sábado, 6 de abril de 2013

Resumo por capítulos d’Os Maias



Capítulo I

Os Maias tem início com a descrição e historial do Ramalhete, casa que a família Maia veio habitar em Lisboa, Outono de 1875. Em 1858, quase tinha sido alugada a monsenhor Buccarini pelo procurador dos Maias, Vilaça; nota-se que os Maias eram uma família nobre, mas com sinais de decadência. A casa que tinham em Benfica foi vendida (já pelo Vilaça Júnior) e seu conteúdo passou, em 1870, para o Ramalhete. A Tojeira, outra propriedade, também fora vendida. Poucos em Lisboa sabiam quem eram os Maias, família que vivia até então na Quinta de Santa Olávia, nas margens do Douro.
Os Maias, antiga família da Beira, eram, no momento desta narração, constituídos por Afonso da Maia e Carlos Eduardo da Maia, seu neto, que estudava medicina em Coimbra. Meses antes de este acabar o curso, o avô decide vir morar para Lisboa, no Ramalhete. Reforma-se o Ramalhete sob a direcção de um compadre de Vilaça, um arquitecto e político chamado Esteves. Mas Carlos traz também um arquitecto-decorador de Londres, despedindo assim Esteves. A casa é fechada e, só depois de uma longa viagem de Carlos pela Europa, é que é habitada pelo avô e neto, em 1875. Descrição física de Afonso (p.12). Começa-se, através do contar da vida de Afonso, uma analepse (pp.13-95), onde se conta a ida a Inglaterra, a morte do pai, o casamento, o nascimento de Pedro da Maia, o retorno e exílio a Inglaterra devido às suas ideias políticas; em Richmond, Afonso fica a saber da morte da mãe, em Benfica. Pedro da Maia é educado pelo padre Vasques, capelão do conde Runa, mandado vir de Lisboa. Morre a tia Fanny. Vão para Roma, Itália. Voltam a Benfica, finalmente. Explica-se porque Afonso se torna ateu (pp.18-20). Pedro cresce; tem um filho bastardo, aos 19 anos. A mãe, esposa de Afonso da Maia, morre; Pedro da Maia entrega-se à bebida e distúrbios. Um ano depois, “acalma-se”. Começa a grande paixão de Pedro da Maia (p.22): descrição de Maria Monforte, de origens misteriosas. Alencar vê Pedro e Maria no teatro S. Carlos, no final do I acto do Barbeiro de Sevilha. Pedro pede permissão ao pai para casar com Maria Monforte. Afonso recusa. Pedro casa e vai para Itália.

Capítulo II

De Itália, Pedro e Maria vão para França. Maria engravida e Pedro trá-la para Lisboa; antes, porém, escreve ao pai. Vai para Benfica, mas o pai, em desfeita, já tinha partido para Sta. Olávia. Nasce uma filha a Pedro; mas este já não o comunica ao pai, Afonso; começa um período de cerca de 3 anos, em que pai e filho não se falam. Descreve-se o ambiente das soirées lisboetas em Arroios. Nasce um menino, Carlos Eduardo. Ao ir a uma caçada na Tojeira, Pedro fere um recém-chegado, um napolitano chamado Tancredo. Trata-o em sua casa. Dois dias depois, Tancredo recolhe-se a um hotel. Descrição do napolitano (p.41). M.ª Monforte isola-se, acaba com as soirées, depois de saber que o sogro voltara a Benfica. Passam-se alguns meses, com a presença habitual de Tancredo. A filha tem já 2 anos. Maria Monforte foge com o napolitano e a filha, deixando o filho, Carlos Eduardo e uma carta. Afonso, por causa disto, reconcilia-se com Pedro. Nessa mesma noite e madrugada, Afonso acorda com um tiro. Pedro suicidara-se. É enterrado no jazigo de família em Sta. Olávia.

Capítulo III

Passam-se vários anos. Afonso vive com o neto em Sta. Olávia, o Teixeira e a Gertrudes, escudeiro e governanta, respectivamente. Vive lá também uma prima da mulher de Afonso, uma Runa, que era agora viúva de um visconde de Urigo de la Sierra, e o preceptor de Carlos Eduardo, o Sr. Brown. Refere-se a severa educação inglesa de Carlos, em que não entra a religião, para desgosto do abade Custódio. Descreve-se uma noite em Sta. Olávia com os amigos de Afonso. Fala-se dos arrulhos de Teresinha e Carlinhos (p.72). Menciona-se a Monforte, mãe de Carlos (p.78), que dá pelo nome de Madame de l’Estorade. Não se sabe o que é feito da filha que ela levou. Mais tarde, sabe-se por Alencar que Maria Monforte lhe dissera que sua filha tinha morrido em Londres. Vilaça morre (p.84). Manuel Vilaça, filho do Vilaça, torna-se administrador da casa.

Capítulo IV

Passam-se anos. Carlos faz exames; está prestes a formar-se em Medicina. Contam-se as cenas da vida em Celas, com os amigos. O Teixeira, Gertrudes e o abade já haviam morrido. Descrição de João da Ega (p.92), aluno baldas e grande ateu. Alude-se a uma aventura adúltera passageira de Carlos com uma Hermengarda, mulher de um empregado do Governo Civil. Outra aventura foi com uma espanhola, Encarnacion. Carlos forma-se em Agosto. Parte de viagem para a Europa. Chega o Outono de 1875 e Carlos também. Volta-se ao PRESENTE da narração (p.96). Descrição de Carlos já homem feito (p.96). Carlos instala-se no Ramalhete com toda a sua parafernália de instrumentos de medicina. Passa tudo para um laboratório no Largo das Necessidades e abre um consultório no Rossio. Ninguém lhe aparece para consulta. Ega visita-o no consultório. Diz-lhe que vai publicar um livro, “Memórias de Um Átomo”.

Capítulo V

Carlos tem a sua 1ª doente, a mulher do padeiro Marcelino. Descreve-se um dos serões no Ramalhete. Às 2.15 a.m., começam a abandonar o Ramalhete. Carlos começa a ter clientes. Ega aparece-lhe ocasionalmente, para ler uma parte do seu manuscrito, para o convidar a ser apresentado aos Gouvarinhos… Conhece-os, por fim, na frisa do teatro.
Capítulo VI

Carlos visita Ega na sua nova casa, a Vila Balzac, no Largo da Graça, depois da Cruz dos 4 Caminhos. Saem. Encontram Craft. Combinam jantar no Hotel Central, em honra ao Cohen. Chegam os Castro Gomes para se hospedar (p.157). Alencar encontra Carlos da Maia, que tem agora 27 anos. Alencar é contra o Naturalismo e tudo o que lhe cheire a Realismo. Começam a discutir a decadência de Portugal, política e socialmente. Acabam bem o jantar. Ega e Alencar discutem. Reconciliam-se. Saem todos do Hotel Central. Alencar acompanha Carlos até casa. Analepse de uma conversa de Carlos e Ega em que este, bêbado, lhe revelara a verdadeira história da mãe de Carlos. Carlos adormece, pensando na misteriosa senhora do Hotel Central e no Alencar.

Capítulo VII

Craft tornara-se íntimo no Ramalhete. Carlos, retirado do consultório, passava os dias em casa, escrevendo o seu livro. O Dâmaso pegou-se a ele como uma “lapa”. Ega, endividado, vem pedir mais 115 libras a Carlos. Certo dia, o Dâmaso não aparece, nem nos dias seguintes. Carlos acaba por ir procurá-lo. Chegando ao fim da Rua do Alecrim, encontra Steinbroken, que se dirige ao Aterro. Durante a conversa, passa a misteriosa figura do Hotel Central (pp.202-3). No dia seguinte Carlos volta ao Aterro e ela torna a passar, mas agora acompanhada do marido.
A Gouvarinho, a pretexto da “doença” do filho Charlie, visita-o no consultório. Carlos flirta-a abertamente. Reaparece Dâmaso, de repente, numa caleche, dizendo a Carlos ter um “romance divino”. Tudo indica serem os Castro Gomes a sua companhia. Aparece na “Gazeta” um artigo de J. da Ega elogiando os Cohen. Discutem-no na soirée. Carlos convida o Cruges a ir a Sintra, depois do Taveira lhe ter dito que Dâmaso e os Castro Gomes se dirigiam para lá.

Capítulo VIII

(Este capítulo demora 2 dias) Viagem a Sintra; instalam-se no Nunes. Apanham o Eusébiozinho com duas espanholas. A Concha faz uma cena quando o Eusébiozinho “se deita de fora” (p.228). Na manhã seguinte, partem em direcção a Seteais detendo-se, porém, em frente ao Lawrence. Pausa de reflexão idílica sobre Sintra. Encontram Alencar (p.234). Na volta, passam pelo Lawrence, vão até o Nunes, e Carlos descobre que Dâmaso e os Castro Gomes já tinham saído no dia antes para Mafra. Pensa disparates românticos sobre a Castro Gomes (p.245). Jantam no Lawrence, um bacalhau preparado segundo o Alencar. Partem de Sintra. Cruges, a meio do caminho, lembra-se de que se tinha esquecido das queijadas.

Capítulo IX

(1 dia) Já no Ramalhete, no final da semana, Carlos recebe uma carta a convidá-lo a jantar no Sábado seguinte nos Gouvarinhos; entretanto, chega Ega, preocupado em arranjar uma espada conveniente para o fato que leva nessa noite ao baile dos Cohen. Dâmaso também aparece de repente, pedindo a Carlos para ver um doente “daquela gente brasileira”, i.e., os Castro Gomes. É a menina, visto que os pais haviam partido essa manhã para Queluz. Chega ao Hotel, mas a pequena, chamada Rosicler, não teve mais que um mal-estar passageiro. Carlos dá uma receita a Miss Sara, a governanta.
10 horas da noite: ao preparar-se para o baile, aparece o Mefistófeles Ega a Carlos, dizendo que o Cohen o expulsara (ao que parece, descobrira as cartas de Raquel e Ega). Vão a casa do Craft pedir conselho sobre o “provável” duelo. Ceiam.
(1 dia) No dia seguinte, nada acontece, excepto a vinda da criada de Raquel Cohen, anunciando que ela levara uma coça e que partiam para Inglaterra. Ega dorme nessa noite no Ramalhete.
Na semana seguinte, só se ouve falar do Ega e do mau-carácter que ele é. “Todos caem-lhe em cima” (p.289). Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos Gouvarinhos. Visita a Gouvarinho e dá-lhe um tremendo beijo (p.297), mesmo antes da chegada do conde Gouvarinho.

Capítulo X

Passam-se 3 semanas. Carlos sai de um coupé, onde acabara de estar com a Gouvarinho. Nota-se que já estava farto dessas 3 semanas e que se quer ver livre da Gouvarinho. Encontra o marquês pela rua, constipado. Fugazmente, vê Rosicler acenando de um coupé adiante do Grémio. Combina com o Dâmaso, no Ramalhete, levar os Castro Gomes a ver o bricabraque do Craft, nos Olivais. Não se concretiza a ideia. Chega o(s) dia(s) das corridas de cavalos. Confusão à porta do hipódromo. Descrição do ambiente dentro do hipódromo (pp.314-320). Confusão com um dos jóqueis que perdera uma corrida. Briga e rebuliço. Encontra a Gouvarinho, que lhe propõe ir até o Porto (seu pai estava mal), dar uma “rapidinha” em Santarém, e daí cada um seguia para o seu lado. Carlos começa a ruminar no absurdo de toda aquela ideia. Fazem-se apostas. Todos apostam contra Vladimiro, cavalo em que Carlos tinha apostado. Vladimiro vence e Carlos ganha 12 libras, facto muito comentado. Encontra Dâmaso, que lhe informa que o Castro Gomes afinal tinha ido para o Brasil e deixara a mulher só por uns 3 meses. Carlos devaneia. Discute com a Gouvarinho, mas acaba por aceder ao desejo do encontro em Santarém. Sempre pensando na mulher de Castro Gomes, vem a Lisboa, com o pretexto de visitar o Cruges (o Vitorino), agora que sabe que ela mora no mesmo prédio, à R. de S. Francisco. O Cruges não está; Carlos vai para o Ramalhete. Tem uma carta da Castro Gomes pedindo-lhe que a visite, por ter “uma pessoa de família, que se achava incomodada”. Carlos fica numa agitação (de contentamento).

Capítulo XI

Carlos vai visitar a Castro Gomes, i.e., Maria Eduarda. É a governanta, Miss Sara, que está doente. Descrição de Maria Eduarda (p.348). Examina Miss Sara. Receita-lhe. Falando com Maria Eduarda, descobre que é portuguesa, não brasileira. “Até amanhã!” é agora no que Carlos só pensa; um recado da Gouvarinho indispõe-no. Começa a “odiá-la”. Por sorte, o Gouvarinho decidiu à última da hora ir com a mulher para o Porto, o que convém muito a Carlos, assim como a morte de um tio de Dâmaso em Penafiel, deixando-lhes os “entraves” fora de Lisboa.
Nas semanas seguintes, Carlos vai-se familiarizando com Maria Eduarda, graças à doença de Miss Sara. Falam ambos das suas vidas e dos seus conhecidos. Dâmaso volta de Penafiel; visita Maria Eduarda. “Niniche”, aninhada no colo de Carlos, rosna e ladra quando Dâmaso tenta lhe fazer festas. “Desconfianças” de Dâmaso. Sabe-se que, por coincidência, os Cohens voltaram de Inglaterra e que Ega está para chegar de Celorico.

Capítulo XII

O Ega chega e pede “asilo” no Ramalhete. Informa Carlos de que viera com a Gouvarinho, e de que o conde os convidara para jantar na próxima 2ª feira.
(2ª feira) Nesse jantar, a Gouvarinho está mesmo uma chata, mesmo a “pedir nas trombas”, com as suas indirectas e quiproquós. O clima suaviza-se durante o jantar, devido aos ditos irreverentes do Ega. A pretexto de um mal-estar de Charlie, a Gouvarinho beija Carlos nos aposentos interiores. Carlos e Ega são os últimos a sair.
(3ª feira) Depois de ter sido “retido” pela Gouvarinho na casa da tia, Carlos chega atrasado à casa de Maria Eduarda. Leva uma “indirecta”. No meio da conversa, Domingos anuncia Dâmaso; Maria Eduarda recusa-se a recebê-lo. Fala a Carlos sobre uma possível mudança de casa (Carlos pensa logo na casa do Craft). Carlos deixa escapar que a “adora” depois de uma troca de olhares. Beijam-se.
(4ª feira) Carlos conclui o negócio da casa com o Craft. Maria Eduarda fica um pouco renitente com a pressa de tudo, mas acaba concordando, com um novo beijo.
Ega, depois de se mostrar insultado pelo segredo que Carlos faz de tudo, vem a saber que Carlos está a ter mais do que uma aventura com Maria Eduarda.

Capítulo XIII

(6ª feira) Ega informa a Carlos de que Dâmaso anda a difamá-lo e a Maria Eduarda. Carlos faz os preparativos para a mudança de Maria Eduarda para os Olivais. Encontra Alencar, que refere a crescente antipatia de Dâmaso por Carlos. Aparece Ega. Cumprimentam-se. Do outro lado da rua, aparecem o Gouvarinho, o Cohen e Dâmaso. Carlos atravessa a rua; ameaça Dâmaso.
(Sábado) Maria Eduarda visita a sua nova casa nos Olivais. Descrição da casa. Têm a sua 1ª relação sexual (p.438).
(Domingo) Aniversário de Afonso da Maia. Tagarelice do marquês: Dâmaso estava a namorar a Cohen. Aparece Baptista a informar de que está uma senhora dentro de uma carruagem que quer falar com Carlos. Era a Gouvarinho. Ela tenta uma “rapidinha” mas, ao se lembrar da imagem de Maria Eduarda, Carlos recua. Discutem. Carlos sai. Terminou tudo.

Capítulo XIV

O avô parte para Sta. Olávia. Maria Eduarda instala-se nos Olivais. Ega parte para Sintra por alguns dias. Carlos, só, vai passear depois do jantar. Encontra Taveira no Grémio, que o adverte contra Dâmaso. Taveira arrasta-o até o Price, mas Carlos pouco se demora. Ao sair, encontra Alencar e o Guimarães, tio do Dâmaso.
Sabe-se que Carlos e Maria Eduarda pretendem fugir até Outubro para Itália, mas Carlos pensa no desgosto que dará ao avô. A sua felicidade, por fim, supera o avô nos seus raciocínios. Descreve-se as idas de Carlos aos Olivais: os encontros com Maria Eduarda e as relações que tinham no quiosque japonês (p.456). Isto não é o suficiente: eles querem passar as noites também. A 1ª noite é descrita na p.459. Carlos descobre uma outra casa perto da dos Olivais, que servirá para esperar pelos encontros nocturnos dele e de Maria Eduarda. Numa dessas noites, descobre Miss Sara a fazer sexo no jardim da casa com o que lhe parece ser um jornaleiro. Sente vontade de contar tudo a Maria Eduarda mas, à medida que pensa no caso, compara-o com a furtividade do seu. Decide não dizer nada.
Chega Setembro. Craft, regressado de Sta. Olávia para o Hotel Central, diz a Carlos que pareceu-lhe estar o avô desgostoso por Carlos não ter aparecido por lá. Carlos diz a Maria Eduarda que vai visitar o avô. Ela pede-lhe para visitar o Ramalhete, antes. Combinam isso para o dia em que Carlos partirá para Sta. Olávia. Maria Eduarda visita o Ramalhete mas, misteriosamente, desanima-se; Carlos “conforta-a” (p.470). Maria Eduarda refere que às vezes Carlos faz-lhe lembrar a sua mãe (p.471); diz que a mãe era da ilha da Madeira que casara com um austríaco e que tinha tido uma irmãzinha, que morrera em pequena (p.472). Chega Ega. Traz novas de Sintra. Carlos parte para Sta. Olávia. Regressa uma semana depois. Fala a Ega do plano de “amolecer” o avô quanto à relação com Maria Eduarda. Susto! Castro Gomes anuncia-se! Mostra uma carta anónima que lhe haviam mandado para o Brasil, dizendo que a sua mulher tinha um amante, Carlos. Revela não ser marido de Maria Eduarda, que lhe retirava o uso do seu nome, deixando-a apenas como Madame Mac Gren, seu verdadeiro nome. A Carlos “cai o queixo”. Ruminando pensamentos, entre escrever uma carta de despedida ou não, Carlos decide confrontar Maria Eduarda nos Olivais. Ao entrar, sabe por Melanie, a criada, que o Castro Gomes já lá tinha estado. Maria Eduarda, em chôro, pede perdão a Carlos de não lho ter contado; conta a verdadeira história da sua vida. Depois de uma grande cena de chôro, Carlos pede-a em casamento.
Capítulo XV

Na manhã seguinte, perguntam a Rosa se quer o Carlos como “papá”. Aceita. Maria Eduarda conta toda a sua vida (pp.506-14). Dias depois, ao ir visitar Maria Eduarda com Carlos, Ega diz-lhe pelo caminho que seria melhor esperar que o avô morresse para então se casar. Carlos acalenta a ideia. Jantam nos Olivais e Ega, rodeado deste ambiente, diz querer casar e louva tudo o que até aí era contra (p.523). Aos poucos, os amigos de Carlos (o Cruges, o Ega, o marquês), vão frequentando esses jantares de amizade dados nos Olivais. Meados de Outubro: estava Afonso com ideias de vir de Sta. Olávia (e Carlos de sair dos Olivais), pois o Inverno aproximava-se. Recebe, através do Ega, um n.º da Corneta do Diabo, que o difama em calão “num caso que tem com uma gaja brasileira”. Carlos primeiro pensa em matar a quem escreveu mas, reflectindo na verdade dos escritos, pensa se não será melhor não casar com Maria Eduarda. Volta ao 1º pensamento, em matar. Descobre, pelo editor do artigo, o Palma, que tinham sido o Dâmaso e o Eusébiozinho que lho tinham encomendado. Ega e Carlos vão até o Grémio; encontram o Gouvarinho e Steinbroken. Finalmente, aparece Cruges, a quem pedem que faça de padrinho num duelo de Carlos. Sabe-se, a meio disto, que o Governo caíra, pelo Teles da Gama (p.550). Cruges e Ega vão a casa do Dâmaso. Este faz uma cena ao saber do desafio, mas acaba por escrever uma retractação. Ega escreve-lhe a retractação e ele copia-a. Ega entrega-a, ao sair, a Carlos. Satisfeito, Carlos devolve-lha, para usar como lhe aprouver. No dia seguinte, Ega remói a ideia de fazer conhecer a carta do Dâmaso. Chega uma carta anunciando que Afonso voltava ao Ramalhete. Carlos retorna ao Ramalhete e Maria Eduarda à R. de São Francisco. No dia seguinte, chega Afonso à estação de Sta. Apolónia. Ao almoço, Carlos e Ega falam do projecto de uma revista. Ega vai ao Ginásio. Vê a Cohen e o Dâmaso. Sai do Ginásio; dirige-se à redacção d’A Tarde e pede ao Neves para publicar a carta do Dâmaso. Há um ligeiro rumor nos dias seguintes, mas tudo acalma. Dâmaso “vai de férias” a Itália.
Capítulo XVI

Antes do sarau da Trindade, Ega ouve com Carlos e Maria, uma parte de “Ofélia” ao piano, na casa desta. Carlos e Maria “enrolam” Ega para fazerem o seu próprio sarau, ali mesmo. Mas lembram-se do Cruges, e Carlos e Ega acabam por ir ao sarau da Trindade. Ouvem o discurso de Rufino. Entretanto, no botequim, dá-se um conversa entre o Guimarães e Ega, a propósito da carta do sobrinho. Ega volta ao sarau, ouve Cruges e sai quando o Prata sobe ao estrado. Carlos vê o Eusébiozinho saindo. Vai atrás dele e dá-lhe uns “abanões” e um pontapé. Voltam ao sarau, onde Alencar já ia declamar. Alencar arrebata a sala com o seu poema, “Democracia”. Ega fica desacompanhado; Carlos, disseram-lhe, já havia saído. O Gouvarinho sai furibundo por causa do poema do Alencar. À saída, de caminho para o Chiado, Ega é parado por Guimarães, que lhe diz ter um cofre da mãe de Carlos para entregar à família. No meio da conversa, descobre inconscientemente uma verdade terrível a Ega: Carlos tem uma irmã; é a Maria Eduarda! (p.615). Guimarães conta a Ega tudo o que sabe sobre M.ª Monforte (p.617), inclusive a mentira que ela dissera a Maria Eduarda sobre a sua origem de pai austríaco. Enquanto Guimarães vai buscar o cofre nessa mesma noite, Ega fica a atormentar-se com os seus pensamentos. Chega ao Ramalhete e deita-se, sempre pensando no incesto como ideia fixa.
Capítulo XVII

Ega não tem coragem de contar a Carlos. Sai, à procura de Vilaça. Come no Café Tavares e volta à R. da Prata. “Despeja” tudo ao Vilaça. Incumbe-o de contar tudo a Carlos. Abrem a caixa de M.ª Monforte. Encontram um documento provando que Maria Eduarda é filha de Pedro da Maia. Susto! Carlos está em baixo à procura do Vilaça! Ega e Vilaça, atarantados, mandam dizer que não está. Combinam que Vilaça irá ao Ramalhete, às 9 da noite. Mas Carlos não o atende e adia para o dia seguinte, às 11 horas. Ao saber disso, Ega sai para cear no Augusto com o Taveira e duas espanholas. Toma uma carraspana. Acorda ao lado de Cármen Filósofa, uma das espanholas, às 9 da manhã. Chega atrasado ao Ramalhete, às 12 h. Carlos e Vilaça já estavam “lá dentro”. Carlos, insensatamente, não acredita no que lhe contam. Mostra ao avô os papéis da Monforte. Mas Afonso não os refuta, dando a Carlos uma insegurança de que tudo pode ser verdade. Afonso, no corredor, diz a Ega que sabe que “essa mulher” é a amante de Carlos. No jantar dessa noite, estão todos “murchos”. No final do jantar, Carlos escapuliu-se: ia à Rua de São Francisco. Passa pela casa, desce até o Grémio, toma um conhaque e volta à casa de Maria Eduarda; entra. Tenta inventar uma história, mas ela, no quarto, já deitada, puxa-o para si e… Carlos não “resiste”. Na festa de anos do marquês, no dia seguinte, Carlos está muito alegre. Ega desconfia. Ega acaba descobrindo que Carlos continua indo “visitar” Maria Eduarda. Na 3ª feira evita Carlos; só aparece no Ramalhete às 9 da noite para se arranjar para o aniversário de Charlie, o filho do Gouvarinho. Afonso da Maia sabe que Carlos continua a encontrar-se com Maria Eduarda. Ega decide partir; pensa melhor: desfaz a mala. Baptista diz-lhe que Carlos parte amanhã para Sta. Olávia. Carlos debate-se com os seus pensamentos: o desejo e a culpa simultâneos (p.664-65); ao vir de Maria Eduarda, às 4 da manhã, encontra o avô e o seu silêncio acusador, como um fantasma (p.667-68). Já era dia, quando dizem a Carlos que o avô estava desacordado no jardim; estava morto (suponho ser trombose, visto que tinha um fio de sangue aos cantos da boca). Carlos culpa-se a si mesmo dessa morte, pois achava que era pelo avô saber tudo que havia morrido. Vilaça toma as providências. Ega escreve um bilhete a informar Maria Eduarda do facto. Reunião dos amigos da família; recordam Afonso. 1878 (p.681) O enterro é no dia seguinte, à uma hora. Carlos, depois do enterro, pede a Ega para falar com Maria Eduarda, contar-lhe tudo e dizer-lhe que parta para Paris, levando 500 libras. Quanto a Carlos, vai para Sta. Olávia, esperar a trasladação do avô; depois, viajará para espairecer. Convida o Ega para tal. Carlos parte. Ega deixa, atabalhoadamente, a revelação a Maria Eduarda e diz-lhe que ela deve partir já para Paris. Encontra-se com ela na estação de Sta. Apolónia, no dia seguinte. Segue no mesmo comboio até o Entroncamento. E nunca mais a vê.
Capítulo XVIII

Passam-se semanas. Sai na “Gazeta Ilustrada” a notícia da partida de Carlos e Ega numa longa viagem. Ano e meio depois (1879), regressa Ega, trazendo a ideia de escrever um livro, “Jornadas da Ásia”; Carlos ficara em Paris. (1886) Carlos passa o Natal em Sevilha; de lá, escreve a Ega que vai voltar a Portugal. Chega nesse ano a Sta. Olávia. (Jan. 1887) Carlos chega a Lisboa e almoça no Hotel Bragança com Ega, que está ficando careca; a mãe deste já morrera. Carlos pergunta pela Gouvarinho. Aparece o Alencar. Aparece o Cruges. Reminiscências desses últimos anos. Ega e Carlos vão visitar o Ramalhete. Antes, descem o Chiado. Encontram o Dâmaso perto da Livraria Bertrand. Aos poucos, Carlos toma consciência do novo Portugal que existe agora, anos passados. Passagem de Charlie (insinuação de que ele é maricas, p.705). Passagem do Eusébiozinho. Às 4 h, tomam uma tipóia para o Ramalhete. Dentro, nota-se que a maior parte das decorações (tapetes, faianças, estátuas) já tinham ou estavam a ser despachadas para Paris, onde Carlos vivia agora. Também no Ramalhete estavam os móveis trazidos da Toca. Sabe-se que Maria Eduarda ia casar. Saem do Ramalhete, descem a Rampa de Santos. Carlos olha para o relógio: 6.15! Está atrasado para o encontro com os amigos no Bragança. Desata a correr, junto com Ega, pela rampa de Santos e Aterro abaixo, atrás de um transporte.
Crítica Social
A Corrida de Cavalos

Objectivos:
Novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei;
Visão panorâmica dessa sociedade (masculina e feminina) sob o olhar crítico de Carlos;
Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris;
Cosmopolitismo (fingido) da sociedade;
Possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que vira à entrada do Hotel Central.
Existem 4 corridas.
Visão caricatural:
O hipódromo parecia um palanque de arraial;
As pessoas não sabiam ocupar os seus lugares;
As senhoras traziam “vestidos sérios de missa”;
O bufete tinha um aspecto nojento;
A 1ª corrida terminou numa cena de pancadaria;
As 3ª e 4ª corridas terminaram grotescamente.
Conclusões a retirar:
Fracasso total dos objectivos das corridas;
Radiografia perfeita do atraso da sociedade lisboeta;
O verniz da civilização estalou completamente;
A sorte de Carlos, ganhando todas as apostas, é indício de futura desgraça (Sorte no jogo…).
O Jantar dos Gouvarinho

Objectivos:
reunir a alta burguesia e aristocracia;
reunir a camada dirigente do País;
radiografar a ignorância das classes dirigentes.
Os alvos visados neste jantar são:
Conde de Gouvarinho
voltado para o passado;
tem lapsos de memória;
comenta muito desfavoravelmente as mulheres;
revela uma visível falta de cultura;
não acaba nenhum assunto;
não compreende a ironia sarcástica do Ega;
vai ser ministro.
Sousa Neto
acompanha as conversas sem intervir;
desconhece o sociólogo Proudhon;
defende a imitação do estrangeiro;
não entra nas discussões;
acata todas as opiniões alheias, mesmo absurdas;
defende a literatura de folhetins, de cordel;
é deputado.
Nota-se assim a superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado; incapacidade de diálogo por manifesta falta de cultura.
A Imprensa

“A Corneta do Diabo”:
o director é o Palma “Cavalão”, um imoral;
a Redacção é um antro de porcaria;
publica um artigo contra Carlos mediante dinheiro;
vende a tiragem do número do jornal onde saíra o artigo;
publica folhetins reles, de baixo nível.
“A Tarde”:
o director é o deputado Neves;
recusa publicar a carta de retractação de Dâmaso porque o confunde com um seu correligionário político;
desfeito o engano, serve-se da mesma carta como meio de vingança contra o inimigo político;
só publica artigos ou textos dos seus correligionários políticos.
Aspectos a notar: o baixo nível; a intriga suja; o compadrio político; assim como os jornais, está o País.
Sarau do Teatro da Trindade

Objectivos:
ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo;
apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória;
reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a família real;
criticar o ultra-romantismo que encharcava o público;
contrastar a festa com a tragédia.
Neste sarau, destacam-se dois personagens:
Rufino
o bacharel transmontano;
o tema do Anjo da Esmola;
o desfasamento entre a realidade e o discurso;
a falta de originalidade;
o recurso a lugares-comuns;
a retórica é oca e balofa;
a aclamação por parte do público tocado no seu sentimentalismo.
Alencar
o poeta ultra-romântico;
o tema da Democracia Romântica;
o desfasamento entre a realidade e o discurso;
o excessivo lirismo carregado de conotações sociais;
a exploração do público seduzido por excessos estéticos estereotipados;
a aclamação do público.
N.B.: As classes dirigentes estão alheadas da realidade (nota-se isso pela indignação do Gouvarinho). Caracteriza-se a sociedade como sendo deformada pelos excessos líricos do ultra-romantismo.
Espaço e Cor
O Ramalhete

O Jardim:
A estátua de Vénus Citereia
“enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres” (Cap.I)
“parecendo, agora, no seu tom claro de estátua de parque, ter chegado de Versalhes” (Cap.I)
“uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros de vénus Cetereia” (Cap.XVIII)
A Cascata
“uma cascatazinha seca” (Cap.I)
“E desde que a água abondava, a cascatazinha era deliciosa” (Cap.I)
“Por entre as conchas da cascata, o fio de água punha o seu choro lento” (Cap.XVII)
“mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiado saudosamente, gota a gota” (Cap.XVIII)
O Cipreste e o Cedro
“um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas, com um cipreste, um cedro” (Cap.I)
“o cipreste e o cedro envelhecendo como dois amigos tristes” (Cap.I)
“o cipreste e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos, num ermo” (Cap.XVIII)
Os móveis do escritório do Afonso:
“Todos os móveis do escritório do avô desapareciam sob os largos sudários brancos.” (Cap.XVIII)
A Toca:
“O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós chamávamos-lhe a Toca” (Cap.XIII)
“só meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada discreta, foi para Carlos um prazer” (Cap.XIII)
“uma tarde, (…) experimentaram ambos essa chave” (Cap.XIV)
“tapeçarias, onde desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte” (Cap.XIII)
“onde se distinguia uma cabeça degolada”(Cap.XIII)
“uma enorme coruja fixava no leito de amor, os deus dois olhos redondos e agoirentos” (Cap.XIII)
“o famoso armário, o móvel divino de Craft” (Cap.XIII)
“na base quatro querreiros” (Cap.XIII)
“a peça superior era quardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas” (Cap.XIII)
“espigas, foices, cachos de uvas e rabiça de arados” (Cap.XIII)
“dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos” (Cap.XIII)
“era ao centro um ídolo de bronze, um Deus bestial” (Cap. XIII)
Os símbolos cromáticos

O Vermelho:
“aquela sombrinha escarlate (…) quase o envolvia, parecia envolvê-lo todo – como uma larga mancha de sangue” (Cap.I)
“ao lado de Maria, com uma camélia escarlate na casaca” (Cap.I)
“todas as cadeiras eram forradas a repes vermelhos” (Cap.XI)
“abria lentamente o grande leque negro pintado de flores vermelhas” (Cap.XI)
Amarelo e Dourado:
“uma senhora loura, os cabelos loiros, de um oiro fulvo” (Cap.I)
“uma senhora alta, loira” (Cap.VI)
“era toda forrada, paredes e tecto, de um brocado amarelo, cor de botão-de-oiro” (Cap.XIII)
O Negro:
“seus olhos muito negros” (Cap.III)
“o negro profundo de dois olhos que se fixaram nos seus” (Cap.VII)

Personagens (mencionadas por ordem de aparição)
Sebastião da Maia (p.7);
Condessa de Runa (p.9);
Tobias, um são-bernardo;
Gato angorá, branco c/ malhas louras, chama-se, sucessivamente, Bonifácio/D. Bonifácio de Calatrava/Reverendo Bonifácio;
Vilaça;
Vilaça (o Júnior);
Manuel Vilaça;
Caetano da Maia (Miguelista), pai de Afonso da Maia (Liberal);
Jerónimo da Conceição, confessor de Caetano da Maia;
As Cunhas, primas de Afonso da Maia;
Fanny, tia de Afonso da Maia;
D. Maria Eduarda de Runa, filha de um conde; casa com Afonso da Maia, depois da morte do pai deste, Caetano da Maia;
Coronel Sequeira, amigo de Afonso da Maia;
Pedro da Maia, filho de Afonso da Maia, tem um bastardo aos 19 anos;
Avô da mulher de Afonso da Maia (enlouquecera; julgando-se Judas, enforcara-se numa figueira);
Tomás de Alencar, amigo de Pedro da Maia;
D. João da Cunha, amigo de Pedro da Maia (e de Alencar);
Maria Monforte;
Manuel Monforte, pai de Maria Monforte, açoreano;
André, criado do café Marrare, no Chiado (p.23);
O Melo, conhecido de Pedro da Maia (mais tarde amigo de Alencar, Carlos e Cruges);
Tancredo, o napolitano que foge com Maria Monforte;
O Magalhães, conhecido de Pedro da Maia;
Luís Runa, primo de Afonso da Maia;
Teixeira, escudeiro (ó mordomo) de Afonso da Maia;
Saldanha, personagem aludida, que é demitido do Paço;
Maria da Gama, personagem aludida, frequenta Maria Monforte; é uma troca-tintas;
André da Ega, personagem aludida, frequenta Afonso da Maia em Sta. Olávia;
D. Diogo Coutinho, personagem aludida, frequenta Afonso da Maia em Sta. Olávia;
Dr. Guedes, o médico;
Marquesa de Alvenga, personagem referida;
Velho Cazoti (deve ser professor de música);
Gertrudes, governanta de Afonso da Maia;
Prima da mulher de Afonso, uma Runa, viúva do visconde de Urigo de la Sierra;
Abade Custódio;
Carlos Eduardo da Maia, neto de Afonso da Maia;
Sr. Brown, preceptor de Carlos Eduardo;
D. Ana Silveira (vizinha?), a mais velha, solteira, da família dos Silveiras, da Quinta da Lagoaça;
Teresinha Silveira, “namorada” de infância de Carlos Eduardo;
D. Cecília Macedo, mulher do escrivão (p.67);
Pedra, tia de Carlos Eduardo (p.59);
D. Eugénia Silveira, viúva; tem 2 filhos, Teresinha e Eusébiozinho (o papa-livros, descrição na p.69);
O doutor delegado, que não se decide a casar ou não com D. Eugénia, havia já 5 anos;
O juiz de Direito e D. Augusta, sua mulher;
Recorda-se, na tagarelice, Manuel Branco, da família dos Brancos;
Mr. de l’Estorade, espadachim (mais tarde chamado Vicomte de Manderville);
André Noronha, primo de Afonso da Maia;
Catanni, acrobata (com quem Maria foge para a Alemanha);
Dr. Trigueiros;
João da Ega, sobrinho de André da Ega, amigo de Carlos Eduardo;
Serra Torres, adido em Berlim, amigo de Carlos Eduardo;
Simão Craveiro, amigo de Carlos Eduardo (e de Ega, também);
Gamacho (tocava piano), amigo de Carlos Eduardo;
Baptista, criado de quarto de Carlos;
Amigos de Carlos Eduardo depois do consultório estabelecido: Taveira, vizinho, empregado no Tribunal de Contas; Cruges, maestro, pianista; marquês de Souselas;
Sr. Vicente, mestre-de-obras;
Mr. Theodore, chef de Afonso da Maia;
Jacob Cohen, director do Banco Nacional;
Raquel Cohen, esposa de Jacob Cohen (com quem J. da Ega tem um caso);
Craft, filho de um clergyman da igreja inglesa do Porto, amigo de Carlos e de Ega;
D. Diogo, amigo do whist de Afonso da Maia;
Conde Steinbroken, ministro da Finlândia, visita habitual do Ramalhete;
Tarquínio;
Marcelino, o padeiro;
Marcelina, a mulher do padeiro;
Azevedo, jornalista;
Sá Nunes, jornalista;
Gastão, conde de Gouvarinho;
Margarida, cozinheira de D. Diogo;
Dr. Barbedo;
Amigos do Ega: Dâmaso Salcede, amigo do Cohen; 1 primo da Raquel Cohen;
Viegas, um dos doentes de Carlos Eduardo;
Manuel Pimenta, criado dos Gouvarinho;
Tompson, pai da condessa de Gouvarinho;
Sra. Josefa, rapariga cozinheira do Ega;
Shelgen, um alemão que vivia na Penha de França;
Tio Abraão, um comerciante de bricabraque;
Castro Gomes, o brasileiro;
Joaquim Guimarães, tio de Dâmaso Salcede;
Sra. Cândida, dona de uma venda;
Mateus, criado negro de Alencar;
Dr. Teodósio;
Charlie, o filho dos Gouvarinho;
Lola e Concha, as espanholas do Eusébiozinho;
Palma, amigo do Eusébiozinho;
Carvalhosa, amigo do Alencar, que vive em Colares (p.242);
Médico Smith;
Mª Eduarda, a “esposa” do Castro Gomes;
Melanie, criada dos Castro Gomes;
Miss Sara, governanta dos Castro Gomes;
Rosa (Rosicler), filha de Mª Eduarda;
Godefroy, costureiro que fez o fato de Mefistófeles do Ega;
Sra. Adélia, criada de Raquel Cohen;
Domingos, ex-serviçal do Ramalhete, criado dos Cohen;
D. Maria Lima, tia de Gastão Gouvarinho;
D. Maria da Cunha, amiga da Gouvarinho;
Teles da Gama, amigo dos Gouvarinho;
Torres Valente, político da câmara;
Miss Jones, tia da Gouvarinho, que lhe emprestara a casa à R. de Sta. Isabel para os seus “encontros” com Carlos;
Borges, vizinha de Miss Jones;
Manuela (ou, Manueleta), “conhecida” do marquês de Souselas;
Pe. Serafim, padre da família do Ega;
Clifford, um sportsman de Córdova;
Visconde de Darque, um sportsman português;
Viscondessa de Alvim, presente no hipódromo;
Joaninha Vilar, presente no hipódromo;
As Pedrosos, presentes no hipódromo;
Condessa de Soutal, presente no hipódromo;
Menina Sá Videira, filha do negociante de sapatos de ourelo, presente no hipódromo;
Ministra da Baviera;
Baronesa de Craben;
Concha, amiga de D. Maria da Cunha;
Pancho Calderon, anfitrião de Carlos e Clifford;
D. Pedro Vargas, primo do marquês e comissário das corridas de cavalos;
Mendonça, juiz das corridas;
Pinheiro, o jóquei que montou o “Escocês”;
Josefina do Salazar, acompanhante do Dâmaso;
Bertonni, tenor;
Sra. Augusta, porteira (?) do prédio onde mora o Cruges e a Castro Gomes;
“Niniche”, a cadelinha de Mª Eduarda;
Dr. Chaplain, médico de Mª Eduarda em Paris;
Romão, criado de Mª Eduarda (tinha sido antes do Dâmaso);
Manuelinho, filho do Vicente, mestre-de-obras;
Fillon, o fotógrafo;
Sr. Sousa Neto, amigo do conde Gouvarinho;
Barros, ministro do Reino;
Vicenta, criada da Baronesa de Alvim;
Julinha, mulher do Carvalhosa;
Travassos (deve ser médico);
Mr. Antoine, o chef francês;
Micaela, cozinheira da casa;
Cortês, alfaiate do avô de Carlos;
Conde de Landim;
Patrick Mac Gren, “marido” de Mria Eduarda em Paris;
Silvestre, ajudante no pasquim do Palma;
Viscondessa de Cabelas;
Zeferino, conhecido (?) do Dâmaso, a quem Palma pediu emprestado um relógio;
Nunes, tabelião do Dâmaso, sito à Rua do Ouro;
Neves, político, director d’ A Tarde;
Dâmaso Guedes, político;
Sr. Pereirinha, editor do jornal do Neves;
José Clemente e Rufino, políticos aludidos por Neves;
Gonçalo, político, conhecido do Neves;
Melchior, conhecido do Ega (e do Neves);
D. José Sequeira, comissário do sarau da Trindade;
O Prata, que fala no sarau (e põe toda a gente a “fugir”);
Vieira da Costa, correligionário do Gouvarinho;
Clemence, uma costureira de Levaillant, com quem Guimarães vive;
Simões, um estofador;
Visconde de Torral, amigo (ou cliente) do Vilaça;
Padre Talloux, confessor de Maria Monforte;
Paca e Cármen Filósofa, duas espanholas;
Dr. Azevedo, mora ao pé da padaria, perto do Ramalhete;
Marquês de Vila Medina, amigo de Carlos;
Barradas, pintor do retrato de Cruges;
Leonor Barradas, tia do Barradas, já falecida;
Homens e mulheres que o Ega conhcera: Lucy Gray, Conrad, Marie Blond, Mr. de Menant, Doubs;
Barroso, o amante da mulher de Dâmaso, filha dos condes de Águeda;
Adosinda;
João Eliseu;
Mr. de Trelain, noivo de Mª Eduarda.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sermão de Santo António aos Peixes


Sermão de Santo António aos Peixes, António Vieira

MAIO 23, 2011
1. A vida e obra de António Vieira
Nasceu a 6 de Fevereiro de 1608, em Lisboa; o pai, escrivão num tribunal em Lisboa, parte para o Brasil em 1609, por motivos  de trabalho, deixando em Lisboa o filho António e a mãe que, entretanto, lhe foi ensinando a ler e a escrever.
O pai de António Vieira regressa a Lisboa em 1612 e volta a partir para o Brasil dois anos depois, em 1614, levando com ele a famíia, agora acrescida de mais um filho.
A família instala-se na cidade da Baía que era na época a capital do Brasil, colónia portuguesa. (O Brasil foi descoberto em 1500 pelo navegador português Pedro Álvares Cabral).
Aos 15 anos, o jovem António Vieira decide integrar a Companhia de Jesus (a ordem religiosa designada habitualmente por Jesuítas). A motivação para esta decisão está relacionada com a audição de um sermão sobre os castigos do Inferno que impressionou Vieira.
   Nota breve sobre a Companhia de Jesus ou Jesuítas:
A Companhia de Jesus foi criada no século XVI por um padre espanhol (Inácio de Loyola) com o objectivo principal de combater os protestantes, principal preocupação da Igreja Católica. Os padres jesuítas viam-se como soldados da Igreja e achavam que deviam infiltrar-se em todas as actividades sociais e culturais com o fim de eliminar aqueles que pusessem em causa os princípios do Catolicismo.
Os Jesuítas chegaram ao Brasil em meados do século XVI e fundaram alguns colégios cuja finalidade era a catequese de adultos, jovens e crianças de todas as classes sociais. Ensinavam os analfabetos a ler, escrever e contar e tinham cursos de nível superior para os que desejavam prosseguir estudos; a estes ensinavam, durante 3 anos, Filosofia, Retórica, Gramática, Humanidades, Física, Metafísica, Matemática, Latim e Grego. O ensino jesuítico era público e gratuito.
Nesta época, os padres jesuítas foram os principais agentes culturais da colónia portuguesa (a sua influência foi marcante a nível das primeiras produções intelectuais e arquitectónicas do Brasil) e não hesitavam em embrenhar-se pelos matos em busca de índios para converter à fé católica e “civilizar” de acordo com as ideias da época.
Regressando à vida de António Vieira:
Quando Vieira decide integrar a Companhia de Jesus, esta não o recebeu com grande entusiasmo porque não admitia menores, mas, uma vez que os pais se responsabilizavam por esta decisão, Vieira acaba por ser recebido como noviço (padre em formação) na Companhia e enviado para uma aldeia de indígenas com o fim de ajudar os missionários que aí trabalhavam.
Pouco tempo depois, António Vieira assiste ao cerco da cidade da Baía por piratas Holandeses que cobiçavam a colónia portuguesa do Brasil. Esta invasão impressiona-o bastante e conclui, no sermão que escreve motivado por este acontecimento trágico, que se trata de um castigo divino contra os Portugueses, povo eleito que estava a ser punido por Deus com esta calamidade devido à corrupção dos magistrados vindos da metrópole:
«Desfazia-se o povo em tributos e mais tributos, em imposições e mais imposições, em donativos e mais donativos, em esmolas e mais esmolas (que até à humildade deste nome se abatia a cobiça), e no cabo nada aproveitava, nada luzia, nada aparecia. Porquê? Porque o dinheiro não passava das mãos por onde passava. (…) O Brasil o dá, Portugal o leva
                                                                                                                                                  Excerto do Sermão IX
Entretanto, António Vieira mostra-se incansável na actividade missionária que exerceu junto dos ameríndios (Índios da América do Sul) e escravos negros, cujas vidas e direitos defenderá ao longo de toda a sua vida futura;
para além de ser missionário, é professor de retórica (formou-se em teologia e filosofia) escritor e pregador. A sua obra revela-se profundamente crítica da sociedade e do mundo, com particular incidência na crítica das praxes coloniais no Brasil contra os ameríndios e escravos. Esta missão é continuada em Portugal continental onde se bateu arduamente pelo fim das perseguições inquisitoriais com base no sangue, atingindo sobretudo os judeus e cristãos-novos (judeus obrigados à conversão católica) denunciando ao Papa as práticas cruéis do Santo Ofício.
Os sermões proferidos pelo Pe António Vieira tornaram-no célebre, não só devido à defesa intransigente dos direitos de todos os marginalizados e explorados  pelos colonos portugueses no Brasil e dos cristãos-novos em Portugal, como também devido à riqueza da sua linguagem, à sua prodigiosa imaginação, à capacidade argumentativa, à arte de impressionar e comover, através de afirmações patrióticas e enérgicas aliadas a um ritmo encantatório, qualquer auditório.
Era brilhante na escrita e possuía ideais nobres que defendia entusiasticamente.
Para celebrar a libertação da Baía dos atacantes holandeses, escreveu 2 sermões, um dos quais foi o Sermão de Santo António aos Peixes. Ao todo, escreveu cerca de 200 sermões (isto é, chegaram 200 sermões até aos nossos dias) e dedicou os últimos 20 anos da sua vida a imprimi-los.
O assunto dos sermões está sempre ligado às circunstâncias concretas (acontecimentos históricos e sociais) em que foram pregados. Vieira transforma os sermões que prega em instrumento de intervenção na vida política e social, em defesa das grandes causas humanitárias a que dedicou a vida.
Vieira: um visionário:
Vieira escreveu também um livro de carácter profético* – A História do Futuro, no qual se mostra sebastianista** e defensor do mito do Quinto Império, mostrando-se convicto do futuro glorioso de Portugal, país cuja grandeza do tempo das Descobertas há-de ser recuperada, tal como Deus determinou (Portugal é um país destinado pelo Céu a um esplendor de que Vieira não duvida) por um rei que estando no presente “encuberto”, aparecerá para transformar Portugal nessa nova potência que será o Quinto Império: «Assim que o Império que promete Daniel ***não é império já passado, senão que ainda está por vir
* Uma obra profética (ou texto profético) é aquela em que o autor relata as suas visões, sonhos ou premonições/ intuições de acontecimentos futuros, considerando que é um emissário ou porta-voz de Deus que o escolheu para que anunciasse aos homens comuns o que irá acontecer num país, por exemplo. O profeta é, assim, o escolhido por Deus para transmitir as Suas mensagens.
**”sebastianista” é aquele que acredita no regresso do rei D. Sebastião (o Encoberto) para salvar o país da má governação e difícil situação económica, social, cultural e política e que o há-de conduzir ao Quinto Império ou reino de paz e glória eternas. O mito sebastianista ou sebástico é o principal mito nacional e teve muitos adeptos ao longo da nossa história, sobretudo em épocas de crise; entre eles, contam-se António Vieira e  séculos mais tarde, Fernando Pessoa.
***Daniel foi um profeta do Antigo Testamento que profetizou a vinda de um quinto império após os quatro já conhecidos: o babilónico, o persa, o grego e o romano.
As cartas escritas por António Vieira são também importantes para se conhecer o pensamento do autor e acontecimentos de carácter político e social que o marcaram.
«(…) Muito estimo encomendar-me V. Revª que faça visitar mais vezes as aldeias do Maranhão. O que nisto se faz é que na casa do Maranhão e Pará não reside ordinariamente  mais que um só sacerdote. Todos os mais estão divididos pelas residências, onde cada um tem três e quatro aldeias à sua conta, e algum há que tem onze; (…) O serviço de Índios é qual V. Revª tem experiência. Necessitamos muito de tapanhunos que já temos pedido à Província, mas não sei se chegaram as cartas porque nem respostas delas se recebeu até agora (…)»
Carta CCCIII, 1660 (excerto)
Retomando a narração da longa e atribulada vida do Pe A.Vieira…
O Pe António Vieira viveu uma boa parte da sua vida sob o domínio filipino, na sequência da perda da independência portuguesa após o desastre de Alcácer-Quibir. A independência é recuperada em 1640, tendo sido eleito rei de Portugal o Duque de Bragança, futuro rei D. João IV. Este período da vida política nacional é conhecido pela época da Restauração (Portugal foi restituído aos Portugueses após 60 anos de domínio castelhano).
Quando a notícia da Restauração chega ao Brasil, António Vieira é enviado pela Companhia de Jesus a Lisboa para homenagear o novo rei em nome da colónia brasileira. Entre Vieira e D. João IV desenvolveu-se uma forte amizade que durou até à morte do monarca. A vida de pregador da corte e de diplomata no estrangeiro está para breve. António Vieira é nomeado pregador régio e torna-se conselheiro do rei e passa a ser político e diplomata.
Possivelmente por inveja do sucesso que o pregador tinha alcançado em Lisboa, a Companhia de Jesus mostra-se disposta a expulsá-lo. O grande amor de Vieira à Companhia de Jesus e a protecção de D. João IV evitam a expulsão indesejada.
Regressado do Brasil, o Pe António Viera constata em Lisboa que o reino tinha perdido o brilho da época gloriosa das Descobertas: Portugal era constantemente atacado nas colónias ultramarinas, facto que enfraquecia a economia. Pensou, então, em aconselhar o rei e seu amigo D. João IV, a reintegrar os judeus expulsos de Portugal no tempo do rei D. Manuel I já que estes eram hábeis nos negócios e em lidar com o dinheiro.Os judeus constituíam grande parte da burguesia emergente que, pelo seu poder financeiro, provocavam a inveja de nobres e clero. Estas expulsões foram extremamente prejudiciais para os reinos ibéricos visto que dinamizavam a economia. Ricos e inteligentes, os judeus da Península eram odiados pelo Tribunal do Santo Ofício que tudo fez para os condenar à morte em nome de Cristo. Neste contexto, o Pe António Vieira foi muito ousado ao defender o seu regresso ao país agora empobrecido, junto do rei de Portugal, porque os padres inquisidores dominavam toda a sociedade que, por sua vez, os temia. António Vieira argumenta em defesa dos judeus dizendo que a sua expulsão ia contra a caridade cristã e que, segundo as profecias do Bandarra, a fundação do futuro quinto império comandado por Portugal seria da responsabilidade de judeus. Esta defesa valeu-lhe a antipatia dos padres do Santo Ofício que, mal puderam, se vingaram, prendendo-o.
Em 1646, o Pe A. Vieira é enviado, como diplomata, à Holanda e a França, aonde regressa no ano seguinte, revelando-se um político hábil ainda que não tenha obtido o sucesso ambicionado.
Depois destas missões diplomáticas regressa a Lisboa; a corte não o recebe com bons olhos embora D. João IV continue seu amigo. Face a esta indiferença por parte da grande nobreza portuguesa, decide regressar ao Brasil e continuar a sua missão evangelizadora junto dos indígenas, no estado brasileiro do Maranhão.
Os índios chamavam-lhe «paiaçu»: “pai grande”, reconhecendo, assim, o valor humanitário de Vieira junto das tribos índias, habitualmente desrespeitadas pelos colonos exploradores e sem escrúpulos.
Os maus tratos aos indígenas e negros escravizados na colónia do Brasil levam o Pe A.Vieira a apresentar várias queixas ao rei, contra os colonos portugueses que, longe de Lisboa, faziam as suas próprias leis de acordo com as suas conveniências.
O Sermão de Santo António aos Peixes foi escrito na véspera da partida de A. Vieira para Lisboa (13 de Junho de 1654) com o objectivo de denunciar de viva voz a D. João IV o drama dos ameríndios.
Chegado a Lisboa após uma viagem marítima bastante acidentada, profere dois dos seus sermões mais famosos: o Sermão da Sexagésima e o Sermão do Bom Ladrão.
D. João IV ouviu-lhe as queixas e toma medidas para proteger os indígenas ordenando que este fiquem doravante a cargo dos padres jesuítas. Os colonos não apreciaram esta decisão que punha em causa a mão-de-obra barata que viam no trabalho indígena e expulsam-no do Brasil depois de assaltos à Companhia de Jesus. Regressa doente a Portugal.
Entretanto morre D. João IV e o Pe António Vieira, sem a protecção real, fica à mercê dos muitos inimigos que foi criando ao longo da vida devido à defesa constante dos mais fracos, fossem índios, negros ou judeus, devido, também, à fama que tinha conquistado como pregador, tanto em Portugal como no estrangeiro, e às missões diplomáticas em que tinha participado e que lhe tinham dado prestígio. Era odiado na Corte e pela Igreja.
Os padres do Santo Ofício esperavam uma oportunidade para o prender e tiveram-na quando descobrem que António Vieira não só defendia o mito sebastianista como também que seria D. João IV o tal rei “encoberto” que, ressuscitado, iria conduzir Portugal ao esplendor perdido, chefiando o Quinto Império;  os padres inquisidores vêem nesta crença de A. Vieira um atentado à fé cristã e declaram-no réu num processo que se prolongará e irá contribuir para enfraquecer a saúde do pregador que contava nesta altura 56 anos.
No período da contenda com o Santo Ofício começa a escrever a “História do Futuro”, obra que mostra a crença sebastianista do autor e profetiza o Quinto Império para Portugal (época áurea vindoura). Esta obra não teve impacto na sociedade portuguesa e tendo sido apreendida pelo Tribunal do Santo Ofício, leva Vieira à prisão por ordem dos padres inquisidores que consideravam escandalosas as ideias sebastianistas de Vieira. A Inquisição proibe-o de pregar e condena-o a prisão domiciliária.
Algum tempo mais tarde, é-lhe permitido assistir em Roma à canonização de um padre jesuíta que tinha sido assassinado. Acaba por ficar 6 anos em Roma onde veio a ser aclamado pelos seus dotes de pregador e convidado para vir a ser o confessor da rainha Cristina da Suécia, convite que A. Vieira não aceita. É em Roma que consegue que o Papa interceda por ele junto do Santo Ofício.
Liberto da perseguição da Inquisição graças ao Papa, A. Vieira regressa, então, a Lisboa, em 1675, com 67 anos. A corte lisboeta não sentia por ele nenhuma simpatia e, ressentindo-se desta indiferença, decide regressar ao Brasil, agora com 73 anos.
Após a sua partida para o Brasil, os estudantes de Coimbra e os padres da inquisição queimam a sua imagem na praça pública.
No Brasil, e apesar da velhice e de estar quase cego, Viera continua a ler, escrever, a interessar-se pelo que ia acontecendo no mundo e fiel à crença sebastianista que tantos problemas lhe tinha causado.
Aos 86 anos a sua saúde já debilitada piora após uma queda numa escada de pedra.
«(...) Há perto de quinze dias, como tenho escrito e outras, que estou sustentando à capa nesta Quinta a grandes tempestades de catarros, que com pleurises, e sem outra febre mais que a sua natural, ouço que fazem grandes destroços em todas as sortes de vidas e idades.
Enfim me resolvo a deixar este deserto e ir para o Colégio, ou para sarar como homem com os remédios da medicina, ou para morrer como religioso entre as orações e braços de meus padres e irmãos. (…)» Carta CCXC, 1696 (excerto)
O Pe António Vieira morre aos 89 anos, em 1697, no Brasil.

O contexto político, religioso, social e cultural em que viveu e escreveu o Pe António Vieira:
1. A situação política vivida em Portugal no século XVII
- Ao longo dos 3 anos do domínio filipino após a morte de D. Sebastião em Marrocos, sem deixar sucessor para o trono português, a política castelhana foi desrespeitando os compromissos assumidos com Portugal (agora província castelhana). Esta situação criou intabilidade a todos os níveis, contribuindo para aumentar o número de sebastianistas.
Os focos de rebelião contra Castela terminaram a 1 de Dezembro de 1640, com a morte dos representantes do governo castelhano em Lisboa, seguida da aclamação de D. João IV como rei legítimo de Portugal.
O reinado de D. João IV não foi nada fácil: a riqueza nacional derivada das colónias ultramarinas estava em decadência assim como o prestígio de que Portugal tinha gozado na restante Europa com as Descobertas. Para este enfraquecimento das finanças nacionais contribuíram os ataques permanentes dos ingleses e holandeses às colónias portuguesas nos diversos continentes, cuja riqueza cobiçavam.
Foi o reconhecimento da debilitada economia nacional que levou o Pe António Vieira a defender o regresso dos judeus expulsos, como já vimos atrás.
2. O contexto religioso:
No século XVII, Portugal foi dominado pelo espírito de um movimento religioso designado porContra-Reforma. Como o nome sugere, a Igreja Católica quis reformar uma reforma imposta pelo padre  alemão Lutero (1483-1546) e pelo monge holandês Erasmo de Roterdão (1466-1536). Estes pensadores, verdadeiros gigantes intelectuais europeus e hummanistas, estiveram ligados à fé católica numa fase inicial, acabando por pô-la em causa, não porque tivessem perdido a fé, mas porque viam com maus olhos os vícios, a hipocrisia e vida excessivamente dedicada aos prazeres mundanos do Papa e da grande maioria dos membros do clero da época.  Manifestam-se, então, contra a Igreja de Roma argumentando que esta não respeitava o Evangelho porque apenas lhe interessava o luxo, a ociosidade e uma vida pecaminosa.
Como é de prever, tiveram a oposição do Papa, do clero obediente à Igreja de Roma e de muitos católicos que, influenciados pelas mensagens deturpadas acerca do que pensavam Lutero e Erasmo, viam neles inimigos da fé que era urgente combater.
A Europa dividiu-se entre os apoiantes de Lutero e Erasmo e os apoiantes do Papa romano. Este mal-estar dá origem a lutas terríveis e muito sangrentas entre as duas facções, um pouco por toda a Europa, ainda que com maior incidência nos países da Europa Central.
Assustado com os argumentos dos apoiantes da Reforma da Igreja Católica, o clero peninsular desenvolve um movimento de Contra-Reforma; foi este apego do clero que não queria perder os privilégios que tinha há séculos à tradição católica apostólica romana que originou os excessos cometidos pela Inquisição e as tragédias que muitos inocentes viveram, apoiantes ou não de Lutero. Bastava que tivessem uma maneira de viver e de pensar pouco ou muito diferente daquela que era considerada como a “correcta”, para pagarem essa diferença com a morte nos autos-de-fé do Santo Ofício, cujo poder se manifestava no país inteiro e sobre todos os cidadãos, fossem nobres ou populares.
O Tribunal do Santo Ofício espalhou o terror em Portugal e, devido à intolerância do clero inquisidor, o país ficou isolado da Europa civilizada e culta, facto que está na origem do considerável atraso registado em Portugal no domínio das ciências e das letras.
3. O contexto social: alguns traços marcantes da sociedade seiscentista:
3.1 Aumenta o número de sebastianistas ou adeptos do mito sebastianista devido à época de crise social que se vivia em Portugal. Os portugueses, populares e nobres, agarravam-se à esperança de que o país mudasse; as trovas do Bandarra que prediziam o regresso de um rei encoberto que viria restaurar o prestígio nacional foram lidas, decoradas e recitadas frequentemente às escondidas do clero que as considerava perigosas para a fé cristã já que o rei encoberto seria um messias terreno e não de origem divina.
3.2 O milagrismo, ou crença em milagres, aumenta em Portugal, país atrasado culturalmente e com grande percentagem de analfabetos.
3.3 O patriotismo: para além de sebastianistas, os portugueses que detinham mais cultura elegiam Os Lusíadas como livro preferido para compensar o desânimo que sentiam com as recordações da passada grandeza nacional cantada por Camões.
3.4 Medo: todos poderiam vir a ser vítimas da Inquisição, bastando para tal uma denúncia de um vizinho mal disposto. A Inquisição não poupava nem as mulheres nem as crianças; no que respeita aos encarcerados e mortos, confiscava-lhes os bens.
Para além do terror que as práticas da Inquisição espalhavam entre as populações, estas manifestaram a consciência dolorosa da efemeridade da vida, facto que levou à existência de modos de vida que oscilavam entre a tristeza depressiva e a tendência para uma vida desregrada.
3.5 Ignorância generalizada. Galileu Galilei, Pascal, Newton, Descartes eram praticamente desconhecidos em Portugal.
3.4 O poder real tornou-se absoluto e a corte um centro de vaidade e de luxo, onde a nobreza ociosa se divertia em serões palacianos em que se recitava poesia ao som do cravo.

4. O contexto cultural: a corrente estética designada por Barroco:
no século XVII surge uma nova corrente estética – o Barroco – que vai dominar a literatura, a pintura e a escultura. O movimento artístico do Barroco nasceu em Itália e propagou-se nos restantes países europeus, atingindo o apogeu em Espanha.
A palavra “barroco” vem de “barrueco” que significa pérola imperfeita. “Barroco” foi, durante muito tempo, uma designação pejorativa para caracterizar modos de escrever, pintar e esculpir considerados, pelos amantes da simplicidade como de mau gosto, demasiado excêntricos, extravagantes e teatrais. A arte barroca é espectacular e faustosa, estando, por isso, longe a simplicidade da época do Renascimento.
As manifestações da arte barroca caracterizaram-se, em muitos casos, pela tentativa de fuga, por parte dos artistas, a um ambiente pesado e excessivamente vigiado pelo Santo Ofício. Esta falta de liberdade conduziu ao gosto pela evasão e esta manifestou-se de diversas formas, na arte.
A pintura barroca
O século XVII teve pintores brilhantes, como  Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer, Velasquez, Murillo, Zurbaran. O mais influente entre todos foi certamente o italiano Caravaggio, famoso pelas pinturas religiosas. Em Espanha, a pintura atingiu um grande nível artístico com Velasquez, Murillo e Zurbaran. Distinguiram-se ainda o pintor holandês Rembrandt e o flamengo Vermeer. Trata-se de uma pintura caracterizada pelo contraste claro-escuro, luz-sombra, mistura de tons quentes, formas cheias de sensualidade, valorização da emocionalidade sobre a racionalidade, tentativa de impressionar os sentidos do espectador através das cores (vermelho, dourado, amarelo) e formas arredondadas que sugerem a ligação à terra. Sendo profundamente católica e produto do espírito da Contra-Reforma, a arte barroca exprime, frequentemente, mensagens religiosas (cenas bíblicas, retratos de santos, passagens das suas vidas, etc.)
O tema central da pintura barroca reside na antítese vida/morte e os artistas manifestam por um lado o prazer de viver e, por outro, a dor face à efemeridade da vida e ao tempo que tudo destrói. A expressão latina «carpe diem» (aproveita o momento presente) é um dos temas frequentes na arte deste século.
                                                                                       
A escultura barroca:
foi na estatuária e na talha dourada que o Barroco teve uma das manifestações mais ricas. A talha dourada (madeira talhada e dourada de modo a parecer ouro) é abundante em muitas igrejas portuguesas. Esta manifestação artística exprime o gosto pelo luxo e opulência da Igreja que queria, assim, impressionar os fiéis. São vulgares, nas igrejas barrocas, colunas e altares ornamentados com anjinhos, cachos de uvas, conchas, tudo pintado em dourada. Para além da talha dourada, Portugal distinguiu-se, ainda, na azulejaria.
A Literatura barroca:
A produção literária do século XVII está a cargo de uma elite social e cultural que, impedida de ser livre devido ao Tribunal do Santo Ofício, se refugia numa escrita recheada por vezes de frases ou versos difíceis de compreender devido ao recurso excessivo a figuras de estilo (metáforas, hipérboles, antíteses, alegorias, …).
Em termos gerais, é uma escrita muito imaginativa, extravagante e fútil nos temas, nomeadamente na poesia, arte vista como divertimento de e para nobres, marcada por complicados e imaginativos jogos de linguagem. Por este motivo, poucos são os poetas portugueses desta época que passaram à posteridade.
Na prosa, o nome de vulto é o Pe António Vieira, cujo prestígio chegou aos nossos dias. Foi a ele que Fernando Pessoa chamou « Imperador da Língua Portuguesa».
Música barroca:
A música está intimamente associada com a vida religiosa. Entre os grandes compositores barrocos, incluem-se Bach, Haendel, Scarlatti e Monteverdi.
CARACTERÍSTICAS DO SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
1. Introdução
O Pe António Vieira é considerado o maior orador sacro português e domina todo o século XVII pela sua personalidade vigorosa que capta a atenção dos ouvintes.
Destaca-se, ainda, pela coragem evidenciada na luta, através das palavras, contra a exploração dos povos oprimidos e pelo patriotismo evidenciado na luta pela manutenção da independência nacional, numa época instável como foi a da Restauração.
É marcante, também, o seu anticonvencionalismo e ousadia ao combater a organização social e religiosa mais poderosa de Portugal – O Tribunal do Santo Ofício – cujas práticas anti-cristãs denuncia, independentemente dos perigos a que se expôs e do sofrimento que tais atitudes lhe causaram.
2. Razão do título do sermão de Sto António aos Peixes:
O sermão inspira-se na lenda medieval segundo a qual Santo António, numa das pregações destinadas a emendar o comportamento dos homens, decide falar aos peixes ao constatar que os homens não lhe prestam atenção. Compreensivos e atentos, os peixes levantam as cabeças à superfície das águas, comprovando a força da palavra do santo.
António Vieira imitá-lo-á visto que também não é ouvido pelos colonos do Maranhão que exploram os ameríndios e os escravos negros; à semelhança do santo que tanto venera, falará aos “peixes” – alegoria dos colonos. Deste modo pode criticá-los sem temer represálias.
3. Contexto em que foi pregado este sermão e objectivo do mesmo:

Foi pregado na cidade brasileira de São Luís do Maranhão, em 13 de Junho de 1654, «três dias antes de se embarcar ocultamente para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos Índios (…) E nele tocou todos os pontos de doutrina (posto que perseguida) que mais necessários eram ao bem espiritual e temporal daquela terra, como facilmente se pode entender das mesmas alegorias.»
3.1 Funções do sermão:
O sermão tem uma missão social (salvar os ameríndios da cobiça e exploração, isto é, salvá-los da antropofagia que era a prática comum entre os homens na sociedade), e é também um instrumento de intervenção na vida política do país;
tem também uma missão espiritual: divulgar a palavra de Cristo, o Evangelho e histórias de santos como exemplos de condutas a imitar.

4. Intencionalidade comunicativa do pregador:
O sermão é um texto que pretende:
a) ensinar através do recurso a citações bíblicas, dados da História natural, exemplos da sabedoria popular. Tem, portanto, uma função informativa (informa sobre diversos saberes)
b) agradar aos ouvintes através do recurso a frases exclamativas, interrogações retóricas, gradações, apóstrofes, alegorias. Tem uma função emotiva (desperta emoções nos ouvintes)
c) Persuadir os ouvintes através da argumentação por meio do confronto com a Bíblia, emprego do modo imperativo, do vocativo e interrogações retóricas. Tem uma função apelativa(interpela os ouvintes, obrigando-os a reflectir no que é dito)
d) intervir na sociedade portuguesa da sua época.
5. A estrutura do sermão (a organização temática e discursiva do texto)
1ª parte do sermão:
5.1 O conceito predicável como ponto de partida:
o sermão parte de uma afirmação retirada da Bíblia à qual se dá o nome de conceito predicável. O conceito predicável que inicia este sermão é «Vós sois o sal da terra», afirmação retirada por Vieira do Evangelho de São Mateus.
Que pretende dizer o pregador aos seus ouvintes do Maranhão? O sal preserva os alimentos impedindo-os de se estragarem (era assim que antigamente a carne e o peixe eram conservados); ora, tal como o sal preserva os alimentos da corrupção, o mesmo faz a palavra de Cristo a quem a ouve, visto que a palavra divina transmitida pelos pregadores (eles são o sal) impede que os colonos (a terra) se afastem do caminho do bem. O conceito predicável é uma verdade intemporal que tem raízes bíblicas e que, por esse facto, dá credibilidade à pregação já que ninguém se atreve a contestar a palavra de Cristo.
5.2 O Exórdio ou Introdução:
É uma parte importante porque é através dela que o pregador capta a atenção dos ouvintes, logo, tem que prender e agradar.
O conceito predicável está inserido na 1ª parte do sermão – o Exórdio. Neste, o pregadorapresenta o tema do sermão: a necessidade dos colonos do Maranhão alterarem a sua conduta desumana.
Resumidamente: no exórdio Vieira diz que se as palavras do pregador (o sal) não cumprem a sua função de impedir a corrupção entre os homens, duas questões devem ser analisadas:
será que o defeito está nos pregadores cujas palavras não convencem porque dizem uma coisa e fazem o contrário do que pregam? A solução para este caso consiste em deitar fora o sal porque não presta: «é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» (cap.I)
Mas também pode acontecer que o pregador ou sal seja bom e a terra ou colonos o desprezem: «E à terra que não se deixa salgar, que se lhe há-de fazer?» (cap.I)
«Este ponto não resolveu Cristo Nosso Senhor no Evangelho; mas temos a sobre ele a resolução do nosso grande português  Santo António.»
Assim sendo, Vieira opta por imitar Sto António que deixou os homens e se virou para melhores ouvintes: os peixes.
O Exórdio termina com uma invocação à Virgem Maria ou Domina Maris (Senhora do mar) para obter a inspiração necessária à pregação convincente que deseja.
Fim do cap.I do sermão.
No que respeita à organização do discurso e linguagem figurada, notar alguns exemplos de:
- encadeamento lógico das ideias;
- paralelismo sintáctico ou estrutural: «ou é porque (…) ou é porque (…) ou é porque (…)»;
- interrogações retóricas que confrontam directamente os ouvintes: «Não é tudo isto verdade?»
- vocativo: «Vós, diz Cristo, (…)»
- repetição da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que inicia várias frases com estrutura idêntica.
- linguagem metafórica: «sal», «salgar», «e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar», «começam a ferver as ondas (…)»…
- exclamações retóricas: «Ó maravilhas do Altíssimo!»
- enumeração e gradação crescente: «sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira»
- trocadilhos: «é melhor pregar como eles que pregar deles»
- ironia: «o mar está tão perto que bem me ouvirão»
São ainda de notar as inúmeras afirmações, interrogações e citações bíblicas em latim: mostrar erudição e dar validade ao discurso.
2ª parte do sermão
5.3 Os capítulos II – V correspondem à 2ª parte do sermão (o desenvolvimento) e neles o orador desenvolve, através de um discurso fortemente argumentativo, a tese exposta no cap. I: é necessário reformar os costumes dos colonos do Maranhão.
Assim, se existe o Bem e o Mal, o sermão, a partir do cap.I, será dividido em 2 partes, a saber:
- louvor das virtudes dos peixes, em geral – cap. II
- louvores aos peixes em particular, no cap. III: serão louvados o Santo Peixe de Tobias, a Rémora, o Torpedo e o peixe Quatro-Olhos.
- repreensão aos peixes em geral: cap. IV
- repreensão aos peixes em particular – cap. V: são repreendidos os peixes Roncadores, Pegadores, Voadores e o Polvo.
Para defender as suas ideias, Vieira recorre a uma argumentação cerrada, a uma linguagem alegórica* de modo a tornar claras e facilmente compreensíveis determinadas realidades abstractas (os vícios e as virtudes humanas) e a citações bíblicas e ou de padres famosos/ santos para melhor convencer acerca da pertinência das suas ideias.
* a alegoria é uma figura de estilo através da qual se refere ideias abstractas recorrendo a exemplos comuns do mundo material; os vários peixes elogiados e repreendidos são alegorias da maldade e bondade humanas.
5.4 Capítulo II (1ª parte do desenvolvimento) – síntese das ideias:
As 2 qualidades dos peixes mencionadas no início deste capítulo estabelecem um contraste com 2 defeitos humanos:
- «os peixes ouvem e não falam», donde se depreende que os homens falam demais e não ouvem os bons conselhos do pregador;
- seguidamente, Vieira informa que quer pregar com a mesma imparcialidade que Santo António usou nas suas pregações porque essa é a atitude que deve manifestar qualquer pregador digno desse nome: «Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar e repreender o mal para preservar dele.», isto é, o louvor das virtudes (humanas) influencia a continuidade das mesmas e a crítica aos vícios (humanos) leva a que quem os pratica se consciencialize dessa prática errada.
- Vieira justifica, com novos argumentos, o elogio das virtudes em geral dos peixes:
foram os primeiros animais criados por Deus, são os animais mais numerosos e com maiores dimensões, são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a mensagem de Santo António, contrariamente aos homens que a desprezaram «tão furiosos e obstinados».
Jonas, personagem do Antigo Testamento a quem Deus encarregou de cumprir uma missão, foi deitado ao mar pelos homens e salvo por uma baleia.
os peixes vivem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez pois são independentes e livres:
«Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!»
Na conclusão do cap II, Vieira interpela directamente os peixes e diz-lhes:
«Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.» Como eles procedeu Santo António, cuja biografia é sumariamente narrada na antítese que termina este capítulo: «e por fim acabou a vida em outro deserto, tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens.»     
5.5 Capítulo III – síntese das ideias
Neste capítulo, o pregador passa à enumeração dos peixes que serão elogiados e das razões que levam a esses elogios. Cada peixe representa, alegoricamente, virtudes humanas.
1º peixe elogiado: o peixe de Tobias, personagem do Antigo Testamento que, no momento em que ia lavar os pés ao rio, é surpreendido por «um grande peixe com a boca aberta em acção de que o queria tragar. Gritou Tobias assombrado (…)»
Acontece que este peixe assustador ia, afinal, salvar Tobias com as suas entranhas: «o fel era bom para salvar da cegueira e o coração para lançar fora os demónios.»
2º peixe elogiado: a rémora «peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder»; a rémora é alegoria da energia e força de vontade que devem ser o “leme”/ a orientação das acções humanas. A rémora representa todos os que são imunes, como Santo António, à «fúria das paixões», guiando-se na vida pela racionalidade.
À alegoria da rémora seguem-se outras alegorias: as “naus” soberba, vingança, cobiça e sensualidade. Estes são vícios humanos decorrentes da falta de racionalidade que arrastam o homem para comportamentos indevidos.
3º peixe elogiado: «aquele outro peixezinho, a que os latinos chamam torpedo»; este peixe produz uma descarga eléctrica que passa para a mão do pescador, fazendo-lhe tremer o braço. Isto quer dizer que a virtude deste peixe contagia o ser humano, sendo essa virtude a energia para lutar contra a atracção pelo mal. Com esta nova alegoria Vieira critica os padres pregadores que se interessam apenas por falar sem atender à qualidade das suas mensagens evidenciando ausência de espírito crítico e descuido relativamente aos fiéis que “pescam” com os respectivos discursos. Isto nunca acontecia com os sermões de Santo António visto que aqueles que os ouviam “tremiam” de tanta emoção que, «tremendo, confessaram seus furtos; (…) todos enfim mudaram de vida e de ofício e se emendaram.»
4º peixe elogiado: o quatro-olhos -«Tantos instrumentos de vista a um bichinho do mar, nas praias daquelas mesmas terras vastíssimas, onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos!»
Tantos olhos num único peixe (2 virados para o céu e 2 virados para baixo) devem-se ao facto de serem muito perseguidos no mar e no ar, pelas aves marítimas. Deste facto o pregador conclui que este peixe ensina os homens a olharem para o céu para praticarem a virtude e a não esquecerem o inferno sempre que olham para a terra.
O capítulo III termina com um elogio a todos os peixes que alimentam os pobres (as solhas); já os salmões alimentam os ricos. Devido a esta boa acção dos peixes, o pregador deseja que se reproduzam em abundância: «Crescei, peixes, crescei e multiplicai, e Deus vos confirme a sua benção.»

5.6 capítulo IV – síntese das ideias
Neste capítulo, Vieira repreende os peixes em geral porque os peixes grandes comem os pequenos (alegoricamente é referida a antropofagia social, isto é, os homens poderosos aniquilam os mais frágeis, os marginalizados da sociedade: os ameríndios e negros do Brasil). Assim sendo, a terra parece «um açougue» ou matadouro, já que os marginalizados vão morrendo de cansaço, fome e doença, diante da indiferença dos colonos. Mas os homens também se comem uns aos outros mesmo dentro da mesma classe social, porque cobiçam os bens uns dos outros, são interesseiros:
«Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer. Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e a comê-lo. Comem-nos os herdeiros, comem-no (…) ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.»
Os homens deviam preocupar-se em lutar pela independência da sua terra atacada pelos piratas ingleses e holandeses em vez de se perderem em lutas por bens menores sem objectivo que as justifique.
Os peixes comem-se uns aos outros no mar por razões de sobrevivência, mas os seres humanos aniquilam-se e desprezam-se por amor excessivo ao dinheiro. Esta constatação leva a uma 2ª repreensão geral aos peixes alegoria dos homens: estes dão a vida por insignificâncias, «um retalho de pano», mas os bens terrenos são ilusórios e fonte de discórdias; o costume de se aproveitarem dos bens dos naufragados é condenável: «Pode haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta?» Deviam seguir o exemplo de Santo António que, tendo nascido rico, abandonou tudo para imitar Jesus Cristo.

Capítulo V – síntese das ideias
Neste capítulo, Vieira repreende alguns peixes em particular:
«Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós»
Os peixes criticados são alegorias dos piores vícios humanos, ainda que haja uma gradação nesta enumeração porque o polvo será o “peixe” mais criticado.
1º peixe repreendido:
o roncador – é a alegoria dos homens arrogantes e vaidosos que prometem e não cumprem porque «o muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela»; «Assim que, amigos roncadores, o verdadeiro conselho é calar e imitar a Santo António. Duas cousas há nos homens que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder.»
2º peixe repreendido:
o peixe pegador – é a alegoria da adulação e do parasitismo, vícios da alta nobreza e classe política, gostam de receber favores e da adulação daqueles que deles dependem. Estes peixes nadam presos a um «tubarão», membro mais importante na escala social que eles vão explorando como podem: «porque não parte vice-rei ou governador para as Conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para que cá lhes matem a fome, de que lá |em Portugal continental| não tinham remédio.»
3º peixe repreendido:
o peixe voador – é a alegoria dos sempre insatisfeitos com a vida e ambiciosos porque não se contentando em nadar no mar, querem voar como os pássaros: «Dizei-me, voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? (…) Peixes, contente-se cada um com o seu elemento. (…) À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem.»
 4º peixe repreendido:
o polvo, alegoria da hipocrisia e da traição, os vícios piores entre todos. Contra o polvo ergueram-se as vozes de dois santos importantes: S. Basílio e Santo Ambrósio porque o polvo aparenta ser aquilo que não é:
«com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão.»
Percebemos o alcance da crítica ao polvo: como ele, também os monges enganam os fiéis, passando por homens piedosos quando não passam de homens imorais e interesseiros que utilizam a palavra de Deus para melhor conseguirem os seus verdadeiros intentos.
Através de anáforas, frases paralelísticas e comparações, Vieira descreve a aparência enganadora o polvo que, devido ao mimetismo, se disfarça para melhor enganar os inocentes e que é pior traidor do que foi Judas, o traidor de Cristo.
«Se está nos limos faz-se verde, se está na areia, faz-se branco, se está no lodo, faz-se pardo (…) E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado (…) Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende.»
Para além das razões já invocadas contra o polvo, Vieira refere o contraste entre a “sujidade” moral do polvo e a transparência do elemento natural em que habita – o mar:
«Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu!»
Vieira intui os argumentos que os peixes/ homens empregariam, se pudessem falar, para rebater as acusações contra o polvo:
«Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossos mares, me estais respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições. (…) Mas ponde os olhos António, vosso pregador, e vereis nele o mais ouro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano.»
Isto é, é verdade que a terra está infestada de traidores e não apenas o mar onde vivem os peixes acusados, sobretudo o polvo, pior entre os piores. Mas também é verdade que há habitantes da terra que se destacam pela pureza de coração e amor à verdade, como é o caso de Santo António a quem Vieira imita e cita frequentemente no seu sermão. Que se há-de então fazer, já que Santo António é inimitável? Para Vieira, basta que os portugueses do seu tempo se mantenham fiéis aos valores morais e éticos que outrora existiam em Portugal e que agora parecem estar arredados das intenções dos colonos do Maranhão:
«E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo.»
O capítulo V termina com uma censura àqueles que roubam os bens dos náufragos que dão à costa e avisa:
«Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio atravessado na garganta.»    
              
A Peroração ou Conclusão do sermão – cap. VI
No último capítulo, Vieira quer “consolar” os peixes, eles que para além de terem sido alvo de duras críticas, também foram excluídos do terceiro livro da Bíblia – O Levítico. Esta desconsideração feita aos animais marinhos num livro sagrado deve-se a esta razão:
«(…) foi porque os outros animais podiam ir vivos ao sacrifício |entenda-se que se tratava de uma oferenda a Deus que passava por sacrificar animais, tal como era habitual nas práticas religiosas ancestrais| e os peixes geralmente não, senão mortos; e cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue aos seus altares.»
Ora, tal como os peixes que morrem antes de chegar a Deus, também «quantas almas chegam àquele altar mortas (…) estando em pecado mortal!»
No entanto, os peixes estão em vantagem relativamente aos humanos já que nem chegam a aproximar-se de Deus, não o podendo ofender; opostamente, os homens chegam a Deus cheios de pecados, facto que leva o pregador a exclamar:
«Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar deste perigo, porque melhor é não chegar ao sacrifício, que chegar morto.»
Mas as vantagens dos peixes não se resumem apenas ao que foi referido antes: o pregador também é humano e dotado de razão, contrariamente aos peixes que agem segundo as leis da natureza. Assim sendo, o pregador inveja «a bruteza» dos peixes porque estes não ofendem a Deus já que nem pensam nem têm vontade própria.
Vieira termina reconhecendo, numa atitude humilde, as fraquezas inerentes aos seres humanos que falham perante Deus porque a inteligência destrói a inocência e pureza que os peixes, seres irracionais, conservam e o livre-arbítrio que falta aos peixes nem sempre o conduz à prática mais cristã :
«Vós fostes criados por Deus para servir ao homem, e conseguis o fim para que fostes criados; a mim criou-me para o servir a ele, e eu não consigo o fim para que me criou.»
Acrescenta a esta confissão da sua indignidade face a Deus, o pedido aos peixes para que louvem a Deus, criador da vida e a quem tudo se deve.
Introdução
O Pe António Vieira escrevia e pregava o que escrevia em público, nas igrejas, a partir do púlpito ou lugar destinado na igreja aos pregadores. Para que a sua pregação produzisse o efeito pretendido pelo orador, tornava-se necessário agradar aos ouvintes e conseguir prender a atenção destes durante o tempo da pregação. Assim, nenhuma parte dos longos discursos era deixada ao acaso mas, pelo contrário, minuciosamente trabalhada previamente.
Vieira conseguia seduzir os ouvintes à custa dos seus dons oratórios ou capacidade para se expressar oralmente com convicção, através do recurso a figuras de estilo ou de retórica, do encadeamento lógico dos raciocínios, das imagens sugeridas através das associações de vocábulos seleccionados para esse efeito, do recurso a argumentos difíceis de contestar pelos ouvintes.


Para ter sucesso na pregação e convencer os ouvintes a alterar a mentalidade e modos de agir, Vieira serve-se de variados recursos; para além da argumentação (consulta a página seguinte sobre este assunto), emprega largamente citações bíblicas, normalmente em latim, faz referências à vida de Santos e Doutores da Igreja (Santo António, São Basílio, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Mateus), refere passagens conhecidas do Antigo Testamento (o episódio de Jonas, no cap.I;o episódio do Dilúvio e a arca de Noé, no cap. I; o episódio de Tobias a quem apareceu o Arcanjo Rafael, no cap. II; passagens da vida do rei David, cap. II, o episódio vivido por Jesus Cristo no Horto, cap.V; a fuga de Jesus para o Egipto, cap. V;…); referências a filósofos e pensadores (Aristóteles, p.ex.); referências à mitologia greco-latina; referências à variedade da fauna marítima e terrestre, a zonas geográficas, à sabedoria popular, …

O recurso a abundantes referências bíblicas confere seriedade e credibilidade à pregação já que não há argumentos de peso que se oponham às narrações bíblicas. Como foram escritos para serem ouvidos, os sermões têm um ritmo facilmente captável pela audição. Para além disto, os conceitos mais importantes são acentuados através da repetição e as palavras são escolhidas criteriosamente porque deviam ser, segundo o pregador, “distintas e claras como estrelas”.
II – Principais recursos estilísticos presentes no Sermão de Santo António aos Peixes:



1. Alegoria: todo o sermão é alegórico ou uma extensa alegoria, a partir do cap. II (os peixes são alegorias dos homens e das virtudes e vícios destes).

2. Anáfora e Paralelismo sintáctico ou estrutural
Ex. «Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas» – cap. II
Ex2. «Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas, vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego?» – cap. IV (nota os verbos antitéticos aqui presentes)
Ex3. «Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo» – cap. V
3. Apóstrofes
Ex. «Vindo pois, irmãos, às vossas virtudes (…)» – cap.I
Ex2. «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens» – cap.I
Ex.3 «Ah moradores do Maranhão, quanto (…)» – cap.II
Ex.4 «Parece-vos isto bem, peixes?» (interrogação retórica + apóstrofe) – cap.IV
4. Antíteses
Ex. «Uma é louvar o bem, outra é repreender o mal» (paral. sintáctico + antítese)
Ex2 «tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens» – cap. II
Ex3 «tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder»
Ex4 «traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras» – cap. V
Ex5 «de manhã e de tarde, de dia e de noite» – cap I
Ex6 «e visse na terra os homens tão furiosos e tão obstinados e no mar os peixes tão quietos e tão devotos» – cap. II
Ex7 «não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro» . cap. II
Ex8 « ou desta hipocrisia tão santa» – cap. V
5. Anadiplose (repetição de uma palavra nos segmentos de uma enumeração para sugerir uma reacção em cadeia)
Ex. «De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador.» – cap. III
Ex2 «E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, (…)» – cap V
5. Enumerações
Ex. «Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e dos defuntos e ausentes; come-o o médico (…), come-o o sangrador, (…)» – cap. IV
Ex.2 «(…) que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições» – cap. V
Ex 3 «primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal» (enumeração + gradação) – cap. II
Ex4 «mudou o nome, mudou o hábito e até a si mesmo se mudou» – cap. II
6. Gradações
Ex. «sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira» – cap.I
Ex2. «Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças fora de água» (enumeração + gradação) – cap.I
Ex3 «Estes e outros louvores, estas e outras excelências de vossa geração e grandeza (…)» – cap. II
Ex4 «o mar é muito largo, muito fértil, muito abundante» – cap. IV
Ex5 «de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água» – cap.V
7. Comparações
Ex. «Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores às costas, tão cerzidos com a pele, que mais parecem remendos» – cap. V
Ex2 «O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos parece uma estrela (…)» – cap. V
8. Metáforas
Ex. «e esse fel que tanto vos amarga (…) uma é alumiar e curar as vossas cegueiras, e outra lançar-vos os demónios fora de casa» – cap. III
Ex2 «Quem dera aos pescadores do nosso elemento (…) Tanto pescar e tão pouco tremer!» – cap. III
Ex3 «onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes» – cap. III
Ex4 «porque a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos» – cap. IV
Ex5 «Com aquela corda e com aquele pano, pescou ele muitos» – cap IV
Ex6 «porque ambas incham: o saber e o poder» – cap. V
9. Quiasmo
Ex. «mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso e os peixes o uso sem a razão» – cap. II
10. Interrogações e exclamações retóricas
«Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?» – cap. I
«Oh grande louvor para os peixes e grande afronta e confusão para os homens!» – cap. II
«Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos demónios perseguis vós?» – cap. III
«Oh quão altas e incompreensíveis são as razões de Deus, e quão profundo o abismo de seus juízos!» – cap. III
«Parece-vos bem isto, peixes?» – cap. IV
11. Repetições
Ex. «Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar» – cap. IV
12. Trocadilhos
Ex. «Dizei-me: o espadarte porque não ronca? (…) Contudo que lhe sucedeu naquela noite? Tinha roncado e barbateado Pedro (…) O muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela.» – cap. V
13. Adjectivação dupla
«Eis aqui, peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e enganoso é este modo de vida que escolhestes.» – cap. V
«Vê peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade» – cap. V
«Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno (…)» – cap. V
14. Forte apelo ao sentido da visão
O sentido da visão é, de todos os sentidos, aquele que está mais em evidência:
Ex. «Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.» – cap. II
Ex2 «para a cidade é que haveis de olhar» – cap. IV
Ex3 «Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar (…) Morreu algum deles e vereislogo tantos sobre o miserável» – cap. IV
Ex4 « Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos (…) e olhai quantos o estão comendo. (…) E para que vejais como estes comidos na terra são os pequenos (…)» – cap. IV
Ex5 «Vede o vosso Santo António, que pouco o pode enganar o mundo» – cap. IV
Ex6 «Vê, voador, como correu pela posta o teu castigo.» – cap. V
Ex7 «Mas ponde os olhos em António, vosso pregador (…)» – cap. V
15. Verbos no modo imperativo
Ex. «Crescei, peixes, crescei e multiplicai (…)» – cap. III
Ex2 «Vede um homem desses (…) e olhai (…)» – cap. IV
16. Deícticos espaciais
«Porque cá, no Maranhão, ainda que se derrame muito sangue (…)» – cap. IV
«E começando aqui, pela nossa costa» – cap V
17. Aforismos
«Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem» – cap. V
18. Ironia
«o mar está tão perto que bem me ouvirão» – cap. I
«Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.» – cap II
III – Os conhecimentos de Vieira sobre o mundo
São muitos e variados:
a) Referências a filósofos e pensadores : «Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam nem domesticam», cap.I
a propósito dos peixes: «porque há filósofos que dizem que vós não tendes memória» – cap. I
«Olhai como estranha isto Santo Agostinho» , cap. II
b) Conhecimentos bíblicos: «No tempo de Noé sucedeu o dilúvio que cobriu e alagou o Mundo» – cap.I;
a história de Tobias, cap. II;
«querei ver um Job destes?», cap. II;
«Pilatos roncava de poder», cap. V;
«Lá diz a Escritura daquela famosa árvore, em que era significado o grande Nabucodonosor, que (…)», cap. V
c) História natural: referências a animais exóticos: o bugio (macaco), tigres, leões, papagaio
referências a animais europeus: rouxinol, açor, cão, boi
referências a peixes diversos conhecidos possivelmente nas viagens marítimas que fez: «navegando daqui para o Pará (…)» cap.II: rémora, voadores, quatro-olhos, baleia, tubarão, ….

«Comerem-se uns animais uns aos outros é voracidade e sevícia e não estatuto da natureza. Os da terra e do ar que hoje se comem, no princípio do Mundo não se comiam, sendo assim conveniente e necessário para que as espécies se multiplicassem», cap. IV
«Se o rio Jordão e o mar de Tiberíades têm comunicação com o Oceano, como devem ter, pois dele manam todos.», cap. V;
«Vai o xaréu correndo atrás do bagre, como o cão atrás da lebre, e não vê o cego que lhe vem nas costas o tubarão» , cap. IV
d) mitologia: «o canto das sereias» (Odisseia de Homero), cap. I;  «O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens.», cap. V;
«depois que Ícaro se afogou no Danúbio não haveria tantos Ícaros no Oceano», cap. V;

e) sociedade:
«e os bonitos, ou os que querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal; e este trabalho de toda a vida quem o leva? Não o levam os coches, nem as liteiras (…)? No triste farrapo com que que saem à rua, e para isso se matam todo o ano.» – cap. IV
«São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.» , cap. IV
«Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos senão que devoram e engolem os povos inteiros.», cap. IV
«Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, (…) que os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; (…) Assim foi; mas, se entre vós se acham por acaso alguns dos que, seguindo a esteira dos navios, vão com eles a Portugal e tornam para os mares pátrios, bem ouviriam este lá no Tejo que esses mesmos maiores que cá comiam os pequenos, quando lá chegam, acham outros maiores que os comam também a eles»
cap. IV

«A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os homens.», cap. IV
«Nesta viagem, de que fiz menção, e em todas as que passei a Linha Equinocial, vi debaixo dela o que muitas vezes tinha visto e notado nos homens, e me admirou que se houvesse estendido esta ronha e pegado também aos peixes. (…) Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou e pegou de um elemento a outro, sem dúvida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os nossos portugueses o navegaram.», cap. V
O Texto Argumentativo
1. Argumentar: o que é?

Argumentar é utilizar os conhecimentos linguísticos de que dispomos com a  finalidade de fazer valer as nossas razões, ideias, pontos de vista sobre determinado assunto em discussão.
Argumentar é, portanto, uma prática discursiva oral ou escrita na qual o Emissor visa convencer o/os Receptores/ Destinatários da sua mensagem a acreditar nele, isto é, a aceitar como válidas as suas teses ou ideias. Todos nós temos determinadas ideias sobre determinado assunto ou questão e sabemos que, muitas vezes, o outro, aquele que nos ouve ou lê, nem sempre está de acordo connosco. Sentimos, então, consciente ou inconscientemente, necessidade de afirmarisso em que acreditamos,quer porque gostamos de nos expressar livremente quer porque nos custa a aceitar que esse outro pense de maneira diferente da nossa quer porque precisamos da conivência desse outro para nos sentirmos aceites na sociedade em que vivemos.
Também pode acontecer que sintamos necessidade de argumentar em defesa de pontos de vista alheios quando concordamos com eles, evidentemente. No entanto, nem sempre que argumentamos, isto é, defendemos os nossos pontos de vista, chegamos a um acordo com o nosso interlocutor, mas, é através da via argumentativa que criamos a possibilidade de sermos compreendidos, já que argumentar é um processo racional de resolvermos diferendos.
Assim, é a posse da capacidade argumentativa oral ou escrita que nos permite participar na sociedade na medida em que, graças a ela, o que pensamos e sentimos é exteriorizado ao ser verbalmente expresso.
Para haver recurso à argumentação é preciso que haja perspectivas diferentes sobre uma questão. Se há acordo total entre o Emissor e o Receptor, o acto de argumentar não tem cabimento.
Por exemplo, se eu sou vegetariana e tu também és, não se torna necessária qualquer argumentação; mas se tu achas que o consumo de carne é imprescindível para que a alimentação seja equilibrada e saudável, “obrigas-me” a explicar-te as razões que me levam a rejeitar o consumo de carne na minha alimentação. As razões em que me vou basear são os meus argumentos. Tu, evidentemente, vais contrapor os teus, tentando levar-me a concordar contigo. A opção que fizemos para fazer valer os nossos pontos de vista é a tal via argumentativa que é indício da nossa pertença a uma civilização que se serve do raciocínio e da palavra para encontrar soluções em vez do recurso à força física.
2. Argumentação, o que é?
É o conjunto de argumentos ou razões a que recorremos para defender ou repudiar um ponto de vista, para convencer um oponente, um interlocutor circunstancial ou até a nós próprios. Estes argumentos juntos num texto ou numa conversa são a nossa argumentação e ela resulta de um acto de raciocínio/ inteligência e revela a nossa perspicácia, cultura, conhecimento da língua e tipo de relação que temos com o interlocutor.
Ora, quem argumenta tem que pensar no interlocutor porque é a ele que a nossa argumentação se dirige. Nesse caso, a nossa argumentação será mais eficaz se conhecermos o modo de pensar/ personalidade/ modo de vida do interlocutor e se tivermos suficiente competência linguística. Se te exprimes, verbalmente ou por escrito, com muitas dificuldades, a tua argumentação além de “pobre” em ideias, não vai prender a atenção do Receptor; nesse caso, o ponto de vista dele poderá impor-se porque ele é mais “forte” do que tu, mesmo que saibas que és tu quem tem razão nesta ou naquela questão. A verdade é que a argumentação depende não tanto da razão de quem argumenta, mas sobretudo do modo como o faz, isto é, ou consegue ser persuasivo e seduzir a mente do outro, ou não e, nesse caso, “perde” a batalha da argumentação.
É preciso não esquecer que uma argumentação pode ser racional e credível sem que por isso convença o Receptor ou auditório. Nesse caso, a argumentação empregue é má. Por outro lado, uma argumentação que encante o Receptor ou auditório baseada em falácias  e em argumentos disparatados e irracionais, é igualmente má e, pior ainda, um embuste.
A argumentação deve ser racional (não pode ferir a inteligência do interlocutor), deve seduzir ou convencer criando no outro interesse em ouvir ou ler os nossos argumentos (exclui as relações de mando ou poder, evita a repetição dos mesmos argumentos, evita ferir a sensibilidade do outro, não é manipuladora; opostamente, é lógica sem ser seca ou excessivamente fria e analítica, é tolerante, é agradável de ouvir ou ler porque é linguisticamente irrepreensível e emprega argumentos variados que surpreendem o receptor), tem em conta o perfil psicológico, social e cultural do destinatário e, por último, tem em conta o contexto situacional.
Nota: os argumentos não têm que expressar a verdade acerca de uma questão mas, sim, convencer alguém de que temos razão acerca da questão a ser debatida.
3. Meios de persuasão
O orador ou aquele que argumenta diante de um público ouvinte como é o caso do Pe António Vieira, tem que passar uma  mensagem de credibilidade para quem o ouve/ lê:
mostrar-se sensato e tolerante, parecer sincero, criar um clima de empatia com os ouvintes, ter boa presença física ou aspecto cuidado, saber usar o tom de voz adequado às partes da sua argumentação, adequar o discurso ao contexto situacional (quem o ouve? quem o vai ler?, que cultura têm os ouvintes/ leitores? em que lugar profere o discurso? em que contexto político, social e económico se insere o que diz?), deve ir ao encontro dos valores morais e éticos da comunidade para a qual fala ou escreve, deve ser respeitado pela comunidade e reconhecido pela sua imparcialidade (ainda que aparente), espírito de justiça, inteligência, conhecimentos e experiência de vida.
Assim, o domínio da arte da Retórica (hoje a Oratória ou arte de falar em público e persuadir veio tomar o lugar da antiga Retórica) é fundamental na argumentação. Em paralelo com a organização dos argumentos, são importantes também os processos estético-estilísticos que contribuem para embelezar o discurso e os códigos para-linguísticos (voz, dicção, entoação e gestos).
4. O texto argumentativo
As partes de um texto argumentativo são:
- um exórdio- exposição do tema escolhido;
- uma argumentação propriamente dita ou confirmação;
- uma peroração ou conclusão (reforçando a persuasão do auditório).

A organização dos argumentos é rigorosamente premeditada e há ainda a considerar o seguinte:
um argumento que não seja novo não “agarra” os ouvintes;
um argumento que não seja expresso com energia não convence.
para cada tese ou ideia a ser apresentada, é necessário expor um conjunto de argumentos (razões, provas, ideias) que a sustentem.
o encadeamento lógico dos argumentos é imprescindível porque é graças a ele que os ouvintes podem acompanhar o discurso.
um argumento deve ser razoável ou credível e nunca arbitrário.

Na construção de um texto argumentativo convém:
- escrever uma introdução: encontrar o problema;
- encadear os argumentos por afinidade ou contraste;
- fazer sobressair os mais importantes;
- realçar a tese que se quer provar;
- adequar o discurso à dimensão comunicativa;
- procurar possíveis contra-argumentos para parecer imparcial;
- redigir um texto coeso e coerente;
- redigir a conclusão do nosso raciocínio.

4.1 A estruturação do discurso – regras a observar:
O discurso escrito exige uma estrutura sintáctica e lexical e uma correcção morfológica e ortográfica. As palavras isoladas não possuem um verdadeiro sentido comunicativo e, por esta razão, o significado de uma mensagem decorre da disposição das palavras nas frases e daarticulação destas em períodos e parágrafos.
Mas há outros factores a ter em conta quando redigimos a nossa mensagem, seja um texto de tipo argumentativo ou de outro tipo:
- observar a adequação discursiva, isto é, adequar o discurso à situação comunicativa em que quero comunicar algo a um interlocutor; isto significa que diferentes contextos situacionais requerem diferentes escolhas linguísticas. Por exemplo, posso optar por um registo formal ou por um registo informal já que tenho de pensar na pessoa a quem vou comunicar alguma coisa. O destinatário da minha mensagem (as informações que tenho sobre ele) é que vai determinar qual dos registos será escolhido por mim, o emissor desse discurso oral ou escrito. Daqui se infere que as normas de natureza sociocultural devem ser respeitadas, sobretudo no caso do discurso escrito porque é nele que os desvios são mais notados e não passíveis de correcção.
- ter em conta a intencionalidade discursiva: de cada vez que produzimos um enunciado escrito ou oral, as palavras que seleccionamos e a organização das mesmas em frases dependem da nossa intenção em comunicar algo a um interlocutor/ receptor. Podemos ter a intenção de contar a verdade, de expressar as emoções que algo despertou em nós, querer influenciar o receptor a tomar determinada atitude ou a mudar a forma de pensar sobre um assunto, mostrar a nossa importância na hierarquia social, etc.
Estas intenções que prevalecem ao acto verbal são os actos ilocutórios directos que já conheces: assertivo, expressivo, directivo, compromissivo, declarativo e declarativo assertivo.
Mas pode acontecer que a comunicação verbal expresse ideias diferentes daquelas que quero comunicar: neste caso, os actos ilocutórios são indirectos.

Imagina que, no decurso de uma conversa telefónica que se alonga, tu dizes a certa altura ao teu interlocutor que lhe telefonas mais tarde para acabar a conversa pela razão de que alguém está a tocar à porta.
O que tu de facto queres dizer é: Estou farto/a desta conversa interminável! No entanto, para preservar a tua imagem social, é improvável que digas a verdade ao interlocutor. O teu discurso será, então, um acto ilocutório indirecto já que afirmas algo diferente daquilo que efectivamente dizes.


Depois, cabe ao interlocutor inferir aquilo que não dizes, isto é, reconhecer a mensagem implícita/ subentendida na interacção verbal e, respeitando os princípios de cortesia e de cooperação necessários à vida em sociedade, vai responder à situação de acordo com a mensagem implícita, ou seja, vai respeitar a tua decisão.
4.4 Coerência Textual
- A coerência textual é a propriedade do texto que permite que ele seja compreendido. A coerência manifesta-se tanto na frase como na globalidade do texto. O texto que não revela esta propriedade (a coerência) não é texto, mas um amontoado de frases sem nexo lógico. Então, o texto é coerente quando respeita 3 princípios:
a) o princípio da não tautologia (o texto não repete constantemente as mesmas informações)
b) o princípio da não contradição (as ideias expressas respeitam a lógica)
c) o princípio da relevância (respeita uma ordem temporal e linear do tipo: a – b – c – d – ….introdução – desenvolvimento- conclusão)

Para além destes 3 princípios, a coerência textual manifesta-se também na continuidade e progressão das ideias.
Conceito de continuidade: o enunciador, ao produzir um texto, vai retomando os tópicos discursivos que estruturam o discurso, contribuindo, deste modo, para a sua coesão; as anáforas linguísticas são, como já sabes, um meio linguístico de assegurar a compreensibilidade do texto e exemplificam os tópicos discursivos que são repetidos (ex. A Ana – ela – viu – a jovem – disseram-lhe – a rapariga – ficou chocada  – …);
Além da continuidade, há a considerar a progressão textual; este processo de progressão textual consiste na informação nova que vai sendo acrescentada às informações repetidas (caso assim não fosse, o texto diria sempre a mesma coisa e não seria um texto, propriamente dito).
No mini-texto seguinte os elementos responsáveis pela progressão textual estão sublinhados:
As flores do jardim (tópico discursivo) estão bem tratadas; o jardineiro rega-as com cuidado. Gosto de passear no jardim florido quando chega a Primavera. Nas noite de Verão, o cheiro das rosas e do jasmim (hipónimos do hiperónimo “flores”) sente-se por toda a parte.
5. Onde se encontram os textos de tipo argumentativo?
Os ensaios, as teses académicas, os discursos políticos, os textos publicitários, palestras, conversas, sermões religiosos recorrem ao texto argumentativo.
Nenhum texto é apenas argumentativo. A componente argumentativa pode ser predominante e então falamos em tipo de texto argumentativo. No entanto, a maioria dos textos ditos argumentativos são, de facto, expositivo-argumentativos.

6. Exemplos de argumentação no Sermão de Santo António
6.1 capítulo II
O pregador vai dirigir o seu discurso aos peixes: porquê?
Argumentos a favor da escolha do auditório (peixes):
ouvem e não falam;

O pregador decide elogiar e repreender os peixes. Porquê?
Argumentos a favor desta pregação bipartida (elogia e repreende): Santo António assim procedeu; o grande doutor da Igreja, S. Basílio, está de acordo; no Evangelho, os apóstolos de Cristo (pescadores) recolheram os peixes bons e devolveram ao mar os que não prestavam; assim sendo, «há que louvar e que repreender».
Argumentos a favor dos louvores aos peixes em geral:
Argumento 1: foram os primeiros animais a ser criados;
Arg. 2: os peixes existem em maior número e têm maiores dimensões que os restantes animais.
Arg.3: Moisés, “cronista da criação”, distinguiu-os exclamando: «Peixes graúdos e tudo o que se move nas águas bem dizei ao Senhor»
Arg.4: os peixes são obedientes, ordeiros, sossegados e atentos à palavra de Deus difundida nos sermões de Sto António.
Arg.5: os peixes parecem ter inteligência, ao contrário dos homens que sendo racionais não o querem mostrar.
Arg.6 Uma baleia salvou Jonas da maldade dos homens que o atiraram ao mar.
Arg.7 O filósofo Aristóteles disse que entre todos os animais eles são os mais independentes (não se domam nem domesticam)
Arg.8 Os peixes não se deixam inflenciar porque vivem isolados dos outros animais.
Arg.9 Quando se deu o Dilúvio, os peixes salvaram-se todos; Santo Ambrósio disse que esta salvação se ficou a dever ao facto de habitarem longe dos homens.
Arg.10 Deus decidiu castigar os animais que viviam perto dos homens e poupar os que viviam longe deles.
Arg.11 Santo António também procedeu como os peixes, afastando-se da família e indo viver num deserto.