quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Eça de Queiroz

José Maria Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim a 25 de Novembro de 1845 e morreu em Paris, no ano de 1900. É considerado a figura mais importante do romance português. Formou-se em direito, em Coimbra. Em 1869 assistiu à inauguração do canal de Suez e viajou no Oriente. Quando regressou decidiu entrar no Corpo Diplomático. Em 1873 é nomeado consul em Cuba e daí segue para Inglaterra (1874/78). O seu último cargo é em Paris.


A sua obra é vasta e dela se destaca:

1866- artigos e relatos breves na Gazeta de Portugal que deram origem às Prosas Bárbaras.

1874- Singularidades de uma rapariga loira - Conto

1870- O Mistério da Estrada de Sintra - Romance Policial escrito conjuntamente com Ramalho Ortigão.

1875- O Crime do Padre Amaro

1878- O Primo Basílio

1880- O Mandarim

1887- A Relíquia

1888- Os Maias

1891- O Suave Milagre

1900- A Ilustre Casa de Ramires

- Correspondência de Fradique Mendes

1901- A Cidade e as Serras

Antero de Quental

ESPIRITUALISMO I




Como um vento de morte e de ruína,

A Dúvida soprou sobre o Universo.

Fez-se de noite de súbito, imerso

O mundo em densa e álgida neblina.



Nem astro já reluz, nem ave trina,

Nem flor sorri no seu aéreo berço

Um veneno subtil, vago, disperso,

Empeçonhou a criação divina.



E, no meio da noite monstruosa,

Do silêncio glacial, que paira e estende

o seu sudário, donde a noite pende,



Só uma flor humilde, misteriosa

Como um vago protesto da existência,

Desabrocha no fundo da Consciência.



II



Dorme, entre os gelos, flor imaculada

Luta, pedindo um último clarão

Aos sóis que ruem pela imensidão,

Arrastando uma Auréola apagada...



Em vão! Do abismo a boca escancarada

Chama por ti na gélida amplidão...

Sobe do poço eterno, em turbilhão,

A treva primitiva conglobada...



Tu morrerás também. Um ai supremo,

Na noite universal que envolve o mundo,

Há-de ecoar, e teu perfume extremo



No vácuo eterno se esvairá disperso

Como o alento final dum moribundo

Como o último suspiro do Universo.



O POETA

Antero propõe-se inaugurar na literatura portuguesa uma poesia nova que se inspire em ideias filosóficas, ideais éticos e emoções religiosas. Considera a idealidade e a realidade como próprias da verdadeira poesia. É o antagonismo entre luz e trevas que domina na imaginação de Antero. A luz aparece relacionada com o Divino e o Sublime, a Verdade e a Beleza, a Fé e a Ideia, o Amor puro e o Pensamento puro, a Liberdade e o Heroísmo, mas também com a inquietude de ânsias febris, lutas absurdas e torturantes, revelações aniquiladoras e inexoráveis; a escuridão aparece relacionada com o terrestre e a imperfeição, a ilusão e a aparência, a descrença e a incerteza, a dúvida e a angústia, o abismo e o vácuo, mas também com o sossego e o esquecimento, a harmonia e a paz do Nirvana, do Não-Ser da Morte que, oposto ao ser inquieto, perturbador da vida, apenas aparente, ilusória e dolorosamente desenganadora, é o Ser absoluto imóvel e imutável.


CICLOS:

1º Ciclo (1860-1862)

Perturbação, incerteza, inquietude, abandono, perda de fé, busca de novas verdades.

2ºCiclo (1862-1866)

O homem e a Criação ficam unidos, a separação lembra a transitoriedade das coisas colocando o não-amado e aquele que não ama fora da harmonia natural.

3ºCiclo (1864-1874)

Devoção religiosa, cede à consciência de que o céu não abriga nenhuma divindade e à intuição de que não se trata de procurar Deus ou de acreditar nele, mas que se impõe conhecer a Verdade. Culto da luz e da claridade. A Ideia, a Verdade, o Bem a Essência só se revelam na Consciência Humana. Passa a envolver-se na luta por ideias e ideais.

4ºCiclo (1874-1880)

“A força da inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos (...) puseram-me face ao problema da existência. A minha vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível”.”A voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo...”. Achei que o misticismo, sendo o desnvolvimento psicológico, deve corresponder à essência mais funda das coisas”. “O pessimismo não é um ponto de chegada mas sim um caminho”. “O pessimismo é a redução ao absurdo do Naturalismo e das ilusões”. “A realidade visível não passa de mera ilusão, a realidade é mera aparência e só existe verdadeiramente como símbolo e veículo da vida moral”.

5ºCiclo (1880-1884)

Reflexo do triunfo sobre o pessimismo e da metamorfose religiosa. No Não-Ser reconhece-se o Ser absoluto. A transitoriedade das coisas deixa de ser motivo de desespero. Conhecê-la é penetrar na própria essência dos fenómenos e descobrir a verdadeira realidade do mundo moral, os limites que o mundo natural impõe e a liberdade que o mundo moral concede. A vida e a morte já não inspiram horror.


A OBRA:

1. MISSÃO SOCIAL DA POESIA /Apostolado Social

“A um poeta” (3ºciclo)

Os poetas têm em si a verdadeira essência mas estão adormecidos em relação ao que se passa à sua volta (atitude romântica). Faz-se por isso um apelo para que os poetas cantem a vida (o sol) e não a morte (larvas tumulares) e que façam da sua voz a voz das multidões (atitude realista). Esta atitude conduzirá a uma criação pura e à verdadeira poesia. Esta será uma forma de combate (missão social) e a palavra será uma arma, o poeta “soldado do futuro”.


“Hino à razão” (3ºCiclo)

A Liberdade é o que se procura como fim “entre clarões”. Para o conseguir é necessário Amor e Justiça. A atracção pela Liberdade que se apresenta como auto-determinação do ser não invalida a liberdade humana condicionada. A “alma livre” é condicionada pela Razão mas é pela Razão que as nações buscam a Liberdade como fim último. Amor, Justiça e Liberdade são três valores indispensáveis. Ao tornar a Razão irmã do Amor e da Justiça o poeta revela-se preocupado em harmonizar os conceitos. Cabe à Razão levar o homem a saber que só o Amor e a Justiça podem criar a harmonia e conduzir à Liberdade.


“Tese e Antítese I e II” (3ºciclo)

A nova Ideia (deusa furiosa) é a inteligência que comanda a força ou a Razão e que possui por isso uma força revolucionária e transformadora, uma força universal imparável. A nova Ideia é toda a força de transformação que existe no homem e nas sociedades e que é responsável por todas as revoluções. O pensamento é “fogo” ( logo revolução) e “luz” (Verdade e Justiça). O homem deverá mudar a sua atitude estática (“combatei pois...”


2. ANTÍTESE ESPIRITUALISMO E LIBERDADE/ MECANISMO E DETERMINISMO

“Evolução” (5ºciclo)

O homem evolui desde o estado primitivo (granito- elemento composto mas facilmente degradável- passando por tronco ou ramo que irrompe mesmo quando se fere), passa pelo estado animalesco (fera ou monstro primitivo) limitando-se a rugir e a buscar abrigo até que se torna um homem (hoje). Nesse momento descobre a “escada multiforme” (a própria vida com seus contornos), que conduz ao vácuo e à morte, se nos limitarmos a olhar para o fundo. Mas se olharmos para o alto, para o infinito surgem emoções (“às vezes choro”) e conseguimos finalmente sonhar com a liberdade porque o infinito é tudo aquilo que está para além do homem e a liberdade é o fim a que se aspira. Tal como a evolução biológica humana passou por várias fases, assim o homem e a sua espiritualidade são caminhos a percorrer.


“Espiritualismo I e II ” - (4ºciclo)

(Se a consciência é livre, o determinismo implica que, todavia, ela é sempre histórica e está condenada a desaparecer)


3.ANGÚSTIA EXISTENCIAL (pessimismo)


“O Palácio da Ventura” (2ºCiclo)

(nunca se encontra o que se espera, a felicidade é algo de inatingível, ou seja, a busca do absoluto conduz ao vazio e à morte)- A histórica jornada transcende o plano individual: o drama é eterno e universal e o Vagabundo e o Deserdado é o homem ansioso e eternamente infeliz. Na vida há miragens (o palácio que se desenha na sua pompa aérea), há lutas e entusiasmos (cavalgada numa amplidão sem fim), desânimos (espada quebrada e armadura rota) e decepções (silêncio e escuridão).


“Despondency”- (2ºciclo)


“Sonho Oriental”- (2ºCiclo)


4. DESEJO DE EVASÃO

Nirvana” (4ºciclo)

“Na mão de Deus “- (5ºciclo)

(identificação do “eu” com o mundo imperfeito, o mundo real e de injustiça, e a identificação da Ideia, da perfeição, com Deus, embora seja um Deus vago e panteísta. A Virgem é referida como a ligação maternal entre o homem (mundo imperfeito) e Deus (mundo da perfeição).


BEATRICE (Último soneto do 1ºciclo)


Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,

Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;

Depois que vi descer, baixar no céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:



Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:



Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contem...



Não temas pois- Oh vem! o céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

Amor de Perdição

Novela de paixão amorosa, talvez a mais intensa e profunda que se escreveu na Peninsula Ibérica.

Duas famílias nobres, moradoras em Viseu, os Albuquerques e os Botelhos, odeiam-se por causa dum litígio em que o juiz Domingos Botelho deu aos primeiros uma sentença desfavorável. Mas Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, ainda na adolescência apaixonam-se. Teresa estava prometida a Baltasar Coutinho, seu primo, que despeitado, leva o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, a encerrá-la no convento de Monchique, no Porto. Simão espera-os à saída de Viseu, luta com Baltasar e, enfurecido pela insolência do rival, mata-o a tiro, entregando-se à justiça. Condenado à forca, a sentença é comutada, por diligência de Domingos Botelho. Simão é transferido para a cadeia da Relação do Porto, e deverá ser degradado para a India. Entretanto, minada pela desgraça, Teresa encontra-se moribunda. Quando parte a nau dos condenados, Simão ainda a vê dizer-lhe adeus do mirante do convento, mas, devido ao mau tempo, a nau pára em frente de Sobreiras, e Simão, horas depois, sabe da morte da amada. Ao décimo dia de viagem, morre também. Na novela há ainda um amor infeliz e sublime: o de Mariana, filha do ferrador João da Cruz. Abnegada e sem esperança, serve de intermediária entre Simão e Teresa, e sozinha no mundo, após o assassínio do seu pai, acompanha Simão ao exílio. Quando este morre suicida-se.


Simão- Belo, moço, desempenado e viril, caracteriza-se a princípio como um génio turbulento, que o leva a desdenhar dos pergaminhos da família e a conviver com os desordeiros de Viseu, gentalha da plebe. Mas, o amor por Teresa transfigura-o a ponto de vir a encarnar um ideal humano. Conservando um feitio colérico, revoltado e indomável, Simão revela, no decorrer da história, nobreza de carácter que transparece, por exemplo, no modo como censura João da Cruz, quando este mata um criado, já ferido, de Baltasar Coutinho, ou ainda na constante ingratidão que devota ao ferrador e a Mariana. Por lealdade, após matar Baltasar, entrega-se à justiça e confessa no tribunal a causa do crime. Por altivez e nobreza, recusa os favores tardios do pai, rejeitando a graça de poder cumprir a pena em Vila Real, preferindo o degredo. Este homem de ferro, impávido nos momentos decisivos e obstinado na desgraça, suscita a admiração num desembargador: “Há grandeza neste homem de dezoito anos, Senhor Albuquerque”. Camilo identificou-se com o herói e fez dele um grande poeta amoroso, um grande romântico sobretudo nas cartas de amor que envia a Teresa e nas quais desabafa ressentimentos, ódios e a nostalgia de sonhos impossíveis.

Teresa é a grande heroína, “uma menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem nascida. Possuía uma grande força de carácter, um orgulho fortalecido pelo amor, e um pouco de astúcia. Encarna a paixão amorosa pura e obstinada. É uma figura consumida, estática por trás da janela do convento, vítima insubmissa dos homens e do Destino, de olhos postos na justiça do céu, na justiça divina.


A obra é pois um conflito entre o amor e os preconceitos de pais inflexíveis, desumanos no seu orgulho. Um caso de rivalidade que, gerando o ódio e a vingança, conduz ao crime. Um exemplo romântico do poder transfigurante do amor. Desordeiro, dado às piores companhias, Simão torna-se um homem digno, com uma sensibilidade de poeta. Simão sabe-se marcado por um destino, luta sem esperança, recusa complacências, avança com altivez para o abismo, cumpre-se como herói, daí o sentido trágico da novela.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Num bairro moderno
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se os nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.
Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas
,E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.
Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhando, a sua giga.
E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esgadelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.
Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais". E muito descansado,
Atira um cobre ignóbil, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
Subitamente- que visão de artista
-Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma e outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.
E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.
As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos.E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como dalguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vivida, escarlate,
Bons corações, pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros nas cenouras.
O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!"...
Eu acerquei-me dela sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantámos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.
"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.
E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre afasta-se, ao calor de Agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e como o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.
Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada!
-Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.
E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.
E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.



Em Cesário Verde, poeta português da segunda metade do século XIX, a originalidade transborda de uma plasticidade capaz de traduzir uma realidade em processo de transformação. O quotidiano dilata- se aos olhos do poeta e ele captura o instante, observa alguma cena, aparentemente banal, e transmite a inconstância e mutabilidade do mundo em uma poética repleta de cores, movimento, imagens. Na extrema visualidade de sua obra, podemos encontrar associações ao pictórico, sobretudo impressionista, ao fotográfico e ao cinematográfico: o anacronismo permite entrever o aspecto inovador de sua linguagem e compreender a estrutura extremamente eficiente na reconstrução do mundo exterior em seu carácter dinâmico e multifacetado.
Apresentaremos agora, a análise de um dos poemas mais interessantes desse autor lisboeta: escrito em 1877, é considerado um dos mais importantes de sua poética.

Em "Num Bairro Moderno", logo no primeiro verso temos a demarcação do instante, dez horas da manhã; em seguida, o cenário é apresentado: o bairro com ares de modernidade entrevistos na "larga rua macadamizada". O tempo e o espaço são determinados em uma espécie de enquadramento, como se um pintor acabasse de escolher o lugar e a hora do dia para registar com sua paleta. Vejamos:
Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se os nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada. Rez-de-chausée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama dos papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas. Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexiaA comparação da composição poética cesarina ao pictórico impressionista assume nessesversos carácter marcante: cores claras e transparências luminosas surgem na construção do quadro matutino. É curiosa a maneira de conduzir nosso olhar afunilando a imagem e concentrando a sensação, explicando melhor, é partindo do mais externo e abrangente (a larga rua), para o mais específico e restrito, (o lar, e, por fim, o indivíduo) que relata a morosidade, o tédio e apatia. Na terceira estrofe o aparente contraste das "tonturas duma apoplexia" do caminhante com o "conchego saudável" ao redor constituem uma ironia, ele desce "sem muita pressa" para o "emprego" (notem, ele desce para o "emprego", não para um trabalho) seguindo com a mesma lentidão da vida ao redor. Estamos diante de um representante do bairro moderno onde a burguesia reside. E o mal-estar do transeunte provém justamente da ausência de vitalidade percebida. O desconforto do narrador é o desconforto do burguês entediado com sua condição, e, ao mesmo tempo, acentua o clima de doentia e fraqueza entrevistos no movimento mórbido, no repouso sossegado das casas, no vagar com que se abrem as persianas. O segundo momento do poema é o surgimento da personagem feminina; sua aparição marca o princípio do processo de transformação que resultará em uma epifania:
E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho de horta aglomerada, Pousara, ajoelhando, a sua giga.·E eu, apesar do sol, examinei-a: Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esgadelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos.·Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais". E muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.
A "rapariga" destoa completamente do ambiente onde se encontra: é maltrapilha; não possui o brilho reluzente que "fere a vista com brancuras quentes"; é pequenina no meio de uma rua larga; é azafamada; tem a pressa dos trabalhadores que precisam conseguir seu sustento. É através de uma linguagem descritiva e precisa na qual os adjectivos são, quase sempre, qualidades visuais que o poeta constrói ideias e impressões. Assim, ao mostrar o algodão azul da meia abrir no esforço da regateira em se manter de pé enquanto ajoelha a giga, consegue transmitir a dimensão da pobreza e da fragilidade dessa mulher. A indiferença das classes mais privilegiadas diante dos desfavorecidos aparece na figura do criado atirando um cobre "lívido, oxidado": a escolha de uma personagem inserida no contexto burguês como um serviçal dissipa qualquer possibilidade maniqueísta. Cesário critica a afasia predominante no espaço dos privilegiados, mas que perpassa todos provincianos opulentos, as matronas cansadas que colocam os rostos gordos na janela à espera de acontecimento para comentar, uma turba de católicos com suas expressões langorosas de mártires, enfim, uma legião de lisboetas mais ou muito menos abastados, como o criado "muito descansado": apesar de sua posição social não acumular benefícios, reflecte a insensibilidade do universo de que participa. Mas a vendedeira curvada ao peso de sua canastra traz consigo "a horta aglomerada" e suas emanações de saúde e vitalidade.
Subitamente - que visão de artista!- Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de belas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma e outra campainha Toca, frenética, de vez em quando.
·E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados.
Subitamente - que visão de artista! É o clímax dessa narrativa poética. Uma verdadeira epifania: o vislumbrar de um novo ser - a banalidade é convertida em encantamento modificando o estado de espírito do narrador e o próprio ambiente. Processo semelhante ocorre no poema "A Débil", é a partir de uma visão transfiguradora que a realidade ganha o ânimo, a força, o entusiasmo. Até mesmo a expressão "visão de artista" pode ser comparada à "vista de poeta" capaz de fazer enxergar na figura feminina "uma pombinha tímida e quieta" e na multidão "um bando ameaçador de corvos pretos". Mas deixemos de lado, por ora, a comparação entre os dois poemas (que renderia boas páginas) e continuemos dentro do bairro moderno onde, agora, o ritmo adquiriu um excesso de rapidez: as imagens esboçam sucessivas, aparecem "aromas, fumos de cozinha", de repente, há um corte e vemos outra cena: "Com o cabaz às costas e vergando/ Sobem padeiros, claros de farinha", e, por fim, um frenesi em algumas portas em que se tocam campainhas. Se novamente a luz, como em uma tela genuinamente impressionista, auxilia a compor as formas de um ser humano "que se mova e exista/ Cheio de belas proporções carnais", a rapidez das telas seguintes lembram o cinema com sua exposição de diversas fotografias num instante na recriação do movimento. Por outro lado, os tons e as formas capazes de deixar entrevistos "uma cabeça numa melancia/e nuns repolhos seios injectados" irão nos fazer lembrar dos quadros de Giuseppe Arcimboldo, artista quinhentista famoso por seus quadros nos quais vegetais são transformados em figuras humanas:
As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos. Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como dalguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que me lembrou um ventre
E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vivida, escarlate, Bons corações, pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros nas cenouras.
Mas o pintor milanês era um maneirista, e, portanto, a intenção de suas obras era criar distorções da realidade, e não registá-la em seus menores aspectos, como é o caso do nosso autor português. Quando enxerga "colos, ombros, bocas, um semblante/na posição de certos frutos", o poeta apenas associa formas, acentua as sensações de vitalidade, cria texturas, evoca sabores e cheiros, procura fazer com que possamos sentir, de fato, aquilo que nos mostra. Mas, certamente, na extravagância da imagem, na importância predominante da feição exterior das coisas em detrimento do abstrato, podemos encontrar outras semelhanças entre ambos.Após a epifania na qual o vulgar é transmudado em "visão de artista", em momento mágico produtor da metamorfose do marasmo em movimento e da inércia em vida, o desfecho do poema nos deixa uma impressão de vigor, como se o próprio processo de recriação da humanidade fosse a convalescença da morbidez urbana com suas belezas artificiais diante do frescor das frutas e verduras, do golpe de naturalidade contido na "horta aglomerada" no gigo:O sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!"... Eu acerquei-me dela sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular.
"Muito obrigada! Deus lhe dê saude!" E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida. É notável a transformação dos tons esmaecidos de matizes transparentes em cores mais fortes adivinhadas no verde do ramo de hortelã e na alface e explícito no dourado do céu, o "corpo orgânico" manteve seus aromas e sua multiplicidade de coloridos. A jovialidade da vendedeira ao pedir ajuda, a falta de desprezo com que é atendida, o "enorme esforço muscular" realizado para levantar o cesto, tudo reflete "as forças, a alegria, a plenitude" de uma mudança drástica de estado de espírito. Os versos "Que brotam dum excesso de virtude/Ou duma digestão desconhecida" também revelam um humor brincalhão, muito diferente daquele observado no início do poema, na terceira estrofe em que o tom irónico revela o desgaste, o fastio do narrador perante o ambiente.
E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre afasta-se, ao calor de Agosto, Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e como o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.
Chegam do gigo emanações sadias, Oiço um canário - que infantil chilrada! - Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada.Novamente, a exposição das imagens lembra a montagem cinematográfica. Primeiro mostra o transeunte partindo para o "lado oposto", depois aponta as carruagens ao longe e, na sequência, indica o afastar da moça "descolorida nas maçãs do rosto/e sem quadris na saia de ramagens". Esses versos estão repletos de contrastes, o contraste social nos caminhos opostos das duas personagens, o descolorido da face da moça que carrega o multicolorido da "horta aglomerada", a ausência de formas dentro da saia estampada. A segunda cena dessas três estrofes é o quadro do garoto espirrando água na planta como quem separa o joio do trigo ou como quem "borrifa estrelas", a claridade da pequena tela nos remete novamente ao impressionismo, à luminosidade cristalina. Depois, o canto infantil do canário, as emanações salutares as ménages entre as gelosias, "os raios de laranja destilada", tudo remete à festividade, ao jovial, ao renovado, o quotidiano renascido, permeado pela vida.
E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas.·E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras.
Nas duas últimas estrofes, a regateira adquire audácia, ergue o peito orgulhosa. O contraste entre a disposição altiva e o corpo franzino coberto pela chita parecem, aos olhos do observador, uma "desgraça alegre" provocadora: as "couves repolhudas, largas" comparadas às "grossas pernas dum gigante" acentuam o humor da última imagem, o poema finda em um tom cómico, divertido. O tédio e a apatia são de todo dissipados, até mesmo a vendedeira parte vaidosa como se ao ser portadora da "verdura rústica, abundante" fosse ela mesma transformada em um ser robusto, como se tomasse emprestado "o novo corpo orgânico" gerado pela "visão de artista".


O sujeito poético evidencia as diferenças sociais da época, elaborando, uma crítica social no texto. Assim, servindo-se da dicotomia riqueza burguesa e pobreza do povo, o eu poético, apresenta-nos o contraste entre uma vendedeira pobre e um bairro burguês. Deste modo, o sujeito poético ganha uma afectividade pelo povo mostrando as duras condições de trabalho, a pobreza e a humilhação destes, em relação, ao egoísmo e frieza dos mais abastados. No entanto, é de notar que Cesário Verde destaca também as alegrias do povo em torno de contornos paradoxais.


Num Bairro Moderno- Cesário Verde

Num bairro moderno
http://www.youtube.com/watch?v=dUjSHcg1ihI

Cristalizações
http://www.youtube.com/watch?v=7yGXdNg7oDA

De tarde
http://www.youtube.com/watch?v=K9ef6FOqZeo

http://www.youtube.com/watch?v=OHuUzosKb7E

Sobre Cesário Verde e a sua obra
http://www.youtube.com/watch?v=vQAPqTlHHvs

http://www.youtube.com/watch?v=5nnG8HaSQZU

http://www.youtube.com/watch?v=_YksUiWyEOQ

sábado, 21 de março de 2009

FELIZMENTE HÁ LUAR

“Felizmente Há Luar!”, de Luís de Sttau Monteiro


Contextualização

A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.
As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras.

Carácter épico

Felizmente há luar é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.
Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.
Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.


® Objectivos (condensação do texto):
· Auto-representação das personagens e narrador
· Elementos técnicos não escondidos
· Muita luz (não há efeitos)
· Musica e cenários destroem a ilusão da realidade
· Efeito de conjunto (justaposição/montagem de episódios)
· História desenrola-se numa serie de situações separadas que começam e acabam em si mesmas
· Teatro deve fazer pensar e não provocar sensações – distanciamento
· Intenção de critica social
· Concepção das personagens a partir da função social
· Vertente histórico-nararativa que impera

Paralelismo entre passado e as condições históricas dos anos 60: denúncia da violência

Século XIX – 1817
Século XX – anos 60
Agitação social que levou à revolta de 1820
Agitação social: conspirações internas; principal erupção da guerra colonial
Regime absolutista e tirano
Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilégios
Classes exploradas; desigualdade entre abastados e pobres
Povo oprimido e resignado
Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, obscurantismo mas “felizmente há luar”
Miséria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crença nas mudanças
Luta contra a opressão do regime
Luta contra o regime totalitário e ditatorial
Perseguições dos agentes de Beresford
Perseguições da PIDE
Denuncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento
Denuncias dos “bufos”
Censura à imprensa
Censura total
Repressão dos conspiradores; execução sumaria e pena de morte
Prisão; duras medidas de repressão e tortura; condenação sem provas
Execução de Gomes Freire
Execução de Humberto Delgado
Revolução de 1820
Revolução do 25 de Abril de 1974

Personagens

Há três grupos importantes de personagens no poema:

1. Povo

® Rita, Antigo Soldado, Populares
· Personagens colectiva
· Representam o analfabetismo e a miséria
· Escravizado pela ignorância
· Não tem liberdade
· Desconfiam dos poderosos
· São impotentes face à situação do país (não há eleições livres, etc.)

® Manuel
· Denuncia a opressão
· Assume algum protagonismo por abrir os dois actos
· Papel de impotência do povo

® Matilde
· Personagem principal do acto II
· Companheira de todas as horas de Gomes Freire
· Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada
· Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido
· Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)
· Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o
· Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos
· Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)
· Desmascara o Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo

® Sousa Falcão
· Amigo de Gomes Freire e Matilde
· Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas não teve a sua coragem
· Auto-incimina-se por isso
· Medroso
2. Delatores
Representam os “bufos” do regime salazarista.

® Vicente
· É do povo mas trai-o para subir na vida
· Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social
· Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia
· Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico
· Falso humanitário
· Movido pelo interesse da recompensa
· Adulador do momento

® Andrade Corvo e Morais Sarmento
· Querem ganhar dinheiro a todo o custo
· Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo
· Mesquinhos, oportunistas e hipócritas

3. Governadores
Representam o poder político e são o cérebro da conjura que acusa Gomes Freire de traição ao país; não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo

® Beresford
· Representa o poder militar
· Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal
· Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país e a atrofia de almas
· Odeia Portugal
· Está sempre a provocar o principal Sousa
· Não é melhor que aqueles que critica mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro
· Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)
· Oportunista, severo, disciplinar, autoritário e mercenário
· Bom militar, mau oficial

® Principal Sousa
· É demagogo e hipócrita
· Não hesita em condenar inocentes
· Representa o poder clerical/Igreja
· Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do estado
· Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição
· Não tem argumentos face ao desmascarar que sofre de Matilde
· Tem problemas de consciência em condenar um inocente mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo
· Fanático religioso
· Corrompido pelo poder eclesiástico
· Desonesto
· Odeia os franceses
· Defende o obscurantismo

® D. Miguel Forjaz
· Representa o poder político e a burguesia dominadora
· Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico
· Personifica Salazar
· Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio
· Corrompido pelo poder
· Primo de Gomes Freire


v Gomes Freire de Andrade
· Representa Humberto Delgado
· Personagem virtual/central
· Sempre presente nas palavras das outras personagens
· Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel; D. Miguel e Beresford
· Idolatrado pelo povo
· Acredita na justiça e na luta pela liberdade
· Soldado brilhante
· Estrangeirado
· Símbolo da esperança e liberdade

v Policias: representam a PIDE

v Frei Diogo de Melo: representam a Igreja consciente da situação do país...

Tempo

® Tempo histórico ou tempo real (século XIX - 1817)
· Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil
· Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)
· Regime absolutista
· Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil
· Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)
· Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire
· 25 De Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)
· Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas
· O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava
· Revolução liberal de 1820
· Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte

® Tempo metafórico ou tempo da escrita (século XX - 1961)
· Permanentemente presente (implícito)
· Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política
· Situação política, social e económica de desagrado geral
· Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo
· PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas
· Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente
· Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os governadores três são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…

Estrutura

A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I trama-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.

Os símbolos

· Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança
· Título: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo de revolte)
· Luz: vida, saúde e felicidade
· Noite: mal, castigo, morte
· Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação
· Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade
· Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar
· Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo (Página 131); Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade (Página 140)
· Moeda de 5 reis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
· Tambores: símbolos da repressão

Espaço

· Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
· Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

Linguagem e estilo

· Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia)
· Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
· Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
· Texto principal: As falas das personagens
· Texto secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A batalha de Aljubarrota - informações úteis



A Batalha de Aljubarrota decorreu no final da tarde de 14 de Agosto de 1385, entre tropas portuguesas comandadas por D. João I de Portugal e o seu condestável D. Nuno Álvares Pereira, e o exército castelhano de D. Juan I de Castela.
A batalha deu-se no campo de S. Jorge, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre as localidades de Leiria e Alcobaça no centro de Portugal. O resultado foi uma derrota definitiva dos castelhanos e o fim da crise de 1383-1385, e a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis.
A paz com Castela só veio a estabelecer-se em 1411.

No fim do século XIV, a Europa encontrava-se a braços com uma época de crise e revolução. A Guerra dos Cem Anos devastava a França, epidemias de peste negra levavam vidas em todo o continente, a instabilidade política dominava e Portugal não era excepção.
Em 1383, El-rei D. Fernando morreu sem um filho varão, que herdasse a coroa. A sua única filha era a infanta D. Beatriz, casada com o rei D. João de Castela. A burguesia mostrava-se insatisfeita com a regência da Rainha D. Leonor Teles e do seu favorito, o conde Andeiro e com a ordem da sucessão, uma vez que isso significaria anexação de Portugal por Castela. As pessoas alvoroçaram-se em Lisboa, o conde Andeiro foi morto e o povo pediu ao mestre de Avis, filho natural de D. Pedro I de Portugal, que ficasse por regedor e defensor do Reino.
O período de interregno que se seguiu ficou conhecido como crise de 1383-1385. Finalmente a 6 de Abril de 1385, D. João, mestre da Ordem de Avis, é aclamado rei pelas cortes reunidas em Coimbra, mas o rei de Castela não desistiu do direito à coroa de Portugal, que entendia advir-lhe do casamento. Em Junho, invade Portugal à frente da totalidade do seu exército e auxiliado por um contingente de cavalaria francesa.

Disposição da hoste portuguesa
Quando as notícias da invasão chegaram, João I encontrava-se em Tomar na companhia de D. Nuno Álvares Pereira, o condestável do reino, e do seu exército. A decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos antes que pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Com os aliados ingleses, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria. Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha. A opção recaíu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, perto de Aljubarrota. Contudo o exército Português não se apresentou ao Castelhano nesse sítio, inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudádo para o sítio pre-definido, isto provocou bastante confusão nas tropas de castela. Assim pelas dez horas da manhã do dia 14 de Agosto, o exército tomou a sua posição na vertente norte desta colina, de frente para a estrada por onde os castelhanos eram esperados. A disposição portuguesa era a seguinte: Infantaria no centro da linha, Uma vanguarda de besteiros com os 200 archeiros ingleses, 2 alas nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria. Na retaguarda, aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de Portugal em pessoa. Desta posição altamente defensiva, os portugueses observaram a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da colina.

A chegada dos castelhanos
A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha pela hora do almoço, sob o Sol escaldante de Agosto. Ao ver a posição defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o rei de Castela tomou a esperada decisão de evitar o combate nestes termos. Lentamente, devido aos 30,000 soldados que constituíam o seu efectivo, o exército castelhano começou a contornar a colina pela estrada a nascente. A vertente Sul da colina tinha um desnível mais suave e era por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar.
O exército português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente Sul da colina, onde o terreno tinha sido preparado previamente. Uma vez que era muito menos numeroso e tinha um percurso mais pequeno pela frente, o contingente português atingiu a sua posição final muito antes do exército castelhano se ter posicionado. D. Nuno Álvares Pereira havia ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em frente à linha de infantaria, protegendo esta e os besteiros. Este tipo de táctica defensiva, muito típica das legiões romanas, resurgia na Europa nessa altura.
Pelas seis da tarde, os castelhanos ainda não completamente instalados decidem, precipitadamente, ou temendo ter de combater de noite, começar o ataque.
É discutivel se de facto houve a tão famosa técnica do "quadrado" ou se simplesmente esta é uma visão imaginativa de Fernão Lopes de umas alas reforçadas. No entanto tradicionalmente foi assim que a Batalha acabou por seguir para a história.
A BATALHA
O ataque começou com uma carga da cavalaria francesa: a toda a brida e em força, de forma a romper a linha de infantaria adversária. Contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram o ataque. A pequena largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da cavalaria, as paliçadas (feitas com troncos erguidos na vertical separados entre sí apenas pela distancia necessária à passagem de um homem, o que não permitia a passagem de cavalos) e a chuva de virotes lancada pelos besteiros (auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses) fizeram com que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, já a cavalaria se encontrar desorganizada e confusa. As baixas da cavalaria foram pesadas e o efeito do ataque nulo. Ainda não perfilada no terreno, a retaguarda castelhana demorou a prestar auxílio e, em consequência, os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos portugueses.
Depois deste revés, a restante e mais substancial parte do exército castelhano atacou. A sua linha era bastante extensa, pelo elevado número de soldados. Ao avançar em direcção aos portugueses, os castelhanos foram forçados a apertar-se (o que desorganizou as suas fileiras) de modo a caber no espaço situado entre os ribeiros. Enquanto os castelhanos se desorganizavam, os portugueses redispuseram as suas forças dividindo a vanguarda de D. Nuno Álvares em dois sectores, de modo a enfrentar a nova ameaça. Vendo que o pior ainda estava para chegar, D. João I de Portugal ordenou a retirada dos besteiros e archeiros ingleses e o avanço da retaguarda através do espaço aberto na linha da frente.
Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos pouco puderam fazer senão morrer. Ao pôr-do-sol a batalha estava já perdida para Castela. Precipitadamente, D. João de Castela ordenou uma retirada geral sem organizar uma cobertura. Os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha. A cavalaria Portuguesa lançou-se então em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade. Alguns fugitivos procuraram esconder-se nas redondezas, apenas para acabarem mortos às mãos do povo.
Surge aqui uma tradição portuguesa em torno da batalha: uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou pelas próprias mãos alguns castelhanos em fuga. A história é por certo uma lenda da época, de qualquer forma pouco depois D. Nuno Álvares Pereira ordenou a suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas.
O dia seguinte
Na manhã de 15 de Agosto, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos ribeiros que flanqueavam a colina. Para além de soldados de infantaria, morreram também muitos nobres fidalgos castelhanos, o que causou luto em Castela até 1387. A cavalaria francesa sofreu em Aljubarrota outra pesada derrota contra as tácticas de infantaria, depois de Crécy e Poitiers. A batalha de Azincourt, já no século XV, mostra que Aljubarrota não foi a última vez que isso aconteceu.
Com esta vitória, D. João I tornou-se no rei incontestado de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis. Para celebrar a vitória e agradecer o auxílio divino que acreditava ter recebido, D. João I mandou erigir o Mosteiro de Santa Maria da Vitória e fundar a vila da Batalha

Exemplos de Figuras de estilo nos Lusíadas

Aliteração - Repetição de um ou mais fonemas consonânticos para intensificar e aumentar a expressividade:
Ex.: "Sois senhor superno" (I, 10).

Anáfora - Repetição (de que resulta sobressair o que se repete) de uma palavra ou de um membro de frase:
Ex.: "Vistes que, com grandíssima ousadia
Vistes aquela insana fantasia
Vistes, e ainda vemos cada dia," (VI, 29).

Anástrofe - Inversão da ordem das palavras correlatas, antepondo-se o determinante (proposição + substantivo) ao determinado ou ao complemento do verbo.
Ex.: "Qual vermelhas as armas faz de brancas;" (VI, 64).

Antítese - Confronto de dois elementos ou ideias antagónicas, no intuito de reforçar a mensagem:
Ex.: "Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou frio."

Antonomásia - Utilização de um nome sugestivo, grandioso ou não, em vez do nome próprio:
Ex.: "O sábio Grego... // O troiano..." (=Ulisses) (I, 3).

Apóstrofe - Apelo do autor, através de interrupções, invocando pessoas ausentes, coisas ou ideias sob forma exclamativa:
Ex.: "E tu, nobre Lisboa, que no mundo..." (III, 57).

Comparação - Aproximação entre dois termos ou expressões através de uma partícula comparativa (como), levando à compreensão mais profunda do primeiro termo:
Ex.: "Qual aos gritos…// Tal do rei…" (III, 47-48).

Epifonema - Exclamação sentenciosa a concluir uma narrativa ou um discurso:
Ex.: "Mísera sorte! Estranha condição!" (IV, 104).

Eufemismo - Expressão que atenua ou modifica o sentido violento, mau ou desonesto da narrativa:
Ex.: "Tirar Inês ao mundo determina," (III, 23).

Gradação - Ordenação das ideias em escala crescente ou decrescente:
Ex.: "Horrendo, fero, ingente e temeroso" (IV, 28) - Crescente.
"Com mortes, gritos, sangue e cutiladas" (IV, 42) - Decrescente.

Hendíadis - Utilização de dois substantivos coordenados em vez de um substantivo seguido de um complemento determinativo ou dum adjectivo:
Ex.: "Cujo pecado e desobediência" (= Cujo pecado de desobediência) (IV, 98).
Hipérbato - Inversão violenta da posição dos membros de uma frase:
Ex.: "...os duros/Casos que Adamastor contou, futuros" (V, 60).

Hipérbole - Exagero de qualquer realidade para a tornar mais saliente, exagero este que serve para ferir o pensamento quando tomada à letra:
Ex.: "Que a vivos medo, e a mortos faz espanto,".

Ironia - Exprime o contrário do que as palavras ou frases significam, para que se compreenda ou a estupidez ou a fraqueza que se pretende castigar após se verificar a discordância:
Ex.: "Oulá, Veloso amigo, aquele outeiro (...)
Por me lembrar que estáveis cá sem mim;" (V, 35).

Metáfora - Consiste em designar um objecto ou ideia por uma palavra que convém a outro objecto ou outra ideia - ligados aqueles por uma analogia. A metáfora é num único, os dois termos da comparação sem a partícula comparativa (como):
"Tomai as rédeas vós do reino vosso:" (I, 15).

Onomatopeia - Representação auditiva ou visual pelos sons das palavras, além do respectivo sentido: tentativa de imitação dos ruídos naturais através dos fonemas da linguagem:
Ex.: "Polas concavidades retumbando." (III, 107).

Perífrase - Expressão por diversas palavras daquilo que se poderia dizer mais concisamente ou apenas por uma palavra:
Ex.: "Pelo neto gentil do velho Atlante." (=Mercúrio) (I, 20).

Personificação - Atribuição de qualidades, atributos e impulsos humanos a seres inanimados e a animais irracionais.
Ex.: "Os altos promontórios o choraram," (III, 84).

Sinédoque - Consiste em tomar o todo pela parte e a parte pelo todo, o plural pelo singular ou o singular pelo plural:
Ex.: "Que da Ocidental praia Lusitana" (=Portugal) (I,1).

Os Deuses

Anfitrite - Mulher de Neptuno, filha de Nereu (Deus do oceano) e de Dóris. Foi primeiramente considerada deusa do Mediterrâneo, mas este domínio alargou-se depois aos outros mares.

Apolo - Filho de Júpiter e Latona, irmão de Diana. Conduzia o carro do sol. Tinha-se como o Deus da medicina, da poesia, da música, das artes; era o chefe das nove musas, com quem habitava os montes Parnaso, Hélicon, Piério, as margens do Hipocrene e do Permesso, onde ordinariamente pastava o cavalo alado Pégaso, do qual se servia para montar.
O galo, o gavião e a oliveira eram-lhe consagrados, por em tais seres se terem metamorfoseado os entes que mais amara. Apolo era representado com uma lira na mão ou com os instrumentos próprios das artes, colocados junto de si, num coche tirado por quatro cavalos.

Baco - Filho de Júpiter e de Sémele. Nasceu em Tebas e foi pai de Luso. Juno, esposa de Júpiter, sabedora das relações amorosas entre aquele Deus e Sémele, induziu a rival, aparecendo-lhe sob as feições da ama ou de uma amiga, a solicitar que o amante a visitasse na plenitude da sua glória. A ingénua desventurada viu, porém, a própria casa a arder e imediatamente pereceu nas chamas provocadas pelo fulgor do pai dos Deuses. Júpiter, no entanto, conseguiu salvar o filho (que receberia o nome de Baco), o qual Sémele ainda não dera à luz, recolhendo-o na barriga da perna, onde se completou a gestação.
Quando adulto, Baco conquistou a Índia e depois o Egipto, sendo, todavia, pacífico e benéfico o seu domínio: ensinou a agricultura aos homens e foi o primeiro que plantou a vinha, tendo sido adorado como o Deus do vinho.

Cúpido - Filho de Marte e de Vénus. Presidia aos prazeres e era representado na figura de um menino nu, com arco e aljava cheia de setas.

Diana - Filha de Júpiter e de Latona, irmã de Apolo. Deusa da caça e da castidade. O seu poder permitiu que metamorfease Actéon em veado por a ter visto banhar-se.

Dóris - Filha do Oceano e de Tethys, casou com Nereu de quem teve as Nereidas.

Hércules - Filho de Júpiter e de Alcmena. O pai dos Deuses, para enganar Alcmena, tomou a forma do marido, Anfitrião, na ausência deste. Juno, justamente indignada, conseguiu que Euristeu, rei de Micenas, obrigasse Hércules a doze trabalhos perigosíssimos, com o desejo de vê-lo morrer em um deles. Hércules porém, venceu.

Júpiter - O pai dos Deuses. Filho de Saturno e de Reia. Como Saturno devorava os filhos à medida que Reia ia dando à luz, quando foi a vez de Júpiter, Reia substituiu-o por uma pedra embrulhada, a qual Saturno imediatamente devorou. Júpiter foi levado para Creta, onde a cabra Amalteia lhe deu de mamar. Adulto, expulsou do céu o pai e casou com Juno. Reservou para si esta soberania, e deu o império das águas a Neptuno, o dos infernos a Plutão.

Marte - Filho de Júpiter e de Juno, Deus da guerra. Juno concebeu Marte, quando, irritada contra Júpiter por este ter dado à luz Palas, fazendo-o sair do próprio cérebro se sentou sobre uma flor fecundante, que lhe fora revelada pela Deusa Flora.
Presidia a todos os combates, mas nem por isso era pequena a ternura que votava a Vénus, por apaixonadamente amada.
Era representado na figura de um guerreiro, completamente armado, com um galo junto de si.

Mercúrio - Filho de Júpiter e de Maia. Deus da eloquência, do comércio e dos ladrões. Era o mensageiro dos deuses, particularmente de Júpiter, que lhe pegara na cabeça e nos calcanhares asas para as suas ordens serem executadas com uma maior rapidez.

Neptuno - Filho de Saturno e de Reia, irmão de Júpiter e de Plutão. Deus do Mar, casou com Anfitrite.
Era representado com um tridente na mão sobre um coche puxado por cavalos-marinhos.

Tethys - Tethys é uma das divindades primordiais das teogonias helénicas. Personifica a fecundidade “feminina” do mar. Nascida dos maiores de Ouganos e Gaia, é a mais jovem das Titânides.
Casou com Oceano, do qual teve grande número de filhos, mais de três mil, que são todos os rios do mundo.

Thetis - Thetis é uma das Nereidas, filha de Nereu, o velho do mar, e de Dóris. É por consequência uma divindade marinha e imortal e é a mais célebre de todas as Nereidas.

Vénus - Filha do Céu e da Terra. É a Deusa do Amor e da beleza. Após o nascimento foi levada pelas Honras ao Céu, onde os deuses ficaram extasiados de tanta formosura. Vulcano recebeu-a por esposa, como prémio de haver fabricado os raios de que Júpiter necessitou, quando os Gigantes quiseram expulsá-lo do Céu.
A deusa, porém, incapaz de sofrer a feldade do marido, procurou a companhia dos outros deuses, entre os quais Marte, de quem teve Cúpido. Amou também Adónis e Anquises do qual nasceu Eneias.

Vulcano - Filho de Júpiter e de Juno, Deus do fogo. Sua considerável feldade aumentou com um pontapé recebido do próprio pai, de que resultou ficar coxo.

A Mitologia


A introdução da mitologia, do maravilhoso pagão, era própria do género épico, só que em Camões a mitologia greco-latina introduzida ultrapassa a função de simples adorno poético exigido pela regra de “imitação”. A partir das estrofes 19-20 do Canto I, os planos da viagem e dos deuses vão acompanhar-se sempre, intimamente relacionados, constituindo, no seu conjunto, a acção central da obra.
A realização deste 1.º Concílio marca o momento exacto em que os deuses são chamados a intervir, pronunciando-se sobre o futuro dos homens que navegam em mares até então desconhecidos, num empreendimento novo, extremamente importante, no qual vêm dando mostras de coragem e valor ao enfrentarem múltiplos perigos. Reconhecendo o valor de tais humanos, os deuses reúnem, a pedido de Júpiter, para deliberar se devem ou não ajudar os navegadores a encontrar um porto amigo em que possam repousar e recuperar alento para prosseguirem uma viagem que os Fados haviam já determinado viesse a ser coroada com êxito.
Gera-se no Olimpo, onde os deuses se reuniram, grande desavença. Dois “partidos” se formam: um, encabeçado pela Deusa do amor, Vénus, que defende que os portugueses sejam ajudados; outro, por Baco, Deus das paixões, dos vícios, do vinho, que é contrário a tal ajuda. A discussão é violenta, como expressivamente no-lo descreve Camões na estrofe 35:
"Qual Austro fero ou Bóreas, na espessura,
De silvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura,
Com impito e braveza desmedida;
Brama toda a montanha, o som murmura,
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
Tal andava o tumulto, levantando
Entre os deuses, no Olimpo consagrado."

Marte, Deus da guerra e velho apaixonado de Vénus, têm então uma intervenção decisiva em que incita Júpiter a não voltar atrás com a decisão que já havia tomado de ajudar os navegadores portugueses:
"Não tornes por detrás, pois é fraqueza
Desistir-se de cousa começada"
As razões que movem os diversos deuses na sua tomada de posição são devidamente apontadas por Camões. Júpiter, limita-se a cumprir, ou antes, a fazer cumprir as decisões dos Fados, pois sabe, à partida, que é inútil lutar contra eles; aceita-as, de resto, pois reconhece o valor dos lusitanos.
Quanto a Vénus, ela imagina que, ajudando os portugueses, poderá vir a lucrar: eles são descendentes dos romanos e, portanto, de Eneias, seu filho, de quem herdaram uma língua latina; são, por outro lado, conhecidos como devotos do amor, de que ela é deusa; prezam a beleza e poderão vir a promover o culto de Vénus no Oriente, se por ela forem ajudados; Marte, para além da "ligação" a Vénus, preza o valor militar dos portugueses; Baco é, de certo modo, o “mau da fita” pois a sua psicologia é complexa: não aceita que os portugueses venham a ser bem sucedidos no Oriente, vindo, um dia, a superar a sua própria fama nessas paragens.
Que os portugueses, humanos, o ultrapassem a ele, um Deus, é algo que não poderá aceitar nunca; tudo fará, por conseguinte, para os liquidar, ainda que numa atitude de revolta contra Júpiter e os Fados. Porque é, no fim de contas, lúcido, ele intui desde logo aquilo que mais tarde virá a dizer: se os portugueses chegarem à Índia tornar-se-ão deuses, reduzindo os deuses à sua dimensão de simples mortais.
Ele, Baco, não poderá consentir em tal inversão de valores, na desordem, no caos, na situação absurda que representaria uma total subversão da ordem do Universo. A presença da mitologia acompanhará a partir de agora toda a narração da viagem.
Os deuses serão intervenientes sempre activos, quer assumindo funções de adjuvantes dos portugueses, quer de oponentes ao seu êxito.
Estarão no centro da trama que constituirá a verdadeira intriga do poema, e da sua luta dependerão avanços ou pausas na viagem.

Sintetizando, a função da mitologia neste poema é a seguinte:
Constituir uma parte importante do maravilhoso inerente aos poemas épicos em geral, obedecendo pois, a uma regra do género;
Assegurar a unidade interna da acção, pela criação de personagens activas e “humanizadas” que se contrapõem a personagens humanas, monolíticas e, de certo modo, “desumanizadas” que são os navegadores;
Embelezar, pela participação na intriga, uma narração de viagem que se arriscava a tornar-se demasiado árida e “prosaica”;
Serem os deuses permanentemente autores de referências engrandecedoras dos portugueses, nomeadamente na formulação de profecias;
Essencialmente, serem pólo de confronto permanentemente com os homens, de modo a que seja evidenciada a supremacia destes últimos.

A Viagem de Vasco da Gama à Índia


Na preparação da partida das naus de Vasco da Gama para a Índia, sobressai no meio da confusão um alvoroço e ao mesmo tempo um desejo de alcançar o trajecto pretendido.
Após a citação do chamado Velho do Restelo, deu-se a partida; ficaram para trás as terras portuguesas e apenas o mar e o céu infinitos cabiam na visão dos lusitanos.
Já lá iam cinco dias e os portugueses navegavam “por mares nunca de antes navegados”, até que nessa quinta noite da viagem uma tempestade os atormentou. Essa tempestade “viva” falou para os portugueses dizendo-lhes quem era e dando-lhes a entender que não eram os primeiros a tentar passar para o “outro lado” da costa africana. Tempestade essa à qual se chamou de Gigante Adamastor, por ter dificultado a travessia aos portugueses.
Prosseguia a viagem já no Oceano Índico e ao mesmo tempo era preparado o Concílio dos Deuses onde iria ser decidido se os portugueses deveriam ou não chegar à Índia.
Nesse concilio estavam reunidos os deuses, eram defendidas diferentes ideias e era Júpiter o pai dos deuses que falava; ele destacava outros feitos grandiosos já antes conseguidos pelos Assírios, Persas, Gregos e Romanos, mas realça as dificuldades e perigos que os portugueses passaram. Baco era dos que mais se opunha ao concretizar dos objectivos lusitanos, pois assim ele ficaria sem a fama e a glória que anteriormente tinha conquistado no Oriente e seria esquecido por todos caso o povo de Portugal lá chegasse.
Contra Baco estava Vénus que achava os portugueses um povo descendente dos Romanos, os quais muito tinha glorificado, era agora a vez de glorificar os portugueses.
Quando foi aprovada a decisão do Concílio, Baco decidiu intervir, preparando uma cilada aos portugueses; desceu à Terra sob a forma de humano e enganou o rei de Moçambique, pois disse-lhe que o povo português era um povo traiçoeiro e mentiroso.
Assim conseguiu que o um falso piloto os dirigisse para uma ilha abandonada onde seriam destruídos, mas Vénus interveio e afastou a armada do perigo, fazendo-os voltar ao rumo certo. Continuando a tentativa de destruição dos portugueses, Baco consegue que uma doença, o escorbuto, os apanhasse e causasse a morte a muitos.
Aqueles que sobreviveram à doença, seguiram viagem e avistaram Melinde onde foram bem recebidos. Saindo de Melinde e prosseguindo o trajecto, foram apanhados por uma tempestade da qual todos escaparam e por fim foi avistada terra de novo; era finalmente a Índia.
Regressando a Lisboa fizeram “uma paragem” pela Ilha dos Amores, pois Vénus achou que os portugueses mereciam tal recompensa e deu-lhes a companhia das belas ninfas e concedeu a Vasco da Gama o conhecimento da Máquina do Mundo.
Continuando o caminho para a pátria, avistaram terra e entraram pela foz do Tejo, sempre bem recebidos pelo povo, especialmente pelo Rei que fez com que os seus feitos jamais fossem esquecidos, liberou para que estes ficassem registados sob a forma de escrita e concebeu-lhes toda a honra e glória que eles verdadeiramente mereciam.

Episódios Presentes n'Os Lusíadas

Episódios Mitológicos:
Concílio dos Deuses no Olimpo
Concílio dos Deuses Marinhos

Episódio Cavalheiresco:
Os Doze de Inglaterra

Episódios Bélicos:
Batalha de Ourique
Batalha do Salado
Batalha de Aljubarrota

Episódios Líricos:
A Fermosíssima Maria
Morte de Inês de Castro
Despedida do Restelo

Episódios Naturalistas:
Fogo de Santelmo e Tromba Marítima
Escorbuto
Tempestade

Episódios Simbólicos:
Velho do Restelo
Adamastor
Ilha dos Amores

Os Dez Cantos d'Os Lusíadas

Canto I
O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo e dedica o poema ao Rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração de viagem de Vasco da Gama, referindo brevemente que a Armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem em Concílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar à Índia.
Com o apoio de Vénus e Marte e apesar da oposição de Baco, a decisão é favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam com o fornecimento de um piloto por ele instruído para os conduzir ao perigoso porto de Quíloa. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo até Mombaça. No final do Canto, o poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o Homem.

Canto II
O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os Portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite, pois os dois condenados que mandara a terra colher informações tinham regressado com uma boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, afasta a Armada, da qual se põem em fuga os emissários do Rei de Mombaça e o falso piloto.
Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo que corria, dirige uma prece a Deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os Portugueses, ao que ele acede e, para a consolar, profetiza futuras glórias aos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melinde é efectivamente saudada com festejos e o Rei desta cidade visita a Armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a história do seu país.

Canto III
Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1.ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando.
Destacam-se os episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques, e o da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.

Canto IV
Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora a história da 2.ª Dinastia, desde a revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a Armada de Vasco da Gama parte para a Índia.
Após a narrativa da Revolução de 1383-85 que incide fundamentalmente na figura de Nuno Álvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo os relacionados com a expansão para África.
É assim que surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando as futuras glórias do Oriente. Este canto termina com a partida da Armada, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.

Canto V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora a viagem da Armada, de Lisboa a Melinde.
É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a poesia.

Canto VI
Finda a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut.
Baco, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Concílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco e soltar os ventos para fazer afundar a Armada. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violenta tempestade.
Vasco da Gama vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a Deus e, mais uma vez, é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas seduzir os ventos para os acalmar.
Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus. O canto termina com considerações do Poeta sobre o valor da fama e da glória conseguidas através dos grandes feitos.

Canto VII
A Armada chega a Calecut. O poeta elogia a expansão portuguesa como cruzada, criticando as nações europeias que não seguem o exemplo português. Após a descrição da Índia, conta os primeiros contactos entre os portugueses e os indianos, através de um mensageiro enviado por Vasco da Gama a anunciar a sua chegada.
O mouro Monçaíde visita a nau de Vasco da Gama e descreve Malabar, após o que o Capitão e outros nobres portugueses desembarcam e são recebidos pelo Catual e depois pelo Samorim. O Catual visita a Armada e pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado das figuras das bandeiras portuguesas. O poeta invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que critica duramente os opressores e exploradores do povo.

Canto VIII
Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e instigando-o através da informação de que vêm com o intuito da pilhagem.
O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar às naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhes entregarem as fazendas que traziam. O poeta tece considerações sobre o vil poder do ouro.

Canto IX
Após vencerem algumas dificuldades, os portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho cúpido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses.
A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro (prémio merecido pelos “longos trabalhos”), referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o poeta termina, tecendo considerações sobre a forma de alcançar a Fama.

Canto X
As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma invocação do poeta a Calíope, uma ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal.
O poeta termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.