quarta-feira, 11 de abril de 2012

Memorial do Convento


FICHA DE AVALIAÇÃO SOBRE A OBRA  "MEMORIAL DO CONVENTO"


I
A
Leia o texto com atenção e responda às questões que se seguem.


“Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-o o nimbo da inspiração, E se aumentássemos para duzentos frades o convento de Mafra, quem diz duzentos, diz quinhentos, diz mil, estou que seria uma acção de não menor grandeza que a basílica que não pode haver. O arquitecto ponderou, Mil frades, quinhentos frades, é muito frade, majestade, acabávamos por ter de fazer uma igreja tão grande como a de Roma, para lá poderem caber todos, Então, quantos, Digamos trezentos, e mesmo assim já vai ser pequena para eles a basílica que desenhei e está a ser construída, com muitos vagares, se me é permitido o reparo, Sejam trezentos, não se discute mais, é esta a minha vontade, Assim se fará, dando vossa majestade as necessárias ordens.
Foram dadas. (…) D. João V levantou-se da sua cadeira, beijou a mão do provincial, humildando o poder da terra ao poder do céu, e quando se tornou a sentar repetiu-se-lhe o halo em redor da cabeça, se este rei não se cautela acaba santo.
Retirou-se rasando vénias João Frederico Ludovice para ir reformar os desenhos, recolheu-se o provincial[1] à província para ordenar os actos congratulatórios adequados e dar a boa nova, ficou o rei, que está em sua casa, agora esperando que regresse o almoxarife[2] que foi pelos livros da escrituração, e quando ele volta pergunta-lhe, depois de colocados sobre a mesa os enormes in-fólios[3], Então diz-me lá como estamos de deve e haver. O guarda-livros leva a mão ao queixo parecendo que vai entrar em meditação profunda, abre um dos livros como para citar uma decisiva verba, mas emenda ambos os movimentos e contenta-se com dizer, Saiba vossa majestade de que, haver, havemos cada vez menos, e dever, devemos cada vez mais, Já o mês passado me disseste o mesmo, E também o outro mês, e o ano que lá vai, por este andar ainda acabamos por ver o fundo ao saco, majestade, Está longe daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, outro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos, Se vossa majestade me perdoa a o atrevimento, eu ousaria dizer que estamos pobres e sabemos, Mas, graças sejam dadas a Deus, o dinheiro não tem faltado, Pois não, e a minha experiência contabilística lembra-me todos os dias que o pior pobre é aquele a quem o dinheiro não falta, isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo, entra-lhe o dinheiro pela boca e sai-lhe pelo cu, com perdão de vossa majestade, Ah, ah, ah, riu o rei, essa tem muita graça, sim senhor, queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda, e eu estou em muito boa posição para o saber, de cócoras, que é como sempre deve estar quem faz as contas do dinheiro dos outros. Este diálogo é falso, apócrifo[4], calunioso, e também profundamente imoral, não respeita o trono nem o altar, pões um rei e um tesoureiro a falar como arrieiros em taberna, só faltava que os rodeassem inflamâncias de maritornes[5], seria um desbocamento completo, porém, isto que se leu é somente a tradução moderna do português de sempre, posto o que disse o rei, A partir de hoje, passas a receber vencimento dobrado para que te não custe tanto fazer força, Beijo as mãos de vossa majestade, respondeu o guarda-livros.”
José Saramago, Memorial do Convento

1. Indica as características da personalidade do rei presentes neste excerto, exemplificando com elementos textuais.

2. Explica, por palavras tuas, o sentido das expressões sublinhadas no contexto em que estão inseridas:
· “(…) ainda acabamos por ver o fundo ao saco(…)”
· “(…) isso se passa em Portugal, que é um saco sem fundo (..)”

3. A complexidade do estatuto do narrador de Memorial do Convento está bem presente nesta passagem da obra.
3.1. Aponta dois momentos em que o narrador utiliza um tom irónico em relação ao rei.
3.2. Sinaliza as passagens em que o narrador, assumindo a sua omnisciência, reflecte sobre a sua própria escrita.

4. Como sabes, o verbo haver, conforme o seu significado, pode empregar-se em todas as pessoas ou apenas na 3ª pessoa do singular.

4.1. Indica em qual das frases o verbo haver está na pessoa errada:

a. O rei entedia que eles haviam de construir um convento maior.
b. A gastar daquele modo, eles haverão de ver o fundo ao saco.
c. Foram muitos os governantes que se houveram com o mesmo problema.
d. O dinheiro não era problema, pois haviam dois sacos aonde ir buscá-lo.
e. Havia já alguns anos que as dívidas iam aumentando.

B
Pela leitura que fizeste de Memorial do Convento, comenta, num texto de sessenta a oitenta palavras, a relação amorosa de Baltasar e Blimunda por oposição à que o rei e a rainha mantêm.


II
A. Lê o texto que se segue e selecciona a alínea correcta para cada questão:

“Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando (…). A estranheza do título justifica uma explicação, para que ele não passe como um mero exercício de estilo.
Quando era pequeno — muito pequeno, talvez oito ou dez anos — lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, havia uma índia muito bonita — uma “squaw”, na literatura do Far-West — que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: “não te deixarei morrer, David Crockett!”
Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: “não te deixarei morrer, David Crockett!” E, não só por isso, eu sobreviria a todos os combates. Banal, elementar.
Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre. (…)”

Miguel Sousa Tavares, Não Te Deixarei Morrer, David Crockett

Selecciona a opção correcta para cada questão.

1. Com a afirmação “esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre”, o autor quer dizer que

a. se sentia marcado para toda a vida por aquela frase e aquela cena.
b. transportava consigo, sempre que viajava, um livro de David Crockett.
c. se lembrava daquela frase e daquela cena sempre que viajava.
d. tinha aquela frase gravada na pasta que usava em viagem.

2. Na frase iniciada por “Foi aí que” , o autor assinala o momento em que

a. leu a história aventurosa e acidentada do desbravador David Crockett.
b. tomou consciência de que David Crockett era o símbolo da sua infância.
c. sentiu a necessidade de preservar na memória o herói David Crockett.
d. julgou que era David Crockett, o mítico combatente de Forte Álamo.

3. A perífrase verbal em “e ao longo dos últimos anos fui publicando” traduz uma acção

a. momentânea, no passado.
b. repetida, do passado ao presente.
c. apenas começada, no passado.
d. posta em prática, no momento.

4. A locução “para que” permite estabelecer na frase uma relação de
a. causalidade.
b. completamento.
c. finalidade.
d. retoma.

5. O uso do travessão duplo justifica-se pela necessidade de

a. destacar uma explicitação.
b. registar falas em discurso directo.
c. marcar alteração de interlocutor.
d. sinalizar uma conclusão.

6. O uso repetido do nome “David Crockett”

a. constitui um mecanismo de coesão lexical.
b. assegura a progressão temática.
c. constitui um processo retórico.
d. assegura a coesão interfrásica do texto.

7. Assinala se as afirmações são verdadeiras (V) ou falsas (F):

a. O segmento textual “Este livro reúne alguns dos textos que mensalmente e ao longo dos últimos anos fui publicando” constitui um acto ilocutório directivo.
b. O constituinte “inconsciente” em “Nessa história, o David Crockett (…) ficava inconsciente” desempenha, na frase, a função de predicativo do sujeito.
c. Os vocábulos “batalha” e “combates” mantêm entre si uma relação de antonímia.
d. O antecedente do pronome relativo “que” é “uma índia muito bonita” .
e. Em “molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma”, as formas verbais “molhando”, “tratando” e “vigiando” traduzem o modo continuado como a índia cuidava de David Crockett.
f. Na frase “ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro” ,os adjectivos têm um valor restritivo.
g. Em “não te deixarei morrer, David Crockett” ,“te” e “David Crockett” são referências deícticas pessoais.
h. Na frase “preservei-as à luz do seu significado mais óbvio” , o referente de “as” é “esta frase e esta cena” i. A frase “que vigiaria o meu sono” é subordinada relativa restritiva.
j. O conector “Porém” introduz uma relação de oposição entre o que anteriormente foi dito e a ideia exposta posteriormente.


III
Selecciona apenas uma hipótese e constrói um texto coerente entre cento e cinquenta e duzentas palavras:

a. Reflecte sobre os malefícios da televisão e da vida sedentária.

b. Elabora um texto onde tenhas em conta as alterações climáticas, o aquecimento global, as tuas preocupações ambientais e o que fazes para melhorar o mundo.

c. Considera, no romance Memorial do Convento, de José Saramago, a relação entre o título e o conteúdo e refere a importância que o aspecto mencionado assume no universo da obra.



Notas de rodapé:
[1] Superior religioso de uma província eclesiástica
[2] Tesoureiro da casa real.
[3] Livro ou volume com formato de folha de impressão dobrada ao meio.
[4] Não autêntico
[5] “Maritornes”- personagem de D. Quixote, criada asturiana numa hospedaria, bem feita de corpo, mas feia e ordinária; “inflamâncias”- exaltações, entusiasmos.

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