 300 frades. A traça do edifício terá sido
executada por volta de 1714-1715 ao passo que a igreja, avançada ate ao
zimbório, foi sagrada em 1730. Outras dependências foram construídas para além
da igreja: portaria, refeitório, enfermaria, cozinha, claustros, biblioteca.
Terreiro do Paço: local onde primeiramente trabalha Baltasar na sua chegada
a Lisboa, descrição pormenorizada e sugestiva da procissão do Corpo de Deus, em
Junho. É um espaço fulgurante de vida, com grande importância no contexto da
sociedade lisboeta da época.
Rossio: surge no início da obra, relacionado com o auto-de-fé que aí se
realiza. A reconstituição do auto-de-fé é fidedigna, a cerimónia tinha por base
as sentenças proferidas pelo Tribunal do Santo Ofício e nela figuravam não só
reconciliados, mas também relaxados, aqueles que eram entregues à justiça
secular para a execução da pena de morte. O dia da publicação do auto era
festivo, segundo se pode constatar das defesas efectuadas. A procissão
propriamente dita saía na manhã de domingo da sede do Santo Ofício e percorria
a cidade de Lisboa antes de chegar ao local da leitura das sentenças, numa das
praças centrais. À frente seguiam os frades de S. Domingos com o pendão da
Inquisição. Atrás destes os penitentes por ordem de gravidade das culpas, cada um
ladeado por dois guardas. Depois, os condenados à morte, acompanhados por
frades, seguidos das estátuas dos que iam ser queimados em efígie. Finalmente
os altos dignitários da Inquisição, precedendo o Inquisidor-Geral. A sorte dos
réus vinha estampada nos sambenitos (hábito em forma de saco, de baeta amarela
e vermelha que se vestia aos penitentes dos autos-de-fé) para que a compacta
multidão que se aglomerava soubesse o destino dos condenados.
S. Sebastião da Pedreira: local mágico ao qual só acedem o padre,
Bartolomeu Lourenço, o Voador, Baltasar e Blimunda. É lá que se encontra a
máquina voadora que está a ser construída em simultâneo com o Convento de
Mafra. A passarola insere-se na narrativa como um mito, do qual o homem depende
para viver, mito proibido mas que se evidenciará e se deixará ver pelo voo
espectacular que se realizará, mostrando que ao homem nada é impossível e que a
vida é uma grande aventura. S. Sebastião da Pedreira era, àquele tempo, um
espaço rural, onde não faltavam fontes, terras de olival, burros, noras, e onde
se situava a quinta abandonada. Ali irão as personagens, variadíssimas vezes e
pelas razões mais diversas.
Personagens
D. João V: proclamado rei a 1 de Janeiro de 1707, casou, no ano seguinte, com a
princesa Maria Ana de Aústria e vive um dos mais longos reinados da nossa
história. Surge na obra só pela sua promessa de erguer um convento se tivesse
um filho varão do seu casamento. O casal real cumpre, no início da obra, com
artificialismo, os rituais de acasalamento. O autor escreverá o memorial para
resgatar o papel dos oprimidos que o construíram. Rei e rainha são
representantes do poder, da ordem e da repressão absolutista.
Baltasar e Blimunda: são o casal que, simbolicamente, guardará os
segredos dos infelizes, dos humilhados, dos condenados, enfim, dos oprimidos.
Conhecem-se durante um auto-de-fé, levado a cabo pela Inquisição, o de 26 de
Julho de 1711 e não mais deixam de se amar. Vivem um amor sem regras, natural e
instintivo, entregando-se a jogos eróticos. A plenitude do amor é sentida no
momento em que se amam e a procriação não é sonho que os atormente como sucede
com os reis.
Blimunda: com poderes que a tornavam conhecedora dos outros nos seus bens e nos
seus males, recusando-se, no entanto, a olhar Baltasar por dentro. Vai ser ela
quem, com Baltasar, guardará a passarola quando o padre Bartolomeu vai para
Espanha onde, afinal, acabará por morrer. Ela e Baltasar sentir-se-ão obrigados
a guardá-la como sua, quando, após uma aventura voadora, conseguira aterrar na
serra do Barregudo, não longe de Monte Junto, perdido o rasto do padre que
desaparecera como fumo. Quando voltaram a Mafra, dois dias depois, todos
achavam que tinha voado sobre as obras da basílica o Espírito Santo e fizeram
uma procissão de agradecimento. Começaram a voltar ao local onde a passarola
dormia para cuidar dela, remendá-la, compô-la e limpá-la.
Um dia Baltasar foi verificar os efeitos do tempo na passarola mas Blimunda
não o acompanhou e ele não voltou. Procurou-o durante 9 anos, infeliz de
saudade, na sua sétima passagem por Lisboa encontrou-o entre os supliciados da
Inquisição, a arder numa das fogueiras, disse-lhe "Vem" e a vontade
dele não subiu para as estrelas pois pertencia à terra e a Blimunda.
Povo: todos os anónimos que construíram a História são representados
através daqueles a quem o autor dá nome: Alcino, Brás, Nicanor, etc.
Padre Bartolomeu de Gusmão: tem por alcunha O Voador, gosto
pelas viagens, estrangeirado, a ciência era, para ele, a preocupação
verdadeiramente nobre. O rei mostra-se muito empenhado no progresso do seu
invento. A populaça troça dele, Baltasar e Blimunda serão ouvintes atentos das
suas histórias e sermões. A amizade destes dois seres, simples, enigmáticos,
mas verdadeiros protagonistas do Memorial, é tão valiosa para o padre como
necessária à representatividade da obra como símbolo de solidariedade e beleza
em dicotomia com egoísmo e poder.
Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu Lourenço formam um trio que vai pôr
em prática o sonho de voar. Assim, o trabalho físico e artesanal, de Baltasar,
liga-se à capacidade mágica de Blimunda e aos conhecimentos científicos do
padre. Todos partilham do entusiasmo na construção da passarola, aos quais se
junta um quarto elemento, o músico Domenico Scarlatti, que passa a tocar
enquanto os outros trabalham. O saber artístico junta-se aos outros saberes e
todos corporizam o sonho de voar.
Scarlatti: veio como professor do irmão de D. João V, o infante D. António, passando
depois a ser professor da infanta D. Maria Bárbara. Exerceu as funções de
mestre-de-capela e professor da casa real de 1720 a 1729, tendo escrito
inúmeras peças musicais durante esse tempo. No contexto do romance, para além
do seu contributo na construção da passarola é determinante na cura da doença
de Blimunda; durante uma semana tocou cravo para ela, até ela ter forças para
se levantar.
Crítica da guerra: absurda, sacrifica homens em nome de um interesse que
lhes é completamente estranho e abandona-os à sua sorte quando doentes ou
estropiados.
Narrador
Sentencia: segue ou inventa provérbios.
Dialoga: com o Narrador.
Manipula: as personagens.
Apaga-se: face às personagens.
Ironiza / Assume-se /Compromete-se.
Domina e Autolimita-se: face ao conhecimento da história.
Profetiza.
Descreve: paisagens, situações, factos acontecidos (e a acontecer).
Ele é:
Antiépico;
Histórico: contrapõe-se ao discurso do poder que valoriza o empreendimento
megalómano do rei, um discurso que revela o absurdo das imposições reais, um
discurso dessacralizador do poder régio;
Religioso: o narrador incorpora referências religiosas, inclusivamente o
texto bíblico. A originalidade ressalta das marcas transgressoras do sagrado
que balançam entre o sagrado e o profano como um jogo a explorar e a partir do
qual se pretende tirar dividendos ideológicos;
Cultural: exploração da intertextualidade e da multiplicidade de discursos
referentes quer à História quer à ficção - referências a diversos outros
autores, Camões e Pessoa, por exemplo; recorrência aos jogos de palavras e de
conceitos identificadores do estilo da época a que o texto se reporta - o
estilo barroco.
Amor, Sexo, Casamento e Sonho
Relações amorosas
A Utopia do Amor
A Dimensão Simbólica das Personagens
Em Memorial do Convento há dois grupos antagónicos de personagens: a classe
opressora, representada pela aristocracia e alto clero, e os oprimidos, o povo.
No primeiro grupo destaca-se a actuação do Rei, enquanto que no segundo, além
de Baltasar e Blimunda, se integram o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão,
perseguido pela Inquisição, pela modernidade do seu espírito científico, e
Domenico Scarlatti que, pela liberdade de espírito e pelo poder subversivo da
sua música, é uma figura incómoda para o Poder. É ainda importante referir que,
em Memorial do Convento, as personagens históricas convivem com as fictícias,
conduzindo à fusão entre realidade e ficção.
D. João V
Rei de Portugal de 1706 a 1750, desempenha o papel de monarca de setecentos
que quer deixar como marca do seu reinado uma obra grandiosa e magnificente - o
Convento de Mafra. Este é construído sob o pretexto de que cumpre uma promessa
feita ao clero, classe que "santifica" e justifica o seu poder.
É símbolo do monarca absoluto, vaidoso, megalómano, egocêntrico, e mantém
com a rainha apenas uma relação de "cumprimento do dever" e, em
alguns momentos, pretende ser um déspota esclarecido, à semelhança dos monarcas
europeus da sua época (favorece, durante algum tempo, o projecto do padre Bartolomeu
de Gusmão e contrata Domenico Scarlatti para ensinar música a sua filha, a
infanta Maria Bárbara). Dado aos prazeres da carne e a destemperos vários (teve
muitos bastardos e a sua amante favorita era a Madre Pauta do Convento de
Odivelas). Sacrificou todos os homens válidos e a riqueza do país na construção
do convento.
Maria Ana Josefa
De origem austríaca, a rainha, surge como uma pobre mulher cuja única
missão é dar herdeiros ao rei para glória do reino e alegria de todos. É
símbolo do papel da mulher da época: submissa, simples procriadora, objecto da
vontade masculina.
Baltasar Sete-Sóis
Baltasar Mateus, de alcunha Sete-Sóis, deixa o exército depois de ter
ficado maneta em combate contra os espanhóis, conhece Blimunda em Lisboa, e com
ela partilha a vida e os sonhos. De ex-soldado passa a açougueiro em Lisboa e,
posteriormente, integra a legião de operários das obras do convento. A sua
tarefa máxima vai ser a construção da passarola, idealizada pelo padre
Bartolomeu de Gusmão, passando a ser o garante da continuidade do projecto,
quando o padre Bartolomeu desaparece em Espanha.
Baltasar acaba por se constituir como a personagem principal do romance,
sendo quase "divinizado" pela construção da passarola: "maneta é
Deus, e fez o universo. (...) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem
mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar. " (p. 69) - diz o padre
Bartolomeu a propósito do seu companheiro de sonhos. Após a morte do padre,
Baltasar ocupa-se da passarola e, um dia, num descuido, desaparece com ela nos
céus. Só é reencontrado, nove anos depois, em Lisboa, a ser queimado no último
auto-de-fé realizado em Portugal.
O simbolismo desta personagem é evidente, a começar pelo seu nome: sete é
um número mágico, aponta para uma totalidade (sete dias da criação do mundo,
sete dias da semana, sete cores do arco-íris, sete pecados mortais, sete
virtudes); o Sol é o símbolo da vida, da força, do poder do conhecimento, daí
que a morte de Baltasar no fogo da Inquisição signifique, também, o regresso às
trevas, a negação do progresso. Baltasar transcende, então, a imagem do povo
oprimido e espezinhado, sendo o seu percurso marcado por uma aura de magia,
presente na relação amorosa com Blimunda, na afinidade de "saberes"
com o padre Bartolomeu e no trabalho de construção da passarola.
Baltasar é uma das personagens mais bem conseguidas de todo o romance
porque descrever a ambição de um rei, as intrigas duns frades e a loucura de um
cientista é relativamente fácil, mas escolher uma personagem do povo, maneta e
vagabunda, que aparentemente não tem muito para dizer e convertê-la no fio
condutor da narrativa e no protagonista duma das mais belas e sentidas
histórias de amor, é algo que só conseguem autores como Cervantes, que de um
criado como Sancho Pança criou um arquétipo e um digno "antagonista"
de Dom Quixote.
Baltasar é um homem simples, elementar, fiel, terno e maneta, que confina a
capacidade de surpresa com a resignação típica das pessoas humildes de coração
e de condição. Aceita a vida que lhe foi dado viver e a mulher que o destino
lhe ofereceu, sem assombro nem protestos; acata as suas circunstâncias e não
tem medo nem do trabalho nem da morte. Não é um herói nem um anti-herói, é
simplesmente um homem.
Blimunda de Jesus
Blimunda de Jesus é "baptizada" de Sete-Luas pelo padre
Bartolomeu de Gusmão ("Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, (...)
Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo
Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de
qualquer um" - pág. 94).
Conhece Baltasar quando assiste à partida de sua mãe, acusada de feitiçaria,
para o degredo. Logo os dois se apaixonam, e este amor puro e verdadeiro foge
às convenções, subvertendo a moral tradicional e entrando no domínio do
maravilhoso - cf. primeira noite de amor (pp. 56-57).
Blimunda tem um dom: vê o interior das pessoas quando está em jejum, herdou
da mãe um "outro saber" e integra-se no projecto da passarola,
porque, para o engenho voar, era preciso "prender" vontades, coisa
que só Blimunda, com o seu poder mágico, era capaz de fazer. Blimunda é, simultaneamente,
uma personagem que releva o domínio do maravilhoso, pelo dom que tem de ver
"o interior" das pessoas (poder que nunca exerce sobre Baltasar:
"Nunca te olharei por dentro" - p. 57), porque amar alguém é
aceitá-lo sem reservas. Blimunda encerra uma dimensão trágica na vivência da
morte de Baltasar.
Simbolicamente, o nome da personagem acaba por funcionar como uma espécie
de reverso do de Baltasar. Para além da presença do sete, Sol e Lua
completam-se: são a luz e a sombra que compõem o dia - Baltasar e Blimunda são,
pelo amor que os une, um só. A relação entre os dois é também subversiva,
porque não existe casamento oficial e porque os dois têm os mesmos direitos,
facto inverosímil em pleno século XVIII.
Como outras personagens femininas de Saramago, também Blimunda tem uma
grande firmeza interior, uma forma de oferecer-se em silêncio e de aceitar a
vida e os seus desígnios sem orgulho nem submissão, com a naturalidade de quem
sabe onde está e para quê.
Glória Hervás Fernandez, in Uma leitura espanhola de Memorial do Convento
de José Saramago, in revista Palavras, n.º 21, Primavera de 2002.
Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão
O padre Bartolomeu, personagem real da História, forma com Baltasar e
Blimunda o núcleo mágico e trágico do romance. Vive com uma obsessão, construir
a máquina de voar, o que o leva a encetar uma investigação científica na
Holanda. Como cientista ignora os fanatismos religiosos da época e questiona
todos os principias dogmáticos da Igreja. O seu sonho de voar e as suas
inabaláveis certezas científicas revelam orgulho, "ambição de elevar-se um
dia no ar, onde até agora só subiram Cristo, a Virgem e alguns santos
eleitos" e tornam-no persona non grata para a Inquisição que o acusa de
bruxaria, obrigando-o a fugir para Espanha e a deixar o seu sonho/projecto nas
mãos de Baltasar.
A sua obsessão de voar domina-o de tal forma, que ele não se inibe de
integrar no seu projecto um casal não abençoado pela Igreja e de aceitar e
usufruir das capacidades heréticas de Blimunda, que farão a passarola voar. A
passarola, símbolo da concretização do sonho de um visionário, funciona de uma
forma antagónica ao longo da narrativa: é ela que une Baltasar, Blimunda e o
padre Bartolomeu, mas também é ela que vai acabar por separá-los.
Domenico Scarlatti
Artista estrangeiro contratado por D. João V para iniciar a infanta Maria
Bárbara na arte musical. O poder curativo da sua música liberta Blimunda da sua
estranha doença, permitindo-lhe cumprir a sua tarefa ("Durante uma semana
(...) o músico foi tocar duas, três horas, até que Blimunda teve forças para
levantar-se, sentava-se ao pé do Cravo, pálida ainda, rodeada de música como se
mergulhasse num profundo mar, (...) Depois, a saúde voltou depressa" - pp.
191-2).
Scarlatti é cúmplice silencioso do projecto da passarola ("Saiu o
músico a visitar o convento e viu Blimunda, disfarçou um, o outro disfarçou,
que em Mafra não haveria morador que não estranhasse, e (...) fizesse logo seus
juízos muito duvidosos" p. 231).
É, ainda, Scarlatti que dá a notícia a Baltasar e Blimunda da morte do
padre Bartolomeu. A música do cravo de Scarlatti simboliza o ultrapassar, por
parte do homem, de uma materialidade excessiva, e o atingir da plenitude da
vida.
Bartolomeu de Gusmão, esse, aliado em diálogo excepcional com o músico
Scarlatti, o único que pode de raiz compreender as suas congeminações aladas,
representa a possibilidade de articulação entre a cultura e o humano, entre o
saber e o sonho, entre o conhecimento e o desejo (...) São os caminhos da
ficção os que mais justificadamente conduzem ao encontro da verdade.
Maria Alzira Seixo, in O Essencial sobre José Saramago, INCM.
Alguns intertextos do Memorial do Convento
A propósito da procissão do Corpo de Deus e da preocupação do narrador com
o vestuário, faz-se notar que "só os lírios do campo não sabem fiar nem
tecer e por isso estão nus", o que vem de encontro ao Salmo bíblico:
"Olhai os lírios do campo, não fiam nem tecem...". Outra referência
bíblica surge ainda aquando da decisão do Rei de imprimir maior velocidade às
obras do convento, marcando a data da sagração da basílica coincidente com o
seu aniversário. A ironia do narrador leva-o a comparar a decisão do Rei com
outras proclamações históricas, como "Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito".
É também ainda a ironia do narrador que o faz exclamar, perante, mais uma
vez, as exigências do Rei quanto à data de sagração do convento, "vós me
direis qual é mais excelente, se ser do mundo rei, se desta gente",
invertendo completamente (...) a mensagem de Os Lusíadas, na Dedicatória, de
onde, com ligeira adaptação, este passo foi retirado. E que, se em Os Lusíadas
era a grandeza, a coragem e a determinação de um povo que orgulhava e
engrandecia o seu rei, aqui é justamente a capacidade de obedecer sem limites e
a subserviência total que elevam o rei a quem todas as vontades, por mais
inconcebíveis que sejam, são imediata e inquestionavelmente satisfeitas.
Referências soltas a episódios de Os Lusíadas também vão
surgindo num ou noutro momento da narrativa, sobretudo quando se trata de
comparar a epopeia da descoberta do caminho marítimo para a índia com a epopeia
da viagem na passarola, também ela de descoberta, rumo à aventura e ao
desconhecido. Assim, toda a descrição da viagem de Lisboa a Mafra mantém
estreitas semelhanças com uma viagem marítima, estabelecendo o narrador
comparações várias como a que se segue, enumerando episódios da viagem que
marcam as dificuldades por que tiveram de passar os navegadores: "é como
se finalmente tivessem abandonado o porto e as suas amarras para ir descobrir
os caminhos ocultos, por isso se lhes aperta o coração tanto, quem sabe que
perigos os esperam, que adamastores, que fogos de santelmo, acaso se levantam
do mar, que ao longe se vê, trombas de água que vão sugar os ares e o tornam a
dar salgado".
Nova referência ao Adamastor surge já perto do local onde
vão aterrar e com o qual estiveram prestes a chocar e a desfazerem-se: "Na
frente deles ergue-se um vulto escuro, será o adamastor desta viagem, montes
que se erguem redondos da terra, ainda riscados de luz vermelha na
cumeada". Mas uma outra referência ao Adamastor também já tinha sido feita
no momento em que grandes ventos destroem a Igreja de madeira que tinha sido
especialmente construída para a cerimónia de sagração da primeira pedra do
Convento de Mafra. O narrador afirma que a grande tempestade ocorrida "foi
como o sopro gigantesco de Adamastor, se Adamastor soprou, quando lhe dobravam
o cabo dos seus e nossos trabalhos.
Também a descrição da "caça" aos homens para trabalhar nas obras
do convento de Mafra segue de muito perto o episódio de Os Lusíadas das
despedidas em Belém e da fala do Velho do Restelo. As mulheres, ao verem os
homens partir sob o jugo dos quadrilheiros, vão clamando, qual em cabelo,
"Ó doce e amado esposo e outra protestando, Ó filho, a quem eu tinha só
para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha". E, face a
esta cena, faz-se ouvir a voz da oposição a esta epopeia que era a construção
do convento: "Ó glória de mandar, ó vã cobiça, ó rei infame, ó pátria sem
justiça", para sempre silenciada por uma "cacetada na cabeça" de
um quadrilheiro, mostrando até que ponto a História é circular e os seus
episódios se repetem.
Um estilo híbrido: a convergência do Património Cultural
Registo de língua
Popular: "de boca à banda"
Familiar: "Meu querido filho, como foi isso, quem te fez Isto..."
Cuidado: "não havendo portanto mediano termo entre a papada pletórica
e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo e o outro héctico"
Interacção com a literatura portuguesa
Quadras populares: "Aqui me traz minha pena com bastante sobressalto,
porque quer voar mais alto, a mais queda se condena"
Contos tradicionais: "Era uma vez uma rainha que vivia com o seu real
marido em palácio..."
Luís de Camões, Os Lusíadas: "O homem, bicho da terra"
Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: "Estão
parados diante do último pano da história de Tobias, aquele onde o amargo fel
do peixe restitui a vista ao cego, A amargura é o olhar dos videntes, senhor
Domenico Scarlatti,..."
Fernando Pessoa, Mensagem: "Em seu trono entre o brilho das estrelas,
com seu manto de noite. solidão, tem aos seus pés o mar novo e as mortas eras,
o único imperador que tem, deveras, o globo mundo em sua mão, este tal foi o
infante D. Henrique, consoante o louvará o poeta por ora ainda não nascido...
Estilo barroco: "Parece apenas um gracioso jogo de palavras, um
brincar com os sentidos que elas têm, como nesta época se usa, sem que extrema
mente importe o entendimento ou propositadamente o escurecendo."
Introdução do fantástico
"Entre S. Sebastião da Pedreira e a Ribeira entrou Blimunda em trinta
e duas casas, colheu vinte e quatro nuvens fechadas, em seis doente já as não
havia, talvez as tivessem perdido há muito tempo, e as restantes duas estavam
tão agarradas ao corpo que, provavelmente, só a morte as seria capaz de
arrancar de lá. Em cinco outras casas que visitou, já não havia vontade nem
alma, apenas o corpo morto, algumas lágrimas ou muito alarido."
A música como metáfora da obra literária
"Se a música pode ser tão excelente mestra de argumentação, quero já
ser músico e não pregador. Fico obrigado pelo cumprimento, mas quisera eu que a
minha música fosse um dia capaz de expor, contrapor e concluir como fazem
sermão e discurso" .
Do sonho à concretização
O paralelismo simbólico dos episódios iniciais e finais
Auto-de-fé de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda As últimas
páginas... Auto-de-fé de Baltasar Sete-Sóis
Primeiro encontro entre Blimunda e Baltasar - Blimunda "repetia um
itinerário de há vinte e oito anos".
- O rio como imagem da precariedade da vida.
- Blimunda está em Lisboa pela sétima vez: encerramento de um ciclo de
vida. Último encontro de Blimunda e Baltasar
- "Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo
o direito de esta mulher lhe fazer perguntas". - "Naquele extremo
arde um homem a quem falta a mão esquerda".
Espaço - Rossio Espaço - Rossio
- "O Rossio está cheio de povo". - "Meteu-se pela Rua Nova
dos Ferros, virou para a direita na igreja de Nossa Senhora de Oliveira, em direção
ao Rossio"
Ambiente soturno: Ambiente soturno:
- "sobre o Rossio caem as grandes sombras do convento do Carmo;
- "e as pessoas voltarão às suas casas, refeitas na fé, levando
agarrada à sola dos sapatos alguma fuligem, pegajosa poeiras de carnes negras,
sangue acaso ainda viscoso se nas brasas não se evaporou". -
"caminhava no meio de fantasmas, de neblinas que eram gente";
- "Entre os mil cheiros fétidos da cidade, a aragem noturna trouxe-lhe
o da carne queimada".
A multidão reúne-se A multidão reúne-se
- "O Rossio está cheio de povo". - "havia multidão em S.
Domingos"
As condenações da Inquisição: As condenações da Inquisição:
- condenação da mãe de Blimunda (ao degredo). - condenação de António José
da Silva, "autor de comédias de bonifrates";
- condenação de Baltasar Sete-Sóis.
Ritual de morte
Blimunda comunica enigmaticamente com a mãe Blimunda que, no primeiro
encontro com Baltasar, prometera que nunca o veria por dentro, usa os seus dons
nos momentos finais da vida de Baltasar e vê uma nuvem fechada que está no
centro do seu corpo - RECOLHE A SUA VONTADE. Blimunda comunica enigmaticamente
com Baltasar
- "não fales, Blimunda, olha só com esses olhos que tudo são capazes
de ver;
- "adeus Blimunda que não te verei mais". - "Então Blimunda
disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis".
Lisboa é o último (grande) espaço a ganhar importância e a fechar o círculo
iniciado no capítulo V, verdadeiro incipit do romance (funcionando os primeiros
capítulos como amostras das peças de encaixe do romance como construção). É num
dia de auto-de-fé que Blimunda (re)encontra Baltasar, agora no lugar de
condenado, a arder na fogueira, e acolhe a sua vontade comungada com ela. Esta
vontade acolhida em si transforma o momento em espaço de encontro e de
partilha.
Elementos simbólicos
Sete
Para a cultura cristã, o algarismo 7 corresponde a:
Sete céus, sete sóis, sete esferas da antiga astrologia hermética: Sol,
Lua, Mercúrio, Marte, Vénus, Júpiter e Saturno;
Sete virtudes cristãs (as teologais: fé, esperança e caridade; as cardeais:
força, temperança, justiça e prudência);
Sete pecados capitais: orgulho, preguiça, inveja, cólera, luxúria, gula e
avareza;
Sete sacramentos baptismo, eucaristia, ordem, confirmação, casamento,
penitência e extrema-unção;
Sete dias da criação do mundo narrados no Génesis;
Sete tabernáculos e sete trombetas de Jericó;
No Apocalipse: sete candelabros; sete estrelas; sete selos; sete cornos;
sete pragas; sete raios.
Pode ainda corresponder a: Sete cores do arco-íris; Sete notas da escala
musical.
Sol
O Sol identifica-se com fonte de vida, com a própria vida - o que faz
corresponder Sete-Sóis a Sete Vidas, que, por sua vez, significaria que
Baltasar encarna simbolicamente a vida de todos os homens do povo, sempre
labutando e sempre perdendo o fruto do seu trabalho, independentemente de
épocas históricas e de regiões geográficas.
O Sol percorre um ciclo celeste diurno de Oriente para Ocidente - assim
Baltasar percorre, no interior da Passarola, um ciclo entre Lisboa e
Montejunto; e tal como o Sol, para nascer, segundo a antiga mitologia, tem que
vencer todos os dias todos os guardiães da noite/morte, Assim Baltasar terá que
vencer os guardiães da "noite histórica": a Inquisição, a credulidade
popular, as forças espirituais retrógradas da Escolástica. E, assim como o Sol
atravessa o céu, mas nele não se detém nem o conquista definitivamente para si,
Baltasar atravessa o céu, rompe os céus, rasga a imagem pura de um céu morada
de Deus. Neste aspeto, Baltasar, sob as ordens científicas do padre Bartolomeu
de Gusmão, assume o estatuto de herói mítico que ousa desafiar a estabilidade
aparentemente eterna da ideologia cristã. E, para que o simbolismo clássico do
herói maravilhoso e trágico que ousa desafiar os deuses seja cumprido na
totalidade, Baltasar morre pelo fogo, como herético, o padre Bartolomeu de
Gusmão morre louco, em Toledo, e Blimunda vagueia pelo mundo sem destino.
Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu de Gusmão repetem o desejo de
Faetonte, filho mortal de Apoio, que, querendo imitar o pai, conseguiu deste a
promessa de o deixar guiar o carro do Sol por um só dia. Porém, Faetonte não
conseguiu manobrar os cavalos e sustentar o carro do Sol na abóbada celeste e o
carro despenhou-se sobre a Terra, incendiando-a e matando o jovem ousado. Do
mesmo modo, o padre Bartolomeu de Gusmão e Baltasar morrerão devido ao seu
desejo de voar e Blimunda tornar-se-á em mulher errante.
Lua
Se o nome de Sete-Sóis torna esta personagem num quase herói mítico, o nome
de Blimunda de Jesus, Sete-Luas, faz de igual modo repercutir ecos
mítico-ancestrais. Antes de mais, o nome próprio, Blimunda, deriva-nos de
imediato para as narrativas baseadas na matéria da Bretanha e para os ciclos
celtas do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Porém, o apelido Jesus
integra desde logo estas possíveis derivações semânticas no quadro do
pensamento cristão.
Blimunda não é de origem Sete-Luas; é o padre Bartolomeu de Gusmão que a
crisma assim por ela ser companheira de Sete -Sóis: "... o padre virou-se
para ela, sorriu, olhou um e olhou outro, e declarou: Tu és Sete-Sóis porque
vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda,
que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem
baptizada estava, que o batismo foi de padre, não alcunha de qualquer um."
No romance, Sete-Luas só se compreende por direta relação com Sete-Sóis e,
de facto, a Lua, porque não tem luz própria, é o princípio passivo do Sol.
Porém, na intriga romanesca de Memorial do Convento, o narrador histórico
revoluciona este princípio simbólico da passividade feminina e atribui a
Blimunda capacidades intuitivas e eco visionárias, dependentes das fases da
Lua, que a tornam, como elemento ativo, tão importante quanto Baltasar.
Blimunda não se compreende sem Baltasar, mas este também não tem existência
romanesca sem Blimunda, exatamente como o par antitético mas intimamente
complementar de dia-noite, claro-escuro, Sol-Lua; porém, em Memorial do Convento
existe uma substancial diferença: enquanto mitológica e religiosamente a nossa
civilização confere um peso ontológico superior ao primeiro elemento dos pares
antitéticos (o que se explica naturalmente por os olhos humanos terem sido
feitos para receber a luz e não a escuridão), neste romance, Baltasar e
Blimunda sofrem de igual nível de protagonismo, nenhum deles sendo superior ao
outro. Esta característica subversiva do estatuto social feminino no século
XVIII, estatuto então perfeitamente passivo e submisso face ao poder masculino,
é subsidiária do modo de vida a dois do casal, sem casamento oficial e com
igualdade de mando e obediência entre ambos. Mas a Lua, devido às suas fases,
que aliás condicionam o poder de Blimunda, é também símbolo do ritmo biológico
da Terra, é medida do tempo, frutificadora da vida, guardadora da morte,
dispensadora de geração. E é deste modo que Blimunda, devido aos seus poderes,
é aquela que acolhe as vontades humanas dos moribundos, as junta nas duas
esferas para com elas e com estas gerar energia vital ("O ar que Deus
respira") que, em conjunto com âmbar e o íman, movem a Passarola. A junção
das vontades humanas, teorizadas pela nova ciência, que produzem mais força,
mais vontade, tão imensa que faz os Homens subirem aos céus, significa aqui,
simbolicamente, a Primavera mítica que arranca a Humanidade do dogma da
religião, do terror inquisitorial e da teologia supersticiosa, três símbolos
que designam uma só realidade: a morte humana, o pensamento falso e passivo, a
vontade resignada que enquadrava o Portugal da época.
Blimunda é a mulher liberta do futuro, que trabalha ao lado do marido e em
ele tudo vive e decide, é a nova mulher, é a não-mulher coquete-objeto (de
notar que nunca é descrito o corpo de Blimunda, a não ser uma ligeira
referência à sua altura e à sua magreza , é aquela em que, à imitação de
Julieta, de Inês, de Isolda, de Heloísa, de Mariana Alcoforado, o amor vence, e
vence ao ponto de durante nove anos não desistir de procurar o seu amado até
que, encontrando-o, permite-se ficar deste "grávida" espiritualmente,
comungando em si a vontade de Baltasar.
A pedra
Uma outra situação-acontecimento de cariz mítico em Memorial do Convento
constitui-se com a gesta heróica, epopeica, do transporte da pedra gigante de
mármore, a mãe da pedra, de Pêro Pinheiro para Mafra. Desde o início, a
narração apresenta as situações descritivas como coisas extraordinárias: o
tamanho gigantesco da pedra, o carro especialmente construído para o seu
transporte (uma "nau da Índia"), as duzentas juntas de bois e os
seiscentos homens necessários para o puxarem, os difíceis obstáculos do caminho,
à semelhança das narrativas de heróis clássicos, em que se anunciam os
"trabalhos" fabulosos que terão de ser contornados e o esforço
imperioso, mais do que humano, que terá de ser despendido.
Questionário global "Memorial do Convento"
2. A construção do Convento de Mafra teve origem numa promessa. Refere-a.
3. Indica dois traços caracterizadores de D. João V, D. Ana de Áustria e de D. Francisco.
4. Baltasar estabelece a ligação entre as narrativas da construção do Convento e da passarola. De que modo?
5. Considera as personagens Baltasar Sete-Sóis e Bartolomeu Lourenço.
5.1. Quando se conhecem?
5.2. Que tipo de relação se estabelece entre os dois?
6. Caracteriza Blimunda.
6.1. Em que se distingue das outras pessoas?
6.2. Como se torna útil a Bartolomeu Lourenço?
7. Interpreta o fim trágico das personagens ligadas à passarola.
8. O sonho é uma linha de força da obra. Fundamenta a afirmação.
9. Distingue personagens referenciais de personagens ficcionais.
10. A construção do convento assenta no sacrifício de heróis anónimos. Caracteriza-os.
10.1. Regista um acontecimento marcante na vida desses trabalhadores.
11. Apresenta o ponto de vista do narrador sobre a construção do Convento de Mafra.
12. Os espaços Mafra e Lisboa são privilegiados na obra. Que imagem física e social nos é dada da capital?
13. O clero é observado de forma crítica e irónica. Justifica, recorrendo a exemplos concretos.
14. Delimita cronologicamente a ação principal
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