sábado, 27 de novembro de 2010

O discurso político

HUMOR

Partido apresenta discurso político de duplo sentido

O nosso partido cumpre o que promete.

Só os néscios podem crer que

Não lutaremos contra a corrupção.

Porque, se há algo certo para nós, é que

A honestidade e a transparência são fundamentais

Para alcançar os nossos ideais

Mostraremos que é grande estupidez crer que

As máfias continuarão no governo, como sempre.

Asseguramos sem dúvida que

A justiça social será o alvo de nossa acção.

Apesar disso, há idiotas que imaginam que

Se possa governar com as manchas da velha política.

Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que

se termine com os marajás e as negociatas.

Não permitiremos de nenhum modo que

As nossas crianças morram de fome.

Cumpriremos os nossos propósitos mesmo que

Os recursos económicos do país se esgotem.

Exerceremos o poder até que

Compreendam que

Somos a nova política.

(Agora, leia o mesmo discurso linha por linha, de baixo para cima!)



O DISCURSO POLÍTICO

Trabalho 1 - Lê o manifesto do candidato à Presidência da República Portuguesa e em traços gerais apresenta as linhas de orientação do candidato.

CONTRA O DESEMPREGO E A POBREZA,

SÓ OS TRABALHADORES PODEM VENCER A CRISE!

UMA CRISE DE REGIME, ESTRUTURAL E IRREVERSÍVEL

Se excluirmos os partidos que se alternam no poder e uma pequena minoria da população que beneficia das suas políticas, existe hoje uma consciência generalizada de que Portugal está mergulhado numa crise de enormes proporções, de que não se vislumbra qualquer saída no quadro político vigente.

A sucessiva deserção dos dirigentes políticos em funções de primeiro-ministro, começada por Cavaco Silva, em 1995, e prosseguida com António Guterres, em 2002, e Durão Barroso, em 2004, constitui um sintoma claro, entre muitos outros, do esgotamento do regime de democracia parlamentar, instaurado em Portugal após a derrota da revolução que se seguiu ao golpe militar de 25 de Abril de 1974.

A criação e consolidação de um tal regime assentou em duas opções fundamentais, as quais estão na base da actual crise. A primeira, foi a opção por um modelo capitalista de desenvolvimento; a segunda, foi a opção pela adesão à então Comunidade Económica Europeia.


Optar por manter um sistema económico capitalista, ainda por cima na situação de atraso e dependência em que se encontrava o país, significou importar para a economia portuguesa, de uma forma amplificada e sem as válvulas de escape de que dispõem as economias capitalistas mais desenvolvidas, todos os factores de crise do capitalismo global, e significou ainda marginalizar a maioria da população portuguesa, reduzindo-a à mera condição de produtora de mais-valia, sem outros direitos políticos que não sejam os de escolher, de quatro em quatro anos, os partidos que irão gerir o sistema.

Da mesma forma, ao optar, sem condições e nas costas do povo português, pela chamada adesão à então Comunidade Económica Europeia, a classe dominante portuguesa abdicou expressamente de quaisquer veleidades de desenvolvimento económico autónomo e sustentado e, a troco de algumas migalhas e de uma espécie de «seguro de vida» face a eventuais ameaças revolucionárias, dispôs-se a transferir, uma a uma, todas as esferas da soberania nacional para um directório constituído pelos países capitalistas mais avançados da Europa, pedindo-lhes com todas as letras: «Governem-nos!».

Os resultados desta política e desta atitude de subserviência – que o PCTP7MRPP foi o único a denunciar de forma firme e consequente - estão agora bem à vista. Em termos económicos, o mínimo que se pode dizer é que, trinta anos depois do 25 de Abril e quase vinte anos depois da integração de Portugal na actual União Europeia, a economia portuguesa bateu por completo no fundo!

As actividades produtivas tradicionais do país, na indústria, na agricultura, nas pescas ou na exploração mineira, foram sendo todas liquidadas, umas atrás das outras, ao mesmo tempo que o incremento do nível educacional, da investigação científica e da inovação tecnológica foi reduzido à condição de simples miragem, inviabilizando assim o desenvolvimento de novas actividades produtivas e empurrando os jovens deste país para actividades de serviços pouco qualificadas e mal pagas, para a emigração, para a delinquência ou para a droga.

O desemprego deixou de ser definitivamente um fenómeno conjuntural, decorrente da evolução tecnológica , tendo ultrapassado já o número de meio milhão, dos quais quase dez por cento são jovens licenciados. Numa economia cada vez mais vulnerável e periférica, a pobreza atinge já um em cada quatro portugueses, na sua maioria pensionistas e idosos mas também membros de jovens famílias trabalhadoras, as dívidas das famílias à banca representam já perto da totalidade do rendimento disponível do país e os níveis das prestações sociais garantidas pelo Estado às classes trabalhadoras vão baixando na mesma proporção em que as respectivas necessidades aumentam.

Quatro em cada cinco novos trabalhadores contratados são-no em regime de trabalho precário e muitas vezes clandestino, fenómeno que atinge trabalhadores nacionais mas também um número já elevado de trabalhadores emigrantes, muitos deles de elevadas qualificações, mas nem por isso deixando de ser tratados como mão-de-obra escrava. Entretanto, aumenta exponencialmente o número de empresas que encerram as suas portas ou que não paga os salários aos seus trabalhadores, e, com a aplicação do famigerado Código do Trabalho, os trabalhadores perderam quase todos os direitos de que ainda dispunham, incluindo o direito à contratação colectiva.

Alienados, por via das condições de adesão à moeda única europeia, os instrumentos de política económica, de natureza monetária, cambial e orçamental, e estando Portugal em vias de se tornar contribuinte líquido da União Europeia, o atraso económico do país e os desequilíbrios das contas externas levam a que se utilize, como único factor disponível de ajustamento (a chamada “competitividade”) face à concorrência internacional, o abaixamento sistemático dos custos salariais das empresas, com o seu cortejo de baixos salários e de despedimentos em massa.

E eis como a submissão ao capital financeiro internacional e às regras de concentração monopolista postas em prática pela União Europeia, teve como resultado a manutenção e o reforço do modelo salazarista dos salários mínimos e da exploração máxima, modelo que inviabiliza aliás qualquer aumento real da produtividade do aparelho produtivo nacional. Se se analisar a evolução da produtividade nos dez anos que precederam a adesão de Portugal à CEE e a evolução da mesma produtividade nos quase vinte anos pós-adesão, verifica-se que os valores obtidos são praticamente idênticos, o que é bem revelador do fracasso económico em que se traduziu aquela adesão.

Assim, no plano interno, e depois de terem sido tentados sem sucesso, designadamente nos governos de Cavaco Silva e António Guterres, todos os caminhos possíveis dentro da lógica capitalista para ultrapassar a crise (seja o modelo de fomento das exportações ou o do incentivo ao consumo), o capitalismo português encontra-se num verdadeiro beco sem saída, sem outro horizonte que não seja o de intensificar contínua e brutalmente a exploração sobre os trabalhadores e de continuar a aumentar o desemprego.

Quanto ao plano externo, Portugal é hoje – já ninguém ousa negá-lo - uma neo-colónia do imperialismo norte-americano e do imperialismo europeu, apoiante de primeira linha das guerras de agressão a outros povos por aqueles conduzidas(como a do Iraque), e cada vez mais reduzido à condição de simples apêndice da Espanha, no quadro da União Europeia.

Ora, neste contexto, e embora o regime político baseado no chamado “Estado de direito democrático” seja aquele que é mais favorável ao funcionamento e sobrevivência de um sistema capitalista, como o que existe actualmente no nosso país, o que sucede é que o progressivo desfazer das ilusões do eleitorado popular nesse sistema e nos partidos que o sustentam, bem como a rápida agudização das contradições que dilaceram a sociedade portuguesa, tudo isso leva a que seja a própria classe capitalista a pôr em causa a viabilidade daquele regime, que , cada vez mais, de democrático só vai tendo o nome.

É assim que os trabalhadores portugueses, por cima dos sacrifícios e das privações que lhes são impostas, se vêem também crescentemente desapossados de qualquer possibilidade de influência e de controlo democráticos sobre as suas condições de existência. O escrutínio e a contestação dos actos de prepotência da administração pública e privada, através, designadamente, do acesso à informação e do acesso à justiça, são hoje sistematicamente negados ou dificultados, do mesmo passo que se assiste a um reforço notável dos mecanismos de censura, de vigilância, de perseguição política e de repressão do Estado capitalista actual.

Se algumas das mais gravosas e emblemáticas medidas do último governo do PS, chefiado por António Guterres, foram a liquidação, no processo penal e fora dele, dos mais elementares direitos, liberdades e garantias e a imposição da lógica fascizante da presunção de culpa e da total ausência de controle sobre o Ministério Público, as polícias e os serviços de informações, os governos do PSD/CDS, com destaque para o de Santana Lopes, aperfeiçoaram até um ponto nunca visto no pós-25 de Abril a máquina repressiva do Estado, culminando esta acção com a criação de uma «central » especializada no silenciamento, na perseguição e na destruição cívica e política de todos os seus opositores reais ou potenciais.

Olhando para trás e fazendo o balanço dos últimos trinta anos, é forçoso concluir que, apesar das lutas populares de resistência que foram sendo travadas ao longo desse período, pelo caminho foram ficando os direitos políticos e económicos arrancados pelos trabalhadores na revolução democrática e popular ensaiada, mas não concluída, nos anos de 1974 e 1975, e foram sendo esvaziadas de conteúdo e mesmo esmagadas, uma a uma, as liberdades cívicas vertidas na Constituição da República, das quais vai subsistindo apenas uma parte da sua formulação literária.


Nestas circunstâncias, a grande questão que se coloca é esta: que fazer?

Cada classe na sociedade tem a sua forma própria de enfrentar a realidade presente. As classes mais instáveis entram, como agora se diz, em «depressão», mas a classe dos que tudo produzem só pode encarar a situação actual como um apelo urgente a definir um caminho alternativo para o país, baseado no controlo operário e popular sobre o que produzir, como produzir e como aplicar e distribuir esse produto, e tendo como estratégia a criação de uma frente única de todas as classes e camadas de classe trabalhadoras no nosso próprio país, assim como estabelecimento de uma aliança internacionalista com a os trabalhadores de outros países, designadamente a nível europeu. Um caminho difícil, mas certamente o único que vale a pena ser percorrido.

CONTRA O DESEMPREGO E A POBREZA,

SÓ OS TRABALHADORES PODEM VENCER A CRISE!

Face à gravidade da situação que se vive hoje no nosso país, torna-se indispensável estabelecer um plano de ataque imediato e urgente à crise, e designadamente às mais dramáticas das suas manifestações. A primeira dessas manifestações é claramente o desemprego, não apenas pelo nível elevadíssimo que já atingiu e pelas perspectivas próximas de aumento, como pela natureza permanente e estrutural que adquiriu, já que o mesmo se caracteriza por ser cada vez mais um desemprego de média e longa duração, do mesmo passo que aumenta rapidamente a componente desse desemprego que não está associada à baixa qualificação dos que são por ele atingidos. A segunda dessas manifestações, a pobreza, está ela também muito associada às situações de desemprego, embora atinja com particular gravidade a população reformada e idosa.

Assim, um programa mínimo de combate à crise, coloca, entre outras, as seguintes exigências fundamentais:

• Estabelecimento de um plano estratégico de desenvolvimento económico nacional que impulsione e salvaguarde todos os sectores de produção, designadamente a indústria, a agricultura, as pescas e a exploração mineira;

• Controlo, pelas organizações dos trabalhadores, das condições de produção e distribuição da riqueza, a nível nacional, bem como de todos os dinheiros da Segurança Social e Fundos de Pensões;

• Aplicação imediata da semana de 35 horas;

• Aposta decisiva e prioritária na formação cívica e de cidadania, na educação (com particular relevo nas áreas da Matemática, da História, da Língua Portuguesa e das Novas Tecnologias) e na formação profissional, e forte apoio público às actividades de investigação científica e de desenvolvimento tecnológico;

• Apoio estatal às pequenas e médias empresas, designadamente as que operam nos sectores básicos e de importância estratégica nacional;

• Pagamento, pelo Estado, dos salários dos trabalhadores despedidos, até à obtenção de novo emprego com idêntica ou superior qualificação;

• Administração e fornecimento, por entidades públicas, dos serviços essenciais de que a população necessita, tais como a educação, a saúde, a assistência à terceira idade e aos cidadãos com deficiência, os transportes, o abastecimento de água e energia, o saneamento e o tratamento de resíduos;

• Instituição de um Sistema Nacional de Saúde geral e gratuito e criação de uma ampla e eficaz rede de cuidados primários; primeira prioridade no combate à Sida, concebida como uma pandemia e um grave problema de saúde pública, e forte aposta na prevenção a todos os níveis;

• Financiamento público daqueles serviços essenciais, numa parcela social mínima calculada a partir das necessidades de cada indivíduo e do respectivo agregado familiar;

• Substituição do actual sistema de impostos por um outro sistema que deverá representar um drástico abaixamento dos impostos sobre os trabalhadores por conta de outrem e ser constituído exclusivamente por um imposto fortemente progressivo sobre o rendimento e o património e do qual seja drasticamente eliminada qualquer possibilidade de fraude e evasão fiscal;

• Supervisão e controlo, pelas autoridades nacionais, do funcionamento do sistema financeiro e bancário, como meio de salvaguardar a independência financeira do país e de assegurar o acesso a um crédito barato por parte dos cidadãos e das empresas;

• Revogação imediata do actual Código do Trabalho e sua substituição por legislação laboral que garanta os direitos colectivos dos trabalhadores (da greve à contratação colectiva), promova o emprego com qualidade e a elevação da qualificação e valorização profissionais, assegure a existência de salários condignos e de adequadas condições de higiene e segurança no trabalho e que não só respeite integralmente os direitos dos trabalhadores como garanta a efectiva responsabilização e sancionamento pela sua violação;

• Aumento imediato das pensões de reforma, de forma a que nenhuma delas tenha um montante inferior ao salário mínimo nacional;

• Recusa da regionalização do país e promoção de níveis condignos de qualidade de vida em qualquer ponto do território nacional e sem distinção entre o continente e as regiões insulares autónomas, e entre zonas urbanas e zonas rurais;

• Reforma completa do sistema de Justiça, sob a orientação geral de reforço dos direitos dos cidadãos e dos seus defensores, abaixamento drástico das custas judiciais, efectivo controle democrático e jurisdicional sobre todos os actos do Ministério Público, polícias e serviços de informações e aprovação de um novo regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas;

• Adopção urgente e efectiva de um Plano Nacional de Combate à Sinistralidade Rodoviária que, adoptando uma perspectiva de saúde pública no combate a um fenómeno epidemiológico, incorpore as propostas do Repto da “Estrada Viva - Liga Contra o Trauma”(Plano Horizonte Zero Mortes, Alta Autoridade para a Segurança Rodoviária, Rede Nacional de Trauma, Cartas dos Direitos do Peão e da Pessoa Traumatizada, Auditorias de Segurança Rodoviária, Normas Construtivas).

A aplicação de um programa mínimo, como o que foi acima exposto, exige e impõe a recusa do actual projecto de «Constituição Europeia» e a renegociação das condições e dos acordos relacionados com a participação de Portugal na União Europeia. Assim, há que lutar, no quadro nacional e europeu, pelas seguintes reivindicações fundamentais:

• Realização de um referendo sobre a «Constituição Europeia»;

• Recusa de quaisquer regras e instrumentos jurídicos que signifiquem a confiscação, pela UE, da soberania dos povos e nações que integram a mesma UE;

• Eliminação, no quadro da UE, de todas as regras de política económica, monetária e orçamental que constituam um obstáculo ao desenvolvimento dos países mais pobres da mesma UE, e reforço dos mecanismos de apoio a esse mesmo desenvolvimento;

• Uniformização da legislação laboral e dos sistemas de protecção social a nível europeu, com inclusão das normas, existentes no universo dos países da UE, que sejam mais favoráveis aos trabalhadores e às populações carenciadas;

• Fixação de um salário mínimo europeu, tendo por base o valor de um cabaz de bens e serviços essenciais, cujo montante deverá ser estabelecido de acordo com o preço médio europeu para cada um daqueles bens e serviços;

• Salário igual para trabalho igual, em todos os países da UE;

• Controlo, pelas organizações dos trabalhadores, das condições de produção, distribuição e consumo a nível europeu.

• Recusa do estabelecimento de uma «Política de Defesa e Segurança Comum» sob qualquer forma e combate activo ao envolvimento da UE e de qualquer dos seus membros em guerras de agressão contra outros povos e nações.

10 PONTOS DE UM “PROGRAMA PARA A JUSTIÇA”

1. Orientação geral de reforço dos direitos dos cidadãos em todas as formas de processo, contra a lógica do discurso do pretenso “excesso de garantismo”.

2. Retirar da Justiça Cível as acções de mera cobrança de dívidas, por forma a criar naquela suficiente espaço para as acções de cidadania.

3. Dignificação da arbitragem como forma alternativa de resolução de conflitos.

4. Adopção de um plano de medidas de combate à droga, assente na perseguição implacável do tráfico, no recenseamento voluntário dos toxicodependentes, na adequada oferta pública do seu tratamento e recuperação e – enquanto estes não são alcançados – na administração gratuita, sob rigorosa prescrição e contínuo acompanhamento médicos, da dose de que cada um é dependente (como única forma de cortar o círculo vicioso, actualmente existente, entre toxicodependência e criminalidade).

5. Reforma completa do Processo Penal, com a devolução da dignidade do papel e intervenção do Advogado no processo penal, a obrigatoriedade da sua presença, sob pena de nulidade, em todos os interrogatórios do arguido detido, bem como em todas as diligências de inquérito ou instrução por si requeridas; instalação de piquetes de Advogados em todas as esquadras e postos de polícia; dignificação da defesa oficiosa – sempre assegurada por Advogados; drástica diminuição do recurso à medida de coacção da prisão preventiva, sempre e em qualquer caso sujeita a apreciação mensal pelo Juiz de instrução.

6. Fim do segredo de Justiça, excepto em casos excepcionais devidamente justificados por despacho do Juiz de instrução, efectivo controle jurisdicional de todos os actos do Ministério Público em particular na fase do inquérito e efectiva responsabilização do Estado quer em caso de ultrapassagem dos respectivos prazos, muito em especial o prazo prescricional, quer em situações de prisão ilegal ou infundamentada !

7. Proibição e punição exemplar do funcionamento de serviços de informações secretas ou clandestinas e atribuição da averiguação e investigação de todos os casos em que esteja em causa a violação, por parte dos agentes policiais (PSP, GNR, PJ, Serviços Prisionais, etc.) e do Ministério Público, de direitos, liberdades e garantias fundamentais (designadamente em matéria de escutas e vigilâncias ilegais e actos de violência ou coacção) a uma comissão constituída por cidadãos independentes de reconhecida probidade e presidida pelo Provedor de Justiça.

8. Obrigatoriedade da consulta da Ordem dos Advogados e das Associações de defesa dos direitos cívicos dos cidadãos previamente à aprovação de qualquer diploma que contenda com tais direitos.

9. Completamento da reforma do processo administrativo, de molde a garantir o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, eficaz e atempada dos direitos dos administrados face à Administração Pública, nomeadamente com a aprovação da nova lei da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas.

10. Revogação do Código do Trabalho e aprovação de novas leis do trabalho de forma a garantir as adequadas condições de higiene e segurança no trabalho, a promover a valorização e qualificação profissionais, a defender os direitos colectivos dos trabalhadores e suas organizações (da greve à contratação colectiva), e a pôr cobro quer à impunidade actualmente decorrente da verdadeira “opacidade” da pessoa do empregador (frequentemente diluída em relações de grupo ou por actos de transmissão de estabelecimento ou de exteriorização de actividades), quer à completa precariedade e à denegação dos mais basilares direitos de cidadania no âmbito das relações de trabalho.

Cavaco Silva


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

CONTOS TRADICIONAIS

Os contos têm como função o prazer de ouvir ler e contar histórias.

ORIGENS:
Não se sabe como surgem embora se reconheçam algumas fontes, no entanto contar histórias é um saber ancestral. Em todos os povos do mundo os contos, na sua maioria, são iguais ou muito semelhantes. Esse universalismo revela apenas a persistência de qualquer coisa de comum à totalidade dos homens.

TRANSMISSÃO:
As viagens dos povos através do planeta, como por exemplo as viagens dos portugueses, foram uma forma de transmitir oralmente as suas histórias populares. Mesmo antes da invenção da imprensa, as histórias circulavam através da oralidade.

SIGNIFICADO:
O primeiro aspecto a salientar é o carácter moralizador que os contos possuem. Todos os contos eram um “exemplo proveitoso”.

Frei Luís de Sousa


Síntese
Drama em três actos, em prosa, considerado uma das obras-primas do teatro português. Representado pela primeira vez em 1843, teve como actor o próprio Garrett no papel de Telmo.
A acção é trágica. D. João de Portugal foi dado como morto na batalha de Alcácer-Quibir. Sua mulher, D.Madalena de Vilhena, após sete anos de espera e de buscas infrutíferas, desposou D.Manuel de Sousa Coutinho, que já amava em vida de D.João. Deste segundo casamento nasceu uma filha, Maria de Noronha, que aos treze anos revela estranha sensibilidade, aguçada pela tuberculose. Só o velho criado Telmo, sempre fiel à memória de D.João, espera que ele esteja vivo e regresse. Essa íntima fé enche a casa de negros presságios. E numa sexta-feira, dia fatídico para D. Madalena (“faz hoje anos que... casei a primeira vez...que se perdeu el-Rei D. Sebastião, e faz anos também que...vi pela primeira vez a Manuel de Sousa”), aparece um romeiro vindo da Terra Santa: é D. João de Portugal. Essa família está pois condenada à destruição. D. Manuel e D. Madalena resolvem entrar num convento e durante a cerimónia em que recebem do prior de Benfica os escapulários Dominicanos, surge Maria que, desvairada, vem morrer na própria igreja (“morro...morro de vergonha”).
A obra cria em si um ambiente de ansiedade, de negros presságios à maneira da tragédia grega, e cria uma situação em que o destino é dominante. Toda uma família é destroçada por um erro cometido por amor, cada um dos seus membros vive todo o drama colectivo. Manuel de Sousa Coutinho é uma figura histórica de um grande patriota e na obra revela-se ainda o início do mito de D.Sebastião. Pode pois dizer-se que toda a obra revela características românticas.


Ficha de trabalho

1- Comente a seguinte afirmação em relação à totalidade da obra:

“ D. João de Portugal, por motivos de honra, e Madalena, em defesa do seu amor, procuram em vão impedir a tomada de hábito. Manuel de Sousa mantem-se intransigente na sua resolução.”

2- O destino e a superstição desempenham um papel importante na obra. Justifica.

1º acto - Cena 1

1. O monólogo pode dividir-se em duas partes, correspondendo cada uma a dois elementos duma comparação entre Inês de Castro e D. Madalena.

1.1. Que episódio está a ler Madalena e em que canto se situa?

1.2. Onde termina, na fala de Madalena, a 1ª parte?

1.3. Que palavra marca a oposição entre os sois elementos comparados?

2. Madalena está só, mas em espírito tem presentes duas pessoas.

2.1. A quem se refere quando diz “que o não saiba ele ao menos”?

2.2. Que personagem lhe provoca o “medo” e os “terrores” de que fala? (procura a resposta na cena 2)

2.3. A que personagens se referem os nomes amor, felicidade, desgraça? Porquê?

3. Na indicação cénica, Madalena repete “maquinalmente” e devagar o que acaba de ler. Essa atitude significa atenção ou devaneio? Porquê?

4. Em que posição e com que expressão fisionómica vê Madalena naquela pausa que faz, depois de proferir “Mas eu...”?

Cena 2

1. Qual é o objectivo principal de Madalena?

2. Há na cenaduas fases: uma em que Madalena pede timidamente e Telmo é categórico, outra em que Madalena ordena e Telmo se retrai.

2.1. Delimita no texto cada uma das duas fases.

2.2. Que sentimento justifica em Madalena, as negativas reticentes “eu não sei...” “digo que não sei”, da primeira fase?

2.3. Que outro sentimento, oposto ao primeiro, condiciona as frases afirmativas e as imperativas da segunda?

3. Por que meio se faz nesta cena a aproximação entre Madalena e D.João?

4. Que motivos levam Telmo a censurar D. Madalena na 1

Romantismo (características)

Síntese - Romantismo

 No Romantismo domina o coração, a fantasia e o sentimento.

• Usa-se o maravilhoso cristão e popular das lendas e tradições, com personagens históricas (por vezes medievais).

• Os textos revelam arrebatamento e grande exaltação.

• Aparece o homem frágil, doente, indisciplinado, irrequieto, egocêntrico, sem grandes preocupações morais e sobretudo pessimista.

• Por vezes faz-se o retrato de um homem revoltado contra a sociedade, individualista e solitário.

• A mulher é um anjo que tanto pode ser bem como mau.

• O amor é sentimental e sensorial.

• A natureza é sombria e melancólica e é um estado de alma que se descreve.


(Aplicam-se a Almeida Garrett)

Eça de Queiroz

José Maria Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim a 25 de Novembro de 1845 e morreu em Paris, no ano de 1900. É considerado a figura mais importante do romance português. Formou-se em direito, em Coimbra. Em 1869 assistiu à inauguração do canal de Suez e viajou no Oriente. Quando regressou decidiu entrar no Corpo Diplomático. Em 1873 é nomeado consul em Cuba e daí segue para Inglaterra (1874/78). O seu último cargo é em Paris.


A sua obra é vasta e dela se destaca:

1866- artigos e relatos breves na Gazeta de Portugal que deram origem às Prosas Bárbaras.

1874- Singularidades de uma rapariga loira - Conto

1870- O Mistério da Estrada de Sintra - Romance Policial escrito conjuntamente com Ramalho Ortigão.

1875- O Crime do Padre Amaro

1878- O Primo Basílio

1880- O Mandarim

1887- A Relíquia

1888- Os Maias

1891- O Suave Milagre

1900- A Ilustre Casa de Ramires

- Correspondência de Fradique Mendes

1901- A Cidade e as Serras

Antero de Quental

ESPIRITUALISMO I




Como um vento de morte e de ruína,

A Dúvida soprou sobre o Universo.

Fez-se de noite de súbito, imerso

O mundo em densa e álgida neblina.



Nem astro já reluz, nem ave trina,

Nem flor sorri no seu aéreo berço

Um veneno subtil, vago, disperso,

Empeçonhou a criação divina.



E, no meio da noite monstruosa,

Do silêncio glacial, que paira e estende

o seu sudário, donde a noite pende,



Só uma flor humilde, misteriosa

Como um vago protesto da existência,

Desabrocha no fundo da Consciência.



II



Dorme, entre os gelos, flor imaculada

Luta, pedindo um último clarão

Aos sóis que ruem pela imensidão,

Arrastando uma Auréola apagada...



Em vão! Do abismo a boca escancarada

Chama por ti na gélida amplidão...

Sobe do poço eterno, em turbilhão,

A treva primitiva conglobada...



Tu morrerás também. Um ai supremo,

Na noite universal que envolve o mundo,

Há-de ecoar, e teu perfume extremo



No vácuo eterno se esvairá disperso

Como o alento final dum moribundo

Como o último suspiro do Universo.



O POETA

Antero propõe-se inaugurar na literatura portuguesa uma poesia nova que se inspire em ideias filosóficas, ideais éticos e emoções religiosas. Considera a idealidade e a realidade como próprias da verdadeira poesia. É o antagonismo entre luz e trevas que domina na imaginação de Antero. A luz aparece relacionada com o Divino e o Sublime, a Verdade e a Beleza, a Fé e a Ideia, o Amor puro e o Pensamento puro, a Liberdade e o Heroísmo, mas também com a inquietude de ânsias febris, lutas absurdas e torturantes, revelações aniquiladoras e inexoráveis; a escuridão aparece relacionada com o terrestre e a imperfeição, a ilusão e a aparência, a descrença e a incerteza, a dúvida e a angústia, o abismo e o vácuo, mas também com o sossego e o esquecimento, a harmonia e a paz do Nirvana, do Não-Ser da Morte que, oposto ao ser inquieto, perturbador da vida, apenas aparente, ilusória e dolorosamente desenganadora, é o Ser absoluto imóvel e imutável.


CICLOS:

1º Ciclo (1860-1862)

Perturbação, incerteza, inquietude, abandono, perda de fé, busca de novas verdades.

2ºCiclo (1862-1866)

O homem e a Criação ficam unidos, a separação lembra a transitoriedade das coisas colocando o não-amado e aquele que não ama fora da harmonia natural.

3ºCiclo (1864-1874)

Devoção religiosa, cede à consciência de que o céu não abriga nenhuma divindade e à intuição de que não se trata de procurar Deus ou de acreditar nele, mas que se impõe conhecer a Verdade. Culto da luz e da claridade. A Ideia, a Verdade, o Bem a Essência só se revelam na Consciência Humana. Passa a envolver-se na luta por ideias e ideais.

4ºCiclo (1874-1880)

“A força da inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos (...) puseram-me face ao problema da existência. A minha vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível”.”A voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo...”. Achei que o misticismo, sendo o desnvolvimento psicológico, deve corresponder à essência mais funda das coisas”. “O pessimismo não é um ponto de chegada mas sim um caminho”. “O pessimismo é a redução ao absurdo do Naturalismo e das ilusões”. “A realidade visível não passa de mera ilusão, a realidade é mera aparência e só existe verdadeiramente como símbolo e veículo da vida moral”.

5ºCiclo (1880-1884)

Reflexo do triunfo sobre o pessimismo e da metamorfose religiosa. No Não-Ser reconhece-se o Ser absoluto. A transitoriedade das coisas deixa de ser motivo de desespero. Conhecê-la é penetrar na própria essência dos fenómenos e descobrir a verdadeira realidade do mundo moral, os limites que o mundo natural impõe e a liberdade que o mundo moral concede. A vida e a morte já não inspiram horror.


A OBRA:

1. MISSÃO SOCIAL DA POESIA /Apostolado Social

“A um poeta” (3ºciclo)

Os poetas têm em si a verdadeira essência mas estão adormecidos em relação ao que se passa à sua volta (atitude romântica). Faz-se por isso um apelo para que os poetas cantem a vida (o sol) e não a morte (larvas tumulares) e que façam da sua voz a voz das multidões (atitude realista). Esta atitude conduzirá a uma criação pura e à verdadeira poesia. Esta será uma forma de combate (missão social) e a palavra será uma arma, o poeta “soldado do futuro”.


“Hino à razão” (3ºCiclo)

A Liberdade é o que se procura como fim “entre clarões”. Para o conseguir é necessário Amor e Justiça. A atracção pela Liberdade que se apresenta como auto-determinação do ser não invalida a liberdade humana condicionada. A “alma livre” é condicionada pela Razão mas é pela Razão que as nações buscam a Liberdade como fim último. Amor, Justiça e Liberdade são três valores indispensáveis. Ao tornar a Razão irmã do Amor e da Justiça o poeta revela-se preocupado em harmonizar os conceitos. Cabe à Razão levar o homem a saber que só o Amor e a Justiça podem criar a harmonia e conduzir à Liberdade.


“Tese e Antítese I e II” (3ºciclo)

A nova Ideia (deusa furiosa) é a inteligência que comanda a força ou a Razão e que possui por isso uma força revolucionária e transformadora, uma força universal imparável. A nova Ideia é toda a força de transformação que existe no homem e nas sociedades e que é responsável por todas as revoluções. O pensamento é “fogo” ( logo revolução) e “luz” (Verdade e Justiça). O homem deverá mudar a sua atitude estática (“combatei pois...”


2. ANTÍTESE ESPIRITUALISMO E LIBERDADE/ MECANISMO E DETERMINISMO

“Evolução” (5ºciclo)

O homem evolui desde o estado primitivo (granito- elemento composto mas facilmente degradável- passando por tronco ou ramo que irrompe mesmo quando se fere), passa pelo estado animalesco (fera ou monstro primitivo) limitando-se a rugir e a buscar abrigo até que se torna um homem (hoje). Nesse momento descobre a “escada multiforme” (a própria vida com seus contornos), que conduz ao vácuo e à morte, se nos limitarmos a olhar para o fundo. Mas se olharmos para o alto, para o infinito surgem emoções (“às vezes choro”) e conseguimos finalmente sonhar com a liberdade porque o infinito é tudo aquilo que está para além do homem e a liberdade é o fim a que se aspira. Tal como a evolução biológica humana passou por várias fases, assim o homem e a sua espiritualidade são caminhos a percorrer.


“Espiritualismo I e II ” - (4ºciclo)

(Se a consciência é livre, o determinismo implica que, todavia, ela é sempre histórica e está condenada a desaparecer)


3.ANGÚSTIA EXISTENCIAL (pessimismo)


“O Palácio da Ventura” (2ºCiclo)

(nunca se encontra o que se espera, a felicidade é algo de inatingível, ou seja, a busca do absoluto conduz ao vazio e à morte)- A histórica jornada transcende o plano individual: o drama é eterno e universal e o Vagabundo e o Deserdado é o homem ansioso e eternamente infeliz. Na vida há miragens (o palácio que se desenha na sua pompa aérea), há lutas e entusiasmos (cavalgada numa amplidão sem fim), desânimos (espada quebrada e armadura rota) e decepções (silêncio e escuridão).


“Despondency”- (2ºciclo)


“Sonho Oriental”- (2ºCiclo)


4. DESEJO DE EVASÃO

Nirvana” (4ºciclo)

“Na mão de Deus “- (5ºciclo)

(identificação do “eu” com o mundo imperfeito, o mundo real e de injustiça, e a identificação da Ideia, da perfeição, com Deus, embora seja um Deus vago e panteísta. A Virgem é referida como a ligação maternal entre o homem (mundo imperfeito) e Deus (mundo da perfeição).


BEATRICE (Último soneto do 1ºciclo)


Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,

Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;

Depois que vi descer, baixar no céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:



Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:



Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contem...



Não temas pois- Oh vem! o céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

Amor de Perdição

Novela de paixão amorosa, talvez a mais intensa e profunda que se escreveu na Peninsula Ibérica.

Duas famílias nobres, moradoras em Viseu, os Albuquerques e os Botelhos, odeiam-se por causa dum litígio em que o juiz Domingos Botelho deu aos primeiros uma sentença desfavorável. Mas Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, ainda na adolescência apaixonam-se. Teresa estava prometida a Baltasar Coutinho, seu primo, que despeitado, leva o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, a encerrá-la no convento de Monchique, no Porto. Simão espera-os à saída de Viseu, luta com Baltasar e, enfurecido pela insolência do rival, mata-o a tiro, entregando-se à justiça. Condenado à forca, a sentença é comutada, por diligência de Domingos Botelho. Simão é transferido para a cadeia da Relação do Porto, e deverá ser degradado para a India. Entretanto, minada pela desgraça, Teresa encontra-se moribunda. Quando parte a nau dos condenados, Simão ainda a vê dizer-lhe adeus do mirante do convento, mas, devido ao mau tempo, a nau pára em frente de Sobreiras, e Simão, horas depois, sabe da morte da amada. Ao décimo dia de viagem, morre também. Na novela há ainda um amor infeliz e sublime: o de Mariana, filha do ferrador João da Cruz. Abnegada e sem esperança, serve de intermediária entre Simão e Teresa, e sozinha no mundo, após o assassínio do seu pai, acompanha Simão ao exílio. Quando este morre suicida-se.


Simão- Belo, moço, desempenado e viril, caracteriza-se a princípio como um génio turbulento, que o leva a desdenhar dos pergaminhos da família e a conviver com os desordeiros de Viseu, gentalha da plebe. Mas, o amor por Teresa transfigura-o a ponto de vir a encarnar um ideal humano. Conservando um feitio colérico, revoltado e indomável, Simão revela, no decorrer da história, nobreza de carácter que transparece, por exemplo, no modo como censura João da Cruz, quando este mata um criado, já ferido, de Baltasar Coutinho, ou ainda na constante ingratidão que devota ao ferrador e a Mariana. Por lealdade, após matar Baltasar, entrega-se à justiça e confessa no tribunal a causa do crime. Por altivez e nobreza, recusa os favores tardios do pai, rejeitando a graça de poder cumprir a pena em Vila Real, preferindo o degredo. Este homem de ferro, impávido nos momentos decisivos e obstinado na desgraça, suscita a admiração num desembargador: “Há grandeza neste homem de dezoito anos, Senhor Albuquerque”. Camilo identificou-se com o herói e fez dele um grande poeta amoroso, um grande romântico sobretudo nas cartas de amor que envia a Teresa e nas quais desabafa ressentimentos, ódios e a nostalgia de sonhos impossíveis.

Teresa é a grande heroína, “uma menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem nascida. Possuía uma grande força de carácter, um orgulho fortalecido pelo amor, e um pouco de astúcia. Encarna a paixão amorosa pura e obstinada. É uma figura consumida, estática por trás da janela do convento, vítima insubmissa dos homens e do Destino, de olhos postos na justiça do céu, na justiça divina.


A obra é pois um conflito entre o amor e os preconceitos de pais inflexíveis, desumanos no seu orgulho. Um caso de rivalidade que, gerando o ódio e a vingança, conduz ao crime. Um exemplo romântico do poder transfigurante do amor. Desordeiro, dado às piores companhias, Simão torna-se um homem digno, com uma sensibilidade de poeta. Simão sabe-se marcado por um destino, luta sem esperança, recusa complacências, avança com altivez para o abismo, cumpre-se como herói, daí o sentido trágico da novela.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Num bairro moderno
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se os nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.
Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas
,E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.
Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.
E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esgadelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.
Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais". E muito descansado,
Atira um cobre ignóbil, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
Subitamente- que visão de artista
-Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma e outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.
E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.
As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos.E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vivida, escarlate,
Bons corações, pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros nas cenouras.
O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!"...
Eu acerquei-me dela sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.
"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.
E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e como o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.
Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada!
-Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.
E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.
E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.



Em Cesário Verde, poeta português da segunda metade do século XIX, a originalidade transborda de uma plasticidade capaz de traduzir uma realidade em processo de transformação. O quotidiano dilata- se aos olhos do poeta e ele captura o instante, observa alguma cena, aparentemente banal, e transmite a inconstância e mutabilidade do mundo em uma poética repleta de cores, movimento, imagens. Na extrema visualidade de sua obra, podemos encontrar associações ao pictórico, sobretudo impressionista, ao fotográfico e ao cinematográfico: o anacronismo permite entrever o aspecto inovador de sua linguagem e compreender a estrutura extremamente eficiente na reconstrução do mundo exterior em seu carácter dinâmico e multifacetado.
Apresentaremos agora, a análise de um dos poemas mais interessantes desse autor lisboeta: escrito em 1877, é considerado um dos mais importantes de sua poética.

Em "Num Bairro Moderno", logo no primeiro verso temos a demarcação do instante, dez horas da manhã; em seguida, o cenário é apresentado: o bairro com ares de modernidade entrevistos na "larga rua macadamizada". O tempo e o espaço são determinados em uma espécie de enquadramento, como se um pintor acabasse de escolher o lugar e a hora do dia para registar com sua paleta. Vejamos:
Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se os nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. Rez-de-chausée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama dos papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexiaA comparação da composição poética cesarina ao pictórico impressionista assume nessesversos carácter marcante: cores claras e transparências luminosas surgem na construção do quadro matutino. É curiosa a maneira de conduzir nosso olhar afunilando a imagem e concentrando a sensação, explicando melhor, é partindo do mais externo e abrangente (a larga rua), para o mais específico e restrito, (o lar, e, por fim, o indivíduo) que relata a morosidade, o tédio e apatia. Na terceira estrofe o aparente contraste das "tonturas duma apoplexia" do caminhante com o "conchego saudável" ao redor constituem uma ironia, ele desce "sem muita pressa" para o "emprego" (notem, ele desce para o "emprego", não para um trabalho) seguindo com a mesma lentidão da vida ao redor. Estamos diante de um representante do bairro moderno onde a burguesia reside. E o mal-estar do transeunte provém justamente da ausência de vitalidade percebida. O desconforto do narrador é o desconforto do burguês entediado com sua condição, e, ao mesmo tempo, acentua o clima de doentia e fraqueza entrevistos no movimento mórbido, no repouso sossegado das casas, no vagar com que se abrem as persianas. O segundo momento do poema é o surgimento da personagem feminina; sua aparição marca o princípio do processo de transformação que resultará em uma epifania:
E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho de horta aglomerada, Pousara, ajoelhando, a sua giga.·E eu, apesar do sol, examinei-a: Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esgadelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos.·Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais". E muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.
A "rapariga" destoa completamente do ambiente onde se encontra: é maltrapilha; não possui o brilho reluzente que "fere a vista com brancuras quentes"; é pequenina no meio de uma rua larga; é azafamada; tem a pressa dos trabalhadores que precisam conseguir seu sustento. É através de uma linguagem descritiva e precisa na qual os adjectivos são, quase sempre, qualidades visuais que o poeta constrói ideias e impressões. Assim, ao mostrar o algodão azul da meia abrir no esforço da regateira em se manter de pé enquanto ajoelha a giga, consegue transmitir a dimensão da pobreza e da fragilidade dessa mulher. A indiferença das classes mais privilegiadas diante dos desfavorecidos aparece na figura do criado atirando um cobre "lívido, oxidado": a escolha de uma personagem inserida no contexto burguês como um serviçal dissipa qualquer possibilidade maniqueísta. Cesário critica a afasia predominante no espaço dos privilegiados, mas que perpassa todos provincianos opulentos, as matronas cansadas que colocam os rostos gordos na janela à espera de acontecimento para comentar, uma turba de católicos com suas expressões langorosas de mártires, enfim, uma legião de lisboetas mais ou muito menos abastados, como o criado "muito descansado": apesar de sua posição social não acumular benefícios, reflecte a insensibilidade do universo de que participa. Mas a vendedeira curvada ao peso de sua canastra traz consigo "a horta aglomerada" e suas emanações de saúde e vitalidade.
Subitamente - que visão de artista!- Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de belas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma e outra campainha Toca, frenética, de vez em quando.
·E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados.
Subitamente - que visão de artista! É o clímax dessa narrativa poética. Uma verdadeira epifania: o vislumbrar de um novo ser - a banalidade é convertida em encantamento modificando o estado de espírito do narrador e o próprio ambiente. Processo semelhante ocorre no poema "A Débil", é a partir de uma visão transfiguradora que a realidade ganha o ânimo, a força, o entusiasmo. Até mesmo a expressão "visão de artista" pode ser comparada à "vista de poeta" capaz de fazer enxergar na figura feminina "uma pombinha tímida e quieta" e na multidão "um bando ameaçador de corvos pretos". Mas deixemos de lado, por ora, a comparação entre os dois poemas (que renderia boas páginas) e continuemos dentro do bairro moderno onde, agora, o ritmo adquiriu um excesso de rapidez: as imagens esboçam sucessivas, aparecem "aromas, fumos de cozinha", de repente, há um corte e vemos outra cena: "Com o cabaz às costas e vergando/ Sobem padeiros, claros de farinha", e, por fim, um frenesi em algumas portas em que se tocam campainhas. Se novamente a luz, como em uma tela genuinamente impressionista, auxilia a compor as formas de um ser humano "que se mova e exista/ Cheio de belas proporções carnais", a rapidez das telas seguintes lembram o cinema com sua exposição de diversas fotografias num instante na recriação do movimento. Por outro lado, os tons e as formas capazes de deixar entrevistos "uma cabeça numa melancia/e nuns repolhos seios injectados" irão nos fazer lembrar dos quadros de Giuseppe Arcimboldo, artista quinhentista famoso por seus quadros nos quais vegetais são transformados em figuras humanas:
As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos. Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como dalguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que me lembrou um ventre
E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vivida, escarlate, Bons corações, pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros nas cenouras.
Mas o pintor milanês era um maneirista, e, portanto, a intenção de suas obras era criar distorções da realidade, e não registá-la em seus menores aspectos, como é o caso do nosso autor português. Quando enxerga "colos, ombros, bocas, um semblante/na posição de certos frutos", o poeta apenas associa formas, acentua as sensações de vitalidade, cria texturas, evoca sabores e cheiros, procura fazer com que possamos sentir, de fato, aquilo que nos mostra. Mas, certamente, na extravagância da imagem, na importância predominante da feição exterior das coisas em detrimento do abstrato, podemos encontrar outras semelhanças entre ambos.Após a epifania na qual o vulgar é transmudado em "visão de artista", em momento mágico produtor da metamorfose do marasmo em movimento e da inércia em vida, o desfecho do poema nos deixa uma impressão de vigor, como se o próprio processo de recriação da humanidade fosse a convalescença da morbidez urbana com suas belezas artificiais diante do frescor das frutas e verduras, do golpe de naturalidade contido na "horta aglomerada" no gigo:O sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!"... Eu acerquei-me dela sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular.
"Muito obrigada! Deus lhe dê saude!" E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida. É notável a transformação dos tons esmaecidos de matizes transparentes em cores mais fortes adivinhadas no verde do ramo de hortelã e na alface e explícito no dourado do céu, o "corpo orgânico" manteve seus aromas e sua multiplicidade de coloridos. A jovialidade da vendedeira ao pedir ajuda, a falta de desprezo com que é atendida, o "enorme esforço muscular" realizado para levantar o cesto, tudo reflete "as forças, a alegria, a plenitude" de uma mudança drástica de estado de espírito. Os versos "Que brotam dum excesso de virtude/Ou duma digestão desconhecida" também revelam um humor brincalhão, muito diferente daquele observado no início do poema, na terceira estrofe em que o tom irónico revela o desgaste, o fastio do narrador perante o ambiente.
E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre afasta-se, ao calor de Agosto, Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e como o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.
Chegam do gigo emanações sadias, Oiço um canário - que infantil chilrada! - Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada.Novamente, a exposição das imagens lembra a montagem cinematográfica. Primeiro mostra o transeunte partindo para o "lado oposto", depois aponta as carruagens ao longe e, na sequência, indica o afastar da moça "descolorida nas maçãs do rosto/e sem quadris na saia de ramagens". Esses versos estão repletos de contrastes, o contraste social nos caminhos opostos das duas personagens, o descolorido da face da moça que carrega o multicolorido da "horta aglomerada", a ausência de formas dentro da saia estampada. A segunda cena dessas três estrofes é o quadro do garoto espirrando água na planta como quem separa o joio do trigo ou como quem "borrifa estrelas", a claridade da pequena tela nos remete novamente ao impressionismo, à luminosidade cristalina. Depois, o canto infantil do canário, as emanações salutares as ménages entre as gelosias, "os raios de laranja destilada", tudo remete à festividade, ao jovial, ao renovado, o quotidiano renascido, permeado pela vida.
E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas.·E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras.
Nas duas últimas estrofes, a regateira adquire audácia, ergue o peito orgulhosa. O contraste entre a disposição altiva e o corpo franzino coberto pela chita parecem, aos olhos do observador, uma "desgraça alegre" provocadora: as "couves repolhudas, largas" comparadas às "grossas pernas dum gigante" acentuam o humor da última imagem, o poema finda em um tom cómico, divertido. O tédio e a apatia são de todo dissipados, até mesmo a vendedeira parte vaidosa como se ao ser portadora da "verdura rústica, abundante" fosse ela mesma transformada em um ser robusto, como se tomasse emprestado "o novo corpo orgânico" gerado pela "visão de artista".


O sujeito poético evidencia as diferenças sociais da época, elaborando, uma crítica social no texto. Assim, servindo-se da dicotomia riqueza burguesa e pobreza do povo, o eu poético, apresenta-nos o contraste entre uma vendedeira pobre e um bairro burguês. Deste modo, o sujeito poético ganha uma afectividade pelo povo mostrando as duras condições de trabalho, a pobreza e a humilhação destes, em relação, ao egoísmo e frieza dos mais abastados. No entanto, é de notar que Cesário Verde destaca também as alegrias do povo em torno de contornos paradoxais.


Num Bairro Moderno- Cesário Verde

Num bairro moderno
http://www.youtube.com/watch?v=dUjSHcg1ihI

Cristalizações
http://www.youtube.com/watch?v=7yGXdNg7oDA

De tarde
http://www.youtube.com/watch?v=K9ef6FOqZeo

http://www.youtube.com/watch?v=OHuUzosKb7E

Sobre Cesário Verde e a sua obra
http://www.youtube.com/watch?v=vQAPqTlHHvs

http://www.youtube.com/watch?v=5nnG8HaSQZU

http://www.youtube.com/watch?v=_YksUiWyEOQ

sábado, 21 de março de 2009

FELIZMENTE HÁ LUAR

“Felizmente Há Luar!”, de Luís de Sttau Monteiro


Contextualização

A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras.

Carácter épico

Felizmente há luar é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.
Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.
Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.


® Objectivos (condensação do texto):
· Auto-representação das personagens e narrador
· Elementos técnicos não escondidos
· Muita luz (não há efeitos)
· Musica e cenários destroem a ilusão da realidade
· Efeito de conjunto (justaposição/montagem de episódios)
· História desenrola-se numa serie de situações separadas que começam e acabam em si mesmas
· Teatro deve fazer pensar e não provocar sensações – distanciamento
· Intenção de critica social
· Concepção das personagens a partir da função social
· Vertente histórico-nararativa que impera

Paralelismo entre passado e as condições históricas dos anos 60: denúncia da violência

Século XIX – 1817
Século XX – anos 60
Agitação social que levou à revolta de 1820
Agitação social: conspirações internas; principal erupção da guerra colonial
Regime absolutista e tirano
Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilégios
Classes exploradas; desigualdade entre abastados e pobres
Povo oprimido e resignado
Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, obscurantismo mas “felizmente há luar”
Miséria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crença nas mudanças
Luta contra a opressão do regime
Luta contra o regime totalitário e ditatorial
Perseguições dos agentes de Beresford
Perseguições da PIDE
Denuncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento
Denuncias dos “bufos”
Censura à imprensa
Censura total
Repressão dos conspiradores; execução sumaria e pena de morte
Prisão; duras medidas de repressão e tortura; condenação sem provas
Execução de Gomes Freire
Execução de Humberto Delgado
Revolução de 1820
Revolução do 25 de Abril de 1974

Personagens

Há três grupos importantes de personagens no poema:

1. Povo

® Rita, Antigo Soldado, Populares
· Personagens colectiva
· Representam o analfabetismo e a miséria
· Escravizado pela ignorância
· Não tem liberdade
· Desconfiam dos poderosos
· São impotentes face à situação do país (não há eleições livres, etc.)

® Manuel
· Denuncia a opressão
· Assume algum protagonismo por abrir os dois actos
· Papel de impotência do povo

® Matilde
· Personagem principal do acto II
· Companheira de todas as horas de Gomes Freire
· Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada
· Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido
· Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)
· Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o
· Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos
· Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)
· Desmascara o Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo

® Sousa Falcão
· Amigo de Gomes Freire e Matilde
· Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas não teve a sua coragem
· Auto-incimina-se por isso
· Medroso
2. Delatores
Representam os “bufos” do regime salazarista.

® Vicente
· É do povo mas trai-o para subir na vida
· Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social
· Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia
· Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico
· Falso humanitário
· Movido pelo interesse da recompensa
· Adulador do momento

® Andrade Corvo e Morais Sarmento
· Querem ganhar dinheiro a todo o custo
· Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo
· Mesquinhos, oportunistas e hipócritas

3. Governadores
Representam o poder político e são o cérebro da conjura que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo

® Beresford
· Representa o poder militar
· Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal
· Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país e a atrofia de almas
· Odeia Portugal
· Está sempre a provocar o principal Sousa
· Não é melhor que aqueles que critica mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro
· Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)
· Oportunista, severo, disciplinar, autoritário e mercenário
· Bom militar, mau oficial

® Principal Sousa
· É demagogo e hipócrita
· Não hesita em condenar inocentes
· Representa o poder clerical/Igreja
· Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do estado
· Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição
· Não tem argumentos face ao desmascarar que sofre de Matilde
· Tem problemas de consciência em condenar um inocente mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo
· Fanático religioso
· Corrompido pelo poder eclesiástico
· Desonesto
· Odeia os franceses
· Defende o obscurantismo

® D. Miguel Forjaz
· Representa o poder político e a burguesia dominadora
· Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico
· Personifica Salazar
· Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio
· Corrompido pelo poder
· Primo de Gomes Freire


v Gomes Freire de Andrade
· Representa Humberto Delgado
· Personagem virtual/central
· Sempre presente nas palavras das outras personagens
· Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel; D. Miguel e Beresford
· Idolatrado pelo povo
· Acredita na justiça e na luta pela liberdade
· Soldado brilhante
· Estrangeirado
· Símbolo da esperança e liberdade

v Policias: representam a PIDE

v Frei Diogo de Melo: representam a Igreja consciente da situação do país...

Tempo

® Tempo histórico ou tempo real (século XIX - 1817)
· Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil
· Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)
· Regime absolutista
· Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil
· Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)
· Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire
· 25 De Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)
· Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas
· O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava
· Revolução liberal de 1820
· Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte

® Tempo metafórico ou tempo da escrita (século XX - 1961)
· Permanentemente presente (implícito)
· Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política
· Situação política, social e económica de desagrado geral
· Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo
· PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas
· Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente
· Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os governadores três são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…

Estrutura

A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.

Os símbolos

· Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança
· Título: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo de revolte)
· Luz: vida, saúde e felicidade
· Noite: mal, castigo, morte
· Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação
· Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade
· Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar
· Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo (Página 131); Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade (Página 140)
· Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
· Tambores: símbolos da repressão

Espaço

· Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
· Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

Linguagem e estilo

· Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia)
· Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
· Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
· Texto principal: As falas das personagens
· Texto secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A batalha de Aljubarrota - informações úteis



A Batalha de Aljubarrota decorreu no final da tarde de 14 de Agosto de 1385, entre tropas portuguesas comandadas por D. João I de Portugal e o seu condestável D. Nuno Álvares Pereira, e o exército castelhano de D. Juan I de Castela.
A batalha deu-se no campo de S. Jorge, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre as localidades de Leiria e Alcobaça no centro de Portugal. O resultado foi uma derrota definitiva dos castelhanos e o fim da crise de 1383-1385, e a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis.
A paz com Castela só veio a estabelecer-se em 1411.

No fim do século XIV, a Europa encontrava-se a braços com uma época de crise e revolução. A Guerra dos Cem Anos devastava a França, epidemias de peste negra levavam vidas em todo o continente, a instabilidade política dominava e Portugal não era excepção.
Em 1383, El-rei D. Fernando morreu sem um filho varão, que herdasse a coroa. A sua única filha era a infanta D. Beatriz, casada com o rei D. João de Castela. A burguesia mostrava-se insatisfeita com a regência da Rainha D. Leonor Teles e do seu favorito, o conde Andeiro e com a ordem da sucessão, uma vez que isso significaria anexação de Portugal por Castela. As pessoas alvoroçaram-se em Lisboa, o conde Andeiro foi morto e o povo pediu ao mestre de Avis, filho natural de D. Pedro I de Portugal, que ficasse por regedor e defensor do Reino.
O período de interregno que se seguiu ficou conhecido como crise de 1383-1385. Finalmente a 6 de Abril de 1385, D. João, mestre da Ordem de Avis, é aclamado rei pelas cortes reunidas em Coimbra, mas o rei de Castela não desistiu do direito à coroa de Portugal, que entendia advir-lhe do casamento. Em Junho, invade Portugal à frente da totalidade do seu exército e auxiliado por um contingente de cavalaria francesa.

Disposição da hoste portuguesa
Quando as notícias da invasão chegaram, João I encontrava-se em Tomar na companhia de D. Nuno Álvares Pereira, o condestável do reino, e do seu exército. A decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos antes que pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Com os aliados ingleses, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria. Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha. A opção recaíu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, perto de Aljubarrota. Contudo o exército Português não se apresentou ao Castelhano nesse sítio, inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudádo para o sítio pre-definido, isto provocou bastante confusão nas tropas de castela. Assim pelas dez horas da manhã do dia 14 de Agosto, o exército tomou a sua posição na vertente norte desta colina, de frente para a estrada por onde os castelhanos eram esperados. A disposição portuguesa era a seguinte: Infantaria no centro da linha, Uma vanguarda de besteiros com os 200 archeiros ingleses, 2 alas nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria. Na retaguarda, aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de Portugal em pessoa. Desta posição altamente defensiva, os portugueses observaram a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da colina.

A chegada dos castelhanos
A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha pela hora do almoço, sob o Sol escaldante de Agosto. Ao ver a posição defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o rei de Castela tomou a esperada decisão de evitar o combate nestes termos. Lentamente, devido aos 30,000 soldados que constituíam o seu efectivo, o exército castelhano começou a contornar a colina pela estrada a nascente. A vertente Sul da colina tinha um desnível mais suave e era por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar.
O exército português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente Sul da colina, onde o terreno tinha sido preparado previamente. Uma vez que era muito menos numeroso e tinha um percurso mais pequeno pela frente, o contingente português atingiu a sua posição final muito antes do exército castelhano se ter posicionado. D. Nuno Álvares Pereira havia ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em frente à linha de infantaria, protegendo esta e os besteiros. Este tipo de táctica defensiva, muito típica das legiões romanas, resurgia na Europa nessa altura.
Pelas seis da tarde, os castelhanos ainda não completamente instalados decidem, precipitadamente, ou temendo ter de combater de noite, começar o ataque.
É discutivel se de facto houve a tão famosa técnica do "quadrado" ou se simplesmente esta é uma visão imaginativa de Fernão Lopes de umas alas reforçadas. No entanto tradicionalmente foi assim que a Batalha acabou por seguir para a história.
A BATALHA
O ataque começou com uma carga da cavalaria francesa: a toda a brida e em força, de forma a romper a linha de infantaria adversária. Contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram o ataque. A pequena largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da cavalaria, as paliçadas (feitas com troncos erguidos na vertical separados entre sí apenas pela distancia necessária à passagem de um homem, o que não permitia a passagem de cavalos) e a chuva de virotes lancada pelos besteiros (auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses) fizeram com que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, já a cavalaria se encontrar desorganizada e confusa. As baixas da cavalaria foram pesadas e o efeito do ataque nulo. Ainda não perfilada no terreno, a retaguarda castelhana demorou a prestar auxílio e, em consequência, os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos portugueses.
Depois deste revés, a restante e mais substancial parte do exército castelhano atacou. A sua linha era bastante extensa, pelo elevado número de soldados. Ao avançar em direcção aos portugueses, os castelhanos foram forçados a apertar-se (o que desorganizou as suas fileiras) de modo a caber no espaço situado entre os ribeiros. Enquanto os castelhanos se desorganizavam, os portugueses redispuseram as suas forças dividindo a vanguarda de D. Nuno Álvares em dois sectores, de modo a enfrentar a nova ameaça. Vendo que o pior ainda estava para chegar, D. João I de Portugal ordenou a retirada dos besteiros e archeiros ingleses e o avanço da retaguarda através do espaço aberto na linha da frente.
Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos pouco puderam fazer senão morrer. Ao pôr-do-sol a batalha estava já perdida para Castela. Precipitadamente, D. João de Castela ordenou uma retirada geral sem organizar uma cobertura. Os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha. A cavalaria Portuguesa lançou-se então em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade. Alguns fugitivos procuraram esconder-se nas redondezas, apenas para acabarem mortos às mãos do povo.
Surge aqui uma tradição portuguesa em torno da batalha: uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou pelas próprias mãos alguns castelhanos em fuga. A história é por certo uma lenda da época, de qualquer forma pouco depois D. Nuno Álvares Pereira ordenou a suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas.
O dia seguinte
Na manhã de 15 de Agosto, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos ribeiros que flanqueavam a colina. Para além de soldados de infantaria, morreram também muitos nobres fidalgos castelhanos, o que causou luto em Castela até 1387. A cavalaria francesa sofreu em Aljubarrota outra pesada derrota contra as tácticas de infantaria, depois de Crécy e Poitiers. A batalha de Azincourt, já no século XV, mostra que Aljubarrota não foi a última vez que isso aconteceu.
Com esta vitória, D. João I tornou-se no rei incontestado de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis. Para celebrar a vitória e agradecer o auxílio divino que acreditava ter recebido, D. João I mandou erigir o Mosteiro de Santa Maria da Vitória e fundar a vila da Batalha

Exemplos de Figuras de estilo nos Lusíadas

Aliteração - Repetição de um ou mais fonemas consonânticos para intensificar e aumentar a expressividade:
Ex.: "Sois senhor superno" (I, 10).

Anáfora - Repetição (de que resulta sobressair o que se repete) de uma palavra ou de um membro de frase:
Ex.: "Vistes que, com grandíssima ousadia
Vistes aquela insana fantasia
Vistes, e ainda vemos cada dia," (VI, 29).

Anástrofe - Inversão da ordem das palavras correlatas, antepondo-se o determinante (proposição + substantivo) ao determinado ou ao complemento do verbo.
Ex.: "Qual vermelhas as armas faz de brancas;" (VI, 64).

Antítese - Confronto de dois elementos ou ideias antagónicas, no intuito de reforçar a mensagem:
Ex.: "Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou frio."

Antonomásia - Utilização de um nome sugestivo, grandioso ou não, em vez do nome próprio:
Ex.: "O sábio Grego... // O troiano..." (=Ulisses) (I, 3).

Apóstrofe - Apelo do autor, através de interrupções, invocando pessoas ausentes, coisas ou ideias sob forma exclamativa:
Ex.: "E tu, nobre Lisboa, que no mundo..." (III, 57).

Comparação - Aproximação entre dois termos ou expressões através de uma partícula comparativa (como), levando à compreensão mais profunda do primeiro termo:
Ex.: "Qual aos gritos…// Tal do rei…" (III, 47-48).

Epifonema - Exclamação sentenciosa a concluir uma narrativa ou um discurso:
Ex.: "Mísera sorte! Estranha condição!" (IV, 104).

Eufemismo - Expressão que atenua ou modifica o sentido violento, mau ou desonesto da narrativa:
Ex.: "Tirar Inês ao mundo determina," (III, 23).

Gradação - Ordenação das ideias em escala crescente ou decrescente:
Ex.: "Horrendo, fero, ingente e temeroso" (IV, 28) - Crescente.
"Com mortes, gritos, sangue e cutiladas" (IV, 42) - Decrescente.

Hendíadis - Utilização de dois substantivos coordenados em vez de um substantivo seguido de um complemento determinativo ou dum adjectivo:
Ex.: "Cujo pecado e desobediência" (= Cujo pecado de desobediência) (IV, 98).
Hipérbato - Inversão violenta da posição dos membros de uma frase:
Ex.: "...os duros/Casos que Adamastor contou, futuros" (V, 60).

Hipérbole - Exagero de qualquer realidade para a tornar mais saliente, exagero este que serve para ferir o pensamento quando tomada à letra:
Ex.: "Que a vivos medo, e a mortos faz espanto,".

Ironia - Exprime o contrário do que as palavras ou frases significam, para que se compreenda ou a estupidez ou a fraqueza que se pretende castigar após se verificar a discordância:
Ex.: "Oulá, Veloso amigo, aquele outeiro (...)
Por me lembrar que estáveis cá sem mim;" (V, 35).

Metáfora - Consiste em designar um objecto ou ideia por uma palavra que convém a outro objecto ou outra ideia - ligados aqueles por uma analogia. A metáfora é num único, os dois termos da comparação sem a partícula comparativa (como):
"Tomai as rédeas vós do reino vosso:" (I, 15).

Onomatopeia - Representação auditiva ou visual pelos sons das palavras, além do respectivo sentido: tentativa de imitação dos ruídos naturais através dos fonemas da linguagem:
Ex.: "Polas concavidades retumbando." (III, 107).

Perífrase - Expressão por diversas palavras daquilo que se poderia dizer mais concisamente ou apenas por uma palavra:
Ex.: "Pelo neto gentil do velho Atlante." (=Mercúrio) (I, 20).

Personificação - Atribuição de qualidades, atributos e impulsos humanos a seres inanimados e a animais irracionais.
Ex.: "Os altos promontórios o choraram," (III, 84).

Sinédoque - Consiste em tomar o todo pela parte e a parte pelo todo, o plural pelo singular ou o singular pelo plural:
Ex.: "Que da Ocidental praia Lusitana" (=Portugal) (I,1).

Os Deuses

Anfitrite - Mulher de Neptuno, filha de Nereu (Deus do oceano) e de Dóris. Foi primeiramente considerada deusa do Mediterrâneo, mas este domínio alargou-se depois aos outros mares.

Apolo - Filho de Júpiter e Latona, irmão de Diana. Conduzia o carro do sol. Tinha-se como o Deus da medicina, da poesia, da música, das artes; era o chefe das nove musas, com quem habitava os montes Parnaso, Hélicon, Piério, as margens do Hipocrene e do Permesso, onde ordinariamente pastava o cavalo alado Pégaso, do qual se servia para montar.
O galo, o gavião e a oliveira eram-lhe consagrados, por em tais seres se terem metamorfoseado os entes que mais amara. Apolo era representado com uma lira na mão ou com os instrumentos próprios das artes, colocados junto de si, num coche tirado por quatro cavalos.

Baco - Filho de Júpiter e de Sémele. Nasceu em Tebas e foi pai de Luso. Juno, esposa de Júpiter, sabedora das relações amorosas entre aquele Deus e Sémele, induziu a rival, aparecendo-lhe sob as feições da ama ou de uma amiga, a solicitar que o amante a visitasse na plenitude da sua glória. A ingénua desventurada viu, porém, a própria casa a arder e imediatamente pereceu nas chamas provocadas pelo fulgor do pai dos Deuses. Júpiter, no entanto, conseguiu salvar o filho (que receberia o nome de Baco), o qual Sémele ainda não dera à luz, recolhendo-o na barriga da perna, onde se completou a gestação.
Quando adulto, Baco conquistou a Índia e depois o Egipto, sendo, todavia, pacífico e benéfico o seu domínio: ensinou a agricultura aos homens e foi o primeiro que plantou a vinha, tendo sido adorado como o Deus do vinho.

Cúpido - Filho de Marte e de Vénus. Presidia aos prazeres e era representado na figura de um menino nu, com arco e aljava cheia de setas.

Diana - Filha de Júpiter e de Latona, irmã de Apolo. Deusa da caça e da castidade. O seu poder permitiu que metamorfease Actéon em veado por a ter visto banhar-se.

Dóris - Filha do Oceano e de Tethys, casou com Nereu de quem teve as Nereidas.

Hércules - Filho de Júpiter e de Alcmena. O pai dos Deuses, para enganar Alcmena, tomou a forma do marido, Anfitrião, na ausência deste. Juno, justamente indignada, conseguiu que Euristeu, rei de Micenas, obrigasse Hércules a doze trabalhos perigosíssimos, com o desejo de vê-lo morrer em um deles. Hércules porém, venceu.

Júpiter - O pai dos Deuses. Filho de Saturno e de Reia. Como Saturno devorava os filhos à medida que Reia ia dando à luz, quando foi a vez de Júpiter, Reia substituiu-o por uma pedra embrulhada, a qual Saturno imediatamente devorou. Júpiter foi levado para Creta, onde a cabra Amalteia lhe deu de mamar. Adulto, expulsou do céu o pai e casou com Juno. Reservou para si esta soberania, e deu o império das águas a Neptuno, o dos infernos a Plutão.

Marte - Filho de Júpiter e de Juno, Deus da guerra. Juno concebeu Marte, quando, irritada contra Júpiter por este ter dado à luz Palas, fazendo-o sair do próprio cérebro se sentou sobre uma flor fecundante, que lhe fora revelada pela Deusa Flora.
Presidia a todos os combates, mas nem por isso era pequena a ternura que votava a Vénus, por apaixonadamente amada.
Era representado na figura de um guerreiro, completamente armado, com um galo junto de si.

Mercúrio - Filho de Júpiter e de Maia. Deus da eloquência, do comércio e dos ladrões. Era o mensageiro dos deuses, particularmente de Júpiter, que lhe pegara na cabeça e nos calcanhares asas para as suas ordens serem executadas com uma maior rapidez.

Neptuno - Filho de Saturno e de Reia, irmão de Júpiter e de Plutão. Deus do Mar, casou com Anfitrite.
Era representado com um tridente na mão sobre um coche puxado por cavalos-marinhos.

Tethys - Tethys é uma das divindades primordiais das teogonias helénicas. Personifica a fecundidade “feminina” do mar. Nascida dos maiores de Ouganos e Gaia, é a mais jovem das Titânides.
Casou com Oceano, do qual teve grande número de filhos, mais de três mil, que são todos os rios do mundo.

Thetis - Thetis é uma das Nereidas, filha de Nereu, o velho do mar, e de Dóris. É por consequência uma divindade marinha e imortal e é a mais célebre de todas as Nereidas.

Vénus - Filha do Céu e da Terra. É a Deusa do Amor e da beleza. Após o nascimento foi levada pelas Honras ao Céu, onde os deuses ficaram extasiados de tanta formosura. Vulcano recebeu-a por esposa, como prémio de haver fabricado os raios de que Júpiter necessitou, quando os Gigantes quiseram expulsá-lo do Céu.
A deusa, porém, incapaz de sofrer a feldade do marido, procurou a companhia dos outros deuses, entre os quais Marte, de quem teve Cúpido. Amou também Adónis e Anquises do qual nasceu Eneias.

Vulcano - Filho de Júpiter e de Juno, Deus do fogo. Sua considerável feldade aumentou com um pontapé recebido do próprio pai, de que resultou ficar coxo.