Resumo
Capítulo I
Já há dois anos que D. João V está casado com D. Maria e até agora ela ainda não engravidou. A rainha reza novenas e, duas vezes por semana, recebe o rei nos seus aposentos. Quando ambos se casaram, o rei dormia com a rainha todos os dias, mas devido ao cobertor de penas que ela trouxe da Áustria e porque com o passar do tempo, os odores de ambos faziam com que o cobertor ficasse com um cheiro insuportável, o rei deixou de dormir com a rainha.
El-rei está a montar em puzzle a Basílica de S. Pedro de Roma para se distrair e porque gosta. Mas a rainha está á espera do rei para que ele cumpra o seu dever conjugal. E para os aposentos da rainha o rei se dirige, mas entretanto chegou ao castelo D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor, e traz consigo um franciscano velho. Afirma o bispo que o frei António de S. José assegurou que se o rei se dignasse a construir um convento em Mafra, teria descendência. Enquanto isso, a rainha conversa com a marquesa de Unhão, rezam jaculatórias e proferem nomes de santos.
Após a saída do bispo e do frei, o rei anuncia-se e, consumado o acto, D. Maria tem que "guardar o choco", a conselho dos médicos e murmura orações, pedindo ao menos um filho que seja. D. Maria sonha com o infante D. Francisco, seu cunhado e dorme em paz, adormecida, invisível sob a montanha de penas, enquanto os percevejos começam a sair das fendas, dos refegos, e se deixam cair do alto dossel, assim tornando mais rápida a viagem. D João também sonhará esta noite, nos seus aposentos. Sonhará com o filho que poderá advir da promessa da construção do convento de Mafra.
Capítulo II
Se a concepção da rainha ocorresse, seria vista como mais um entre os vários milagres tradicionalmente relacionados à ordem de São Francisco. Diz-se, por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto, conservara o seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande quantidade de devotos para a sua igreja. Noutra ocasião, a imagem de Santo António, que vigiava uma igreja franciscana, locomovera-se até à janela, onde ladrões tentavam entrar, pregando-lhes assim um grande susto. Este caíra ao chão, tendo sido socorrido por fiéis, onde acabou por se recuperar. Outro caso, é o do furto de três lâmpadas de prata do convento de S. Francisco de Xabregas no qual entraram gatunos pela clarabóia e, passando junto à capela de Santo António, nada ali roubaram. Entrando na igreja, os frades deram com ele às escuras, e verificaram que não era o azeite que faltava, mas as lâmpadas que haviam sido levadas; os religiosos ainda puderam ver as correntes de onde pendiam as lâmpadas se balançando e saíram em patrulhas pelas estradas, atrás dos ladrões. E então, desconfiados de que os ladrões pudessem estar ainda escondidos na igreja, deram a volta, percorreram-na e só então, viram que no altar de Santo António, rico em prata, nada havia sido mexido. O frade, inflamado pelo zelo, culpou Santo António por ter deixado ali passar alguém, sem que nada lhe tirasse, e ir roubar ao altar-mor: O frade deixou que o Menino "como fiador", até que o santo se dignasse a devolver as lâmpadas. Dormiram os frades, alguns temerosos que o santo se desforrasse do insulto... Na manhã seguinte, apareceu na portaria do convento um estudante que, querendo falar ao prelado (bispo), revelou estarem as lâmpadas no Mosteiro da Cotovia, dos padres da Companhia de Jesus. Desta forma, faz-nos desconfiar que o tal estudante, apesar de querer ser padre, fora o autor do furto e que, arrependido, deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem de as devolver pessoalmente. Voltaram as lâmpadas a S. Francisco de Xabregas, e o responsável não foi descoberto.
De referir, que o narrador volta ao caso do frei António de S. José, e faz-nos de novo desconfiar de que o frei, através do confessor de D. Maria Ana, tinha sabido da gravidez da rainha muito antes do rei.
Capítulo III
Passado o "Entrudo", como de costume, durante a Quaresma as ruas encheram-se de gente que fazia cada uma as suas penitências. Segundo a tradição, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade que lhes permitia até mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos. Porém, D. Maria Ana não podia gozar dessas liberdades pois, além de ser rainha, agora estava grávida. Assim, tendo ido para a cama cedo, consolou-se em sonhar outra vez com D. Francisco, seu cunhado. Passada a Quaresma, todas as mulheres retornaram para a reclusão das suas casas.
Capítulo IV
Baltasar regressa a Lisboa, vindo da guerra, onde perdeu a mão esquerda numa batalha contra Espanha, para decidir a quem pertencia o trono espanhol. Ao voltar a Lisboa traz consigo os ferros que mandara fazer para substituir a mão que perdera na guerra. A caminho de Lisboa Baltasar mata um homem de dois que o tentaram assaltar. Não sabia se ficaria em Lisboa ou se seguiria para Mafra onde estavam os seus pais, enquanto não se decide vagueia pelas ruas da capital, onde conhece João Elvas, que também fora soldado, com quem passa a noite junto de outros mendigos num telheiro abandonado. Antes de dormirem todos contaram histórias de assassinatos e mortes que ocorreram na cidade, as quais compararam com mortes que alguns presenciaram na guerra.
Capítulo V
D. Maria Ana está de luto pela morte do seu irmão José, imperador da Áustria. Apesar de o rei ter declarado luto, a cidade está alegre, pois vai haver um auto-de-fé. É domingo e os moradores gostam de ver as torturas impostas aos condenados. O rei não irá participar na festa mas jantará na inquisição juntamente com os irmãos, infantes e a rainha. Mesa recheada de comida, o rei não bebe, dando o exemplo.
Nas ruas o povo furioso grita impropérios aos condenados e as mulheres nas varandas guincham dizendo que a procissão é uma serpente enorme. Entre este mar de gente encontra-se Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda, procurando sua filha. Sebastiana imaginava que Blimunda estaria também condenada a degredo. Acaba por ver a filha entre as pessoas que acompanham o auto, mas sabe que ela não poderá falar-lhe, sob pena de condenação. Blimunda acompanha o padre Bartolomeu Lourenço. Perto dela está um homem, Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, a quem ela se dirige e cujo nome procura saber. Voltando a sua casa, Blimunda leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém conhecido também possa entrar. Jantaram... Antes de sair o padre deitou a bênção em tudo o que cercava o casal. Blimunda convida Baltasar para que fique morando na sua casa, pelo menos até que ele tivesse que voltar a Mafra. Deitaram-se, Blimunda era virgem e entrega-se a ele. Com o sangue escorrido ela desenhou uma cruz no peito de Baltasar. No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, sem abrir os olhos, come um pedaço de pão e promete a Baltasar que nunca o olharia "por dentro".
Capítulo VI
Este capítulo começa com Baltasar Sete-Sóis a realçar a importância do pão para os portugueses e o facto dos estrangeiros que vivem em Portugal estarem fartos de comer pão. Assim eles produziram e trouxeram dos seus países os seus alimentos e vendiam-nos muito mais caros sendo difícil aos portugueses comprarem-nos. Depois Baltasar conta a história caricata de uma frota francesa; quando ela chegou a Portugal, os portugueses pensavam que vinha invadir o nosso país, afinal tratava-se de um carregamento de bacalhau.
No decorrer do capítulo Baltasar fala com o padre Bartolomeu Lourenço, Bartolomeu diz sonhar que um dia conseguirá voar e disse a Baltasar que o Homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre e um dia voará. Baltasar dá a sua opinião argumentando que para o homem voar terá que nascer com asas. O padre Bartolomeu alerta Baltasar para o facto de ser um pecado ele dormir com Blimunda sem serem casados. Depois Baltasar e Bartolomeu vão para S. Sebastião da Pedreira para verem a máquina que Bartolomeu inventou para um dia poder voar e à qual chamou passarola. Quando chegaram, Bartolomeu mostrou o desenho da passarola a Baltasar explicando-lhe como é que tencionava fazê-Ia voar. Após a explicação, Bartolomeu pede-lhe para o ajudar na construção da passarola. Inicialmente Baltasar mostra-se receoso em aceitar a proposta, mas depois de Bartolomeu dizer que o facto de Baltasar ser maneta não tem importância, então este aceita o desafio.
Capítulo VII
No início deste capítulo a falta de dinheiro é o grande obstáculo que Baltasar tem de ultrapassar para começar a construção da passarola. Então Baltasar começa a trabalhar para ganhar o dinheiro necessário para poderem realizar o seu sonho, fazer a passarola voar.
No decorrer deste capítulo o narrador relata os assaltos que os portugueses sofreram durante as suas viagens marítimas. Fala também sobre a gravidez de D. Maria Ana que teve uma menina, embora D. João quisesse um rapaz; mas o mais importante é que a menina nasceu saudável. Na altura do nascimento a seca que durava há oito meses acabou, vindo assim muita chuva. Mais à frente o narrador narra o baptizado da princesa, a quem chamaram Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara e no fim deste capítulo anuncia a morte de Frei António de S. José.
Capítulo VIII
Baltasar e Blimunda estão a dormir na sua cama. Entretanto Blimunda acorda, e estende a mão para o saquitel onde costuma guardar o pão, mas apenas acha o lugar; então procura por baixo do travesseiro e no chão, no entanto Baltasar diz-lhe para não procurar mais, porque não irá encontrar o pão. Blimunda com os olhos fechados, tapando-os com as mãos, implora a Baltasar para que lhe de o pão, mas este só lhe dará o pão depois de Blimunda lhe contar que segredos esconde. Esta tenta sair da cama mas Baltasar não deixa, e acaba por haver um conflito entre eles e ele acaba por lhe dar o pão. Passados uns breves momentos após Blimunda ter comido o pão virou-se para Baltasar e diz-lhe: "Eu posso ver as pessoas por dentro, mas só o faço quando estou em jejum e promete nunca ver Baltasar por dentro. Ele não acredita. Então ela diz a Baltasar que lhe irá provar, que no dia seguinte quando acordassem iriam os dois à rua e ele iria atrás para que Blimunda não o pudesse ver, e Blimunda iria à frente de olhos fechados e que lhe diria o que veria por dentro das pessoas, o que estaria no interior da terra, por baixo da pele e até por baixo das roupas, mas tudo isto acabaria quando o quarto da lua mudasse. E assim foi... Entretanto nasceu o infante D. Pedro, segundo filho dos reis D. João e D. Maria Ana Josefa.
Capítulo IX
Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira, para trabalhar na construção da máquina de voar do Padre Bartolomeu Lourenço. Apesar de não ter a mão esquerda, Baltasar tem a ajuda de Blimunda, uma mulher vidente.
El-rei que ainda gosta de brinquedos protege o padre da Inquisição. Este decide partir para a Holanda, terra de muitos sábios sobre alquimia e éter, elemento que faz com que os corpos se libertem do peso da terra.
Nesta altura as freiras de Santa Mónica manifestam-se contra a ordem de D. João V de que elas só podem falar com familiares.
O padre abençoou o soldado e a vidente, despediu-se e partiu, deixando a quinta e a máquina de voar ao cuidado deles. Antes de partir para Mafra, o par decide não ir ao auto-de-fé e vão assistir às touradas, que é um bom divertimento. As touradas é como assar o touro em vida, tortura-se o touro enquanto o público aplaude a mísera morte. Cheira a carne queimada mas o povo nem nota pois está habituado ao churrasco do auto-de-fé.
Na madrugada seguinte Baltasar e Blimunda partem para Mafra com uma trouxa e alguma comida.
Capítulo X
Baltasar e Blimunda chegam a Mafra a casa dos pais de Baltasar, mas só encontram sua mãe em casa; o pai foi trabalhar. Sua mãe fica chocada por ver seu filho e ver que tinha perdido a mão. Blimunda fica entre portas a espera que seu marido chame para conhecer a sua nova família. Ela entra e fica a falar um pouco com sua sogra.
No fim do dia chega o seu pai João Francisco e conversam sobre o que tinha acontecido na guerra. Blimunda fala um pouco sobre a sua família e a uma dada altura diz que sua mãe foi degredada porque a tinham denunciado ao Santo Oficio. O pai de Baltasar fica preocupado, porque pensa que ela é judia ou cristã nova, mas Baltasar diz ao seu pai que sua sogra tinha sido degredada por ter visões e ouvir vozes, diz ainda que pretendem ficar em Mafra e que estão a pensar em comprar casa. Seu pai conta-lhe que vendeu as terras que tinha na vela, ao rei, porque queria construir um convento de frades.
João e Sete-Sois foram à salgadeira e tiraram um bocado de toucinho, que dividiram em quatro tiras e colocaram uma em cada fatia de pão e distribuíram por todos. Ficam a olhar Blimunda para verem se ela come a sua fatia, seu pai já podia tirar sua dúvida se ela era ou não judia, mas ela come-a e assim o sogro fica mais descansado. Baltasar diz a seu pai que precisa de arranjar um emprego para si e para sua mulher, todos ficaram com dúvidas se ele conseguiria arranjar trabalho devido à mão.
No outro dia, conheceram a nova parente, Inês e seu marido que falaram sobre a morte do filho do el-rei e do seu filho que está doente. Baltasar caminha sobre as terras da vela e relembra os momentos que ali passou, encontra o seu cunhado e conversa sobre o convento que ali se construirá, e sobre os frades que irão vir viver para ali. Ao chegar a casa encontra sua mãe a falar com sua mulher sobre a rainha que agora visita muitas igrejas e muitos conventos onde reza pelo seu marido que está muito doente. D. Maria fica em Lisboa a rezar enquanto seu marido se acaba de curar naqueles campos de Azeitão, onde os franciscanos da Arrábida estão a assistir. O infante D. Francisco sozinho em Lisboa tenta fazer a corte a sua cunhada deitando contas à morte do rei. D. Maria diz-lhe que seu marido ainda não morreu e que não pensa em se casar de novo.
Capítulo XI
O padre Bartolomeu regressou da Holanda, não sabemos se trouxe ou não os segredos que buscava. Foi à Quinta de S. Sebastião da Pedreira; três anos inteiros haviam se passado e tudo estava abandonado, o material que trabalhara disperso pelo chão, "ninguém adivinharia o que ali andar perpetrando." O padre vê rastos de Baltasar, mas não vê os de Blimunda e julga que ela morrera.
Depois, parte para Coimbra, não sem antes passar por Mafra, onde vai ver os homens que iniciam o trabalho do Convento. Procurou por Baltasar e Blimunda, junto do pároco que informa que os casara em Lisboa. Blimunda veio abrir a porta e reconheceu-o pelo vulto, quando desmontava. Beijou-lhe a mão. Marta Maria estranhou que a sua nora fosse abrir a porta a quem não batesse ainda.
Mais tarde, chegam Baltasar e o pai e aquele, por convivência com Blimunda, ao ver a mula adivinha tratar-se do padre. Marta Maria, que já desconfiava ter uma "nascida" (tumor) no ventre, lamenta nada ter a oferecer ao padre, nem comida, nem abrigo para passar a noite. O padre Bartolomeu dorme na casa do pároco e, pela madrugada, chegam Blimunda e Baltasar. Ela sem comer. Bartolomeu ama-os, eles sabem; Baltasar pergunta se o éter é a alma e o padre diz que não, que é da vontade dos vivos que ele se compõe. Blimunda espantou-se e o padre pediu que ela o olhasse por dentro. Ela viu uma nuvem escura, à altura do estômago. Era da vontade, diferente da alma, o que faria voar a passarola. Bartolomeu montou na mula, disse que ia a Coimbra e que, quando voltasse a Lisboa, mandaria avisar os dois para que lá estivessem. Baltasar ofereceu o pão a Blimunda, mas ela pediu, primeiro, para ver a vontade dos homens que trabalhavam no convento.
Capítulo XII
O filho mais velho de Inês Antónia e Álvaro Diogo morreu há três meses de bexigas; Álvaro tem a promessa de conseguir emprego na construção do convento; Marta Maria sofre de dores terríveis no ventre. João Francisco está infeliz porque o filho partirá novamente para Lisboa, e o convento dará trabalho a muitos homens. Blimunda foi à missa em jejum e viu que dentro da hóstia também havia a tal nuvem fechada, vontade dos homens...
O padre Bartolomeu de Gusmão escreve de Coimbra e diz ter chegado bem, mas agora viera uma nova carta para que seguissem para Lisboa "tão cedo pudessem". Partiram em dois meses, porque o rei vinha a Mafra inaugurar a obra do convento. Sete-Sóis e Blimunda conseguiram lugar na igreja. No dia seguinte formou-se a procissão, o rei apareceu. A pedra principal foi benzida; foi tanta a pompa que gastaram-se nisso duzentos miI cruzados. Partiram Baltasar e Blimunda para Lisboa. A mãe Marta Maria despede-se do filho dizendo que não o tornará a ver. Blimunda e Sete-Sóis dormem na estrada: Por fim chegaram à quinta onde esperariam o padre voador. Mal chegaram, choveu.
Capítulo XIII
Os arames e os ferros enferrujaram-se e os panos da passarola cobrem-se de mofo; o vime, ressequido, destrança-se. Baltasar experimenta os ferros, tudo perdido, é melhor começar outra vez. Enquanto o padre não chega, constrói-se a forja, vão a um ferreiro e vêem como se faz o fole.
Quando Bartolomeu de Gusmão chegou e viu o fole pronto, peça por peça desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou contente e disse; "Um dia voarão os filhos do homem." Encomendou a Blimunda duas mil vontades dos homens e mulheres que morreriam a fim de que, junto com âmbar e imãs, pudessem fazer subir a nau que construíam. O padre distribui tarefas, indica a Sete-Sóis onde comprar ferro, vime e peles para os foles, pede segredo absoluto de tudo o que estão a fazer. Trabalham na passarola quase um ano inteiro, procissões passam em delírio pelas ruas, povo misturado ao clero, clero misturado aos nobres.
Capítulo XIV
O padre Bartolomeu Lourenço voltou a Coimbra já doutor em cânones, e agora pode ser visto na casa de uma viúva.
D. João manda vir da Itália o maestro barroco Domenico Scarlatti, a fim de dar lições de música à sua filha, a infanta D. Maria Bárbara. Scarlatti e Bartolomeu tornam-se amigos, partilhando as mesmas ideias e sonhos. Confiante em Scarlatti, o padre leva-o a S. Sebastião da Pedreira e apresenta os amigos e a passarola a Scarlatti. Blimunda chega da horta trazendo "brincos de cereja", a fim de brincar com Baltasar. Quando os viu, o músico pensou: Vénus e Vulcano... O padre diz a Scarlatti que ele e Baltasar têm ambos 35 anos e que não poderiam ser pai e filho. Mas poderiam ser irmãos, portanto, desde o começo da história, o tempo que se passou pode ser contado, nove anos. Mostrada a passarola por dentro, retira-se Scarlatti, mas promete voltar e trazer o cravo, que tocará enquanto Blimunda e Baltasar trabalham. O padre lá permaneceu, onde treinou o seu sermão para que os dois ouvissem. Discutem sobre Deus uno, trino. Blimunda adormeceu com a cabeça apoiada no ombro de Baltasar. Um pouco mais tarde ele levou-a para dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a noite ali permaneceu, tomado por tentações.
Capítulo XV
Scarlatti voltou muitas vezes à quinta e pedia que não parassem o trabalho; ali, em meio aos ruídos e grandes barulhos, confusão, tocava o cravo.
Há um surto de varíola em Lisboa, oriundo de uma nau vinda do Brasil. O padre pede à Blimunda que vá à cidade e recolha as vontades das pessoas. É assim que ela, em jejum, durante um dia inteiro se põe a recolher tais vontades. Um mês depois, são mais de mil vontades presas ao frasco em que Blimunda as recolhia. E quando a epidemia terminou, ela tinha aprisionado duas mil vontades. Foi então que caiu doente. Nada a curava da extrema magreza; mas um dia, Scarlatti pôs-se a tocar e ela abriu os olhos e chorou. O maestro veio, então, todos os dias, quer fizesse chuva ou sol; e a saúde de Blimunda voltou depressa.
Um dia, Baltasar e Blimunda vão a Lisboa e encontram Bartolomeu doente, magro e pálido. Parecia ter medo de algo.
Capítulo XVI
Neste capítulo, comenta-se fortemente a governação do reino, criticando a maneira de se fazer justiça, onde o poder e a riqueza se sobrepõem sempre àqueles que nada têm nem podem... Até mesmo o destino, se calhar, foi injusto ao deixar morrer afogado o Infante D. Miguel, poupando a vida ao seu irmão o Infante D. Francisco.
Entretanto, criada pelo Padre Bartolomeu Lourenço, a passarola, a máquina de voar, está pronta. Em S. Sebastião da Pedreira, Baltasar e Blimunda, têm de deixar a quinta que foi perdida por El-rei para o Duque de Aveiro. O Padre Bartolomeu Lourenço, aguarda a vinda de El-rei para provar a máquina e quer dividir a glória e a fama do seu invento com Blimunda e Baltasar. Porém o Padre anda agitado e receoso de que o acusem de feiticeiro e judeu, embora conte com o apoio de El-rei.
O tempo passa, El-rei não chega; já é Outono e a máquina necessita de sol para se erguer do chão! Certo dia, eis que o Padre Bartolomeu Lourenço chega pálido e assustado dizendo que tinha de fugir, pois o Santo Ofício já andava à sua procura para o prender! Apontou a passarola e disse que iriam fugir nela! Depois de preparada pedem ajuda ao Anjo Custódio para aquela "viagem"... e partiram pelos ares sacudidos pelos ventos até onde o destino os quis levar. Passam por momentos de medo, euforia, deslumbramento e felicidade, considerando-se loucos. Lá do alto avistam Lisboa, o Terreiro do Paço, as ruas, etc... Nesta altura procuram o padre para o prender e percebem que este fugiu. A noite chega, sem sol a máquina começa a perder altitude... Estão assustados. O Padre Bartolomeu Lourenço, resignado, espera o fim mas Blimunda como que inspirada, consegue controlar a máquina com a ajuda de Baltasar e evitam o pior. Uma vez em terra firme, deixam-se escorregar para fora e consideram um milagre terem-se salvo sem qualquer ferimento.
Não sabem onde estão. O Padre acha que vão encontrá-los e que morrerão. Blimunda e Baltasar, confiantes, acreditam que se se salvaram daquele perigo, salvar-se-ão dos próximos, e estão prontos para fazer a máquina voar no dia seguinte. Cansados e depois de comerem algo, adormecem, Blimunda e Baltasar. O Padre está doente, tenta pegar lume na passarola mas os dois não o permitem. Afasta-se para umas moitas e nunca mais é visto. Baltasar vai procurá-lo, mas em vão. Cobriram a máquina de ramos e folhas para impedi-la de voar. Na manhã seguinte, desceram pelo mesmo sítio onde o Padre desaparecera sem deixar rasto, mas nem sombra dele. E lá partiram os dois. Ao fim de dois dias chegam a Mafra, onde havia uma Procissão na rua que dava graças a Deus por haver mandado voar sobre as obras da Basílica o seu Espírito Santo!...
Capítulo XVII
Numa altura em que se passam tantos prodígios, Blimunda e Sete-Sóis têm que guardar segredo porque se assim não fosse algo lhes aconteceria. Na casa dos pais de Baltasar, o par estava infeliz pela perda da mãe, mas Inês Antónia contou-lhes maravilhada os benefícios do Espírito Santo. No dia seguinte Baltasar saiu de casa com o cunhado à procura de emprego na obra de construção do convento.
A Mafra chegaram notícias que tinha ocorrido um pequeno terramoto em Lisboa derrubando beirais e chaminés. Passados mais de dois meses, Baltasar e Blimunda foram viver para Mafra. Baltasar fez uma jornada e foi ver que a máquina de voar estava no mesmo sítio, na mesma posição, descaída para um lado e apoiada na asa debaixo de uma cobertura de ramagens já secas. Dois meses mais tarde, Blimunda vem esperá-lo ao caminho e conta-lhe que Scarlatti está na casa do Visconde. Scarlatti tinha feito um pedido ao rei para poder visitar as obras do convento e o Visconde hospedara-o, apesar de não gostar de música.
Scarlatti disse a Baltasar que o padre Bartolomeu teria morrido em Toledo para onde tinha fugido e como não falavam de Baltasar nem Blimunda resolveu vir a Mafra verificar se estavam vivos. Nessa noite soube-se que quando a máquina caiu o padre havia fugido e nunca mais voltara. No dia seguinte Scarlatti partiu para Lisboa.
Capítulo XVIII
D. João V estava sentado numa cadeira escrevendo os seus bens e riquezas no rol. El-rei meditou acerca do que iria fazer às tão grandes somas de dinheiro, chegando à conclusão que a alma seria a primeira atenção, mandando construir o convento de Mafra, pagando com o ouro das suas minas e fazendas. Todos os materiais utilizados no convento eram de qualidade. De Portugal a pedra, o tijolo e a lenha para queimar, o arquitecto alemão, italianos mestres dos carpinteiros e da Holanda os sinos e os carrilhões. O convento levou 8 anos a ser construído.
Blimunda, Inês Antónia, Álvaro Diogo e o filho esperavam Baltasar, para jantarem com o velho João Francisco que mal mexe as suas pernas. Acabado o jantar Álvaro Diogo dorme a sesta. Baltasar bebe desde que soube da morte do padre Bartolomeu Lourenço e da sua passarola, foi um choque muito grande. Baltasar e seus amigos conversam acerca das suas vidas e falam de como eram as suas vidas antes de trabalharem em Mafra. Baltasar tem 40 anos, sua mãe já morreu e seu pai mal pode andar. Esteve na guerra e aí perdeu a sua mão, voltando a Mafra mais tarde. Sete Sois comenta que nem sabe se perdeu a sua mão na guerra ou se foi o Sol que a queimou, porque afirma que subiu uma serra tão alta que quando estendeu a mão tocou no Sol e queimou-o. Seus colegas comentaram que era impossível visto que só tocaria no Sol 'Se voasse como os pássaros, ou então seria bruxo. Baltasar nega dizendo que não é bruxo e também diz que ninguém o ouviu dizer que voou.
Capítulo IXX
Durante muito tempo Baltasar puxou e empurrou carros de mão e um dia, com a ajuda de João Pequeno, puxou uma junta de bois, fazendo companhia ao seu amigo corcunda.
Houve notícia que era preciso ir a Pêro Pinheiro buscar uma pedra muito grande que lá estava. Construíram lá um carro para carregar a pedra, como se fosse uma nau da Índia com calhas. Foram para lá 400 bois e mais de vinte carros. Ao amanhecer os homens partiram para cumprir 3 léguas até onde estava a pedra. Diziam que nunca tinham visto uma coisa como aquelas. Escavaram junto à pedra de forma a levá-la inteira para Mafra. A pedra vinha puxada a braços e Baltasar viu, num átimo de segundo, sangue e viu que um dos homens se ferira. No primeiro dia não andaram mais de 500 passos. No segundo dia foi pior porque o caminho era a descer e foi preciso meter calços nos carros. Um homem chamado Francisco Marques morreu atropelado por um carro, a roda passou-lhe sobre o ventre, quando chegou ao fundo do vale, o carro que transportava a pedra desandou atingindo 2 animais, a seguir tiveram que os matar. Gastaram 8 dias entre Pêro Pinheiro e Mafra, quando chegaram parecia que tinham vindo da guerra, vinham sujos e esfarrapados. Todos se admiraram com o tamanho da pedra.
Capítulo XX
Era a sexta ou sétima vez que Baltasar se deslocava a Monte Junto para consertar a máquina que se ia destruindo com o tempo. Mesmo protegida por mato e silvado, as lâminas da máquina voadora ficavam enferrujadas. Baltasar aproveitava a viagem para colher vimes, que serviam para consertar os rasgões que encontrava no entrançado da máquina.
Chegou o dia em que Blimunda decidiu acompanhar Baltasar na viagem. Justificando-se que gostaria de conhecer o percurso para o caso de necessitar deslocar-se até ao local sozinha poder fazê-lo sem problemas. Puseram-se a caminho depois das despedidas, com o burro que Baltasar arranjara para os ajudar na longa viagem que tinham pela frente. Foram passando pelas vilas que Blimunda ia decorando, até chegarem ao destino.
Durante o dia tentaram consertar a máquina até ao pôr-do-sol. Passaram a noite na passarola e voltaram no dia seguinte a Mafra.
Mesmo depois da longa viagem ainda não tinham passado pelo pior, pois foi à hora do jantar, quando todos se juntaram, que morreu o pai de Baltasar, João Francisco.
Capítulo XXI
D. João V queria construir uma basílica de S. Pedro em Lisboa, mas o arquitecto de Mafra, que foi chamado pelo rei, João Frederico Ludwig, aconselhou-o a não construir a basílica, porque demorava muito tempo a construir e D. João V poderia já não estar vivo quando acontecesse a inauguração desta. Então o rei decidiu aumentar o convento de Mafra de oitenta para trezentos frades, e assim foi, foram chamados o tesoureiro, o mestre dos carpinteiros, o mestre dos alvenéus, o abegão-mor e o engenheiro das minas. Então começaram as obras, mas depois o rei decidiu que a inauguração do novo convento seria no dia dos seus anos, que calhava num domingo, daí a dois anos; após essa data, o seu próximo dia de anos, que calhasse num domingo só seria daí dez anos e poderia ser muito tarde. Como dois anos seria pouco tempo para a construção do novo convento, D. João V mandou os seus homens irem buscar outros homens a todas as partes do país; estes eram recrutados contra a sua vontade, como escravos, indo assim trabalhar para as obras do convento, para este estar pronto a tempo. Alguns destes homens chegaram até a morrer com fome e perdidos a tentar voltar para casa.
Capítulo XXII
Este capítulo versa essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e espanhola. Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que agora se vão realizar, o de Maria Vitória, espanhola, que casou com o português José e o de Maria Bárbara, portuguesa, com o espanhol Fernando.
Maria Bárbara tem 17 anos, não é formosa nem bonita mas é boa rapariga. No decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria Bárbara e da família real até Espanha, onde ela e vai casar. Durante a viagem, a comitiva real passa por várias cidades portuguesas e depara-se com alguns problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos muito complicados para passar.
Também podemos referir a construção de várias propriedades reais para que se pudessem acolher durante a viagem.
É de salientar que Maria Bárbara vai para Espanha sem nunca ter visitado o convento de Mafra que estava a ser construído em sua honra (por causa do seu nascimento).
Capítulo XXIII
De Portugal todo chegam homens e são escolhidos um por um. A infanta Maria Bárbara casa-se com Fernando de Espanha. Esta é a marca do tempo narrativo de Saramago, ou seja os factos históricos. O noivo é dois anos mais novo que a noiva, e ele nunca poderá vir a ser rei, porque este é o sexto na linha sucessória. Domenico Scarlatti toca no seu cravo para a multidão de ignorantes, por ocasião do casamento da Infanta Dona Maria Bárbara, na fronteira com a Espanha.
Aqui, neste capítulo, o narrador menciona a procissão que levará os santos para serem colocados nos altares do convento de Mafra: S. Francisco, Santa Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião e Santa Isabel. Seguem também para Mafra frei Manuel da Cruz e os seus noviços; trinta, e ali, quando chegam cansados, são recebidos em triunfo.
Baltasar vai para casa, o narrador anuncia-nos que ele está muito debilitado. Depois já ceia, quando todos dormem, Baltasar pega em Blimunda e leva-a a ver as estátuas, juntos, vêem a lua nascer enorme e vermelha. Ele anuncia-lhe que vai ao Monte Junto na manhã seguinte, ver como está a passarola. Ela pede-lhe para ter cuidado e ele responde que ela fique sossegada, que o seu dia ainda não chegou. Olham os santos inertes, o que seria aquilo? Morte, santidade ou condenação? Quando amanheceu, Blimunda levantou-se e juntou comida para o farnel do marido que ia ao Monte e acompanhou-o até fora da vila: "Adeus Blimunda, Adeus Baltasar", e separaram-se. Ao chegar ao lugar onde estava a passarola, Baltasar come as sardinhas que Blimunda lhe tinha colocado no alforge: havia tanto trabalho a fazer...
Capítulo XXIV
Baltazar não voltou para casa, o que fez Blimunda não dormir aquela noite. Esperara que ele voltasse ao cair do dia, haveria os festejos da sagração da basílica, mas ele não voltara. Em jejum, olhando as pessoas que passavam para a festa, estava sentada numa vala e ali ficou, vendo o que os que passavam carregavam por dentro; recebendo insultos, dizendo outros. Voltou para casa, ceou com os cunhados e o sobrinho. Não conseguiu dormir.
Não verá o rei quando ele vier a Mafra, vai esperar Baltazar pelos caminhos, desesperadamente tentando encontrá-lo, chegou até ao Monte Junto e encontra o alforge mas nem sinal de Baltasar nem da passarola, chora sem saber se ele morreu ou vive. Encontra um frade que tenta violá-la e mata-o com o espigão de Baltazar. Parte em busca do seu amado. Voltou a Mafra pensando que se tinham desencontrado, mas ele não estava lá.
À tardinha, chegaram Inês António e Álvaro Diogo e encontraram-na a dormir. De manhã, ela esquece-se de comer o pão e vê-os por dentro.
D. João V faz quarenta e um anos e é 22 de Outubro de 1730. Inaugura-se o convento.
Capítulo XXV
Durante nove anos, Blimunda andou pelos caminhos sempre à procura de Baltazar que sabia estar. Perguntou por ele em todo o lado.
Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as demais sensatas palavras e acções, ficavam indecisos se aquilo que dizia era ou não falta de juízo completo. Passou a ser chamada de A Voadora, e sentava-se, então, às portas, ouvindo as queixas das mulheres que lamentavam, depois, que os seus homens não tivessem também desaparecido, para que elas pudessem, ao menos, devotar-lhes um amor tão grande como o de Blimunda a Baltazar. E os homens, quando ela partia, ficavam tristes inexplicavelmente tristes.
Voltava aos lugares por onde passara, sempre perguntando. Seis vezes passara por Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima. Sem comer, o tempo era chegado para ela. No Rossio, finalmente encontrou Baltazar. Havia lá um auto-de-fé. Eram onze os condenados à fogueira; entre eles, estava António José da Silva, o Judeu, comediógrafo autor das Guerras de Alecrim e Manjerona e Baltasar, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.
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segunda-feira, 27 de outubro de 2008
estrutura de A Mensagem de Fernando Pessoa
Mensagem, a epopeia lírica
A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.
A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.
A estrutura da obra
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…
É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.
Mensagem de Fernando Pessoa
Carácter épico-lírico
• A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.
O mito• As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo
• A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual• É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.
A estrutura• A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.
Mensagem (Resumido)
1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”
Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.
2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”
Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O mostrengo”, “Mar Português”.
3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”
Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.
A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.
A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.
A estrutura da obra
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…
É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.
Mensagem de Fernando Pessoa
Carácter épico-lírico
• A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.
O mito• As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo
• A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual• É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.
A estrutura• A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.
Mensagem (Resumido)
1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”
Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.
2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”
Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O mostrengo”, “Mar Português”.
3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”
Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.
sobre Os Lusíadas
Estrutura interna
1. As partes constituintes
Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes:
• Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)
• Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)
• Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter origem nas Geórgicas de Virgílio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)
• Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais).
2. Os planos narrativos
Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção.
Como plano narrativo fulcral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à Índia. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melide, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses.
Análise Canto I
O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração as Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da gama, referindo brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar á Índia. Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte, a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto cheguem á Ilha de Moçambique. Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam no fornecimento de um piloto por ele industriado a conduzi-los ao perigoso porto. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo ate Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o homem.
Proposição
As armas e os barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Reflexão:
A proposição permite ao poeta enunciar o propósito de cantar aos feitos alcançados pelos heróis portugueses, apresentando-os com heróis colectivos mistificados que se superiorizar em relação aos heróis da antiguidade clássica.
Invocação
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
Reflexão:
O poeta pede inspiração ás Tágides, entidades míticas nacionais, jogando a variedade das ninfas e também com o seu espírito de gratidão ao recordar-lhes que sempre as celebram na sua poesia. É significativa a valorização do estilo épico, por comparação com o estilo lírico, pois, é mais adequado á grandeza dos feitos dos heróis que vai contar.
Dedicatória
Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a quem louva por aquilo que ele representa para a independência de Portugal e para a dilatação do mundo cristão; louva-o ainda pela sua ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grande império de que é Rei (estrofes 6 , 7 e 8).
Segue-se uma segunda parte que constitui o apelo dirigido ao Rei: “referindo-se com modéstia á sua obra, pede ao rei que a leia; na breve exposição que faz do assunto, o poeta evidencia que a sua obra não versava heróis e factos lendários ou fantasiosos, mas sim matéria história real (estrofes 9 a 14)
Termina o seu discurso incitando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18).
Consílio dos Deus no Olimpo
A narração começa com o plano central (estrofe 19), logo interrompido pela inclusão do plano mitológico (estrofe 20).
Neste consílio, presidido por Júpiter, o pai dos deuses pretende dar conhecimento á assembleia da sua determinação em ajudar os portugueses a chegar á India, conforme estava predestinado pelo “fado”. Júpiter justifica a sua decisão elogiando as proezas historias do povo português e a coragem com que agora procuram dominar os mares desconhecidos. Há vários aspectos que contribuem para o engrandecimento do herói nacional, neste episódio:
• A admiração do “grande valor” e da “forre gente de Luso” manifestada por Júpiter;
• Temor de Baco de que o perder dos portugueses destrua o seu poder no oriente, fazendo esquecer “seus feitos”;
• O carinho e a afeição de verbos pela “gente Lusitana”, de “fortes corações” e “grande estrela”;
• O respeito pela “gente forte” revelado por Marte.
Reflexão do Poeta
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Reflexão:
Este poema mostra-nos a reflexão do poeta sobre a insegurança da vida humana.
Análise Canto II
Já neste tempo o lúcido Planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus Nocturno a porta abrindo,
Quando as ínfimas gentes se chegaram
As naus, que pouco havia que ancoraram.
Dentre eles um, que traz encomendado
O mortífero engano, assim dizia:
"Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino e salsa via,
O Rei que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessário reformar-te.
"E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra, tu com toda armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra podes reformá-la,
Que a natureza obriga a desejá-la.
"E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo."
(...)
O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite pois os dois condenados que mandava a terra colher informações tinham regressado com a boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, impede a armada de entrar no porto de Mombaça. Os emissários do rei e o falso piloto julgando terem sido descobertos, põem-se em fuga. Vasco da gama, apercebendo-se do perigo que correra, dirige uma prece a deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os portugueses, ao que ele acede e, para consolar, profetiza futuras glórias dos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melide onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melide é efectivamente saudade com festejos e o Rei desta cidade visita a armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a historia do seu país.
Análise Canto III
Após uma invocação do Poeta a Calíope, Vasco da gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Destacam-se os episódios da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques e o da Formosíssima Maria, da batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.
Batalha de Ourique
Trata-se de um episódio bélico que relata a Batalha travada no baixo Alentejo ate o exército lusitano e os dos mouros que ocupavam a região.
A desproporção das forças em conflito, aparição de Cristo a D. Afonso Henriques, a fé inabalável do rei e a sua capacidade de chefiar e inflamar os ânimos dos combatentes são os aspectos que contribuem para a mistificação deste herói. Não está em causa a força anímica e a capacidade de chefia de D. Afonso Henriques, mas o cumprimento de uma missão que o transcende eu que foi confiada por deus ao povo de que era rei: a dilatação da fé cristã. A determinação com que cumpriu esse objectivo deu ao primeiro rei de Portugal o estatuto de símbolo da luta contra os infiéis.
Análise Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da Historia de Portugal. Conta agora a história da 2ª Dinastia, desde a revolução de 1385-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a armada de Vasco da Gama parte para a Índia. Após a narrativa da revolução que incide na figura de Nuno Alvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João I a D. João II. É assim que surge a narração dos preparativos da viagem á Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando futuras glorias no Oriente. Este canto termina com a partida da armanda, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.
Batalha de Aljubarrota
Estrofes 28 e 29 (Introdução) – início da batalha sinalizada pela Trombeta Castelhana e reacção personificada da natureza e das pessoas em geral.
Estrofe 30 – no inicio do combate desde logo de destaca a presença de Nuno Alvares Cabral.
Estrofe 31 – Descrição da movimentação e do ruído próprio do combate.
Estrofe 32 e 33 – Traição dos dois irmãos de Nuno Alvares Pereira que combateram pelo exército de Castelo e referência a outros traidores da história antiga.
Estrofes 34 até 42 – Descrição da Batalha propriamente dita, com especial saliência, para as actuações decisivas de Nuno Alvares Pereira e D. João I.
Estrofes 43 até 45 (conclusão) – o desânimo e a fuga dos Castelhanos perante a vitória dos portugueses.
Despedidas em Belém
Trata-se de um momento lírico da narrativa que faz sobressair os sentimentos dos que ficavam e que, antecipadamente, choravam a perda dos que partiam; sobressaem também os sentimentos dos navegadores que tiveram nos seus amados e a saudade que eles próprios já começavam a sentir.
Alcançar a glória tem um preço, é toda uma nação que é envolvida no drama e será, depois, toda uma nação que alcançará a glória. (confrontar este episodio com o poema “Mar Português” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)
O Velho do Restelo
Este episódio introduz uma perspectiva posta á do espírito épico, uma vez que o “Velho” aplica de vaidade aquilo que os outros chamam “Fama e Glória”, “esforço e valentia”. Ele é o porta-voz do bom senso e da prudência ou daqueles que nesse tempo defendiam a expansão para o norte de África. Outros designam-no como voz da condenação da ousadia humana, do impulso do Homem para transcender tudo o que o limita.
Canto V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melide, contando agora a viagem de armada, de Lisboa a Melide. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observavam maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episodio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episodio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo encoberto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a Poesia.
O Gigante Adamastor
Estrofes 37 e 38 (Introdução) – Preparação do clima propício a aparição do Adamastor.
Estrofes 39 e 40 – Caracterização do Gigante Adamastor, quer física, quer psicológica.
Estrofes 41 até 48 – Discurso do Adamastor. Enuncia através de profecias (advinhas) e ameaças, os castigos destinados á “gente ousada” latina.
Estrofes 49 – Vasco da Gama interpela o monstro, o que provocará uma alteração radical do seu discurso, levando-o a confessar os aspectos da sua vida sentimental.
Estrofes 50 até 59 – O Gigante narra a sua vida, o seu passado amoroso e infeliz e revela o castigo que os Deuses lhe destinaram: Para sempre transformado naquele promontório.
Estrofe 60 – Desaparecimento do Gigante e pedido de Vasco da Gama a Deus para que evite a concretização das profecias do Adamastor.
Representatividade do Gigante Adamastor
1. A representação do “terrífico”: logo na descrição do ambiente estão presentes elementos associados ao medo, como a escuridão, o ruído intenso, o tamanho e a postura ameaçadora, a sujidade repelente, a cor cadavérica e o tom de voz;
2. A exaltação do herói: por serem ditas por um ser tão terrível, as palavras do Adamastor sobre a ousadia dos navegadores têm feito um efeito claramente exaltante para desvendar o desconhecido, o que nenhum ser se tinha atrevido a tentar – é uma forma de destacar que o grande feito da viagem foi a conquista do conhecimento;
3. A afirmação do herói: a coragem do herói afirma-se pelo enfrentar do medo, por ousar conhecer e decifrar o desconhecido – a pergunta de Vasco da Gama sobre a identidade do monstro (“quem és tu?”) é um momento simbólico da afirmação da grandeza do Homem Português;
4. O desejo do mito: no final, o Gigante retira-se com um “medonho choro”, depois de ter contado a sua história – tinha sido vencido no amor e na guerra, iludido e aprisionado, ao tornar-se conhecido, desaparece o seu carácter ameaçador;
5. Simbologia do episódio: o Gigante Adamastor representa o maior de todos os obstáculos, na realização de qualquer viagem: o medo do desconhecido. Perante o desconhecido, os navegadores enfrentaram o terror, desvendaram os seus mistérios e o desconhecido deixou de o ser – o episódio simboliza a vitória sobre o medo que os perigos ignorados da natureza e da vida provocaram nos seres humanos (confrontar este episodio com o poema “Mostrengo” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)
Reflexão do Poeta
O Poeta neste poema mostra que o canto e o louvor das obras incitam a realização de novos feitos.
A falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que mostram na divulgação dos seus feitos (indirectamente, Camões manifesta o seu desalento por não ter apoio daqueles a quem louva).
Canto VI
Finda narrativa de Vasco da Gama, a armada sai de Melide guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut. Baco, Vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco, ordenando a Éolo que solte os ventos e faça afundar a armanda. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violente tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a deus e, mais uma vez é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.
O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor da Fama e da Glória conseguidas através dos grandes feitos.
Reflexão do poeta
Reflexão autobiográfica em que o poeta enumera as várias adversidades que passou para fazer espelhar o modelo de virtudes anunciado na reflexão anterior.
Canto VIII
Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada:
"Quem era, e por que causa lhe convinha
A divisa, que tem na mão tomada?"
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta.
"Estas figuras todas que aparecem,
Bravos em vista e feros nos aspectos,
Mais bravos e mais feros se conhecem,
Pela fama, nas obras e nos feitos:
Antigos são, mas ainda resplandecem
Colo nome, entre os engenhos mais perfeito
Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso Reino Lusitânia chama.
"Foi filho e companheiro do Tébano,
Que tão diversas partes conquistou;
Parece vindo ter ao ninho Hispano
Seguindo as armas, que continuo usou;
Do Douro o Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou,
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.
"O ramo que lhe vês para divisa,
O verde tirso foi de Baco usado;
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amido.
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?
(...)
Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e investigando-o contra os Navegadores através da informação de que vêm com o intuito de pilhagem. O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar ás naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhe entregarem as fazendas que traziam.
O Poeta teve considerações sobre o vil poder do ouro.
Canto IX
Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dois feitores
Que os infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo, que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.•
Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu,
Do nome da irmã sua assim chamada,
Que depois em Suez se converteu,
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maometana.•
Gidá se chama o porto, aonde o trato
De todo o Roxo mar mais florescia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos infiéis, formosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.•
Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas, que o comércio lhe tomava,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam,
Que já não querem mais dos navegantes,
Senão que tanto tempo ali tardassem,
Que da famosa Meca as naus chegassem.
(...)
Após vencerem algumas dificuldades, os Portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso á Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar á Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses. A armada avista a Ilha dos Amores e, quanto os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as Ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro, referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o Poeta termina, tecendo considerações sobre a fama de alcançar a Fama.
A grandeza dos descobrimentos também se mede pela grandeza do premo e esse dói o da Imortalidade, simbolicamente representada na união entre os Homens e as Deusas.
Na parte final do episodio o poeta reafirma os valores daqueles que podem ser recebidos na Ilha: a justiça, a coragem, o amor á pátria e a lealdade ao Rei.
Canto X
As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma Invocação do poeta Calíope, uma Ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos Portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império Português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta termina lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.
A Máquina do Mundo revela o que será o Império Português, representando o auge da glorificação – Vasco da Gama vê o que só aos Deuses é dado ver; é a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta: “o bicho da terra tão pequena” venceu as suas próprias limitações e foi além do que prometia a “força humana”. É de assinalar que, neste episodio se sobrepõem, a nível da estrutura, os três planos narrativos: o plano da viagem; o plano mitológico e o plano da história de Portugal, mas agora e futuro.
Ilha dos Amores
Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço.
Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitações.
Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano.
De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se da "lei da morte". É também esse amor que conduz Camões a "espalhar" os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.
Reflexão do Poeta
Os últimos versos da obra revelam sentimentos contraditórios: o desalento, o orgulho e a esperança.
1. O poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo, o que provêm da contratação…metida no gosto da cobiça e na rudeza, imagem que representa o Portugal do seu tempo;
2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza da pátria;
3. E afirma a esperança de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias para dar continuidade á glorificação do “peito ilustre lusitano”
4. Em suma, a glória do passado deverá ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.
1. As partes constituintes
Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes:
• Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)
• Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)
• Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter origem nas Geórgicas de Virgílio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)
• Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais).
2. Os planos narrativos
Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção.
Como plano narrativo fulcral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à Índia. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melide, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses.
Análise Canto I
O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração as Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da gama, referindo brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar á Índia. Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte, a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto cheguem á Ilha de Moçambique. Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam no fornecimento de um piloto por ele industriado a conduzi-los ao perigoso porto. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo ate Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o homem.
Proposição
As armas e os barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
Reflexão:
A proposição permite ao poeta enunciar o propósito de cantar aos feitos alcançados pelos heróis portugueses, apresentando-os com heróis colectivos mistificados que se superiorizar em relação aos heróis da antiguidade clássica.
Invocação
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
Reflexão:
O poeta pede inspiração ás Tágides, entidades míticas nacionais, jogando a variedade das ninfas e também com o seu espírito de gratidão ao recordar-lhes que sempre as celebram na sua poesia. É significativa a valorização do estilo épico, por comparação com o estilo lírico, pois, é mais adequado á grandeza dos feitos dos heróis que vai contar.
Dedicatória
Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a quem louva por aquilo que ele representa para a independência de Portugal e para a dilatação do mundo cristão; louva-o ainda pela sua ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grande império de que é Rei (estrofes 6 , 7 e 8).
Segue-se uma segunda parte que constitui o apelo dirigido ao Rei: “referindo-se com modéstia á sua obra, pede ao rei que a leia; na breve exposição que faz do assunto, o poeta evidencia que a sua obra não versava heróis e factos lendários ou fantasiosos, mas sim matéria história real (estrofes 9 a 14)
Termina o seu discurso incitando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18).
Consílio dos Deus no Olimpo
A narração começa com o plano central (estrofe 19), logo interrompido pela inclusão do plano mitológico (estrofe 20).
Neste consílio, presidido por Júpiter, o pai dos deuses pretende dar conhecimento á assembleia da sua determinação em ajudar os portugueses a chegar á India, conforme estava predestinado pelo “fado”. Júpiter justifica a sua decisão elogiando as proezas historias do povo português e a coragem com que agora procuram dominar os mares desconhecidos. Há vários aspectos que contribuem para o engrandecimento do herói nacional, neste episódio:
• A admiração do “grande valor” e da “forre gente de Luso” manifestada por Júpiter;
• Temor de Baco de que o perder dos portugueses destrua o seu poder no oriente, fazendo esquecer “seus feitos”;
• O carinho e a afeição de verbos pela “gente Lusitana”, de “fortes corações” e “grande estrela”;
• O respeito pela “gente forte” revelado por Marte.
Reflexão do Poeta
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Reflexão:
Este poema mostra-nos a reflexão do poeta sobre a insegurança da vida humana.
Análise Canto II
Já neste tempo o lúcido Planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus Nocturno a porta abrindo,
Quando as ínfimas gentes se chegaram
As naus, que pouco havia que ancoraram.
Dentre eles um, que traz encomendado
O mortífero engano, assim dizia:
"Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino e salsa via,
O Rei que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessário reformar-te.
"E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra, tu com toda armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra podes reformá-la,
Que a natureza obriga a desejá-la.
"E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo."
(...)
O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite pois os dois condenados que mandava a terra colher informações tinham regressado com a boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, impede a armada de entrar no porto de Mombaça. Os emissários do rei e o falso piloto julgando terem sido descobertos, põem-se em fuga. Vasco da gama, apercebendo-se do perigo que correra, dirige uma prece a deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os portugueses, ao que ele acede e, para consolar, profetiza futuras glórias dos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melide onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melide é efectivamente saudade com festejos e o Rei desta cidade visita a armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a historia do seu país.
Análise Canto III
Após uma invocação do Poeta a Calíope, Vasco da gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Destacam-se os episódios da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques e o da Formosíssima Maria, da batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.
Batalha de Ourique
Trata-se de um episódio bélico que relata a Batalha travada no baixo Alentejo ate o exército lusitano e os dos mouros que ocupavam a região.
A desproporção das forças em conflito, aparição de Cristo a D. Afonso Henriques, a fé inabalável do rei e a sua capacidade de chefiar e inflamar os ânimos dos combatentes são os aspectos que contribuem para a mistificação deste herói. Não está em causa a força anímica e a capacidade de chefia de D. Afonso Henriques, mas o cumprimento de uma missão que o transcende eu que foi confiada por deus ao povo de que era rei: a dilatação da fé cristã. A determinação com que cumpriu esse objectivo deu ao primeiro rei de Portugal o estatuto de símbolo da luta contra os infiéis.
Análise Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da Historia de Portugal. Conta agora a história da 2ª Dinastia, desde a revolução de 1385-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a armada de Vasco da Gama parte para a Índia. Após a narrativa da revolução que incide na figura de Nuno Alvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João I a D. João II. É assim que surge a narração dos preparativos da viagem á Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando futuras glorias no Oriente. Este canto termina com a partida da armanda, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.
Batalha de Aljubarrota
Estrofes 28 e 29 (Introdução) – início da batalha sinalizada pela Trombeta Castelhana e reacção personificada da natureza e das pessoas em geral.
Estrofe 30 – no inicio do combate desde logo de destaca a presença de Nuno Alvares Cabral.
Estrofe 31 – Descrição da movimentação e do ruído próprio do combate.
Estrofe 32 e 33 – Traição dos dois irmãos de Nuno Alvares Pereira que combateram pelo exército de Castelo e referência a outros traidores da história antiga.
Estrofes 34 até 42 – Descrição da Batalha propriamente dita, com especial saliência, para as actuações decisivas de Nuno Alvares Pereira e D. João I.
Estrofes 43 até 45 (conclusão) – o desânimo e a fuga dos Castelhanos perante a vitória dos portugueses.
Despedidas em Belém
Trata-se de um momento lírico da narrativa que faz sobressair os sentimentos dos que ficavam e que, antecipadamente, choravam a perda dos que partiam; sobressaem também os sentimentos dos navegadores que tiveram nos seus amados e a saudade que eles próprios já começavam a sentir.
Alcançar a glória tem um preço, é toda uma nação que é envolvida no drama e será, depois, toda uma nação que alcançará a glória. (confrontar este episodio com o poema “Mar Português” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)
O Velho do Restelo
Este episódio introduz uma perspectiva posta á do espírito épico, uma vez que o “Velho” aplica de vaidade aquilo que os outros chamam “Fama e Glória”, “esforço e valentia”. Ele é o porta-voz do bom senso e da prudência ou daqueles que nesse tempo defendiam a expansão para o norte de África. Outros designam-no como voz da condenação da ousadia humana, do impulso do Homem para transcender tudo o que o limita.
Canto V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melide, contando agora a viagem de armada, de Lisboa a Melide. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observavam maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episodio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episodio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo encoberto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a Poesia.
O Gigante Adamastor
Estrofes 37 e 38 (Introdução) – Preparação do clima propício a aparição do Adamastor.
Estrofes 39 e 40 – Caracterização do Gigante Adamastor, quer física, quer psicológica.
Estrofes 41 até 48 – Discurso do Adamastor. Enuncia através de profecias (advinhas) e ameaças, os castigos destinados á “gente ousada” latina.
Estrofes 49 – Vasco da Gama interpela o monstro, o que provocará uma alteração radical do seu discurso, levando-o a confessar os aspectos da sua vida sentimental.
Estrofes 50 até 59 – O Gigante narra a sua vida, o seu passado amoroso e infeliz e revela o castigo que os Deuses lhe destinaram: Para sempre transformado naquele promontório.
Estrofe 60 – Desaparecimento do Gigante e pedido de Vasco da Gama a Deus para que evite a concretização das profecias do Adamastor.
Representatividade do Gigante Adamastor
1. A representação do “terrífico”: logo na descrição do ambiente estão presentes elementos associados ao medo, como a escuridão, o ruído intenso, o tamanho e a postura ameaçadora, a sujidade repelente, a cor cadavérica e o tom de voz;
2. A exaltação do herói: por serem ditas por um ser tão terrível, as palavras do Adamastor sobre a ousadia dos navegadores têm feito um efeito claramente exaltante para desvendar o desconhecido, o que nenhum ser se tinha atrevido a tentar – é uma forma de destacar que o grande feito da viagem foi a conquista do conhecimento;
3. A afirmação do herói: a coragem do herói afirma-se pelo enfrentar do medo, por ousar conhecer e decifrar o desconhecido – a pergunta de Vasco da Gama sobre a identidade do monstro (“quem és tu?”) é um momento simbólico da afirmação da grandeza do Homem Português;
4. O desejo do mito: no final, o Gigante retira-se com um “medonho choro”, depois de ter contado a sua história – tinha sido vencido no amor e na guerra, iludido e aprisionado, ao tornar-se conhecido, desaparece o seu carácter ameaçador;
5. Simbologia do episódio: o Gigante Adamastor representa o maior de todos os obstáculos, na realização de qualquer viagem: o medo do desconhecido. Perante o desconhecido, os navegadores enfrentaram o terror, desvendaram os seus mistérios e o desconhecido deixou de o ser – o episódio simboliza a vitória sobre o medo que os perigos ignorados da natureza e da vida provocaram nos seres humanos (confrontar este episodio com o poema “Mostrengo” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)
Reflexão do Poeta
O Poeta neste poema mostra que o canto e o louvor das obras incitam a realização de novos feitos.
A falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que mostram na divulgação dos seus feitos (indirectamente, Camões manifesta o seu desalento por não ter apoio daqueles a quem louva).
Canto VI
Finda narrativa de Vasco da Gama, a armada sai de Melide guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut. Baco, Vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco, ordenando a Éolo que solte os ventos e faça afundar a armanda. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violente tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a deus e, mais uma vez é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.
O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor da Fama e da Glória conseguidas através dos grandes feitos.
Reflexão do poeta
Reflexão autobiográfica em que o poeta enumera as várias adversidades que passou para fazer espelhar o modelo de virtudes anunciado na reflexão anterior.
Canto VIII
Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada:
"Quem era, e por que causa lhe convinha
A divisa, que tem na mão tomada?"
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta.
"Estas figuras todas que aparecem,
Bravos em vista e feros nos aspectos,
Mais bravos e mais feros se conhecem,
Pela fama, nas obras e nos feitos:
Antigos são, mas ainda resplandecem
Colo nome, entre os engenhos mais perfeito
Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso Reino Lusitânia chama.
"Foi filho e companheiro do Tébano,
Que tão diversas partes conquistou;
Parece vindo ter ao ninho Hispano
Seguindo as armas, que continuo usou;
Do Douro o Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou,
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.
"O ramo que lhe vês para divisa,
O verde tirso foi de Baco usado;
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amido.
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?
(...)
Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e investigando-o contra os Navegadores através da informação de que vêm com o intuito de pilhagem. O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar ás naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhe entregarem as fazendas que traziam.
O Poeta teve considerações sobre o vil poder do ouro.
Canto IX
Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dois feitores
Que os infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo, que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.•
Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu,
Do nome da irmã sua assim chamada,
Que depois em Suez se converteu,
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maometana.•
Gidá se chama o porto, aonde o trato
De todo o Roxo mar mais florescia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos infiéis, formosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.•
Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas, que o comércio lhe tomava,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam,
Que já não querem mais dos navegantes,
Senão que tanto tempo ali tardassem,
Que da famosa Meca as naus chegassem.
(...)
Após vencerem algumas dificuldades, os Portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso á Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar á Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses. A armada avista a Ilha dos Amores e, quanto os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as Ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro, referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o Poeta termina, tecendo considerações sobre a fama de alcançar a Fama.
A grandeza dos descobrimentos também se mede pela grandeza do premo e esse dói o da Imortalidade, simbolicamente representada na união entre os Homens e as Deusas.
Na parte final do episodio o poeta reafirma os valores daqueles que podem ser recebidos na Ilha: a justiça, a coragem, o amor á pátria e a lealdade ao Rei.
Canto X
As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma Invocação do poeta Calíope, uma Ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos Portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império Português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta termina lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.
A Máquina do Mundo revela o que será o Império Português, representando o auge da glorificação – Vasco da Gama vê o que só aos Deuses é dado ver; é a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta: “o bicho da terra tão pequena” venceu as suas próprias limitações e foi além do que prometia a “força humana”. É de assinalar que, neste episodio se sobrepõem, a nível da estrutura, os três planos narrativos: o plano da viagem; o plano mitológico e o plano da história de Portugal, mas agora e futuro.
Ilha dos Amores
Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço.
Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitações.
Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano.
De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se da "lei da morte". É também esse amor que conduz Camões a "espalhar" os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.
Reflexão do Poeta
Os últimos versos da obra revelam sentimentos contraditórios: o desalento, o orgulho e a esperança.
1. O poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo, o que provêm da contratação…metida no gosto da cobiça e na rudeza, imagem que representa o Portugal do seu tempo;
2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza da pátria;
3. E afirma a esperança de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias para dar continuidade á glorificação do “peito ilustre lusitano”
4. Em suma, a glória do passado deverá ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.
As Transgressões na obra Memorial do Convento
Transgressão do código religioso
Sumptuosidade do convento (pp.365-6) vs a simplicidade e a humildade (essência dos valores cristãos);
Recrutamento à força;
Construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior/divino (p. 198) - 4 bases de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
A castidade vs as relações sexuais nos conventos (pp. 95,97);
As estátuas dos santos (p. 344) vs a santidade humana (p. 342);
Missa, espaço de vivência espiritual (p. 145) vs missa, espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162, 236);
A benção de Deus vs a benção dos homens;
Funeral do Infante D. Pedro, espectáculo de pompa e circunstância vs funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.
Transgressão do código sexual
Sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-20) vs sexo, entrega permanente e mútua de corpos e almas (p. 77 e outras).
Transgressão linguística
Inversão de expressões bíblicas;
Jogos de palavras "os santos no oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das regras de pontuação;
Aforismos "Não está o homem livre... com a verdade";
Confluência de registos de língua:
Popular "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda";
Familiar "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";
Cuidado "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada antes (...)".
Transgressão ficcional
A Música vence a Doença;
A história vence a História;
O espaço da ficção é o espaço da Utopia, da Liberdade Suprema;
O Sonho é a Transcendência Humana.
Sumptuosidade do convento (pp.365-6) vs a simplicidade e a humildade (essência dos valores cristãos);
Recrutamento à força;
Construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior/divino (p. 198) - 4 bases de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
A castidade vs as relações sexuais nos conventos (pp. 95,97);
As estátuas dos santos (p. 344) vs a santidade humana (p. 342);
Missa, espaço de vivência espiritual (p. 145) vs missa, espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162, 236);
A benção de Deus vs a benção dos homens;
Funeral do Infante D. Pedro, espectáculo de pompa e circunstância vs funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.
Transgressão do código sexual
Sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-20) vs sexo, entrega permanente e mútua de corpos e almas (p. 77 e outras).
Transgressão linguística
Inversão de expressões bíblicas;
Jogos de palavras "os santos no oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das regras de pontuação;
Aforismos "Não está o homem livre... com a verdade";
Confluência de registos de língua:
Popular "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda";
Familiar "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";
Cuidado "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada antes (...)".
Transgressão ficcional
A Música vence a Doença;
A história vence a História;
O espaço da ficção é o espaço da Utopia, da Liberdade Suprema;
O Sonho é a Transcendência Humana.
terça-feira, 8 de abril de 2008
Tudo sobre Eça de Queirós
Eça de Queirós
http://www.escolaeuropeia.com/pdf/2anomanutencao/portugues/Os%20Maias.pdf
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/queiros.htm
http://acpc.bn.pt/espolios_autores/e01_queiros_eca.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Maias
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/curso/maias.htm
http://www.edusurfa.pt/testesdiag/TestesDiag.asp?ano=11&disc_id=26&teste_id=212
http://www.prof2000.pt/users/secjeste/utilnet/pg0Maias.htm
http://faroldasletras.no.sapo.pt/os_maias_quatro_geracoes.htm
http://clientes.netvisao.pt/rtelesfe/apontamentos.htm#portugues
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-simbolismo.doc
http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/portugues/portugues_trabalhos/osmaiasjantarhotelcentral2.htm
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/Maias_20001210.pdf
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Maias_TOC.html
Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.
Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.
Na véspera prepare os materiais: uma máquina fotográfica, a obra Os Maias, de Eça de Queirós, um caderno de apontamentos e uma camisola, porque na zona de Sintra costuma estar fresco.
De manhã cedo, percorra a vila de Sintra que está rodeada por uma serra rochosa cheia de plantas e árvores verdes. Interrompa o passeio e observe o antigo Paço Real onde se encontra o Palácio da Vila. Leia esta passagem:
«este maciço e silencioso palácio, sem florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casario da vila, com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre semblante real, o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés colossais...»
O Palácio merece ser fotografado.
Do centro da vila suba, a pé, até ao Palácio da Pena. No trajecto pare e aproveite para reler uma das mais belas descrições da obra:
«e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda de cor violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena romântico e solitário no alto...»
Finalmente, chega ao Palácio da Pena.
Aprecie a paisagem e sinta-se envolvido por este ambiente quase mágico. Repare no Castelo dos Mouros, lá ao longe:
«de vez em quando aparecia um bocado de serra, com a sua muralha de ameias correndo sobre as penedias.»
Apesar de ser um caminho difícil, continue o percurso até ao Castelo dos Mouros. Aproveite para tirar mais umas fotografias.
Desça novamente até à vila, onde poderá almoçar numa estalagem que se chama Lawrence, que fica situada na encosta da serra, um pouco afastada do centro da vila, no caminho para Colares. Conheça um dos famosos hotéis citados pelas personagens queirosianas. A seguir ao almoço, lembre-se que o percurso do hotel Lawrence a Seteais era, para a burguesia do século XIX, uma espécie de Passeio Público de Sintra. Associadas ao local (Seteais), existem várias lendas, uma das quais ligada à sonoridade do nome: Seteais / sete ais.
Sugerimos, então, um passeio até ao Palácio de Seteais! As personagens queirosianas fazem um retrato sugestivo da paisagem:
«Cruges, no entanto, encostado ao parapeito, olhava a grande planície de lavoura que se estendia em baixo, rica e bem trabalhada, repartida em quadros verde-claros e verde-escuros, que lhe faziam lembrar um pano feito de remendos.»
Depois da visita aos jardins do Palácio, volte a Sintra e compre uns postais. Aproveite para lanchar umas queijadinhas de Sintra. (Não faça como as personagens do romance que está a ler ...que só se lembraram de comer umas queijadas quando já iam a caminho de Lisboa.) E, se gostar, até pode fazer estes doces em casa.
Quando regressar a casa, aconselhamos o percurso pela estrada da serra em direcção à costa atlântica. Pelo caminho, visite o Convento dos Capuchos.
http://www.infopedia.pt/$corridas-no-hipodromo-(os-maias)
http://www.paulacruz.com/download/
http://www.escolaeuropeia.com/pdf/2anomanutencao/portugues/Os%20Maias.pdf
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/queiros.htm
http://acpc.bn.pt/espolios_autores/e01_queiros_eca.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Maias
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/curso/maias.htm
http://www.edusurfa.pt/testesdiag/TestesDiag.asp?ano=11&disc_id=26&teste_id=212
http://www.prof2000.pt/users/secjeste/utilnet/pg0Maias.htm
http://faroldasletras.no.sapo.pt/os_maias_quatro_geracoes.htm
http://clientes.netvisao.pt/rtelesfe/apontamentos.htm#portugues
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-simbolismo.doc
http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/portugues/portugues_trabalhos/osmaiasjantarhotelcentral2.htm
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/Maias_20001210.pdf
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Maias_TOC.html
Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.
Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.
Na véspera prepare os materiais: uma máquina fotográfica, a obra Os Maias, de Eça de Queirós, um caderno de apontamentos e uma camisola, porque na zona de Sintra costuma estar fresco.
De manhã cedo, percorra a vila de Sintra que está rodeada por uma serra rochosa cheia de plantas e árvores verdes. Interrompa o passeio e observe o antigo Paço Real onde se encontra o Palácio da Vila. Leia esta passagem:
«este maciço e silencioso palácio, sem florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casario da vila, com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre semblante real, o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés colossais...»
O Palácio merece ser fotografado.
Do centro da vila suba, a pé, até ao Palácio da Pena. No trajecto pare e aproveite para reler uma das mais belas descrições da obra:
«e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda de cor violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena romântico e solitário no alto...»
Finalmente, chega ao Palácio da Pena.
Aprecie a paisagem e sinta-se envolvido por este ambiente quase mágico. Repare no Castelo dos Mouros, lá ao longe:
«de vez em quando aparecia um bocado de serra, com a sua muralha de ameias correndo sobre as penedias.»
Apesar de ser um caminho difícil, continue o percurso até ao Castelo dos Mouros. Aproveite para tirar mais umas fotografias.
Desça novamente até à vila, onde poderá almoçar numa estalagem que se chama Lawrence, que fica situada na encosta da serra, um pouco afastada do centro da vila, no caminho para Colares. Conheça um dos famosos hotéis citados pelas personagens queirosianas. A seguir ao almoço, lembre-se que o percurso do hotel Lawrence a Seteais era, para a burguesia do século XIX, uma espécie de Passeio Público de Sintra. Associadas ao local (Seteais), existem várias lendas, uma das quais ligada à sonoridade do nome: Seteais / sete ais.
Sugerimos, então, um passeio até ao Palácio de Seteais! As personagens queirosianas fazem um retrato sugestivo da paisagem:
«Cruges, no entanto, encostado ao parapeito, olhava a grande planície de lavoura que se estendia em baixo, rica e bem trabalhada, repartida em quadros verde-claros e verde-escuros, que lhe faziam lembrar um pano feito de remendos.»
Depois da visita aos jardins do Palácio, volte a Sintra e compre uns postais. Aproveite para lanchar umas queijadinhas de Sintra. (Não faça como as personagens do romance que está a ler ...que só se lembraram de comer umas queijadas quando já iam a caminho de Lisboa.) E, se gostar, até pode fazer estes doces em casa.
Quando regressar a casa, aconselhamos o percurso pela estrada da serra em direcção à costa atlântica. Pelo caminho, visite o Convento dos Capuchos.
http://www.infopedia.pt/$corridas-no-hipodromo-(os-maias)
http://www.paulacruz.com/download/
Frei Luis de Sousa - Notas e questionários
Drama em três actos, em prosa, considerado uma das obras-primas do teatro português. Representado pela primeira vez em 1843, teve como actor o próprio Garrett no papel de Telmo.
A acção é trágica. D. João de Portugal foi dado como morto na batalha de Alcácer-Quibir. Sua mulher, D.Madalena de Vilhena, após sete anos de espera e de buscas infrutíferas, desposou D.Manuel de Sousa Coutinho, que já amava em vida de D.João. Deste segundo casamento nasceu uma filha, Maria de Noronha, que aos treze anos revela estranha sensibilidade, aguçada pela tuberculose. Só o velho criado Telmo, sempre fiel à memória de D.João, espera que ele esteja vivo e regresse. Essa íntima fé enche a casa de negros presságios. E numa sexta-feira, dia fatídico para D. Madalena (“faz hoje anos que... casei a primeira vez...que se perdeu el-Rei D. Sebastião, e faz anos também que...vi pela primeira vez a Manuel de Sousa”), aparece um romeiro vindo da Terra Santa: é D. João de Portugal. Essa família está pois condenada à destruição. D. Manuel e D. Madalena resolvem entrar num convento e durante a cerimónia em que recebem do prior de Benfica os escapulários Dominicanos, surge Maria que, desvairada, vem morrer na própria igreja (“morro...morro de vergonha”).
A obra cria em si um ambiente de ansiedade, de negros presságios à maneira da tragédia grega, e cria uma situação em que o destino é dominante. Toda uma família é destroçada por um erro cometido por amor, cada um dos seus membros vive todo o drama colectivo. Manuel de Sousa Coutinho é uma figura histórica de um grande patriota e na obra revela-se ainda o início do mito de D.Sebastião. Pode pois dizer-se que toda a obra revela características românticas.
1- Comente a seguinte afirmação em relação à totalidade da obra:
“ D. João de Portugal, por motivos de honra, e Madalena, em defesa do seu amor, procuram em vão impedir a tomada de hábito. Manuel de Sousa mantem-se intransigente na sua resolução.”
2- O destino e a superstição desempenham um papel importante na obra.
Justifica.
Questionário:
1º acto
Cena 1
1. O monólogo pode dividir-se em duas partes, correspondendo cada uma a dois elementos duma comparação entre Inês de Castro e D. Madalena.
1.1. Que episódio está a ler Madalena e em que canto se situa?
1.2. Onde termina, na fala de Madalena, a 1ª parte?
1.3. Que palavra marca a oposição entre os sois elementos comparados?
2. Madalena está só, mas em espírito tem presentes duas pessoas.
2.1. A quem se refere quando diz “que o não saiba ele ao menos”?
2.2. Que personagem lhe provoca o “medo” e os “terrores” de que fala? (procura a resposta na cena 2)
2.3. A que personagens se referem os nomes amor, felicidade, desgraça? Porquê?
3. Na indicação cénica, Madalena repete “maquinalmente” e devagar o que acaba de ler. Essa atitude significa atenção ou devaneio? Porquê?
4. Em que posição e com que expressão fisionómica vê Madalena naquela pausa que faz, depois de proferir “Mas eu...”?
Cena 2
1. Qual é o objectivo principal de Madalena?
2. Há na cena duas fases: uma em que Madalena pede timidamente e Telmo é categórico, outra em que Madalena ordena e Telmo se retrai.
2.1. Delimita no texto cada uma das duas fases.
2.2. Que sentimento justifica em Madalena, as negativas reticentes “eu não sei...” “digo que não sei”, da primeira fase?
2.3. Que outro sentimento, oposto ao primeiro, condiciona as frases afirmativas e as imperativas da segunda?
3. Por que meio se faz nesta cena a aproximação entre Madalena e D.João?
4. Que motivos levam Telmo a censurar D. Madalena na 1ª parte do diálogo?
A acção é trágica. D. João de Portugal foi dado como morto na batalha de Alcácer-Quibir. Sua mulher, D.Madalena de Vilhena, após sete anos de espera e de buscas infrutíferas, desposou D.Manuel de Sousa Coutinho, que já amava em vida de D.João. Deste segundo casamento nasceu uma filha, Maria de Noronha, que aos treze anos revela estranha sensibilidade, aguçada pela tuberculose. Só o velho criado Telmo, sempre fiel à memória de D.João, espera que ele esteja vivo e regresse. Essa íntima fé enche a casa de negros presságios. E numa sexta-feira, dia fatídico para D. Madalena (“faz hoje anos que... casei a primeira vez...que se perdeu el-Rei D. Sebastião, e faz anos também que...vi pela primeira vez a Manuel de Sousa”), aparece um romeiro vindo da Terra Santa: é D. João de Portugal. Essa família está pois condenada à destruição. D. Manuel e D. Madalena resolvem entrar num convento e durante a cerimónia em que recebem do prior de Benfica os escapulários Dominicanos, surge Maria que, desvairada, vem morrer na própria igreja (“morro...morro de vergonha”).
A obra cria em si um ambiente de ansiedade, de negros presságios à maneira da tragédia grega, e cria uma situação em que o destino é dominante. Toda uma família é destroçada por um erro cometido por amor, cada um dos seus membros vive todo o drama colectivo. Manuel de Sousa Coutinho é uma figura histórica de um grande patriota e na obra revela-se ainda o início do mito de D.Sebastião. Pode pois dizer-se que toda a obra revela características românticas.
1- Comente a seguinte afirmação em relação à totalidade da obra:
“ D. João de Portugal, por motivos de honra, e Madalena, em defesa do seu amor, procuram em vão impedir a tomada de hábito. Manuel de Sousa mantem-se intransigente na sua resolução.”
2- O destino e a superstição desempenham um papel importante na obra.
Justifica.
Questionário:
1º acto
Cena 1
1. O monólogo pode dividir-se em duas partes, correspondendo cada uma a dois elementos duma comparação entre Inês de Castro e D. Madalena.
1.1. Que episódio está a ler Madalena e em que canto se situa?
1.2. Onde termina, na fala de Madalena, a 1ª parte?
1.3. Que palavra marca a oposição entre os sois elementos comparados?
2. Madalena está só, mas em espírito tem presentes duas pessoas.
2.1. A quem se refere quando diz “que o não saiba ele ao menos”?
2.2. Que personagem lhe provoca o “medo” e os “terrores” de que fala? (procura a resposta na cena 2)
2.3. A que personagens se referem os nomes amor, felicidade, desgraça? Porquê?
3. Na indicação cénica, Madalena repete “maquinalmente” e devagar o que acaba de ler. Essa atitude significa atenção ou devaneio? Porquê?
4. Em que posição e com que expressão fisionómica vê Madalena naquela pausa que faz, depois de proferir “Mas eu...”?
Cena 2
1. Qual é o objectivo principal de Madalena?
2. Há na cena duas fases: uma em que Madalena pede timidamente e Telmo é categórico, outra em que Madalena ordena e Telmo se retrai.
2.1. Delimita no texto cada uma das duas fases.
2.2. Que sentimento justifica em Madalena, as negativas reticentes “eu não sei...” “digo que não sei”, da primeira fase?
2.3. Que outro sentimento, oposto ao primeiro, condiciona as frases afirmativas e as imperativas da segunda?
3. Por que meio se faz nesta cena a aproximação entre Madalena e D.João?
4. Que motivos levam Telmo a censurar D. Madalena na 1ª parte do diálogo?
Acordo ortográfico
A discussão sobre a oportunidade e validade do Acordo Ortográfico tem posto em evidência que ninguém é dono da língua, pelo que não haverá nenhum acordo que impeça evoluções desencontradas.O conceito que tem circulado em algumas das intervenções, e que parece ajustado à natureza das coisas, é o que sustenta que a língua não é apenas nossa, também é nossa.É por isso que acordos, declarações, tratados, são certamente adjuvantes de uma política que mantenha a identidade essencial, mas nenhum terá força vinculativa suficiente para evitar que as divergências surjam pelas tão diferentes latitudes em que a língua portuguesa foi instrumento da soberania, da evangelização, do comércio.Existem locais onde os factos tornaram evidente que a língua não resiste à falta de utilidade para os povos que estiverem abrangidos por qualquer daquelas actividades, e por isso o português sofre dessa erosão no longínquo Oriente do primeiro império, tem marcas pequenas em Macau, luta com o passado apagador da língua pela ocupação de Timor pelo invasor e também com os interesses da Austrália pela expansão da língua inglesa, vai enfraquecendo em Goa.O critério da utilidade para os povos talvez por isso não seja dispensável no discurso dos procedimentos a adoptar para que o essencial seja uma preocupação e empenho constante dos governos que têm a língua portuguesa como língua oficial, cada um sabendo que não é sua, é apenas também sua.Muito recentemente a ONU deu um sinal importante do interesse, com ligação ao número de países que, tendo assento no plenário da Assembleia Geral, falam português.No mês de Março, segundo foi anunciado, o sítio Web Know - Your Rights 2008.org seria tornado mais acessível a pessoas do mundo inteiro, e para isso utilizando oito línguas.Tais línguas são inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, português, holandês e grego.Esta decisão destina-se a apoiar mais de uma dezena de projectos para os quais se pede e espera a intervenção dos parceiros da organização, governos, parlamentos, ONG, e entidades particulares que aderiram em nome e proveito da sociedade civil transnacional em crescimento.O interesse comum é muito mais dinamizador de iniciativas e práticas do que a obrigatoriedade assumida por tratados cuja debilidade directiva é logo evidenciada pelo método da entrada em vigor.Talvez a maleabilidade das Declarações, que estão a ganhar relevo crescente nas relações internacionais, seja mais indicada para servir de apoio directivo a uma política persistente de identificação e defesa do interesse comum, do que a natureza imperativa dos tratados.O ensino e a investigação, no espaço europeu em definição política acelerada, estão apoiados em Declarações que presidem ao desenvolvimento de redes cada vez mais sólidas, e não em tratados.Foi esta consideração que inspirou a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, em grande parte devido à percepção do Presidente José Sarney, atento às intervenções e discussões dessa matéria.Tinha presente que a responsabilidade pela língua incumbia à Academia Brasileira de Letras, tal como em Portugal incumbe à Academia das Ciências.Mas não faltaram observações de experientes das relações internacionais, e certamente nem todos com a mesma vivência das academias, no sentido de que os novos Estados de língua oficial portuguesa, que também deveram ao brasileiro embaixador Aparecido de Oliveira a criação da CPLP, não tinham nem a tradição, nem as vocações e recursos que os levassem a adoptar tal modelo.O Instituto Internacional da Língua Portuguesa foi criado como centro de encontro entre iguais, para, identificando os interesses comuns, convergirem nas políticas destinadas a servir esses interesses, salvaguardando o instrumento insubstituível que é a língua.Não parece ter acontecido que a inspiração do Instituto Internacional da Língua Portuguesa tenha sido revisitada, mas também não parece que o critério que orientou a sua criação deva ser ignorado.
Etiquetas:
acordo ortográfico,
Adriano Moreira,
Língua Portuguesa
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Filomena Mónica ressalta diferença e genialidade da obra de Cesário Verde
29 de Outubro de 2007, 16:26
Lisboa, 29 Out (Lusa) - A biografia do poeta Cesário Verde, de Maria Filomena Mónica - hoje apresentada em Lisboa - procura "fazer ressaltar quão diferente e genial era a sua obra", disse a autora à Lusa.
A obra "Cesário Verde. Um génio ignorado" inicia uma nova colecção dedicada a biografias de personalidades tanto nacionais como estrangeiras da Alêtheia Editores, que prevê editar biografias do historiador e político Alexis de Tocqueville, e dos pintores Caravaggio e Grão Vasco.
Em declarações à Lusa, Filomena Mónica, que é uma das especialistas da obra de Eça de Queirós, de quem se confessa "grande admiradora", admitiu ter traído "o grande escritor" pelo poeta de "Sentimento de um Ocidental".
"É de facto uma traição pois gosto muito mais do Cesário que do Eça. O Cesário é um génio e esses só aparecem de cinco em cinco séculos, e o Eça é um grande artista", disse.
Tal como em Eça, cujos papéis privados ficaram para sempre depositados no oceano quando o navio que os transportava se afundou, para escrever esta biografia Filomena Mónica deparou-se também com "falta de fontes, tanto mais que a sua quinta em Linda-a-Pastora ardeu em 1919".
"Eu gostaria de ver mais as suas cartas, e ele escreveu muitas e é minha intuição, pelo que sobrou, que além de genial poeta seria um excelente prosador. Gostaria de conhecer a sua biblioteca, pois a família era culta e teria livros até anotados por ele", acrescentou. A este acidente "há a acrescentar que, quando morreu, Cesário era um desconhecido e os amigos desfizeram-se das cartas dele que porventura tinham".
Todavia, a investigadora procurou o retrato do homem no seu momento histórico.
"Procurei colocá-lo no meio cultural do seu tempo e nota-se que não tinha paralelo, era uma voz tão nova e revolucionária que impressiona", declarou.
Cesário Verde nasceu na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855, em 1873 "começou a rabiscar uns poemas" e morreu tuberculoso aos 33 anos.
O livro da sua poesia foi editado em 1901, mas "o seu reconhecimento como poeta genial surge 40 anos depois, com o alerta de Fernando Pessoa", de quem Filomena Mónica "seguiu o conselho": foi ler os seus contemporâneos e chegou à conclusão de que de facto "Cesário era um génio".
Lisboa, 29 Out (Lusa) - A biografia do poeta Cesário Verde, de Maria Filomena Mónica - hoje apresentada em Lisboa - procura "fazer ressaltar quão diferente e genial era a sua obra", disse a autora à Lusa.
A obra "Cesário Verde. Um génio ignorado" inicia uma nova colecção dedicada a biografias de personalidades tanto nacionais como estrangeiras da Alêtheia Editores, que prevê editar biografias do historiador e político Alexis de Tocqueville, e dos pintores Caravaggio e Grão Vasco.
Em declarações à Lusa, Filomena Mónica, que é uma das especialistas da obra de Eça de Queirós, de quem se confessa "grande admiradora", admitiu ter traído "o grande escritor" pelo poeta de "Sentimento de um Ocidental".
"É de facto uma traição pois gosto muito mais do Cesário que do Eça. O Cesário é um génio e esses só aparecem de cinco em cinco séculos, e o Eça é um grande artista", disse.
Tal como em Eça, cujos papéis privados ficaram para sempre depositados no oceano quando o navio que os transportava se afundou, para escrever esta biografia Filomena Mónica deparou-se também com "falta de fontes, tanto mais que a sua quinta em Linda-a-Pastora ardeu em 1919".
"Eu gostaria de ver mais as suas cartas, e ele escreveu muitas e é minha intuição, pelo que sobrou, que além de genial poeta seria um excelente prosador. Gostaria de conhecer a sua biblioteca, pois a família era culta e teria livros até anotados por ele", acrescentou. A este acidente "há a acrescentar que, quando morreu, Cesário era um desconhecido e os amigos desfizeram-se das cartas dele que porventura tinham".
Todavia, a investigadora procurou o retrato do homem no seu momento histórico.
"Procurei colocá-lo no meio cultural do seu tempo e nota-se que não tinha paralelo, era uma voz tão nova e revolucionária que impressiona", declarou.
Cesário Verde nasceu na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855, em 1873 "começou a rabiscar uns poemas" e morreu tuberculoso aos 33 anos.
O livro da sua poesia foi editado em 1901, mas "o seu reconhecimento como poeta genial surge 40 anos depois, com o alerta de Fernando Pessoa", de quem Filomena Mónica "seguiu o conselho": foi ler os seus contemporâneos e chegou à conclusão de que de facto "Cesário era um génio".
NL.
Lusa/Fim
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
Cesário Verde
Aspectos biográficos de Cesário Verde
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Caneças, no concelho de Loures, a 25 de Fevereiro de 1855.
O seu pai era lavrador e comerciante, sendo proprietário de uma quinta nas imediações de Lisboa, em Linda-a-Pastora, e de uma loja de ferragens na baixa lisboeta, onde Cesário Verde chegou a trabalhar. Foi nestas actividades que repartiu a sua vida, fazendo do quotidiano o assunto da sua poesia. Desta forma, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais com os quais nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874, e onde travou conhecimento com figuras da vida literária, como Silva Pinto, que se tornou seu grande amigo e, após a sua morte, compilador da sua obra.
Para além de algumas viagens curtas a Paris e a Londres, a sua vida resumia-se aos caminhos percorridos entre Lisboa e Linda-a-Pastora, e são esses mesmos caminhos e as pessoas desses locais que Cesário Verde reproduz na sua obra.
Aquando da sua entrada para a Faculdade de Letras, estreou-se com várias poesias nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença, acolhidos com críticas quase sempre desfavoráveis. Em 1874, foi anunciada a edição de um livro de Cesário Verde, o que, no entanto, não aconteceu. Esta falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário, fizeram com que Cesário Verde deixasse de publicar em jornais.
Assim, a partir de 1879, Cesário Verde empenha-se cada vez mais no auxílio nas tarefas da loja de ferragens e da exploração da quinta. Em 1872, a sua irmã morre, seguindo-se, dez anos depois, o seu irmão, ambos de tuberculose. Foi esta a doença que viria a vitimar igualmente o poeta, a 19 de Julho de 1886, apesar das várias tentativas de convalescença.
Só em 1887 foi organizada, por iniciativa de Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas com o título de O Livro de Cesário Verde.
Correntes literárias influentes
Cesário Verde era, antes de mais, um realista que utilizou também o impressionismo nos seus poemas, já que materializa o abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e locais para traduzir estados psicológicos, dá espírito a objectos.
Além disso, Cesário Verde e as suas composições poéticas enquadram-se também no Parnasianismo que defende “a arte pela arte” e que foi iniciado em França no século XIX.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito através de poesias descritivas. É uma reacção contra o Romantismo, defendendo a objectividade em detrimento do sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da indisciplina da linguagem. È um retorno ao racionalismo e uma busca pela impessoalidade.
Através da junção do realismo, com o impressionismo e o Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se autênticas representações pictóricas da realidade devido à utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à perfeição formal.
Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista, clara, objectiva e concreta. Procura descrever o mundo com objectividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e partir para uma subjectividade sóbria.
Flores Velhas[1]
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um voo.
Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas;
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.
Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.
Diziam-me que tu, no flórido passado,
Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,
Aquele teu olhar moroso e delicado,
Que fala de langor e de emoções mimosas;…
E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,
Que não me desgostou nem uma vez sequer,
Eu não sabia haurir do cálix da ventura
O néctar que nos vem dos mimos da mulher.
Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,
Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;
As falas quase irmãs do vento com as flores
E a mole exalação das várzeas rescendentes.
Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas
No ninho de afeições criado para ti,
Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,
E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.
Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,
Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,
E sob aquele céu e sobre aquelas plantas
Bebemos o elixir das tardes perfumadas.
E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruído em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.
Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados...
Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.
E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!
Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!
Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,
A areia em que rangia a saia roçagante,
Que foi na minha vida o céu aurirrosado,
Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,
Que as ondas que formei das suas ilusões
Fizeram-me enganar na minha soledade
E as asas ir abrindo às minhas impressões.
Soltei com devoção lembranças inda escravas,
No espaço construí fantásticos castelos,
No tanque debrucei-me em que te debruçavas,
E onde o luar parava os raios amarelos.
Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,
Suster a minha fé, num véu consolador,
O teu divino olhar que as pedras amolece,
E há muito me prendeu nos cárceres do amor.
Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,
Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,
E imaginei ouvir ao conversar das aves
As célicas canções dos anjos teus irmãos.
E como na minha alma a luz era uma aurora,
A aragem ao passar parece que me trouxe
O som da tua voz, metálica, sonora,
E o teu perfume forte, o teu perfume doce.
Agonizava o Sol gostosa e lentamente,
Um sino que tangia, austero e com vagar,
Vestia de tristeza esta paixão veemente,
Esta doença enfim, que a morte há-de curar.
E quando me envolveu a noite, noite fria,
Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,
E vim a meditar em quem me cerraria,
Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.
Pois que, minha adorada, eu peço que não creias
Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;
Há tempos que não sinto o sangue pelas veias
E a campa talvez seja afável para mim.
Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,
Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,
E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,
Em breve te olharei calado e moribundo.
Mas quero só fugir das coisas e dos seres,
Só quero abandonar a vida triste e má
Na véspera do dia em que também morreres,
Morreres de pesar, por eu não viver já!
E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,
Com lágrimas regar as plantações ruins;
E esperarão por ti, naqueles alegretes,
As dálias a chorar nos braços dos jasmins!
Estrutura interna
Esta composição poética pode ser considerada uma elegia, já que exprime sentimentos tristes e dolorosos, em consequência da saudade provocada no eu poético por um amor passado. Este poema é um monólogo endereçado a uma mulher, Clarisse, que se encontra ausente. É apresentado um “jardinzinho agreste” onde o sujeito poético passou momentos de grande felicidade.
Podemos dividir o poema em três partes lógicas.
A primeira engloba as primeiras nove estrofes, onde o sujeito poético relembra a sua recente visita ao jardim, associando os elementos da Natureza à própria experiência amorosa que ali viveu (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem, / Traziam-me à memória idílios imortais…”). Também nesta parte se compreende um certo arrependimento do eu poético por não ter desfrutado devidamente daquele amor (“Eu não sabia haurir do cálix da ventura / O néctar que nos vem dos mimos da mulher.”).
A segunda parte vai da décima à décima quarta quadra, na qual o sujeito poético como que se apercebe, com arrependimento, de que o tempo não pode voltar atrás e que nunca reaverá aquele amor (“Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas / Nos bancos de tijolo…”). Assim, recorre à autocrítica e confessa não ter compreendido a coerência do silêncio do amor passado (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, …”). Faz também uma menção ao facto de as memórias, as “Flores Velhas”, que naquele momento estavam a ressurgir, terem sido apagadas temporariamente (“E tudo enfim passou, passou como uma pena / Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais, …”).
Este desgosto faz com que recorde as características da amada, passando mesmo a sentir ilusoriamente a presença desta, o que acontece na terceira parte do poema, que vai da décima quinta à décima oitava quadra.
A quarta parte do poema estende-se desde a décima nona ao final do poema, onde o eu poético revela o seu desejo de morrer e ironiza, dizendo que quer que isso aconteça na véspera da morte da sua amada, para que esta morra de desgosto.
O contraste entre a cidade e o campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário Verde e revela-nos, por um lado, o seu amor ao rústico e ao natural e, por outro lado, uma certa renúncia à perversidade e aos valores urbanos a que, no entanto, adere.
Neste poema, também esta temática é abordada visto que a experiência recordada se passa num “jardinzinho agreste”, o que nos dá a impressão de ser um local isolado, afastado pela cidade, e para onde o sujeito poético e a amada fugiam quando pretendiam estar a sós. O facto de se chamar “desterro” a este jardim, indica que este era um local solitário, mas que permitia escapar ao confinamento da cidade.
Ao revisitar esse jardim, as memórias desse amor agudizaram-se porque o próprio jardim ainda não o tinha esquecido. Este amor só seria possível no campo, longe da cidade. Isto pode ser constatado através dos versos: “Eu trouxe do jardim duas saudades roxas, / E vim a meditar em quem me cerraria, / Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.”, em que se verifica que após abandonar o campo, o sujeito poético é invadido por pensamentos mórbidos, acabando a sua felicidade, que neste caso, se prendia com as recordações de um amor passado. A cidade é, então, sinónimo de ausência de amor e, portanto, de vida.
Este contraste entre campo e cidade, entre vida e morte, está em tudo relacionado com o facto de o poeta ter sido afastado do campo na sua infância e, depois, ter sido enfraquecido pela cidade, o que fez com que, quando voltava para o campo, encontrasse sempre a energia perdida.
Outra das temáticas de Cesário Verde abordadas neste poema é a imagética feminina, relacionada também com a temática anterior.
A mulher representada neste poema era do campo, sendo retratada como sendo frágil, de olhar “moroso e delicado” de “emoções mimosas”, de “alma ardente e pura”, “boa amiga”, “meiga amante” e uma “pálida mulher, de longo olhar piedoso”. Esta mulher tem, portanto, grandes qualidades, não pertencendo ao mundo da cidade, o que está de acordo com a imagem denegrida que Cesário Verde tem da cidade. Assim, a referida mulher é o sentido da vida do sujeito poético, sendo também a razão do seu desejo de morrer quando este regressa à cidade.
O “néctar”, referido na quinta estrofe, que, para além de ser um suco produzido pelas plantas, é a bebida dos deuses, segundo a mitologia, associado ao “cálix”, que, para além de ser uma estrutura situada abaixo das pétalas numa flor, é também um vaso sagrado, vai dar uma imagem de beleza e pureza à mulher campestre, mas também uma imagem mística e superior.
Em termos de correntes literárias, e como já foi referido, Cesário Verde enquadra-se no Parnasianismo, o que se pode verificar neste poema pelas muitas descrições, acompanhadas de uma rica percepção sensorial e de uma adjectivação abundante, rica e expressiva, que, no entanto, não deixam de ser objectivas, claras e concretas.
Obviamente que também existe uma dimensão subjectiva neste poema que decorre da transfiguração das descrições do jardim em outras descrições, nomeadamente da sua amada e do seu estado de espírito. Cesário Verde dá-nos uma ideia muito clara do jardim e depois faz com que vários pormenores desse mesmo jardim traduzam o seu estado psicológico (“E como na minha alma a luz era uma aurora…”) e sirvam também para descrever a sua amada (“Soberba como um sol, serena como um voo.”).
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Caneças, no concelho de Loures, a 25 de Fevereiro de 1855.
O seu pai era lavrador e comerciante, sendo proprietário de uma quinta nas imediações de Lisboa, em Linda-a-Pastora, e de uma loja de ferragens na baixa lisboeta, onde Cesário Verde chegou a trabalhar. Foi nestas actividades que repartiu a sua vida, fazendo do quotidiano o assunto da sua poesia. Desta forma, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais com os quais nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874, e onde travou conhecimento com figuras da vida literária, como Silva Pinto, que se tornou seu grande amigo e, após a sua morte, compilador da sua obra.
Para além de algumas viagens curtas a Paris e a Londres, a sua vida resumia-se aos caminhos percorridos entre Lisboa e Linda-a-Pastora, e são esses mesmos caminhos e as pessoas desses locais que Cesário Verde reproduz na sua obra.
Aquando da sua entrada para a Faculdade de Letras, estreou-se com várias poesias nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença, acolhidos com críticas quase sempre desfavoráveis. Em 1874, foi anunciada a edição de um livro de Cesário Verde, o que, no entanto, não aconteceu. Esta falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário, fizeram com que Cesário Verde deixasse de publicar em jornais.
Assim, a partir de 1879, Cesário Verde empenha-se cada vez mais no auxílio nas tarefas da loja de ferragens e da exploração da quinta. Em 1872, a sua irmã morre, seguindo-se, dez anos depois, o seu irmão, ambos de tuberculose. Foi esta a doença que viria a vitimar igualmente o poeta, a 19 de Julho de 1886, apesar das várias tentativas de convalescença.
Só em 1887 foi organizada, por iniciativa de Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas com o título de O Livro de Cesário Verde.
Correntes literárias influentes
Cesário Verde era, antes de mais, um realista que utilizou também o impressionismo nos seus poemas, já que materializa o abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e locais para traduzir estados psicológicos, dá espírito a objectos.
Além disso, Cesário Verde e as suas composições poéticas enquadram-se também no Parnasianismo que defende “a arte pela arte” e que foi iniciado em França no século XIX.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito através de poesias descritivas. É uma reacção contra o Romantismo, defendendo a objectividade em detrimento do sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da indisciplina da linguagem. È um retorno ao racionalismo e uma busca pela impessoalidade.
Através da junção do realismo, com o impressionismo e o Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se autênticas representações pictóricas da realidade devido à utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à perfeição formal.
Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista, clara, objectiva e concreta. Procura descrever o mundo com objectividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e partir para uma subjectividade sóbria.
Flores Velhas[1]
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um voo.
Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas;
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.
Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.
Diziam-me que tu, no flórido passado,
Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,
Aquele teu olhar moroso e delicado,
Que fala de langor e de emoções mimosas;…
E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,
Que não me desgostou nem uma vez sequer,
Eu não sabia haurir do cálix da ventura
O néctar que nos vem dos mimos da mulher.
Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,
Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;
As falas quase irmãs do vento com as flores
E a mole exalação das várzeas rescendentes.
Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas
No ninho de afeições criado para ti,
Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,
E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.
Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,
Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,
E sob aquele céu e sobre aquelas plantas
Bebemos o elixir das tardes perfumadas.
E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruído em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.
Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados...
Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.
E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!
Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!
Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,
A areia em que rangia a saia roçagante,
Que foi na minha vida o céu aurirrosado,
Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,
Que as ondas que formei das suas ilusões
Fizeram-me enganar na minha soledade
E as asas ir abrindo às minhas impressões.
Soltei com devoção lembranças inda escravas,
No espaço construí fantásticos castelos,
No tanque debrucei-me em que te debruçavas,
E onde o luar parava os raios amarelos.
Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,
Suster a minha fé, num véu consolador,
O teu divino olhar que as pedras amolece,
E há muito me prendeu nos cárceres do amor.
Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,
Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,
E imaginei ouvir ao conversar das aves
As célicas canções dos anjos teus irmãos.
E como na minha alma a luz era uma aurora,
A aragem ao passar parece que me trouxe
O som da tua voz, metálica, sonora,
E o teu perfume forte, o teu perfume doce.
Agonizava o Sol gostosa e lentamente,
Um sino que tangia, austero e com vagar,
Vestia de tristeza esta paixão veemente,
Esta doença enfim, que a morte há-de curar.
E quando me envolveu a noite, noite fria,
Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,
E vim a meditar em quem me cerraria,
Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.
Pois que, minha adorada, eu peço que não creias
Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;
Há tempos que não sinto o sangue pelas veias
E a campa talvez seja afável para mim.
Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,
Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,
E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,
Em breve te olharei calado e moribundo.
Mas quero só fugir das coisas e dos seres,
Só quero abandonar a vida triste e má
Na véspera do dia em que também morreres,
Morreres de pesar, por eu não viver já!
E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,
Com lágrimas regar as plantações ruins;
E esperarão por ti, naqueles alegretes,
As dálias a chorar nos braços dos jasmins!
Estrutura interna
Esta composição poética pode ser considerada uma elegia, já que exprime sentimentos tristes e dolorosos, em consequência da saudade provocada no eu poético por um amor passado. Este poema é um monólogo endereçado a uma mulher, Clarisse, que se encontra ausente. É apresentado um “jardinzinho agreste” onde o sujeito poético passou momentos de grande felicidade.
Podemos dividir o poema em três partes lógicas.
A primeira engloba as primeiras nove estrofes, onde o sujeito poético relembra a sua recente visita ao jardim, associando os elementos da Natureza à própria experiência amorosa que ali viveu (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem, / Traziam-me à memória idílios imortais…”). Também nesta parte se compreende um certo arrependimento do eu poético por não ter desfrutado devidamente daquele amor (“Eu não sabia haurir do cálix da ventura / O néctar que nos vem dos mimos da mulher.”).
A segunda parte vai da décima à décima quarta quadra, na qual o sujeito poético como que se apercebe, com arrependimento, de que o tempo não pode voltar atrás e que nunca reaverá aquele amor (“Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas / Nos bancos de tijolo…”). Assim, recorre à autocrítica e confessa não ter compreendido a coerência do silêncio do amor passado (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, …”). Faz também uma menção ao facto de as memórias, as “Flores Velhas”, que naquele momento estavam a ressurgir, terem sido apagadas temporariamente (“E tudo enfim passou, passou como uma pena / Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais, …”).
Este desgosto faz com que recorde as características da amada, passando mesmo a sentir ilusoriamente a presença desta, o que acontece na terceira parte do poema, que vai da décima quinta à décima oitava quadra.
A quarta parte do poema estende-se desde a décima nona ao final do poema, onde o eu poético revela o seu desejo de morrer e ironiza, dizendo que quer que isso aconteça na véspera da morte da sua amada, para que esta morra de desgosto.
O contraste entre a cidade e o campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário Verde e revela-nos, por um lado, o seu amor ao rústico e ao natural e, por outro lado, uma certa renúncia à perversidade e aos valores urbanos a que, no entanto, adere.
Neste poema, também esta temática é abordada visto que a experiência recordada se passa num “jardinzinho agreste”, o que nos dá a impressão de ser um local isolado, afastado pela cidade, e para onde o sujeito poético e a amada fugiam quando pretendiam estar a sós. O facto de se chamar “desterro” a este jardim, indica que este era um local solitário, mas que permitia escapar ao confinamento da cidade.
Ao revisitar esse jardim, as memórias desse amor agudizaram-se porque o próprio jardim ainda não o tinha esquecido. Este amor só seria possível no campo, longe da cidade. Isto pode ser constatado através dos versos: “Eu trouxe do jardim duas saudades roxas, / E vim a meditar em quem me cerraria, / Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.”, em que se verifica que após abandonar o campo, o sujeito poético é invadido por pensamentos mórbidos, acabando a sua felicidade, que neste caso, se prendia com as recordações de um amor passado. A cidade é, então, sinónimo de ausência de amor e, portanto, de vida.
Este contraste entre campo e cidade, entre vida e morte, está em tudo relacionado com o facto de o poeta ter sido afastado do campo na sua infância e, depois, ter sido enfraquecido pela cidade, o que fez com que, quando voltava para o campo, encontrasse sempre a energia perdida.
Outra das temáticas de Cesário Verde abordadas neste poema é a imagética feminina, relacionada também com a temática anterior.
A mulher representada neste poema era do campo, sendo retratada como sendo frágil, de olhar “moroso e delicado” de “emoções mimosas”, de “alma ardente e pura”, “boa amiga”, “meiga amante” e uma “pálida mulher, de longo olhar piedoso”. Esta mulher tem, portanto, grandes qualidades, não pertencendo ao mundo da cidade, o que está de acordo com a imagem denegrida que Cesário Verde tem da cidade. Assim, a referida mulher é o sentido da vida do sujeito poético, sendo também a razão do seu desejo de morrer quando este regressa à cidade.
O “néctar”, referido na quinta estrofe, que, para além de ser um suco produzido pelas plantas, é a bebida dos deuses, segundo a mitologia, associado ao “cálix”, que, para além de ser uma estrutura situada abaixo das pétalas numa flor, é também um vaso sagrado, vai dar uma imagem de beleza e pureza à mulher campestre, mas também uma imagem mística e superior.
Em termos de correntes literárias, e como já foi referido, Cesário Verde enquadra-se no Parnasianismo, o que se pode verificar neste poema pelas muitas descrições, acompanhadas de uma rica percepção sensorial e de uma adjectivação abundante, rica e expressiva, que, no entanto, não deixam de ser objectivas, claras e concretas.
Obviamente que também existe uma dimensão subjectiva neste poema que decorre da transfiguração das descrições do jardim em outras descrições, nomeadamente da sua amada e do seu estado de espírito. Cesário Verde dá-nos uma ideia muito clara do jardim e depois faz com que vários pormenores desse mesmo jardim traduzam o seu estado psicológico (“E como na minha alma a luz era uma aurora…”) e sirvam também para descrever a sua amada (“Soberba como um sol, serena como um voo.”).
Unidade forma – conteúdo
Neste poema de Cesário Verde, ao nível de linguagem, o registo é um misto de língua familiar e cuidada, pois, apesar de existir uma intimidade evidente com o “tu” ausente, existe uma certa preocupação na escolha do vocabulário, que é diversificado, e na construção gramatical (“A areia em que rangia a saia roçagante, / Que foi na minha vida o céu aurirrosado…”).
Relativamente ao vocabulário, pode dizer-se que há o emprego de vocábulos concretos, principalmente pertencentes ao campo lexical de jardim, como “abelha”, “alfazema”, “borboletas”, “rio”, “rosas” ou “néctar”.
Ao nível da pontuação, verifica-se que cada quadra engloba uma única frase. Isto permitia que pudesse tratar de determinado tema numa frase (numa quadra) e depois mudar para outro assunto. As frases acabam, na maior parte dos casos, com um ponto final, visto que este poema é descritivo, sendo maioritariamente constituído por frases declarativas. Contudo, existem também algumas exclamações a acompanhar interjeições (“Ah!”), que revelam, principalmente, o arrependimento do sujeito poético, e em invocações da amada (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”). As últimas duas estrofes terminam também com um ponto de exclamação de modo a que a conclusão do poema tenha um tom elevado e marcante.
Este poema é bastante rico em recursos expressivos. Os que são utilizados neste poema são:
- a adjectivação expressiva e abundante (“Os dedos de marfim, polidos e delgados...”), que está de acordo com o facto de ser um poema descritivo;
- a aliteração (“A areia em que rangia a saia roçagante / …aurirrosado”), que imprime uma maior musicalidade ao poema;
- a metáfora e a imagem (“…a lua nos beijou…”, “Nos bancos de tijolo em musgo atapetados…”);
- a sinestesia (“Por entre o riso claro…”, “Bebemos o elixir das tardes perfumadas.”);
- o assíndeto (“O som da tua voz, metálica, sonora…”);
- a enumeração (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem…”);
- a comparação (“Soberba como um sol, serena como um voo.”),
- o animismo (“Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,…”);
- a apóstrofe (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”),
- a hipálage (“… às horas sonolentas…”);
- a ironia (“Na véspera do dia em que também morreres, / Morreres de pesar, por eu não viver já!”), que serve para interromper o sentimentalismo;
- a repetição (“E o teu perfume forte, o teu perfume doce.”, “Falou-me tudo, tudo…”);
- o hipérbato (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, / Eu sinto as decepções e os grandes desalentos…”);
- o diminutivo (“jardinzinho”), revelando ternura;
- o polissíndeto (“…e as vozes das crianças, / E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.”);
- a hipérbole (“…dedos de marfim…”);
- o eufemismo (“Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim…”);
- a personificação (“As dálias a chorar nos braços dos jasmins!");
- a exclamação (“Morreres de pesar, por eu não viver já!”).
Estrutura externa
O poema é composto por vinte e quatro estrofes que são quadras (cada uma tem quatro versos). As estrofes são constituídas por versos alexandrinos (de doze sílabas), como se pode depreender através da seguinte análise do verso:“A / go / ni / za / va o / Sol / gos / to / sa e / len / ta / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Um / si / no / que / tan / gia, / aus / te / ro e / com / va / gar, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Ves / tia / de / tris / te / za es / ta / pai / xão / ve / e / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Es / ta / doen / ça en / fim, / que a / mor / te / há / -de / cu / rar” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
O esquema rimático é /ABAB/ em cada estrofe, repetindo-se esta sequência ao longo de todo o poema, havendo portanto rima cruzada.
A rima é, na sua maioria, consoante visto que existe uma correspondência total de sons a partir da última vogal tónica de cada um dos versos que rimam (pena / amena, vendavais / mais). Existem, no entanto, excepções em que a rima é toante, havendo correspondência na vogal tónica mas não sendo a rima total a partir daí (beijou / voo, ti / nutri).
Ainda em termos de rima, e analisando as estrofes no seu conjunto, pode-se dizer que existe uma predominância não muito significativa da rima rica (escravas / debruçavas, castelos / amarelos, prece / amolece, consolador / amor…) sobre a rima pobre (santas / plantas, inspiradas / perfumadas, desterro / enterro, atapetados / delgados…).
Ó áridas Messalinas, [1]
Ó áridas Messalinas
não entreis no santuário,
transformareis em ruínas
o meu imenso sacrário!
Oh! A deusa das doçuras,
a mulher! eu a contemplo!
Vós tendes almas impuras,
não me profaneis o templo!
A mulher é ser sublime,
é conjunto de carinhos,
ela não propaga o crime,
em sentimentos mesquinhos.
Vós sois umas vis afrontas,
que nos dão falsos prazeres,
não sei se sois más se tontas,
mas sei que não sois mulheres!
Estrutura interna
É conveniente, antes de tudo, esclarecer o que é uma Messalina, já que é uma palavra bastante relevante para a compreensão de todo o poema.
No Império Romano, existiu uma imperatriz, Valéria Messalina, mulher do imperador Cláudio, que ficou famosa pela sua crueldade e pela sua vida libertina, devassa e promíscua, acabando por ser executada por ordem do marido. Deste facto histórico, surge a palavra “messalina”, utilizada, num sentido figurado, para referenciar alguma mulher que leve uma vida como a de Valéria Messalina.
Muito claramente, os temas deste poema são o amor e a sedução, tendo a mulher por objecto. O sujeito lírico faz uma crítica às mulheres que levam uma vida devassa, pedindo para que não o seduzam.
Esta composição poética pode ser dividida em três porções lógicas.
A primeira porção é a primeira quadra, onde o eu poético pede às “áridas Messalinas”, ou seja, às mulheres depravadas e desprovidas de interesse, para que não invadam o “santuário”, referindo-se à sua vida regrada, cuja integridade seria posta em causa caso fosse seduzido por elas.
A segunda parte lógica do poema são a segunda e terceira estrofe onde o sujeito poético solta frases de veneração e descreve o seu conceito de mulher. Assim, para ele, a mulher seria um ser puro, “sublime”, que não transforma o amor num sentimento desprezível.
Na terceira parte do poema, ou seja, na quarta e última estrofe, o sujeito poético utiliza a definição de mulher que apresentou na segunda parte do poema para a comparar com as Messalinas, dizendo que estas, ao contrário das “mulheres”, são falsas, impuras, e que, portanto, não podem ser consideradas mulheres, apesar de o eu poético não saber se a vida que levam se deve à sua falta de juízo ou à sua crueldade.
As temáticas de Cesário Verde mais evidentes neste poema são o símbolo da mulher e a humilhação sentimental.
É apresentada a Messalina, a mulher fatal que desperta o desejo do eu lírico mas que o arrasta também para a morte, num sentido figurado (“…transformareis em ruínas / o meu imenso sacrário!”). Esta faz parte de um dos principais contrastes que Cesário faz ao longo de toda a sua obra, o “mulher fatal / mulher angélica”, estando, normalmente, a primeira estreitamente relacionada com a cidade, e a segunda com o campo. Assim, as mulheres citadinas, como as Messalinas, eram frias, opressoras e artificiais, símbolo do desenvolvimento urbano. Além disso, também surge a mulher objecto, vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico.
Também neste poema é tratada a humilhação afectiva visto que a mulher fatal, bela, artificial, poderosa e desumana faz com que o sujeito poético a deseje e a receie, levando a que este se sinta humilhado e seja compelido a controlar os seus impulsos amorosos.
A nível de correntes literárias influentes, percebe-se que mais uma vez está presente o Parnasianismo visto que este poema não tem muito de subjectivo, é muito directo e os termos utilizados são bastante fáceis de entender, recorrendo somente à transfiguração da realidade. Não são apresentados quaisquer ideais, mas coisas que são observadas a cada instante, o que é exemplo do carácter impessoal das composições parnasianas.
Este poema foi escrito em 1873, período em que Cesário Verde elaborou bastantes poemas que têm o amor e a mulher por temas. Nesta altura, Cesário Verde era ainda um adolescente, tinha 18 anos, mas a cidade e o campo constituíam já duas facetas da sua vida.
Assim, Cesário Verde produziu poemas que falavam do campo como representante de um amor vivido no passado (como em “Flores Velhas”) ou de um amor idílico, e que falavam da cidade como símbolo do erotismo e da sedução, que, como já foi analisado neste poema, o eu poético não considera sinónimos de verdadeiro amor, mas antes “sentimentos mesquinhos”. Neste poema, particularmente, é feita, em tom jocoso, uma dessacralização da mulher da cidade, pela qual terá tido alguns amores durante a sua adolescência.
Unidade forma – conteúdo
Nesta composição poética o vocabulário é predominantemente concreto e relaciona-se sobretudo com a religião (”templo”, “sacrário”, “santuário”, “deusa”).
São utilizados bastantes pontos de exclamação ao longo do poema que são usados em frases imperativas (“…não me profaneis o templo!”), em conjunto com interjeições (“Oh!”) e também para exprimir admiração, respeito, devoção (neste caso, à mulher pura, “Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”) e aversão (“…mas sei que não sois mulheres!”).
Pode encontrar-se um único ponto final, no final da terceira quadra, já que esta é a estrofe em que se procede à descrição da mulher angélica.
Neste poema, os recursos estético-estilísticos existentes são:
- a apóstrofe (“Ó áridas Messalinas…”);
- a metáfora (“…o meu imenso sacrário!”);
- a aliteração, (“…não sei se sois más se tontas, / mas sei que não sois mulheres!”);
- o hipérbato (“Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”);
- a hipérbole (“…transformareis em ruínas…);
- a sinédoque (“A mulher… é conjunto de carinhos…”);
- a exclamação (…não me profaneis o templo!”, “…mas sei que não sois mulheres!”), que serve para intensificar a emoção.
A linguagem utilizada é predominantemente informal, existindo, no entanto, uma selecção cuidada de vocabulário. A linguagem é prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.
Estrutura externa
A composição poética é constituída por quatro estrofes (quadras), sendo estas constituídas por versos de sete sílabas, como se verifica pela seguinte análise de versos:
“A / mu / lher / é / ser / su / bli / me, 1 2 3 4 5 6 7é / con / jun / to / de / ca / ri / nhos,1 2 3 4 5 6 7e / la / não / pro / pa / ga o / cri / me,1 2 3 4 5 6 7 em / sen / ti / men / tos / mes / qui / nhos.” 1 2 3 4 5 6 7
O esquema rimático é //ABAB/CDCD/EFEF/GHGH//, sendo a rima cruzada.
O esquema rimático é //ABAB/CDCD/EFEF/GHGH//, sendo a rima cruzada.
As rimas pobres (Messalinas / ruínas, santuário / sacrário, afrontas / tontas, prazeres / mulheres) e as rimas ricas (doçuras / impuras, contemplo / templo, sublime / crime, carinhos / mesquinhos) existem em igual quantidade. Verifica-se que as rimas pobres se encontram na primeira e na última estrofe e as rimas ricas se encontram nas outras duas estrofes.
As rimas são todas consoantes, à excepção de prazeres / mulheres.
Manias![1]
O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
Estrutura interna
Este poema, tal como o já analisado “Ó áridas Messalinas”, tem como temas o amor e a mulher. O eu poético conta a história de um sujeito que conhecia que era amante de uma mulher que, apesar de possuir mau aspecto, era prepotente e exercia sobre ele uma grande influência.
Este poema, um soneto italiano, pode ser dividido em três partes lógicas.
A primeira parte é a primeira quadra, na qual o sujeito lírico faz uma pequena introdução, dando a sua opinião sobre o mundo e a vida. Faz um contraste um pouco lúgubre entre a tragédia e a comédia de que é feita a sociedade. Se, por um lado, existem as pessoas excessivamente preocupadas que encaram a vida como se fosse uma desgraça descomedida (“O mundo é velha cena ensanguentada…”), por outro lado, existem os que levam, ridiculamente, a vida de uma forma irreflectida (“A vida é chula farsa assobiada.”).
Daí parte para a segunda parte lógica do poema, iniciando o relato da história de um rapaz já falecido (“…hoje uma ossada…”), a qual serve de suporte para a sua visão jocosamente negra do mundo, já que trata do amor deste rapaz para com uma mulher muito pretensiosa e que exercia no rapaz uma influência tal que este se mostrava receosamente obediente (“…o dengue, em atitude receosa…”).
Na terceira parte do soneto (última estrofe), dá-se a apresentação da ideia principal, ao que se chama “fechar com chave de ouro”. O sujeito poético critica, de modo trocista, a submissão daquele rapaz perante aquela mulher, evidenciando a devoção a Deus por parte da mulher (“…que a amante ia ouvir missa!”) e a devoção àquela mulher por parte do rapaz (“…sujeição canina mais submissa…”).
As temáticas mais significativas abordadas por Cesário Verde neste poema são a humilhação sentimental e a imagética feminina.
O rapaz de quem se fala no poema é, então, o símbolo da humilhação sentimental, já que é totalmente dominado pela mulher que ama, apesar de esta ter mau aspecto (“esquálida e chagada”) e ser mais velha que este (“…já rugosa…”), o que acentua ainda mais o vexame deste rapaz.
Tal como em “Flores Velhas” e em “Ó áridas Messalinas”, também esta composição poética se refere a uma mulher, que, neste caso, é uma mulher fria, perversa, altiva, poderosa, que só deve explicações a Deus (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”), vaidosa, afectada e egocêntrica (“…cheia de jactância quixotesca.”), talvez de meia-idade (“…a deia já rugosa…”). Esta imagem da mulher é o símbolo da artificialidade citadina. Desta forma, mais uma vez a cidade está presente no poema na forma de mulher que serve para retratar os valores decadentes e a violência social.
Mais uma vez o Parnasianismo se encontra presente como corrente literária influente. Recorre-se bastantes vezes à descrição, (nomeadamente do rapaz, da mulher e do mundo), usando vocábulos concretos e claros. Está presente uma clara busca pela perfeição que se denota pela constante recorrência a vocabulário e a recursos estético-estilísticos que permitam uma maior expressividade. Existe também uma despersonalização da poesia, muito pelo facto de a história ser narrada na terceira pessoa. Além disto, tudo é descrito conforme realmente acontece.
Este poema é do mesmo período de “Ó áridas Messalinas”, tempo em que Cesário Verde se dedicou a elaborar poemas cujos temas eram o amor e a mulher. Na maior parte dos casos, estas composições poéticas são de tom satírico, que é o caso de “Manias!”. Isto é claramente evidenciado pela ironia presente no próprio título do poema.
A envolvência de Cesário neste poema é evidente, visto que existe não só a presença da cidade como elemento negativo, mas também da mulher como causa de humilhação, o que explica o facto de nesta altura, 1874, Cesário Verde ser um jovem cuja mentalidade era, em parte, influenciada pelo generalizado fascínio exercido pela mulher fatal e poderosa na sensibilidade do tempo. Este aspecto está também presente em “Ó áridas Messalinas”.
Unidade forma – conteúdo
O vocabulário utilizado neste poema é bastante variado e um pouco complicado já que não faz parte da linguagem geralmente usada no nosso quotidiano (“jactância”, “picaresca”, “pedantesca”, “quixotesca”, “deia”, “dengue”).
Relativamente à pontuação, pode-se verificar que, como cada uma das quadras encerra uma frase, os versos destas terminam com uma vírgula ou com ponto e vírgula, excepto o último verso que termina com ponto final, dando assim um término à frase. Também cada um dos versos dos tercetos encerra com uma vírgula, já que os dois tercetos englobam uma única frase, à excepção do último verso que encerra com o único ponto de exclamação do poema, já que este é o verso que revela de forma mais clara a ironia inerente ao texto.
Também se verifica o emprego do hífen na segunda quadra (“…-hoje uma ossada - …”) que tem como função a introdução de um pequeno à parte que nos dá uma informação suplementar.
Comparando “Manias!” com os outros dois poemas anteriormente analisados pode-se constatar que, no que diz respeito à linguagem, este poema é mais complexo do que os outros dois, o que é devido, em grande parte, aos vocábulos pouco usuais, como já foi referido. Assim, pode-se dizer que a linguagem é cuidada. No entanto, a construção sintáctica das frases é simples.
As principais figuras de estilo utilizadas são:
- a metáfora (“Na sujeição canina mais submissa…”);
- a adjectivação expressiva e abundante (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a hipálage (“Levava na tremente mão nervosa…”);
- a enumeração (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a ironia (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”);
- o assíndeto (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- a imagem (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- o disfemismo (“…hoje uma ossada…”);
- a exclamação (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”).
Estrutura externa
Este poema é um soneto italiano, sendo constituído por duas quadras e dois tercetos. Possui, portanto, catorze versos, que são de dez sílabas, o que se pode confirmar pela seguinte análise:
“O / mun / do é / ve / lha / ce / na en / san / guen / ta / da, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Co / ber / ta / de / re / men / dos, / pi / ca / res / ca; 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10A / vi / da é / chu / la / far / sa a / sso / bi / a / da,1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Ou / sel / va / gem / tra / gé / dia / ro / ma / nes / ca.” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
O esquema rimático do soneto é//ABAB/ABAB/CDC/DCD//, pelo que existe rima cruzada. Todas as rimas são consoantes porque existe sempre correspondência de sons a partir da última vogal tónica.
A maior parte das rimas são pobres (picaresca / romanesca, rugosa / receosa, pedantesca / quixotesca, receosa / nervosa), existindo algumas rimas ricas (ossada / chagada, preguiça / submissa, submissa / missa).
Conclusão
Cores, formas, luz. São estas as impressões que se retêm em mente após esta leitura e análise de três dos vários poemas elaborados por Cesário Verde. Ou pelo menos é isso que espero que tenha acontecido aos leitores deste trabalho de exploração.
A forma como estes poemas foram elaborados, que parecem autênticas “pinturas em prosa”, permite uma boa compreensão das paisagens e dos episódios que o poeta nos pretendeu comunicar.
“Flores Velhas”, “Ó áridas Messalinas” e “Manias!” são bons e importantes exemplos das temáticas tratadas por Cesário ao longo da sua (curta) carreira poética, nomeadamente a mulher, a humilhação sentimental e, ainda, o sempre presente binómio cidade/campo. Existem ainda outras, como a questão social e a humilhação estética, que não foram abordadas nestes poemas, o que não deixa de ser um incentivo para uma leitura mais extensa da obra completa de Cesário Verde.
Assim, espero que este trabalho tenha conseguido alcançar os objectivos inicialmente propostos. Espero que tenha contribuído para um maior conhecimento acerca da obra e vida de Cesário Verde, no geral, e para uma melhor compreensão das três obras analisadas, em particular.
Em suma, é do meu desejo que deste trabalho possam ser colhidos dividendos positivos, como o despertar da curiosidade acerca da obra deste autor e o melhor entendimento relativamente às suas ideias, temáticas e formas de expressão.
Bibliografia
AAVV (2004). Diciopédia 2005, Porto: Porto Editora Multimédia.
Borregana, António Afonso (1995). O Texto em Análise, 5ª Edição, Lisboa: Texto Editora.
Macedo, Helder (1999). Nós. Uma leitura de Cesário Verde, 4ª Edição, Lisboa: Presença.
Pinto, José Manuel de Castro e Maria do Céu Vieira Lopes (2002). Gramática do Português Moderno, Lisboa: Plátano Editora.
Rodrigues, Fátima (1998). Cesário Verde: Recepção oitocentista e poética, Lisboa: Edições Cosmos.
Verde, Cesário (1987). O Livro de Cesário Verde, Aveiro: Livraria Estante Editora.
Veríssimo, Artur (2004). Ser em Português 11, Porto: Areal Editores.
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