segunda-feira, 27 de outubro de 2008

sobre Os Lusíadas

Estrutura interna

1. As partes constituintes

Os Lusíadas constroem-se pela sucessão de quatro fontes:
Proposição – parte introdutória, na qual o poeta anuncia o que vai cantar (Canto I, estrofes 1-3)
Invocação – pedido de ajuda as divindades inspiradores (A principal invocação é feita as Tágides, no canto I, estrofes 4 e 5, ás Ninfas do Tejo e do Mondego, no canto VII 78-82 e, finalmente, a Calíope, no Canto X, estrofe 8)
Dedicatória – oferecimento do poema a uma personalidade importante. (Esta parte, facultaria, pode ter origem nas Geórgicas de Virgílio ou nos Fastos de Ovídio; não existe em nenhuma das epopeias da Antiguidade)
Narração – parte que constitui o corpo da epopeia; a narrativa das acções levadas a cabo pelo protagonista. (Começando no Canto I, estrofe 19, só termina no Canto X, estrofe 144, apresentando apenas pequenas interrupções pontuais).
2. Os planos narrativos
Obra narrativa complexa, Os Lusíadas constroem-se através da articulação de três planos narrativos, não deixando, ainda assim, de apresentar uma exemplar unidade de acção.
Como plano narrativo fulcral apresenta-nos a viagem de Vasco da Gama à Índia. Continuamente articulado a este e paralelo a ela, surge um segundo plano que diz respeito à intervenção dos deuses do Olimpo na Viagem. Encaixado no primeiro plano, tem lugar um terceiro, que é constituído pela História de Portugal, contada por Vasco da Gama ao rei de Melide, para Paulo da Gama e por entidades dividas que vaticinam futuros feitos dos Portugueses.


Análise Canto I

O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração as Ninfas do Tejo e dedica o poema ao rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração da viagem de Vasco da gama, referindo brevemente que a armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem, em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar á Índia. Apesar da oposição de Baco e graças á intervenção de Vénus e Marte, a decisão é favorável aos Portugueses que entretanto cheguem á Ilha de Moçambique. Aí, Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam no fornecimento de um piloto por ele industriado a conduzi-los ao perigoso porto. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo ate Mombaça. No final do Canto, o Poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o homem.

Proposição

As armas e os barões assinalados
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

Reflexão:
A proposição permite ao poeta enunciar o propósito de cantar aos feitos alcançados pelos heróis portugueses, apresentando-os com heróis colectivos mistificados que se superiorizar em relação aos heróis da antiguidade clássica.

Invocação

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.

Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.


Reflexão:

O poeta pede inspiração ás Tágides, entidades míticas nacionais, jogando a variedade das ninfas e também com o seu espírito de gratidão ao recordar-lhes que sempre as celebram na sua poesia. É significativa a valorização do estilo épico, por comparação com o estilo lírico, pois, é mais adequado á grandeza dos feitos dos heróis que vai contar.

Dedicatória
Camões dedica a sua obra ao Rei D. Sebastião a quem louva por aquilo que ele representa para a independência de Portugal e para a dilatação do mundo cristão; louva-o ainda pela sua ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grande império de que é Rei (estrofes 6 , 7 e 8).
Segue-se uma segunda parte que constitui o apelo dirigido ao Rei: “referindo-se com modéstia á sua obra, pede ao rei que a leia; na breve exposição que faz do assunto, o poeta evidencia que a sua obra não versava heróis e factos lendários ou fantasiosos, mas sim matéria história real (estrofes 9 a 14)
Termina o seu discurso incitando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, combatendo os mouros e invocando depois o pedido de que leia os seus versos (estrofes 15 a 18).

Consílio dos Deus no Olimpo
A narração começa com o plano central (estrofe 19), logo interrompido pela inclusão do plano mitológico (estrofe 20).
Neste consílio, presidido por Júpiter, o pai dos deuses pretende dar conhecimento á assembleia da sua determinação em ajudar os portugueses a chegar á India, conforme estava predestinado pelo “fado”. Júpiter justifica a sua decisão elogiando as proezas historias do povo português e a coragem com que agora procuram dominar os mares desconhecidos. Há vários aspectos que contribuem para o engrandecimento do herói nacional, neste episódio:
• A admiração do “grande valor” e da “forre gente de Luso” manifestada por Júpiter;
• Temor de Baco de que o perder dos portugueses destrua o seu poder no oriente, fazendo esquecer “seus feitos”;
• O carinho e a afeição de verbos pela “gente Lusitana”, de “fortes corações” e “grande estrela”;
• O respeito pela “gente forte” revelado por Marte.

Reflexão do Poeta

O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!

No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Reflexão:

Este poema mostra-nos a reflexão do poeta sobre a insegurança da vida humana.

Análise Canto II

Já neste tempo o lúcido Planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus Nocturno a porta abrindo,
Quando as ínfimas gentes se chegaram
As naus, que pouco havia que ancoraram.

Dentre eles um, que traz encomendado
O mortífero engano, assim dizia:
"Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino e salsa via,
O Rei que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessário reformar-te.

"E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra, tu com toda armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra podes reformá-la,
Que a natureza obriga a desejá-la.

"E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo."
(...)

O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite pois os dois condenados que mandava a terra colher informações tinham regressado com a boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, impede a armada de entrar no porto de Mombaça. Os emissários do rei e o falso piloto julgando terem sido descobertos, põem-se em fuga. Vasco da gama, apercebendo-se do perigo que correra, dirige uma prece a deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os portugueses, ao que ele acede e, para consolar, profetiza futuras glórias dos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melide onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melide é efectivamente saudade com festejos e o Rei desta cidade visita a armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a historia do seu país.

Análise Canto III

Após uma invocação do Poeta a Calíope, Vasco da gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Destacam-se os episódios da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques e o da Formosíssima Maria, da batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV.

Batalha de Ourique

Trata-se de um episódio bélico que relata a Batalha travada no baixo Alentejo ate o exército lusitano e os dos mouros que ocupavam a região.
A desproporção das forças em conflito, aparição de Cristo a D. Afonso Henriques, a fé inabalável do rei e a sua capacidade de chefiar e inflamar os ânimos dos combatentes são os aspectos que contribuem para a mistificação deste herói. Não está em causa a força anímica e a capacidade de chefia de D. Afonso Henriques, mas o cumprimento de uma missão que o transcende eu que foi confiada por deus ao povo de que era rei: a dilatação da fé cristã. A determinação com que cumpriu esse objectivo deu ao primeiro rei de Portugal o estatuto de símbolo da luta contra os infiéis.


Análise Canto IV


Vasco da Gama prossegue a narrativa da Historia de Portugal. Conta agora a história da 2ª Dinastia, desde a revolução de 1385-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a armada de Vasco da Gama parte para a Índia. Após a narrativa da revolução que incide na figura de Nuno Alvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João I a D. João II. É assim que surge a narração dos preparativos da viagem á Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando futuras glorias no Oriente. Este canto termina com a partida da armanda, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo.

Batalha de Aljubarrota

Estrofes 28 e 29 (Introdução) – início da batalha sinalizada pela Trombeta Castelhana e reacção personificada da natureza e das pessoas em geral.
Estrofe 30 – no inicio do combate desde logo de destaca a presença de Nuno Alvares Cabral.
Estrofe 31 – Descrição da movimentação e do ruído próprio do combate.
Estrofe 32 e 33 – Traição dos dois irmãos de Nuno Alvares Pereira que combateram pelo exército de Castelo e referência a outros traidores da história antiga.
Estrofes 34 até 42 – Descrição da Batalha propriamente dita, com especial saliência, para as actuações decisivas de Nuno Alvares Pereira e D. João I.
Estrofes 43 até 45 (conclusão) – o desânimo e a fuga dos Castelhanos perante a vitória dos portugueses.

Despedidas em Belém

Trata-se de um momento lírico da narrativa que faz sobressair os sentimentos dos que ficavam e que, antecipadamente, choravam a perda dos que partiam; sobressaem também os sentimentos dos navegadores que tiveram nos seus amados e a saudade que eles próprios já começavam a sentir.
Alcançar a glória tem um preço, é toda uma nação que é envolvida no drama e será, depois, toda uma nação que alcançará a glória. (confrontar este episodio com o poema “Mar Português” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)

O Velho do Restelo

Este episódio introduz uma perspectiva posta á do espírito épico, uma vez que o “Velho” aplica de vaidade aquilo que os outros chamam “Fama e Glória”, “esforço e valentia”. Ele é o porta-voz do bom senso e da prudência ou daqueles que nesse tempo defendiam a expansão para o norte de África. Outros designam-no como voz da condenação da ousadia humana, do impulso do Homem para transcender tudo o que o limita.

Canto V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melide, contando agora a viagem de armada, de Lisboa a Melide. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observavam maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo de Santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episodio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episodio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo encoberto.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a Poesia.

O Gigante Adamastor

Estrofes 37 e 38 (Introdução) – Preparação do clima propício a aparição do Adamastor.
Estrofes 39 e 40 – Caracterização do Gigante Adamastor, quer física, quer psicológica.
Estrofes 41 até 48 – Discurso do Adamastor. Enuncia através de profecias (advinhas) e ameaças, os castigos destinados á “gente ousada” latina.
Estrofes 49 – Vasco da Gama interpela o monstro, o que provocará uma alteração radical do seu discurso, levando-o a confessar os aspectos da sua vida sentimental.
Estrofes 50 até 59 – O Gigante narra a sua vida, o seu passado amoroso e infeliz e revela o castigo que os Deuses lhe destinaram: Para sempre transformado naquele promontório.
Estrofe 60 – Desaparecimento do Gigante e pedido de Vasco da Gama a Deus para que evite a concretização das profecias do Adamastor.

Representatividade do Gigante Adamastor

1. A representação do “terrífico”: logo na descrição do ambiente estão presentes elementos associados ao medo, como a escuridão, o ruído intenso, o tamanho e a postura ameaçadora, a sujidade repelente, a cor cadavérica e o tom de voz;
2. A exaltação do herói: por serem ditas por um ser tão terrível, as palavras do Adamastor sobre a ousadia dos navegadores têm feito um efeito claramente exaltante para desvendar o desconhecido, o que nenhum ser se tinha atrevido a tentar – é uma forma de destacar que o grande feito da viagem foi a conquista do conhecimento;
3. A afirmação do herói: a coragem do herói afirma-se pelo enfrentar do medo, por ousar conhecer e decifrar o desconhecido – a pergunta de Vasco da Gama sobre a identidade do monstro (“quem és tu?”) é um momento simbólico da afirmação da grandeza do Homem Português;
4. O desejo do mito: no final, o Gigante retira-se com um “medonho choro”, depois de ter contado a sua história – tinha sido vencido no amor e na guerra, iludido e aprisionado, ao tornar-se conhecido, desaparece o seu carácter ameaçador;
5. Simbologia do episódio: o Gigante Adamastor representa o maior de todos os obstáculos, na realização de qualquer viagem: o medo do desconhecido. Perante o desconhecido, os navegadores enfrentaram o terror, desvendaram os seus mistérios e o desconhecido deixou de o ser – o episódio simboliza a vitória sobre o medo que os perigos ignorados da natureza e da vida provocaram nos seres humanos (confrontar este episodio com o poema “Mostrengo” da “Mensagem” de Fernando Pessoa)


Reflexão do Poeta
O Poeta neste poema mostra que o canto e o louvor das obras incitam a realização de novos feitos.
A falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que mostram na divulgação dos seus feitos (indirectamente, Camões manifesta o seu desalento por não ter apoio daqueles a quem louva).


Canto VI
Finda narrativa de Vasco da Gama, a armada sai de Melide guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut. Baco, Vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco, ordenando a Éolo que solte os ventos e faça afundar a armanda. É então que, enquanto os marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violente tempestade. Vasco da Gama, vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a deus e, mais uma vez é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas amorosas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.
O Canto termina com considerações do poeta sobre o valor da Fama e da Glória conseguidas através dos grandes feitos.

Reflexão do poeta
Reflexão autobiográfica em que o poeta enumera as várias adversidades que passou para fazer espelhar o modelo de virtudes anunciado na reflexão anterior.

Canto VIII

Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada:
"Quem era, e por que causa lhe convinha
A divisa, que tem na mão tomada?"
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta.

"Estas figuras todas que aparecem,
Bravos em vista e feros nos aspectos,
Mais bravos e mais feros se conhecem,
Pela fama, nas obras e nos feitos:
Antigos são, mas ainda resplandecem
Colo nome, entre os engenhos mais perfeito
Este que vês é Luso, donde a fama
O nosso Reino Lusitânia chama.

"Foi filho e companheiro do Tébano,
Que tão diversas partes conquistou;
Parece vindo ter ao ninho Hispano
Seguindo as armas, que continuo usou;
Do Douro o Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou,
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.

"O ramo que lhe vês para divisa,
O verde tirso foi de Baco usado;
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amido.
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Depois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?
(...)

Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e investigando-o contra os Navegadores através da informação de que vêm com o intuito de pilhagem. O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar ás naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhe entregarem as fazendas que traziam.
O Poeta teve considerações sobre o vil poder do ouro.

Canto IX

Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dois feitores
Que os infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo, que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.•


Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu,
Do nome da irmã sua assim chamada,
Que depois em Suez se converteu,
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maometana.•

Gidá se chama o porto, aonde o trato
De todo o Roxo mar mais florescia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos infiéis, formosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.•

Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas, que o comércio lhe tomava,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam,
Que já não querem mais dos navegantes,
Senão que tanto tempo ali tardassem,
Que da famosa Meca as naus chegassem.
(...)

Após vencerem algumas dificuldades, os Portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso á Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar á Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses. A armada avista a Ilha dos Amores e, quanto os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as Ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro, referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o Poeta termina, tecendo considerações sobre a fama de alcançar a Fama.
A grandeza dos descobrimentos também se mede pela grandeza do premo e esse dói o da Imortalidade, simbolicamente representada na união entre os Homens e as Deusas.
Na parte final do episodio o poeta reafirma os valores daqueles que podem ser recebidos na Ilha: a justiça, a coragem, o amor á pátria e a lealdade ao Rei.


Canto X
As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma Invocação do poeta Calíope, uma Ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos Portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império Português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta termina lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.
A Máquina do Mundo revela o que será o Império Português, representando o auge da glorificação – Vasco da Gama vê o que só aos Deuses é dado ver; é a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta: “o bicho da terra tão pequena” venceu as suas próprias limitações e foi além do que prometia a “força humana”. É de assinalar que, neste episodio se sobrepõem, a nível da estrutura, os três planos narrativos: o plano da viagem; o plano mitológico e o plano da história de Portugal, mas agora e futuro.

Ilha dos Amores

Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço.
Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitações.
Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos deleitosos". Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano.
De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se da "lei da morte". É também esse amor que conduz Camões a "espalhar" os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.

Reflexão do Poeta

Os últimos versos da obra revelam sentimentos contraditórios: o desalento, o orgulho e a esperança.
1. O poeta recusa continuar o seu canto, não por cansaço, mas por desânimo, o que provêm da contratação…metida no gosto da cobiça e na rudeza, imagem que representa o Portugal do seu tempo;
2. Mas exprime o seu orgulho naqueles que continuam dispostos a lutar pela grandeza da pátria;
3. E afirma a esperança de que o rei saiba aproveitar e estimular essas energias para dar continuidade á glorificação do “peito ilustre lusitano”
4. Em suma, a glória do passado deverá ser encarada como um exemplo presente para construir um futuro grandioso.

As Transgressões na obra Memorial do Convento

Transgressão do código religioso

Sumptuosidade do convento (pp.365-6) vs a simplicidade e a humildade (essência dos valores cristãos);
Recrutamento à força;
Construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior/divino (p. 198) - 4 bases de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
A castidade vs as relações sexuais nos conventos (pp. 95,97);
As estátuas dos santos (p. 344) vs a santidade humana (p. 342);
Missa, espaço de vivência espiritual (p. 145) vs missa, espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162, 236);
A benção de Deus vs a benção dos homens;
Funeral do Infante D. Pedro, espectáculo de pompa e circunstância vs funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.

Transgressão do código sexual

Sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-20) vs sexo, entrega permanente e mútua de corpos e almas (p. 77 e outras).

Transgressão linguística

Inversão de expressões bíblicas;
Jogos de palavras "os santos no oratório... não há melhor";
Desconstrução e reconstrução das regras de pontuação;
Aforismos "Não está o homem livre... com a verdade";
Confluência de registos de língua:
Popular "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda";
Familiar "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";
Cuidado "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada antes (...)".

Transgressão ficcional

A Música vence a Doença;
A história vence a História;
O espaço da ficção é o espaço da Utopia, da Liberdade Suprema;
O Sonho é a Transcendência Humana.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Tudo sobre Eça de Queirós

Eça de Queirós


http://www.escolaeuropeia.com/pdf/2anomanutencao/portugues/Os%20Maias.pdf

http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/queiros.htm


http://acpc.bn.pt/espolios_autores/e01_queiros_eca.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Maias

http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html

http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf

http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/curso/maias.htm

http://www.edusurfa.pt/testesdiag/TestesDiag.asp?ano=11&disc_id=26&teste_id=212

http://www.prof2000.pt/users/secjeste/utilnet/pg0Maias.htm

http://faroldasletras.no.sapo.pt/os_maias_quatro_geracoes.htm


http://clientes.netvisao.pt/rtelesfe/apontamentos.htm#portugues

http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-simbolismo.doc


http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/portugues/portugues_trabalhos/osmaiasjantarhotelcentral2.htm


http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/Maias_20001210.pdf

http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Maias_TOC.html


Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.

Vamos imaginar que começou a ler Os Maias -«Episódios de uma Vida Romântica», uma obra de um dos maiores romancistas portugueses da segunda metade do século XIX - Eça de Queirós.
Leu a longa introdução, onde é apresentada a família das personagens principais do romance - Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda.
Continua a ler.... e interessa-se cada vez mais pelo modo como são descritos os comportamentos, as conversas, os ambientes e os hábitos de uma sociedade romântica decadente.
E fica impressionado com as descrições de Sintra! As paisagens e os palácios cheios de mistério e fantasia! Começa a sentir no rosto o ar subtil das ramagens verdes e a ouvir o vago murmúrio de águas correntes...
Resolve fazer uma parte do roteiro queirosiano.

Na véspera prepare os materiais: uma máquina fotográfica, a obra Os Maias, de Eça de Queirós, um caderno de apontamentos e uma camisola, porque na zona de Sintra costuma estar fresco.
De manhã cedo, percorra a vila de Sintra que está rodeada por uma serra rochosa cheia de plantas e árvores verdes. Interrompa o passeio e observe o antigo Paço Real onde se encontra o Palácio da Vila. Leia esta passagem:
«este maciço e silencioso palácio, sem florões e sem torres, patriarcalmente assentado entre o casario da vila, com as suas belas janelas manuelinas que lhe fazem um nobre semblante real, o vale aos pés, frondoso e fresco, e no alto as duas chaminés colossais...»
O Palácio merece ser fotografado.

Do centro da vila suba, a pé, até ao Palácio da Pena. No trajecto pare e aproveite para reler uma das mais belas descrições da obra:
«e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda de cor violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena romântico e solitário no alto...»
Finalmente, chega ao Palácio da Pena.

Aprecie a paisagem e sinta-se envolvido por este ambiente quase mágico. Repare no Castelo dos Mouros, lá ao longe:
«de vez em quando aparecia um bocado de serra, com a sua muralha de ameias correndo sobre as penedias.»
Apesar de ser um caminho difícil, continue o percurso até ao Castelo dos Mouros. Aproveite para tirar mais umas fotografias.
Desça novamente até à vila, onde poderá almoçar numa estalagem que se chama Lawrence, que fica situada na encosta da serra, um pouco afastada do centro da vila, no caminho para Colares. Conheça um dos famosos hotéis citados pelas personagens queirosianas. A seguir ao almoço, lembre-se que o percurso do hotel Lawrence a Seteais era, para a burguesia do século XIX, uma espécie de Passeio Público de Sintra. Associadas ao local (Seteais), existem várias lendas, uma das quais ligada à sonoridade do nome: Seteais / sete ais.
Sugerimos, então, um passeio até ao Palácio de Seteais! As personagens queirosianas fazem um retrato sugestivo da paisagem:
«Cruges, no entanto, encostado ao parapeito, olhava a grande planície de lavoura que se estendia em baixo, rica e bem trabalhada, repartida em quadros verde-claros e verde-escuros, que lhe faziam lembrar um pano feito de remendos.»
Depois da visita aos jardins do Palácio, volte a Sintra e compre uns postais. Aproveite para lanchar umas queijadinhas de Sintra. (Não faça como as personagens do romance que está a ler ...que só se lembraram de comer umas queijadas quando já iam a caminho de Lisboa.) E, se gostar, até pode fazer estes doces em casa.
Quando regressar a casa, aconselhamos o percurso pela estrada da serra em direcção à costa atlântica. Pelo caminho, visite o Convento dos Capuchos.


http://www.infopedia.pt/$corridas-no-hipodromo-(os-maias)

http://www.paulacruz.com/download/

Frei Luis de Sousa - Notas e questionários

Drama em três actos, em prosa, considerado uma das obras-primas do teatro português. Representado pela primeira vez em 1843, teve como actor o próprio Garrett no papel de Telmo.
A acção é trágica. D. João de Portugal foi dado como morto na batalha de Alcácer-Quibir. Sua mulher, D.Madalena de Vilhena, após sete anos de espera e de buscas infrutíferas, desposou D.Manuel de Sousa Coutinho, que já amava em vida de D.João. Deste segundo casamento nasceu uma filha, Maria de Noronha, que aos treze anos revela estranha sensibilidade, aguçada pela tuberculose. Só o velho criado Telmo, sempre fiel à memória de D.João, espera que ele esteja vivo e regresse. Essa íntima fé enche a casa de negros presságios. E numa sexta-feira, dia fatídico para D. Madalena (“faz hoje anos que... casei a primeira vez...que se perdeu el-Rei D. Sebastião, e faz anos também que...vi pela primeira vez a Manuel de Sousa”), aparece um romeiro vindo da Terra Santa: é D. João de Portugal. Essa família está pois condenada à destruição. D. Manuel e D. Madalena resolvem entrar num convento e durante a cerimónia em que recebem do prior de Benfica os escapulários Dominicanos, surge Maria que, desvairada, vem morrer na própria igreja (“morro...morro de vergonha”).

A obra cria em si um ambiente de ansiedade, de negros presságios à maneira da tragédia grega, e cria uma situação em que o destino é dominante. Toda uma família é destroçada por um erro cometido por amor, cada um dos seus membros vive todo o drama colectivo. Manuel de Sousa Coutinho é uma figura histórica de um grande patriota e na obra revela-se ainda o início do mito de D.Sebastião. Pode pois dizer-se que toda a obra revela características românticas.

1- Comente a seguinte afirmação em relação à totalidade da obra:

“ D. João de Portugal, por motivos de honra, e Madalena, em defesa do seu amor, procuram em vão impedir a tomada de hábito. Manuel de Sousa mantem-se intransigente na sua resolução.”

2- O destino e a superstição desempenham um papel importante na obra.
Justifica.



Questionário:

1º acto

Cena 1

1. O monólogo pode dividir-se em duas partes, correspondendo cada uma a dois elementos duma comparação entre Inês de Castro e D. Madalena.
1.1. Que episódio está a ler Madalena e em que canto se situa?
1.2. Onde termina, na fala de Madalena, a 1ª parte?
1.3. Que palavra marca a oposição entre os sois elementos comparados?

2. Madalena está só, mas em espírito tem presentes duas pessoas.
2.1. A quem se refere quando diz “que o não saiba ele ao menos”?
2.2. Que personagem lhe provoca o “medo” e os “terrores” de que fala? (procura a resposta na cena 2)
2.3. A que personagens se referem os nomes amor, felicidade, desgraça? Porquê?

3. Na indicação cénica, Madalena repete “maquinalmente” e devagar o que acaba de ler. Essa atitude significa atenção ou devaneio? Porquê?

4. Em que posição e com que expressão fisionómica vê Madalena naquela pausa que faz, depois de proferir “Mas eu...”?


Cena 2

1. Qual é o objectivo principal de Madalena?
2. Há na cena duas fases: uma em que Madalena pede timidamente e Telmo é categórico, outra em que Madalena ordena e Telmo se retrai.
2.1. Delimita no texto cada uma das duas fases.
2.2. Que sentimento justifica em Madalena, as negativas reticentes “eu não sei...” “digo que não sei”, da primeira fase?
2.3. Que outro sentimento, oposto ao primeiro, condiciona as frases afirmativas e as imperativas da segunda?
3. Por que meio se faz nesta cena a aproximação entre Madalena e D.João?
4. Que motivos levam Telmo a censurar D. Madalena na 1ª parte do diálogo?

Acordo ortográfico

A discussão sobre a oportunidade e validade do Acordo Ortográfico tem posto em evidência que ninguém é dono da língua, pelo que não haverá nenhum acordo que impeça evoluções desencontradas.O conceito que tem circulado em algumas das intervenções, e que parece ajustado à natureza das coisas, é o que sustenta que a língua não é apenas nossa, também é nossa.É por isso que acordos, declarações, tratados, são certamente adjuvantes de uma política que mantenha a identidade essencial, mas nenhum terá força vinculativa suficiente para evitar que as divergências surjam pelas tão diferentes latitudes em que a língua portuguesa foi instrumento da soberania, da evangelização, do comércio.Existem locais onde os factos tornaram evidente que a língua não resiste à falta de utilidade para os povos que estiverem abrangidos por qualquer daquelas actividades, e por isso o português sofre dessa erosão no longínquo Oriente do primeiro império, tem marcas pequenas em Macau, luta com o passado apagador da língua pela ocupação de Timor pelo invasor e também com os interesses da Austrália pela expansão da língua inglesa, vai enfraquecendo em Goa.O critério da utilidade para os povos talvez por isso não seja dispensável no discurso dos procedimentos a adoptar para que o essencial seja uma preocupação e empenho constante dos governos que têm a língua portuguesa como língua oficial, cada um sabendo que não é sua, é apenas também sua.Muito recentemente a ONU deu um sinal importante do interesse, com ligação ao número de países que, tendo assento no plenário da Assembleia Geral, falam português.No mês de Março, segundo foi anunciado, o sítio Web Know - Your Rights 2008.org seria tornado mais acessível a pessoas do mundo inteiro, e para isso utilizando oito línguas.Tais línguas são inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, português, holandês e grego.Esta decisão destina-se a apoiar mais de uma dezena de projectos para os quais se pede e espera a intervenção dos parceiros da organização, governos, parlamentos, ONG, e entidades particulares que aderiram em nome e proveito da sociedade civil transnacional em crescimento.O interesse comum é muito mais dinamizador de iniciativas e práticas do que a obrigatoriedade assumida por tratados cuja debilidade directiva é logo evidenciada pelo método da entrada em vigor.Talvez a maleabilidade das Declarações, que estão a ganhar relevo crescente nas relações internacionais, seja mais indicada para servir de apoio directivo a uma política persistente de identificação e defesa do interesse comum, do que a natureza imperativa dos tratados.O ensino e a investigação, no espaço europeu em definição política acelerada, estão apoiados em Declarações que presidem ao desenvolvimento de redes cada vez mais sólidas, e não em tratados.Foi esta consideração que inspirou a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, em grande parte devido à percepção do Presidente José Sarney, atento às intervenções e discussões dessa matéria.Tinha presente que a responsabilidade pela língua incumbia à Academia Brasileira de Letras, tal como em Portugal incumbe à Academia das Ciências.Mas não faltaram observações de experientes das relações internacionais, e certamente nem todos com a mesma vivência das academias, no sentido de que os novos Estados de língua oficial portuguesa, que também deveram ao brasileiro embaixador Aparecido de Oliveira a criação da CPLP, não tinham nem a tradição, nem as vocações e recursos que os levassem a adoptar tal modelo.O Instituto Internacional da Língua Portuguesa foi criado como centro de encontro entre iguais, para, identificando os interesses comuns, convergirem nas políticas destinadas a servir esses interesses, salvaguardando o instrumento insubstituível que é a língua.Não parece ter acontecido que a inspiração do Instituto Internacional da Língua Portuguesa tenha sido revisitada, mas também não parece que o critério que orientou a sua criação deva ser ignorado.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Filomena Mónica ressalta diferença e genialidade da obra de Cesário Verde

29 de Outubro de 2007, 16:26
Lisboa, 29 Out (Lusa) - A biografia do poeta Cesário Verde, de Maria Filomena Mónica - hoje apresentada em Lisboa - procura "fazer ressaltar quão diferente e genial era a sua obra", disse a autora à Lusa.
A obra "Cesário Verde. Um génio ignorado" inicia uma nova colecção dedicada a biografias de personalidades tanto nacionais como estrangeiras da Alêtheia Editores, que prevê editar biografias do historiador e político Alexis de Tocqueville, e dos pintores Caravaggio e Grão Vasco.
Em declarações à Lusa, Filomena Mónica, que é uma das especialistas da obra de Eça de Queirós, de quem se confessa "grande admiradora", admitiu ter traído "o grande escritor" pelo poeta de "Sentimento de um Ocidental".
"É de facto uma traição pois gosto muito mais do Cesário que do Eça. O Cesário é um génio e esses só aparecem de cinco em cinco séculos, e o Eça é um grande artista", disse.
Tal como em Eça, cujos papéis privados ficaram para sempre depositados no oceano quando o navio que os transportava se afundou, para escrever esta biografia Filomena Mónica deparou-se também com "falta de fontes, tanto mais que a sua quinta em Linda-a-Pastora ardeu em 1919".
"Eu gostaria de ver mais as suas cartas, e ele escreveu muitas e é minha intuição, pelo que sobrou, que além de genial poeta seria um excelente prosador. Gostaria de conhecer a sua biblioteca, pois a família era culta e teria livros até anotados por ele", acrescentou. A este acidente "há a acrescentar que, quando morreu, Cesário era um desconhecido e os amigos desfizeram-se das cartas dele que porventura tinham".
Todavia, a investigadora procurou o retrato do homem no seu momento histórico.
"Procurei colocá-lo no meio cultural do seu tempo e nota-se que não tinha paralelo, era uma voz tão nova e revolucionária que impressiona", declarou.
Cesário Verde nasceu na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa, a 25 de Fevereiro de 1855, em 1873 "começou a rabiscar uns poemas" e morreu tuberculoso aos 33 anos.
O livro da sua poesia foi editado em 1901, mas "o seu reconhecimento como poeta genial surge 40 anos depois, com o alerta de Fernando Pessoa", de quem Filomena Mónica "seguiu o conselho": foi ler os seus contemporâneos e chegou à conclusão de que de facto "Cesário era um génio".

NL.
Lusa/Fim

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Cesário Verde


Aspectos biográficos de Cesário Verde

José Joaquim Cesário Verde nasceu em Caneças, no concelho de Loures, a 25 de Fevereiro de 1855.
O seu pai era lavrador e comerciante, sendo proprietário de uma quinta nas imediações de Lisboa, em Linda-a-Pastora, e de uma loja de ferragens na baixa lisboeta, onde Cesário Verde chegou a trabalhar. Foi nestas actividades que repartiu a sua vida, fazendo do quotidiano o assunto da sua poesia. Desta forma, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais com os quais nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874, e onde travou conhecimento com figuras da vida literária, como Silva Pinto, que se tornou seu grande amigo e, após a sua morte, compilador da sua obra.
Para além de algumas viagens curtas a Paris e a Londres, a sua vida resumia-se aos caminhos percorridos entre Lisboa e Linda-a-Pastora, e são esses mesmos caminhos e as pessoas desses locais que Cesário Verde reproduz na sua obra.
Aquando da sua entrada para a Faculdade de Letras, estreou-se com várias poesias nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença, acolhidos com críticas quase sempre desfavoráveis. Em 1874, foi anunciada a edição de um livro de Cesário Verde, o que, no entanto, não aconteceu. Esta falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário, fizeram com que Cesário Verde deixasse de publicar em jornais.
Assim, a partir de 1879, Cesário Verde empenha-se cada vez mais no auxílio nas tarefas da loja de ferragens e da exploração da quinta. Em 1872, a sua irmã morre, seguindo-se, dez anos depois, o seu irmão, ambos de tuberculose. Foi esta a doença que viria a vitimar igualmente o poeta, a 19 de Julho de 1886, apesar das várias tentativas de convalescença.
Só em 1887 foi organizada, por iniciativa de Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas com o título de O Livro de Cesário Verde.


Correntes literárias influentes

Cesário Verde era, antes de mais, um realista que utilizou também o impressionismo nos seus poemas, já que materializa o abstracto, insiste na impessoalidade, utiliza paisagens e locais para traduzir estados psicológicos, dá espírito a objectos.
Além disso, Cesário Verde e as suas composições poéticas enquadram-se também no Parnasianismo que defende “a arte pela arte” e que foi iniciado em França no século XIX.
Esta corrente literária procura um acabamento perfeito através de poesias descritivas. É uma reacção contra o Romantismo, defendendo a objectividade em detrimento do sentimentalismo, e a perfeição formal em detrimento da indisciplina da linguagem. È um retorno ao racionalismo e uma busca pela impessoalidade.
Através da junção do realismo, com o impressionismo e o Parnasianismo, os poemas de Cesário Verde tornam-se autênticas representações pictóricas da realidade devido à utilização de uma linguagem colorida, à musicalidade e à perfeição formal.
Desta forma, Cesário Verde preocupa-se bastante em apresentar o quotidiano da realidade de uma forma realista, clara, objectiva e concreta. Procura descrever o mundo com objectividade, tentando captar os mais ínfimos pormenores de forma a poder, depois, transmitir percepções sensoriais e partir para uma subjectividade sóbria.


Flores Velhas[1]

Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um voo.

Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas;
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.

Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.

Diziam-me que tu, no flórido passado,
Detinhas sobre mim, ao pé daquelas rosas,
Aquele teu olhar moroso e delicado,
Que fala de langor e de emoções mimosas;…

E, ó pálida Clarisse, ó alma ardente e pura,
Que não me desgostou nem uma vez sequer,
Eu não sabia haurir do cálix da ventura
O néctar que nos vem dos mimos da mulher.

Falou-me tudo, tudo, em tons comovedores,
Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes;
As falas quase irmãs do vento com as flores
E a mole exalação das várzeas rescendentes.

Inda pensei ouvir aquelas coisas mansas
No ninho de afeições criado para ti,
Por entre o riso claro, e as vozes das crianças,
E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.

Lembrei-me muito, muito, ó símbolo das santas,
Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas,
E sob aquele céu e sobre aquelas plantas
Bebemos o elixir das tardes perfumadas.

E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruído em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados...

Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso mau como o sorrir de Judas.

E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! nunca mais virá, meu lírio, nunca mais!

Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!
Quando ontem eu pisei, bem magro e bem curvado,
A areia em que rangia a saia roçagante,
Que foi na minha vida o céu aurirrosado,

Eu tinha tão impresso o cunho da saudade,
Que as ondas que formei das suas ilusões
Fizeram-me enganar na minha soledade
E as asas ir abrindo às minhas impressões.

Soltei com devoção lembranças inda escravas,
No espaço construí fantásticos castelos,
No tanque debrucei-me em que te debruçavas,
E onde o luar parava os raios amarelos.

Cuidei até sentir, mais doce que uma prece,
Suster a minha fé, num véu consolador,
O teu divino olhar que as pedras amolece,
E há muito me prendeu nos cárceres do amor.

Os teus pequenos pés, aqueles pés suaves,
Julguei-os esconder por entre as minhas mãos,
E imaginei ouvir ao conversar das aves
As célicas canções dos anjos teus irmãos.

E como na minha alma a luz era uma aurora,
A aragem ao passar parece que me trouxe
O som da tua voz, metálica, sonora,
E o teu perfume forte, o teu perfume doce.

Agonizava o Sol gostosa e lentamente,
Um sino que tangia, austero e com vagar,
Vestia de tristeza esta paixão veemente,
Esta doença enfim, que a morte há-de curar.

E quando me envolveu a noite, noite fria,
Eu trouxe do jardim duas saudades roxas,
E vim a meditar em quem me cerraria,
Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.

Pois que, minha adorada, eu peço que não creias
Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim;
Há tempos que não sinto o sangue pelas veias
E a campa talvez seja afável para mim.

Portanto, eu, que não cedo às atracções do gozo,
Sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo,
E, ó pálida mulher, de longo olhar piedoso,
Em breve te olharei calado e moribundo.

Mas quero só fugir das coisas e dos seres,
Só quero abandonar a vida triste e má
Na véspera do dia em que também morreres,
Morreres de pesar, por eu não viver já!

E não virás, chorosa, aos rústicos tapetes,
Com lágrimas regar as plantações ruins;
E esperarão por ti, naqueles alegretes,
As dálias a chorar nos braços dos jasmins!

Estrutura interna
Esta composição poética pode ser considerada uma elegia, já que exprime sentimentos tristes e dolorosos, em consequência da saudade provocada no eu poético por um amor passado. Este poema é um monólogo endereçado a uma mulher, Clarisse, que se encontra ausente. É apresentado um “jardinzinho agreste” onde o sujeito poético passou momentos de grande felicidade.
Podemos dividir o poema em três partes lógicas.
A primeira engloba as primeiras nove estrofes, onde o sujeito poético relembra a sua recente visita ao jardim, associando os elementos da Natureza à própria experiência amorosa que ali viveu (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem, / Traziam-me à memória idílios imortais…”). Também nesta parte se compreende um certo arrependimento do eu poético por não ter desfrutado devidamente daquele amor (“Eu não sabia haurir do cálix da ventura / O néctar que nos vem dos mimos da mulher.”).
A segunda parte vai da décima à décima quarta quadra, na qual o sujeito poético como que se apercebe, com arrependimento, de que o tempo não pode voltar atrás e que nunca reaverá aquele amor (“Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas / Nos bancos de tijolo…”). Assim, recorre à autocrítica e confessa não ter compreendido a coerência do silêncio do amor passado (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, …”). Faz também uma menção ao facto de as memórias, as “Flores Velhas”, que naquele momento estavam a ressurgir, terem sido apagadas temporariamente (“E tudo enfim passou, passou como uma pena / Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais, …”).
Este desgosto faz com que recorde as características da amada, passando mesmo a sentir ilusoriamente a presença desta, o que acontece na terceira parte do poema, que vai da décima quinta à décima oitava quadra.
A quarta parte do poema estende-se desde a décima nona ao final do poema, onde o eu poético revela o seu desejo de morrer e ironiza, dizendo que quer que isso aconteça na véspera da morte da sua amada, para que esta morra de desgosto.
O contraste entre a cidade e o campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário Verde e revela-nos, por um lado, o seu amor ao rústico e ao natural e, por outro lado, uma certa renúncia à perversidade e aos valores urbanos a que, no entanto, adere.
Neste poema, também esta temática é abordada visto que a experiência recordada se passa num “jardinzinho agreste”, o que nos dá a impressão de ser um local isolado, afastado pela cidade, e para onde o sujeito poético e a amada fugiam quando pretendiam estar a sós. O facto de se chamar “desterro” a este jardim, indica que este era um local solitário, mas que permitia escapar ao confinamento da cidade.
Ao revisitar esse jardim, as memórias desse amor agudizaram-se porque o próprio jardim ainda não o tinha esquecido. Este amor só seria possível no campo, longe da cidade. Isto pode ser constatado através dos versos: “Eu trouxe do jardim duas saudades roxas, / E vim a meditar em quem me cerraria, / Depois de eu morrer, as pálpebras já frouxas.”, em que se verifica que após abandonar o campo, o sujeito poético é invadido por pensamentos mórbidos, acabando a sua felicidade, que neste caso, se prendia com as recordações de um amor passado. A cidade é, então, sinónimo de ausência de amor e, portanto, de vida.
Este contraste entre campo e cidade, entre vida e morte, está em tudo relacionado com o facto de o poeta ter sido afastado do campo na sua infância e, depois, ter sido enfraquecido pela cidade, o que fez com que, quando voltava para o campo, encontrasse sempre a energia perdida.
Outra das temáticas de Cesário Verde abordadas neste poema é a imagética feminina, relacionada também com a temática anterior.
A mulher representada neste poema era do campo, sendo retratada como sendo frágil, de olhar “moroso e delicado” de “emoções mimosas”, de “alma ardente e pura”, “boa amiga”, “meiga amante” e uma “pálida mulher, de longo olhar piedoso”. Esta mulher tem, portanto, grandes qualidades, não pertencendo ao mundo da cidade, o que está de acordo com a imagem denegrida que Cesário Verde tem da cidade. Assim, a referida mulher é o sentido da vida do sujeito poético, sendo também a razão do seu desejo de morrer quando este regressa à cidade.
O “néctar”, referido na quinta estrofe, que, para além de ser um suco produzido pelas plantas, é a bebida dos deuses, segundo a mitologia, associado ao “cálix”, que, para além de ser uma estrutura situada abaixo das pétalas numa flor, é também um vaso sagrado, vai dar uma imagem de beleza e pureza à mulher campestre, mas também uma imagem mística e superior.
Em termos de correntes literárias, e como já foi referido, Cesário Verde enquadra-se no Parnasianismo, o que se pode verificar neste poema pelas muitas descrições, acompanhadas de uma rica percepção sensorial e de uma adjectivação abundante, rica e expressiva, que, no entanto, não deixam de ser objectivas, claras e concretas.
Obviamente que também existe uma dimensão subjectiva neste poema que decorre da transfiguração das descrições do jardim em outras descrições, nomeadamente da sua amada e do seu estado de espírito. Cesário Verde dá-nos uma ideia muito clara do jardim e depois faz com que vários pormenores desse mesmo jardim traduzam o seu estado psicológico (“E como na minha alma a luz era uma aurora…”) e sirvam também para descrever a sua amada (“Soberba como um sol, serena como um voo.”).


Unidade forma – conteúdo
Neste poema de Cesário Verde, ao nível de linguagem, o registo é um misto de língua familiar e cuidada, pois, apesar de existir uma intimidade evidente com o “tu” ausente, existe uma certa preocupação na escolha do vocabulário, que é diversificado, e na construção gramatical (“A areia em que rangia a saia roçagante, / Que foi na minha vida o céu aurirrosado…”).
Relativamente ao vocabulário, pode dizer-se que há o emprego de vocábulos concretos, principalmente pertencentes ao campo lexical de jardim, como “abelha”, “alfazema”, “borboletas”, “rio”, “rosas” ou “néctar”.
Ao nível da pontuação, verifica-se que cada quadra engloba uma única frase. Isto permitia que pudesse tratar de determinado tema numa frase (numa quadra) e depois mudar para outro assunto. As frases acabam, na maior parte dos casos, com um ponto final, visto que este poema é descritivo, sendo maioritariamente constituído por frases declarativas. Contudo, existem também algumas exclamações a acompanhar interjeições (“Ah!”), que revelam, principalmente, o arrependimento do sujeito poético, e em invocações da amada (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”). As últimas duas estrofes terminam também com um ponto de exclamação de modo a que a conclusão do poema tenha um tom elevado e marcante.
Este poema é bastante rico em recursos expressivos. Os que são utilizados neste poema são:
- a adjectivação expressiva e abundante (“Os dedos de marfim, polidos e delgados...”), que está de acordo com o facto de ser um poema descritivo;
- a aliteração (“A areia em que rangia a saia roçagante / …aurirrosado”), que imprime uma maior musicalidade ao poema;
- a metáfora e a imagem (“…a lua nos beijou…”, “Nos bancos de tijolo em musgo atapetados…”);
- a sinestesia (“Por entre o riso claro…”, “Bebemos o elixir das tardes perfumadas.”);
- o assíndeto (“O som da tua voz, metálica, sonora…”);
- a enumeração (“E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem…”);
- a comparação (“Soberba como um sol, serena como um voo.”),
- o animismo (“Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,…”);
- a apóstrofe (“Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante!”),
- a hipálage (“… às horas sonolentas…”);
- a ironia (“Na véspera do dia em que também morreres, / Morreres de pesar, por eu não viver já!”), que serve para interromper o sentimentalismo;
- a repetição (“E o teu perfume forte, o teu perfume doce.”, “Falou-me tudo, tudo…”);
- o hipérbato (“Eu, por não ter sabido amar os movimentos / Da estrofe mais ideal das harmonias mudas, / Eu sinto as decepções e os grandes desalentos…”);
- o diminutivo (“jardinzinho”), revelando ternura;
- o polissíndeto (“…e as vozes das crianças, / E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri.”);
- a hipérbole (“…dedos de marfim…”);
- o eufemismo (“Que eu amo esta existência e não lhe queira um fim…”);
- a personificação (“As dálias a chorar nos braços dos jasmins!");
- a exclamação (“Morreres de pesar, por eu não viver já!”).

Estrutura externa

O poema é composto por vinte e quatro estrofes que são quadras (cada uma tem quatro versos). As estrofes são constituídas por versos alexandrinos (de doze sílabas), como se pode depreender através da seguinte análise do verso:“A / go / ni / za / va o / Sol / gos / to / sa e / len / ta / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Um / si / no / que / tan / gia, / aus / te / ro e / com / va / gar, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Ves / tia / de / tris / te / za es / ta / pai / xão / ve / e / men / te, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12Es / ta / doen / ça en / fim, / que a / mor / te / há / -de / cu / rar” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

O esquema rimático é /ABAB/ em cada estrofe, repetindo-se esta sequência ao longo de todo o poema, havendo portanto rima cruzada.
A rima é, na sua maioria, consoante visto que existe uma correspondência total de sons a partir da última vogal tónica de cada um dos versos que rimam (pena / amena, vendavais / mais). Existem, no entanto, excepções em que a rima é toante, havendo correspondência na vogal tónica mas não sendo a rima total a partir daí (beijou / voo, ti / nutri).
Ainda em termos de rima, e analisando as estrofes no seu conjunto, pode-se dizer que existe uma predominância não muito significativa da rima rica (escravas / debruçavas, castelos / amarelos, prece / amolece, consolador / amor…) sobre a rima pobre (santas / plantas, inspiradas / perfumadas, desterro / enterro, atapetados / delgados…).


Ó áridas Messalinas, [1]

Ó áridas Messalinas
não entreis no santuário,
transformareis em ruínas
o meu imenso sacrário!
Oh! A deusa das doçuras,
a mulher! eu a contemplo!
Vós tendes almas impuras,
não me profaneis o templo!

A mulher é ser sublime,
é conjunto de carinhos,
ela não propaga o crime,
em sentimentos mesquinhos.

Vós sois umas vis afrontas,
que nos dão falsos prazeres,
não sei se sois más se tontas,
mas sei que não sois mulheres!


Estrutura interna
É conveniente, antes de tudo, esclarecer o que é uma Messalina, já que é uma palavra bastante relevante para a compreensão de todo o poema.
No Império Romano, existiu uma imperatriz, Valéria Messalina, mulher do imperador Cláudio, que ficou famosa pela sua crueldade e pela sua vida libertina, devassa e promíscua, acabando por ser executada por ordem do marido. Deste facto histórico, surge a palavra “messalina”, utilizada, num sentido figurado, para referenciar alguma mulher que leve uma vida como a de Valéria Messalina.
Muito claramente, os temas deste poema são o amor e a sedução, tendo a mulher por objecto. O sujeito lírico faz uma crítica às mulheres que levam uma vida devassa, pedindo para que não o seduzam.
Esta composição poética pode ser dividida em três porções lógicas.
A primeira porção é a primeira quadra, onde o eu poético pede às “áridas Messalinas”, ou seja, às mulheres depravadas e desprovidas de interesse, para que não invadam o “santuário”, referindo-se à sua vida regrada, cuja integridade seria posta em causa caso fosse seduzido por elas.
A segunda parte lógica do poema são a segunda e terceira estrofe onde o sujeito poético solta frases de veneração e descreve o seu conceito de mulher. Assim, para ele, a mulher seria um ser puro, “sublime”, que não transforma o amor num sentimento desprezível.
Na terceira parte do poema, ou seja, na quarta e última estrofe, o sujeito poético utiliza a definição de mulher que apresentou na segunda parte do poema para a comparar com as Messalinas, dizendo que estas, ao contrário das “mulheres”, são falsas, impuras, e que, portanto, não podem ser consideradas mulheres, apesar de o eu poético não saber se a vida que levam se deve à sua falta de juízo ou à sua crueldade.
As temáticas de Cesário Verde mais evidentes neste poema são o símbolo da mulher e a humilhação sentimental.
É apresentada a Messalina, a mulher fatal que desperta o desejo do eu lírico mas que o arrasta também para a morte, num sentido figurado (“…transformareis em ruínas / o meu imenso sacrário!”). Esta faz parte de um dos principais contrastes que Cesário faz ao longo de toda a sua obra, o “mulher fatal / mulher angélica”, estando, normalmente, a primeira estreitamente relacionada com a cidade, e a segunda com o campo. Assim, as mulheres citadinas, como as Messalinas, eram frias, opressoras e artificiais, símbolo do desenvolvimento urbano. Além disso, também surge a mulher objecto, vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico.
Também neste poema é tratada a humilhação afectiva visto que a mulher fatal, bela, artificial, poderosa e desumana faz com que o sujeito poético a deseje e a receie, levando a que este se sinta humilhado e seja compelido a controlar os seus impulsos amorosos.
A nível de correntes literárias influentes, percebe-se que mais uma vez está presente o Parnasianismo visto que este poema não tem muito de subjectivo, é muito directo e os termos utilizados são bastante fáceis de entender, recorrendo somente à transfiguração da realidade. Não são apresentados quaisquer ideais, mas coisas que são observadas a cada instante, o que é exemplo do carácter impessoal das composições parnasianas.
Este poema foi escrito em 1873, período em que Cesário Verde elaborou bastantes poemas que têm o amor e a mulher por temas. Nesta altura, Cesário Verde era ainda um adolescente, tinha 18 anos, mas a cidade e o campo constituíam já duas facetas da sua vida.
Assim, Cesário Verde produziu poemas que falavam do campo como representante de um amor vivido no passado (como em “Flores Velhas”) ou de um amor idílico, e que falavam da cidade como símbolo do erotismo e da sedução, que, como já foi analisado neste poema, o eu poético não considera sinónimos de verdadeiro amor, mas antes “sentimentos mesquinhos”. Neste poema, particularmente, é feita, em tom jocoso, uma dessacralização da mulher da cidade, pela qual terá tido alguns amores durante a sua adolescência.

Unidade forma – conteúdo
Nesta composição poética o vocabulário é predominantemente concreto e relaciona-se sobretudo com a religião (”templo”, “sacrário”, “santuário”, “deusa”).
São utilizados bastantes pontos de exclamação ao longo do poema que são usados em frases imperativas (“…não me profaneis o templo!”), em conjunto com interjeições (“Oh!”) e também para exprimir admiração, respeito, devoção (neste caso, à mulher pura, “Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”) e aversão (“…mas sei que não sois mulheres!”).
Pode encontrar-se um único ponto final, no final da terceira quadra, já que esta é a estrofe em que se procede à descrição da mulher angélica.
Neste poema, os recursos estético-estilísticos existentes são:
- a apóstrofe (“Ó áridas Messalinas…”);
- a metáfora (“…o meu imenso sacrário!”);
- a aliteração, (“…não sei se sois más se tontas, / mas sei que não sois mulheres!”);
- o hipérbato (“Oh! A deusa das doçuras, / a mulher! eu a contemplo!”);
- a hipérbole (“…transformareis em ruínas…);
- a sinédoque (“A mulher… é conjunto de carinhos…”);
- a exclamação (…não me profaneis o templo!”, “…mas sei que não sois mulheres!”), que serve para intensificar a emoção.
A linguagem utilizada é predominantemente informal, existindo, no entanto, uma selecção cuidada de vocabulário. A linguagem é prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano.

Estrutura externa
A composição poética é constituída por quatro estrofes (quadras), sendo estas constituídas por versos de sete sílabas, como se verifica pela seguinte análise de versos:


“A / mu / lher / é / ser / su / bli / me, 1 2 3 4 5 6 7é / con / jun / to / de / ca / ri / nhos,1 2 3 4 5 6 7e / la / não / pro / pa / ga o / cri / me,1 2 3 4 5 6 7 em / sen / ti / men / tos / mes / qui / nhos.” 1 2 3 4 5 6 7
O esquema rimático é //ABAB/CDCD/EFEF/GHGH//, sendo a rima cruzada.



As rimas pobres (Messalinas / ruínas, santuário / sacrário, afrontas / tontas, prazeres / mulheres) e as rimas ricas (doçuras / impuras, contemplo / templo, sublime / crime, carinhos / mesquinhos) existem em igual quantidade. Verifica-se que as rimas pobres se encontram na primeira e na última estrofe e as rimas ricas se encontram nas outras duas estrofes.
As rimas são todas consoantes, à excepção de prazeres / mulheres.


Manias![1]

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!

Estrutura interna
Este poema, tal como o já analisado “Ó áridas Messalinas”, tem como temas o amor e a mulher. O eu poético conta a história de um sujeito que conhecia que era amante de uma mulher que, apesar de possuir mau aspecto, era prepotente e exercia sobre ele uma grande influência.
Este poema, um soneto italiano, pode ser dividido em três partes lógicas.
A primeira parte é a primeira quadra, na qual o sujeito lírico faz uma pequena introdução, dando a sua opinião sobre o mundo e a vida. Faz um contraste um pouco lúgubre entre a tragédia e a comédia de que é feita a sociedade. Se, por um lado, existem as pessoas excessivamente preocupadas que encaram a vida como se fosse uma desgraça descomedida (“O mundo é velha cena ensanguentada…”), por outro lado, existem os que levam, ridiculamente, a vida de uma forma irreflectida (“A vida é chula farsa assobiada.”).
Daí parte para a segunda parte lógica do poema, iniciando o relato da história de um rapaz já falecido (“…hoje uma ossada…”), a qual serve de suporte para a sua visão jocosamente negra do mundo, já que trata do amor deste rapaz para com uma mulher muito pretensiosa e que exercia no rapaz uma influência tal que este se mostrava receosamente obediente (“…o dengue, em atitude receosa…”).
Na terceira parte do soneto (última estrofe), dá-se a apresentação da ideia principal, ao que se chama “fechar com chave de ouro”. O sujeito poético critica, de modo trocista, a submissão daquele rapaz perante aquela mulher, evidenciando a devoção a Deus por parte da mulher (“…que a amante ia ouvir missa!”) e a devoção àquela mulher por parte do rapaz (“…sujeição canina mais submissa…”).
As temáticas mais significativas abordadas por Cesário Verde neste poema são a humilhação sentimental e a imagética feminina.
O rapaz de quem se fala no poema é, então, o símbolo da humilhação sentimental, já que é totalmente dominado pela mulher que ama, apesar de esta ter mau aspecto (“esquálida e chagada”) e ser mais velha que este (“…já rugosa…”), o que acentua ainda mais o vexame deste rapaz.
Tal como em “Flores Velhas” e em “Ó áridas Messalinas”, também esta composição poética se refere a uma mulher, que, neste caso, é uma mulher fria, perversa, altiva, poderosa, que só deve explicações a Deus (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”), vaidosa, afectada e egocêntrica (“…cheia de jactância quixotesca.”), talvez de meia-idade (“…a deia já rugosa…”). Esta imagem da mulher é o símbolo da artificialidade citadina. Desta forma, mais uma vez a cidade está presente no poema na forma de mulher que serve para retratar os valores decadentes e a violência social.
Mais uma vez o Parnasianismo se encontra presente como corrente literária influente. Recorre-se bastantes vezes à descrição, (nomeadamente do rapaz, da mulher e do mundo), usando vocábulos concretos e claros. Está presente uma clara busca pela perfeição que se denota pela constante recorrência a vocabulário e a recursos estético-estilísticos que permitam uma maior expressividade. Existe também uma despersonalização da poesia, muito pelo facto de a história ser narrada na terceira pessoa. Além disto, tudo é descrito conforme realmente acontece.
Este poema é do mesmo período de “Ó áridas Messalinas”, tempo em que Cesário Verde se dedicou a elaborar poemas cujos temas eram o amor e a mulher. Na maior parte dos casos, estas composições poéticas são de tom satírico, que é o caso de “Manias!”. Isto é claramente evidenciado pela ironia presente no próprio título do poema.
A envolvência de Cesário neste poema é evidente, visto que existe não só a presença da cidade como elemento negativo, mas também da mulher como causa de humilhação, o que explica o facto de nesta altura, 1874, Cesário Verde ser um jovem cuja mentalidade era, em parte, influenciada pelo generalizado fascínio exercido pela mulher fatal e poderosa na sensibilidade do tempo. Este aspecto está também presente em “Ó áridas Messalinas”.

Unidade forma – conteúdo
O vocabulário utilizado neste poema é bastante variado e um pouco complicado já que não faz parte da linguagem geralmente usada no nosso quotidiano (“jactância”, “picaresca”, “pedantesca”, “quixotesca”, “deia”, “dengue”).
Relativamente à pontuação, pode-se verificar que, como cada uma das quadras encerra uma frase, os versos destas terminam com uma vírgula ou com ponto e vírgula, excepto o último verso que termina com ponto final, dando assim um término à frase. Também cada um dos versos dos tercetos encerra com uma vírgula, já que os dois tercetos englobam uma única frase, à excepção do último verso que encerra com o único ponto de exclamação do poema, já que este é o verso que revela de forma mais clara a ironia inerente ao texto.
Também se verifica o emprego do hífen na segunda quadra (“…-hoje uma ossada - …”) que tem como função a introdução de um pequeno à parte que nos dá uma informação suplementar.
Comparando “Manias!” com os outros dois poemas anteriormente analisados pode-se constatar que, no que diz respeito à linguagem, este poema é mais complexo do que os outros dois, o que é devido, em grande parte, aos vocábulos pouco usuais, como já foi referido. Assim, pode-se dizer que a linguagem é cuidada. No entanto, a construção sintáctica das frases é simples.
As principais figuras de estilo utilizadas são:
- a metáfora (“Na sujeição canina mais submissa…”);
- a adjectivação expressiva e abundante (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a hipálage (“Levava na tremente mão nervosa…”);
- a enumeração (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
- a ironia (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”);
- o assíndeto (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- a imagem (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
- o disfemismo (“…hoje uma ossada…”);
- a exclamação (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”).

Estrutura externa
Este poema é um soneto italiano, sendo constituído por duas quadras e dois tercetos. Possui, portanto, catorze versos, que são de dez sílabas, o que se pode confirmar pela seguinte análise:
“O / mun / do é / ve / lha / ce / na en / san / guen / ta / da, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Co / ber / ta / de / re / men / dos, / pi / ca / res / ca; 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10A / vi / da é / chu / la / far / sa a / sso / bi / a / da,1 2 3 4 5 6 7 8 9 10Ou / sel / va / gem / tra / gé / dia / ro / ma / nes / ca.” 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

O esquema rimático do soneto é//ABAB/ABAB/CDC/DCD//, pelo que existe rima cruzada. Todas as rimas são consoantes porque existe sempre correspondência de sons a partir da última vogal tónica.
A maior parte das rimas são pobres (picaresca / romanesca, rugosa / receosa, pedantesca / quixotesca, receosa / nervosa), existindo algumas rimas ricas (ossada / chagada, preguiça / submissa, submissa / missa).


Conclusão


Cores, formas, luz. São estas as impressões que se retêm em mente após esta leitura e análise de três dos vários poemas elaborados por Cesário Verde. Ou pelo menos é isso que espero que tenha acontecido aos leitores deste trabalho de exploração.
A forma como estes poemas foram elaborados, que parecem autênticas “pinturas em prosa”, permite uma boa compreensão das paisagens e dos episódios que o poeta nos pretendeu comunicar.
“Flores Velhas”, “Ó áridas Messalinas” e “Manias!” são bons e importantes exemplos das temáticas tratadas por Cesário ao longo da sua (curta) carreira poética, nomeadamente a mulher, a humilhação sentimental e, ainda, o sempre presente binómio cidade/campo. Existem ainda outras, como a questão social e a humilhação estética, que não foram abordadas nestes poemas, o que não deixa de ser um incentivo para uma leitura mais extensa da obra completa de Cesário Verde.
Assim, espero que este trabalho tenha conseguido alcançar os objectivos inicialmente propostos. Espero que tenha contribuído para um maior conhecimento acerca da obra e vida de Cesário Verde, no geral, e para uma melhor compreensão das três obras analisadas, em particular.
Em suma, é do meu desejo que deste trabalho possam ser colhidos dividendos positivos, como o despertar da curiosidade acerca da obra deste autor e o melhor entendimento relativamente às suas ideias, temáticas e formas de expressão.


Bibliografia


AAVV (2004). Diciopédia 2005, Porto: Porto Editora Multimédia.
Borregana, António Afonso (1995). O Texto em Análise, 5ª Edição, Lisboa: Texto Editora.
Macedo, Helder (1999). Nós. Uma leitura de Cesário Verde, 4ª Edição, Lisboa: Presença.
Pinto, José Manuel de Castro e Maria do Céu Vieira Lopes (2002). Gramática do Português Moderno, Lisboa: Plátano Editora.
Rodrigues, Fátima (1998). Cesário Verde: Recepção oitocentista e poética, Lisboa: Edições Cosmos.
Verde, Cesário (1987). O Livro de Cesário Verde, Aveiro: Livraria Estante Editora.
Veríssimo, Artur (2004). Ser em Português 11, Porto: Areal Editores.
http://www.officinadopensamento.com.br/
http://www.portodeabrigo.pt/
http://www.purl.pt/



[1] Este poema foi publicado n’O Diário da Tarde em 1874, no Porto.
[1] Este poema foi publicado no Diário de Noticias em 1873, em Lisboa.
[1] Este poema foi publicado n’O Jornal da Tarde em Dezembro de 1874, no Porto.

Caracterização de Personagens na obra Frei Luis de Sousa

Telmo Paes


A personalidade de Telmo é caracterizada pela grande cultura adquiri da ao longo dos anos através da sociabilização e dos livros, tendo em conta que foi aio e escudeiro de D. João de Portugal e camarada de seu pai. No desenrolar da obra, Telmo, apresenta a sua personalidade dividida enquanto ao amor e à fidelidade que sente pela sua escolar Maria (fruto do segundo casamento de Madalena, de que Telmo não concordou) e pelo seu outro educando, D. João de Portugal. Outra característica psicológica de Telmo é a sua crença e superstição, pois acredita no Sebastianismo; crença que desvanece ao longo da evolução psicológica do indivíduo pois a divisão interior é mais significativa; sabendo que o regresso de D. Sebastião implica o regresso de D. João de Portugal, Telmo deixa de acreditar na concretização do mito sebastianista (o que contradiz o seu carácter patriótico), deste modo aquele que foi tão desejado, por Telmo, deixa de o ser pois a sua vinda é a desgraça de Maria, aquela que Telmo decide ser a sua agraciada. Factor que demonstra grande ambiguidade sentimental.
Enquanto aos aspectos físicos Telmo é detentor de barbas e cabelos esbranquiçados (verifica-se tal característica através da comparação que este estabelece com o cabelo e barba de D. João), o que indica uma idade já algo avançada da personagem. Usará trajes simples, pois é escudeiro. O seu rosto denota confiança e amizade pois os vários conhecimentos, da personagem, são apreciados ao longo da obra e é a ele a quem Maria confia os seus pensamentos e considerações mais profundas.


D. João de Portugal - Romeiro


D. João foi guerreiro na Batalha de Alcácer Quibir, sob as ordens de el-rei D. Sebastião. É uma personagem que a nível bélico é considerado espelho de cavalaria. Possui um carácter forte e decisivo, rígido e em certa parte vingativo, (sendo este rancor vencido pela benevolência, pela pureza e pela bondade). É desejado e invocado consequentemente por Telmo seu aio, que numa evolução psicológica final, contraria os sentimentos demonstrados nas acções anteriores. Quando regressa para demonstrar a fidelidade e lealdade a Madalena depara-se com factos que o surpreendem alterando o seu objectivo principal. Nesse momento D. João sente um grande vazio interior, pois não tem nem família, nem parentes, apenas um amigo (Telmo) que o deixou de ser da forma que outrora o foi.
Em relação aos aspectos físicos D. João possui barbas e cabelos compridos, que seriam demasiado alvos em relação à sua idade. Com traços faciais carregados. As vestes elementares e deterioradas, acompanhadas de um bordão com as conchas de San Tiago, símbolo dos peregrinos. Tendo em conta, que no passado foi um elegante e aposto cavaleiro moço.

Texto Expositivo-Argumentativo

Tema: Os agouros, superstições e mitos em Frei Luís de Sousa, de A. Garrett.
Na obra Frei Luís de Sousa verifica-se a renovação de temas desvalidos pelas obras de cultura clássica, pois, com o romantismo instauraram-se assuntos patrióticos com sensibilidade histórica e mitológica. O aparecimento do mito sebastianista e de outros presságios, nesta obra, reforçam o caracter romântico de Garrett e o interesse e atractivo no desenrolar deste drama, pois a contrariedade de sentimentos em relação ao aparecimento de D. Sebastião não é apreciado, na obra, de uma maneira uniforme e invariável.
Tendo em conta a época histórica da obra, o aparecimento de el-rei D. Sebastião seria algo benéfico para o reino, contudo não se verifica tal interesse na sensibilidade da maioria das personagens. É o caso de D. Madalena e de D. Manuel de Sousa Coutinho que preferem não acreditar no sebastianismo, pois se o fizerem admitem não só o regresso de D. Sebastião, mas ainda, o aparecimento do primeiro marido de Madalena, D. João de Portugal. Com a análise psicológica de Madalena comprova-se que esta tem vivido cheia de temores durante toda a sua vida amorosa, devido ao acidente que lhe adiantou o casamento com D. Manuel e ao facto de se ter apaixonado por este quando ainda era cônjuge de D. João, (este acto, na sua consideração, é admitido como pecado e crime).
As superstições e mitos, nesta peça, são fundamentais. As crenças, os sonhos e o interesse profético de Maria servem como advertência e aviso daquilo que se avizinha, fornecendo, ainda, amparo ao desconhecimento sobre a influência do passado na sua existência. Madalena, como forma de desacreditar as ideias da filha, convence Telmo a não lhe prestar nenhuma informação, pois Madalena, através do desenrolar de diversas quimeras, vê a ignorância dos factos a única maneira de se salvar a si e à sua filha, do pecado que ela diz ter cometido e que a sociedade de então não lhe o permitiria.
A passagem do tempo sobre o desaparecimento de D. Sebastião e consequentemente sobre o desaparecimento de D. João parece desacreditar o mito sebastianista, o que profere uma certa contradição mitológica. Outro ponto negativo acerca das superstições é o facto do retrato de D. Manuel ter ardido, pois isto parece indicar a iminente destruição do próprio D. Manuel mas, com a amnistia dos governadores sobre o acto de D. Manuel, parece haver uma retomada de felicidade para toda a família de D. Manuel.
O sebastianismo, subjacente à peça, parece entrar em contradição com o próprio mito (tragédia / salvação), pois no prisma de Telmo (principalmente, numa fase inicial) e de Maria a concretização deste mito é desejada; enquanto que D. Madalena e D. Manuel, sendo o último um “português verdadeiro” e que deveria apoiar o sebastianismo, não pretendem ver o mito consumando, pois se este for concretizado a aliança entre eles não poderá existir e Maria será o fruto de um amor impossível e vista como ilegítima.
A analogia que se pode estabelecer entre os dois “filhos” de Telmo, Maria e D. João, é de drama pois um é a desgraça do outro e vice-versa.

João Martins

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Actores de Hollywood vão protagonizar «Os Maias» em Londres

Um elenco com actores de Hollywood vai protagonizar uma dramatização do romance «Os Maias», de Eça de Queirós, numa ambiciosa produção no «West End», em Londres, no próximo ano, revelou hoje o produtor, Eduardo Barreto.
«Só posso dizer que vai ser um elenco de luxo e o actor principal será um dos grandes nomes de Hollywood», adiantou à Agência Lusa Eduardo Barreto, responsável pelo projecto.
O produtor não quis nomear os actores, «uma mistura de ingleses e americanos com experiência em teatro e cinema», alegando que estão ainda a decorrer as negociações para encontrar datas possíveis nas suas agendas profissionais.
Devido a estes constrangimentos, deverá demorar ainda «umas boas semanas» até os contratos estarem assinados, adiando a peça - que esteve anunciada para Dezembro - para a próxima Primavera, em 2008, «não antes de Abril».
Um «grande elenco» é um dos ingredientes essenciais para concretizar este projecto com sucesso, enuncia Barreto, já que é isso que vai atrair financiadores e público.
«Tem de ter elementos comerciais para fazer dinheiro«, vincou, em declarações à Lusa.
A peça vai chamar-se »Lisbon« e foi adaptada do romance oitocentista de Eça pelo reputado dramaturgo britânico Peter Oswald, que escreveu um texto »lindíssimo, meio em verso, meio em prosa«, acrescenta o produtor.
A adaptação coloca em destaque as três personagens masculinas, Carlos da Maia, João da Ega e Afonso da Maia, e são esses papéis que serão protagonizados pelos actores conhecidos.
Parte do financiamento estará assegurada, assim como uma sala no conhecido »West End«, bairro londrino onde se concentram os principais teatros, já que Eduardo Barreto está a colaborar com um dos maiores grupos do meio.
A »força da história« e o facto de ser »um projecto de qualidade« conseguiu atrair também »um encenador inglês muito conceituado e premiado nos EUA«, mas cujo nome o produtor preferiu manter em segredo até estar confirmado.
A convicção de Eduardo Barreto neste projecto, no qual trabalha »há dois anos«, vem do facto de ter encenado »O Crime do Padre Amaro«, de Eça de Queirós, também na capital britânica em 2001, e que, segundo ele, »foi muito bem recebido.
Residente em Londres desde 1992, Eduardo Barreto, 37 anos, tem uma carreira variada como actor e realizador de filmes comerciais, tendo nos últimos anos trabalhado sobretudo em produção com a companhia que criou, a Requiem Productions.

Diário Digital / Lusa
11-07-2007 13:24:00

terça-feira, 19 de junho de 2007

Fernando Pessoa



É uma imagem conhecida e já serviu para ilustrar a capa de uma fotobiografia de Fernando Pessoa. O poeta tinha 10 anos quando tirou este retrato em Durban, na África do Sul, onde viveu e estudou. A expressão do Pessoa que nos foi dado a ver já está aqui. E quanto mais se olha para ela mais se fica com a impressão que o poeta só teve uma expressão. E manteve-a sempre de cada vez que enfrentava uma máquina fotográfica, quer tivesse 3, 10 ou 30 anos. No verso da fotografia, Pessoa escreveu esta dedicatória: “Á sua querida tia Lisbella com muitos beijos do seu sobrinho muito amigo Fernando. Durban 1898”.
A fotografia que Fernando Pessoa tirou em Durban, na África do Sul, quando tinha 10 anos, foi vendida a um alfarrabista por 8500 euros, tornando-se na imagem mais cara alguma vez vendida num leilão em Portugal. A outra carte-de-visite de Pessoa colocada em praça (um retrato do atelier Camacho, de Lisboa), captada quando o poeta tinha cerca de 3 anos, foi arrematada por 460 euros (o preço-base era de 300).

sábado, 16 de junho de 2007

Como comentar um poema

Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático. Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.

Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.

Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos. A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.

Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta. As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento
Personificação/prosopopeia
antítese ( contraste de ideias)
Hipérbole
Tropos
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque

Para saberes mais sobre as diversas figuras de estilo consulta:

Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual
Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os conceitos; é observar as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias explícitas; é um momento em que o leitor estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o modo como o fez, com a sua subjectividade de quem analisa e comenta.
O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos diferentes planos de análise.
As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário citar um verso completo ou uma frase completa deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição. Quando se desejar citar mais do que um verso e essa citação seguir exactamente a ordem do poema em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da utilização de uma barra oblíqua [/].

Modernismo

O MODERNISMO em Portugal tem seu início oficial no ano de 1915, quando um grupo de escritores e artistas plásticos lança o primeiro número da "Orpheu", revista trimestral de literatura. Esse grupo é composto por Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros o brasileiro Ronald de Carvalho e, entre outros, o fantástico e polêmico, Fernando Pessoa e seus heterônimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro).Segundo Luís de Montalvor, Orfeu "é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento". Ainda conforme Moltalvor, a pretensão dos integrantes da Orfeu "é formar, em grupo ou idéia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos".Esses jovens artistas, também conhecidos como Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Marinetti; pelo Institucionalismo de Henri Bergson, cuja linha de pensamento só admitia o conhecimento natural e espontâneo e dizia não à ciência e à técnica; e pelos ensinamentos de Martin Heidegger, que colocava a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como uma determinação social.




Os objectivos principais dos orfistas eram:



Mário de Sá Carneiro Almada Negreiros Fernando Pessoa

Chocar a burguesia com a sua obra irreverente (poesias sem metro, exaltando a modernidade);
Tirar Portugal de seu descompasso com a vanguarda do resto da Europa.
Logo no primeiro número, publicado em abril de 1915, os orfistas conseguiram criar o ambiente de escândalo desejado, graças a críticas violentas, que podem ser encontradas nos poemas "Ode triunfal" de Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa) e "Manicure" de Mário de Sá-Carneiro. Esse primeiro número esgotou-se em apenas três semanas graças a um sucesso "negativo": as pessoas que compravam a revista ficavam horrorizadas e despejavam sua ira contra os seus colaboradores. Armando Cortes Rodrigues, um dos membros da Orpheu, conta que os orfistas eram constantemente ironizados e chamados de loucos.O segundo e último número da revista Orpheu foi lançado em julho de 1915, com conteúdos bem mais futuristas. O terceiro número chegou a ser planejado, mas não foi editado por causa do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da revista.



Mário de Sá Carneiro

Almada Negreiros

Essa primeira geração Modernista, surgida em meio à Primeira Guerra Mundial, foi nitidamente influenciada pelos vários manifestos de vanguarda europeus. Esse talvez seja o motivo principal dos autores desse período apresentarem individualidades muito fortes e não seguirem um padrão estético linear. Apesar do precoce desaparecimento da "Orpheu", essa revista deixou uma rica herança, uma vez que surgiram várias outras revistas que, a grosso modo, foram seguidoras do orphismo e que tiveram duração efêmera, ou seja, duraram pouco. Foram elas:
Centauro (1916);
Exílio (1916);
ícaro (1917);
Portugal Futurista (1917);
Etc.
Ainda nesse primeiro momento do Modernismo português surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca. Nomes de destaque na literatura portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum dos momentos modernistas. Para o professor de Literatura Portuguesa Massaud Moisés esses dois poetas são enquadrados em um momento literário que classifica como "Interrogno".




Revista Exílio - nº unico abril 1916. Direção Augusto de Santa Rita
Linhas temáticas da poesia de Miguel Torga

Grupo 1 _A criação poética ( sonho, solidão, rebeldia, rito, liberdade) _ Lê os poemas: Canção do Semeador; Maceração; Prospecção.

Grupo 2 _ A condição humana (terrena, animal, mortal) _ Lê os poemas: Comunhão, Condição, Cântico de Humanidade

Grupo 3 _ A revolta da imanência humana contra a transcendência divina _ Lê os poemas: Desfecho, Súplica, Livro de Horas

Grupo 4 _ Problemática religiosa _ Lê os poemas: De Profundis, Tantum Ergo

Grupo 5 _ O desespero humanista _ Lê os poemas: Liberdade; Orfeu Rebelde, Drama

Grupo 6 _ A Obsessão Telúrica _ Lê os poemas: Êxtase, Lezíria, A Terra

Grupo 7 _ A dimensão telúrica da Natureza ( a Terra , corpo vivo; A terra, centro do Cosmos; o abraço Terra Céu, o anseio Terra/Mar; A Terra-Pátria-Ibéria) _ Lê os poemas: Ibéria; Pátria; Imagem; Regresso;

Grupo 8 _ Apego aos limites carnais, Terrenos e a revolta espontânea contra esses limites: Lê os poemas: Depoimento, Descida aos infernos, Mudez;

Grupo 9 _ Apologia de um sentido terreno, instintivo _ Lê os poemas: Bucólica, Mirante, Lavram e semeiam aqui ao lado, S. Leonardo da Galafura;

Grupo 10_ Miguel Torga reactualiza muitos mitos clássicos. Rescreve os seguintes mitos presentes na obra de Torga: Prometeu, Ícaro, Tântalo, Narciso, Orfeu, Anteu e Sísifo.

Nota: Para leres os poemas assinalados clica nesta página.

Comunicado- Miguel Torga

Na frente ocidental
nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Começo- Miguel Torga

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.


Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.