domingo, 15 de fevereiro de 2009

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domingo, 1 de fevereiro de 2009

Estrutura da Mensagem

Introdução à Primeira Parte- BRAZÃO

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-BRAZÃO: I- OS CAMPOS
- Primeiro- O DOS CASTELLOS (1928-12-08)
- Segundo- O DAS QUINAS (1928-12-08)

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-BRAZÃO: II- OS CASTELLOS
- Primeiro- ULYSSES
- Segundo- VIRIATO (1934-01-22)
- Terceiro- O CONDE D.HENRIQUE
- Quarto- D.TAREJA (1928-09-24)
- Quinto- D.AFFONSO HENRIQUES
- Sexto- D.DINIZ (1934-02-09)
- Sétimo (I)- D.JOÃO O PRIMEIRO (1934-02-12)
- Sétimo (II)- D.PHILIPPA DE LENCASTRE (1928-09-26)

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-BRAZÃO: III- AS QUINAS
- Primeira- D.DUARTE REI DE PORTUGAL (1928-09-26)
- Segunda- D.FERNANDO INFANTE DE PORTUGAL (1913-07-21)
- Terceira- D.PEDRO REGENTE DE PORTUGAL (1934-02-15)
- Quarta- D.JOÃO INFANTE DE PORTUGAL (1930-03-28)
- Quinta- D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL (1933-02-20)

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-BRAZÃO: IV- A COROA
- NUN'ÁLVARES PEREIRA (1928-12-08)

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-BRAZÃO: V- O TIMBRE
- A cabeça do grypho- O INFANTE D.HENRIQUE (1928-09-26)
- Uma asa do grypho- D.JOÃO O SEGUNDO (1928-09-26)
- A outra asa do grypho- AFFONSO DE ALBUQUERQUE (1928-09-26)

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Introdução à Segunda Parte- MAR PORTUGUÊS

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-MAR PORTUGUEZ
- O INFANTE
- HORIZONTE
- PADRÃO (1918-09-13)
- O MOSTRENGO (1918-09-09)
- EPITAPHIO DE BARTHOLOMEU DIAS
- OS COLOMBOS (1934-04-02)
- OCCIDENTE
- FERNÃO DE MAGALHÃES
- ASCENÇÃO DE VASCO DA GAMA (1922-01-10)
- MAR PORTUGUEZ
- A ÚLTIMA NAU
- PRECE (1922-01-01)

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Introdução à Terceira Parte- O ENCOBERTO

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-O ENCOBERTO: I- OS SYMBOLOS
- Primeiro- D.SEBASTIÃO
- Segundo- O QUINTO IMPÉRIO (1933-02-21)
- Terceiro- O DESEJADO (1934-01-18)
- Quarto- AS ILHAS AFORTUNADAS (1934-03-26)
- Quinto- O ENCOBERTO (1933-02-21; 1934-02-11)

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-O ENCOBERTO: II- OS AVISOS
- Primeiro- O BANDARRA (1930-03-28)
- Segundo- ANTÓNIO VIEIRA (1929-07-31)
- TERCEIRO (1928-12-10)

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-O ENCOBERTO: III- OS TEMPOS
- Primeiro- NOITE
- Segundo- TORMENTA (1934-02-26)
- Terceiro- CALMA (1934-02-15)
- Quarto- ANTEMANHÃ (1933-07-08)
- Quinto- NEVOEIRO (1928-12-10)

O Padrão (Mensagem)


O esforço é grande e o homem é pequeno
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
este padrão ao pé do areal moreno
e para deante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão signala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por fazer é só com Deus.

E ao immenso e possível oceano
Ensinam estas quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é portuguez.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.



Comentários:
Este é outro dos poemas mais conhecidos de Mensagem e tal como os seus pares (Infante, Mar Português, e Mostrengo) a linguagem é clara e quase não requer explicações.
"o mar com fim..."- o Mediterrâneo; "o mar sem fim..."- o Oceano.
"o que me há na alma (...) só encontrará, de Deus na eterna calma, o porto sempre por achar"- irei sempre mais longe porque, por mais longe que vá, haverá sempre um porto por descobrir; só descansarei (só encontrarei esse porto) depois de morrer.
palavras mantidas em ortografia antiga: deante= diante; signala= sinala (assinala); immenso= imenso; portuguez= português.

Horizonte


Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mysterio,
Abria em flor o Longe, e o Sul siderio
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se approxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe, a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distancia imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte-
Os beijos merecidos da Verdade.


Comentários:
"teus medos tinham coral, e praias e arvoredos"- o medo do desconhecido é o temor infundado do que se imagina como real. Fernando Pessoa exemplifica dizendo que o medo ancestral do mar era sem fundamento: não havia monstros ou turbilhões que afundassem os navios- quando ultrapassámos o medo só encontrámos praias e arvoredos, flores e aves...
"mistério"- termo muito utilizado por Pessoa na acepção de desconhecido, indescoberto.
"Sul sidéreo"- Sul sideral, isto é, sul celeste- aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul que indica a direcção do polo austral
"iniciação"- cerimónia pela qual se começa a explicar a alguém os mistérios de alguma religião ou doutrina. O termo está frequentemente associado aos ritos das sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação refere-se ao esclarecimento geográfico.
"resplendia sobre as naus da iniciação"- brilhava (resplandecia) sobre as naus que demandavam o desconhecido para o desvendar.

O Infante




Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou creou-te portuguez.
Do mar e nós em ti nos deu signal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!




Comentários: Este poema é um dos mais conhecidos de Mensagem.

"Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo".
"Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle".
"Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar.
"Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal"- cumpriu-se o destinado: o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!

Brasão - o Timbre e Introdução à 2ªparte da Mensagem




BRAZÃO: V- O TIMBRE
- A cabeça do grypho- O INFANTE D.HENRIQUE (1928-09-26)




Em seu throno entre o brilho das espheras,
com seu manto de noite e solidão,
tem aos pés o mar novo e as mortas eras-
-o único imperador que tem, deveras,
o globo mundo em sua mão.




Comentários:
"entre o brilho das esferas"- refere-se ao modelo ptolomaico do Universo, que era o geralmente aceite na época do Infante, e que se baseava num conjunto de esferas concêntricas. Pode, eventualmente, tratar-se alternativamente de uma referência às esferas metálicas que representavam o firmamento..
"o mar novo e as mortas eras"- o mar desvendado e o passado de ignorância e temor do desconhecido.
"o único que tem deveras o globo mundo em sua mão"- os imperadores e alguns reis tomavam como simbolo do poder uma esfera que sustentavam na mão, representando a universalidade do seu estatuto. Só no caso do Infante, diz Pessoa, tal se justificaria!







- Uma asa do grypho- D.JOÃO O SEGUNDO (1928-09-26)


Braços cruzados, fita além do mar.
Parece em promontório uma alta serra-
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.

Seu formidável vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu
E parece temer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.


Comentários:
"parece temer o mundo vário que ele abra os braços e lhe rasgue o véu"- parece temer o mundo perplexo que ele revele os seus mistérios.


- A outra asa do grypho- AFFONSO DE ALBUQUERQUE (1928-09-26)

. De pé, sobre os paízes conquistados
desce os olhos cansados
de ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte,
tam poderoso que não quere o quanto
póde, que o querer tanto
calcára mais do que o submisso mundo
sob o seu passo fundo.
Trez impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Creou-os como quem desdenha.

Introdução à Segunda Parte- MAR PORTUGUÊS

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Introdução a MAR PORTUGUÊS

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A segunda parte de Mensagem tem como epígrafe "POSSESSIO MARIS" (Posse do Mar- escrita em maiúsculas porque o latim não tinha minúsculas) e o seu tema é, não tanto a hegemonia marítima como essa divisa poderia fazer supôr (e muito menos o império baseado nessa hegemonia), mas antes o desvendar do mar ignoto pelo Portugal dos séculos XV e XVI que representa a vitória do querer e da ousadia sobre a ignorância. O medo do desconhecido, uma fabricação do espírito que não tem, realmente, causa palpável, é vencido pela vontade de desvendar a Verdade. Essa vontade, inicialmente um sonho, materializa-se na Descoberta- este é, aliás, o tema do segundo poema do Ciclo: "Horizonte". Fernando Pessoa privilegiava os triunfos do espírito sobre os ganhos materiais e, conscientemente ou não, faz poucas referências ao império físico e nenhuma às riquezas materiais dele derivadas.
Mas então, perguntar-se-á: porque não ter feito de "Horizonte" o primeiro poema de "Mar Português"? É que esta parte de Mensagem é também sobre os homens que levaram a cabo a Grande Obra e o primeiro poema é dedicado àquele que esteve na origem do desvendar dos mares, o Infante D.Henrique. Mas esta dedicação está sobretudo no título ("O Infante") porque o texto é de índole geral e poderia também aplicar-se ao esforço da Raça na época das grandes viagens de descobrimento, ao contrário do poema "O Infante D.Henrique" de Brasão que se refere inequivocamente a um só homem.
Os poemas de "Mar Português" seguem uma ordem aproximadamente cronológica referindo (directa ou indirectamente) o Infante, Diogo Cão, D.JoãoII, ... até ao antepenúltimo poema, que dá o nome ao conjunto, "Mar Português" (geralmente considerado o melhor de Mensagem) que olha em retrospectiva a época das Descobertas e pergunta "Valeu a pena?" oferecendo, como resposta, duas das frase mais célebres de toda a literatura portuguesa; "tudo vale a pena se a alma não é pequena" e "quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor".
No penúltimo poema do ciclo (A Última Nau) a época de ouro é encerrada com o desaparecimento de D.Sebastião que, qual Rei Artur depois da batalha de Camlan, embarca para uma ilha desconhecida, e o poeta transporta-nos subitamente à actualidade em que escreve, interrompendo a narrativa para confiar ao leitor o seu pensamento. Mas a visão de Pessoa atira-nos imediatamente para o futuro, um futuro em que O Desejado regressa para retomar o sonho interrompido de um império universal. A intimidade entre poeta e leitor transforma-se no derradeiro poema do ciclo (Prece) em súplica a Deus a quem pede que reacenda a Alma Lusitana para que de novo "conquistemos a Distância".

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O ciclo poético de "Mar Português" é anterior a "Mensagem", tendo sido publicado pela primeira vez em 1922, e manteve a generalidade do conteúdo com apenas a substituição de um poema e alterações aos títulos de outros e a alguns versos. Compreende 12 poemas, incluindo quatro dos cinco através dos quais a poesia de Fernando Pessoa é realmente conhecida da generalidade dos portugueses: "O Infante", "Padrão", "O Mostrengo" e "Mar Português" (o quinto é "O menino da sua mãe" que não faz parte de "Mensagem"). Vale a pena notar que em todos estes o Poeta utiliza uma linguagem sumamente simples, sem recurso a termos estritamente eruditos. Eis alguns dos meus favoritos desta Parte, com links directos para as respectivas páginas, bem como uma selecção de grandes versos e frases escolhidas que ofereço à vossa atenção:
"O Infante" inclui o famosíssimo início Deus quer, o homem sonha, a obra nasce bem como Cumpriu-se o Mar e, em sequência, Falta cumprir-se Portugal!
"Horizonte" inclui uma sequência de quatro versos cuja sonoridade e imagem que invocam muito me agradam:
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
"Padrão" inclui as frases O esforço é grande e o homem é pequeno, e o mar com fim será grego ou romano; o mar sem fim é português.
"O Mostrengo" é conhecido, não por grandes frases mas pelo ritmo e pela imagem de um timoneiro que combate o pavor de sulcar os mares do fim do mundo com a lembrança múrmura das ordens que lho impõem até que, na última estrofe, vence o terror e se alevanta para gritar ao Medo o desafio de um povo condensado na vontade do seu Rei.
"Ascensão de Vasco da Gama" é notável pela descrição poética do indescritível.
"Mar Português" é O poema de "Mensagem" e é praticamente uma sucessão de grandes frases: Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! ; Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! ; Tudo vale a pena se a alma não é pequena. ; Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor. ; e Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.
"A Última Nau" é o primeiro poema de "Mensagem" que se pode designar de místicamente complexo, indiciando um sentido oculto que será precisado na Terceira Parte do Poema. Tem excepcional beleza mas há que lê-lo e relê-lo até começar a saboreá-lo. De notar que este poema constitui o verdadeiro fulcro de Mensagem, concluindo a parte que diz respeito ao Passado, transportando o leitor ao presente e logo à visão do poeta para o futuro de Portugal... e tudo em quatro estrofes!
"Prece" é mais um poema de grande beleza que inclui os versos: Restam-nos hoje, no silêncio hostil, o mar universal e a saudade e Outra vez conquistemos a Distância- do mar ou outra, mas que seja nossa!

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NUN'ÁLVARES PEREIRA


Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando,
faz que o ar alto perca
seu azul negro e brando.

Mas que espada é que, erguida,
faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
que o Rei Artur te deu.

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
ergue a luz da tua espada
para a estrada se ver!


Comentários:
Segundo lendas pagãs de origem irlandesa a espada Excalibur foi dada ao Rei Artur pela Dama do Lago. Era mágica e tornava-o quase invencível. De acordo com uma tradição guerreira muito antiga, era costume ser dado nome a uma arma notável pela sua beleza ou qualidade. Excalibur não podia ser quebrada e o seu nome tem origem céltica e quer dizer "relâmpago duro".
"S.Portugal em ser"- personificação do que há de místico em Portugal (ou do melhor e mais puro em Portugal).
"Ergue a luz da tua espada para a estrada se ver!"- inspira-nos para que encontremos o caminho (da grandeza de Portugal).

D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL


Louco, sim, louco, porque quiz grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nella ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver addiado que procria?


Comentários:
"areal"- o campo de Alcácer Quibir.
"ficou meu ser que houve, não o que há"- ficou o meu corpo, não a minha alma que vive eterna.
"sem a loucura que é o homem mais do que a besta sadia"- sem o sonho (impossível, neste caso) o homem é apenas um animal vivente.
"cadáver adiado que procria"- vivo e a reproduzir-se (sem outra finalidade do que, como nos animais, a propagação da espécie) mas inexorávelmente destinado à morte.

D.FERNANDO INFANTE DE PORTUGAL


Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua sancta guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.

Poz-me as mãos sobre os hombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer-grandeza são Seu nome
Dentro em mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.



Comentários:
Este poema, sem dúvida um dos mais belos de Mensagem, foi o primeiro a ser escrito (em 1913) e destinava-se a servir de mote a um livro que Fernando Pessoa pensou chamar "Portugal". O conteúdo incluiria, pelo menos, o equivalente às duas primeiras Partes de Mensagem, mas a índole talvez não tivesse sido integralmente afim. Este poema, inicialmente chamado "Gládio", foi rebaptizado mas não está totalmente sintonizado com o seu novo nome. É provável que tenha sido originalmente escrito com D.Sebastião em mente.
O D.Fernando referido no poema é o Infante Santo, que morreu refém em Marrocos.
O gládio era uma espada curta como as utilizadas pelos gregos e pelos romanos. A sonoridade da palavra era muito apreciada pelos autores italianos, espanhóis e portugueses que a usavam amiúde designando uma espada de qualquer tipo ou, simplesmente, o seu equivalente simbólico.

D.Duarte

Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.



D.Pedro, o Regente

Claro em pensar, e claro no sentir,
é claro no querer;
indifferente ao que há em conseguir
que seja só obter;
duplice dono, sem me dividir,
de dever e de ser-

não me podia a Sorte dar guarida
por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
calmo sob mudos céus,
fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!

D.João, Infante de Portugal

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
entre tam grandes almas minhas pares,
inutilmente eleita,
virgemmente parada;

porque é do portuguez, pae de amplos mares,
querer, poder só isto:
o inteiro mar, ou a orla vã desfeita-
o todo, ou o seu nada.

Comentários:
D.Duarte Rei de Portugal: "A regra de ser Rei almou meu ser"- A disciplina de ser rei encheu a minha vida (isto é, como D.Duarte viveu o fim do seu curto reinado no remorso das consequências da falhada expedição a Tânger e da prisão do irmão Fernando não tinha prazer na vida, dedicando-se inteiramente ao dever da governação). Esse remorso é a razão da frase do poema: "firme em minha tristeza".
D.Pedro Regente de Portugal: "indiferente ao que há em conseguir que seja só obter"- não fui movido pelo desejo de posse; não fui ambicioso de bens materiais.
"Dúplice dono, sem me dividir, de dever e de ser"- eu e o meu dever fomos um só.
D.João Infante de Portugal- "Minha alma estava estreita entre tão grandes almas...etc"- os meus irmãos (o Infante D.Henrique, o Rei D.Duarte, o Infante D.Pedro, e o Infante D.Fernando) tiveram tal grandeza que me ofuscaram completamente.
"virginalmente parada"- sem actividade; virgem de acção (esta afirmação é inexacta em relação ao Infante D.João que foi um homem de mérito e de préstimo para o País. Aliás, qualquer comparação com um homem de estatura mundial como o Infante D.Henrique só pode resultar injusta para o comparado!).
"é do português querer só isto: o inteiro mar ou a orla vã desfeita"- para um português não há meios termos: ou tudo ou nada (por isso, como não fui tudo, então eu não fui nada!).
"a orla vã desfeita"- a cercadura do mar; a espuma das ondas que se desfazem futilmente na costa.
NOTA: Para os que queiram saber mais sobre D.Duarte sugiro ESTA página.
Sobre D.Pedro sugiro ESTA página excepcional que mostra como o infante, apesar da sua morte trágica e inútil na batalha de Alfarrobeira (que inspirou a ilustração a esta página) teve uma vida verdadeiramente extraordinária e um papel importante no início das Descobertas.
Sobre o Infante D.João Sugiro ESTA página, notando apenas uma correcção: o ano da sua morte foi 1442 e não 1422 como refere a página aconselhada na versão que existia à data em que preparei esta página.

D.João I (Mensagem) e D. Filipa de Lencastre


O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.

Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repelle, eterna chama,
A sombra eterna.


Comentários:
D.João o Primeiro: "O homem e a hora são um só, quando Deus faz e a História é feita"- Fernando Pessoa exprime de novo a ideia de que o destino é traçado por Deus e rege inexoravelmente a História. Quando uma nação atinge uma encruzilhada (como Portugal em 1383) é a hora e os escolhidos executam os actos determinados. O homem é o papel que desempenhou, este é o requerido pela ocasião (pela hora), a ocasião é determinada pelo Destino, o Destino foi traçado por Deus... (simples, não?). Conhecemos D.João I porque teve a sua hora; sem ela teria sido um obscuro mestre de uma ordem militar obscura. Sem a hora não teria havido o homem...
"na ara da nossa alma interna"- no altar do nosso espírito nacional.
"repele a sombra eterna"- repele o olvido, que seria o destino de Portugal se perdesse a sua identidade como nação.
D.Filipa de Lencastre: "Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita geração" dos filhos de D.Filipa e D.João I.
"Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de Portugal; reza por nós!
"Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era suposto trazer felicidade à Terra).


D. Filipa de Lencastre

Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que archanjo teus sonhos veio
Vellar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,
Princeza do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

D.Filipa de Lencastre: "Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita geração" dos filhos de D.Filipa e D.João I.
"Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de Portugal; reza por nós!
"Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era suposto trazer felicidade à Terra).

D.Dinis


Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
o plantador de naus a haver,
e ouve um silêncio múrmuro comsigo:
é o rumor dos pinhaes que, como um trigo
de Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
busca o oceano por achar;
e a falla dos pinhaes, marulho obscuro,
é o som presente desse mar futuro,
é a voz da terra anciando pelo mar.


No século XIII a Europa estava deflorestada após séculos de exploração selvagem das florestas primevas. D.Dinis levou a cabo um vasto plano de reflorestação através do plantio de matas reais de pinheiros bravos. A madeira foi depois utilizada na construção das caravelas das Descobertas, o que é o tema deste belo oitavo poema da Mensagem.
"Cantar de Amigo"- poema medieval, cantado pelos trovadores. D.Dinis escreveu vários destes cantares.
"silêncio murmuro"- silêncio murmurante.
"arroio"- riacho; "marulho"- som do mar.

D.Afonso Henriques


Pae, foste cavalleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como benção!


"Pai" (da nacionalidade).
"hora errada"- épocas em que a caminhada de Portugal para o seu destino- que Pessoa confiava ir ser esplendoroso- sofra retrocessos.
"novos infiéis"- pessoas que, na opinião de Fernando Pessoa, criavam obstáculos (ou viriam a criá-los...) ao destino glorioso que ele sonhava para Portugal.

D.Henrique e D.Teresa



Conde D.Henrique


Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O heroe a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
"Que farei eu com esta espada?"

Ergueste-a, e fez-se





D.Henrique: "Todo o começo é involuntário. Deus é o agente"- exprime a ideia de Fernando Pessoa segundo a qual o Destino rege inexoravelmente a História e foi traçado por Deus desde a origem dos tempos. Assim, aqueles que, na Terra, determinam a História não são mais do que agentes da vontade primeva de Deus e assistem aos seus próprios actos confusos ("vários") e inconscientes de estar a cumprir um plano.
"À espada em tuas mãos achada... etc"- A ideia anterior é particularizada para o pai de D.Afonso Henriques, que talhou à espada os alicerces da futura independência de Portugal. Confuso, pegou em armas e inconscientemente cumpriu a sua missão na Terra... O trabalho que lhe estava destinado "fez-se" (isto é, cumpriu-se, não por sua vontade, mas pela de Deus).



D.TAREJA . . . (ouvir aqui o poema)


As naçôes todas são mystérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de impérios,
Vella por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por elle reza!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instincto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!


D.Tareja (versão arcaica do nome de D.Teresa, mãe de Afonso Henriques): "cada nação é todo o mundo a sós"- cada nação constitui um todo que, enquanto tal, é diferente de todas as outras;
"mãe de reis e avó de impérios"- refere-se à linhagem real portuguesa que dela originou e ao futuro Império.
"...com bruta e natural certeza"- "bruta" significa aqui "de acordo com a natureza" e portanto "bruta e natural" constitui um pleonasmo (isto é, uma repetição).
"o que, imprevisto, Deus fadou."- Aquele que Deus determinou (que fundasse Portugal- isto é, Afonso Henriques). "imprevisto" porque improvável- o primeiro rei de Portugal enfrentou guerras contra o poderoso reino de Castela e Leão, e contra os potentados islâmicos. As probabilidades de sucesso pareciam, à partida, muito remotas, de onde a improbabilidade.
"dê tua prece outro destino"- faz com que Afonso Henriques seja visto pela História a uma luz mais favorável (ver a NOTA final).
"Mas todo vivo é eterno infante/ Onde estás e não há o dia"- no reino dos mortos Afonso Henriques é sempre menino para a sua mãe (?).
"No antigo seio vigilante de novo o cria"- dá-nos outro lider do mesmo calibre (?)



Viriato

Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memória em nós do instincto teu.

Nação porque reincarnaste,
Povo porque ressuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste-
Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquella fria
Luz que precede a madrugada,
E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

Comentários:
"Se a alma... etc"- a nação portuguesa representa, segundo Pessoa, a memória colectiva do instinto de identidade e independência personificado por Viriato.
"povo porque ressuscitou (...) o de que eras a haste"- somos um povo porque renasceu (após a presença romana, nórdica e islâmica) o espírito nacional de que Viriato foi a origem.
Fernando Pessoa tem uma predilecção pelo uso, literal ou simbólico, do termo "antemanhã", isto é, o periodo antes do alvorecer quando começa a despontar uma luz muito ténue. Aqui o poeta compara Viriato à antemanhã da nacionalidade portuguesa.

Ulisses

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.


Comentários:
"O mito é o nada que é tudo"- esta frase exprime a ideia que Fernando Pessoa tinha dos mitos como potenciais motores sociológicos. Mesmo se falso (isto é, mesmo que não seja nada) um mito tem o potencial de provocar comportamentos sociais e, portanto, facilitar a evolução de uma nação segundo determinados vectores.
"O mesmo sol que abre os céus...etc"- provável referência aos deuses solares (ou mitos afins) que todos os dias eram supostos renascer à alvorada, depois de terem "morrido" no poente anterior.
"Este que aqui aportou"- referência a Ulisses, herói lendário da Odisseia e fundador mítico de Lisboa, onde teria aportado numa das suas navegações ("Lisboa" deriva de Olisippo e Ulixbona- em cuja raiz alguns creem ver o nome de Ulisses ou Odisseus).
"Foi por não ser existindo"- porque não era, foi existindo; foi-se insinuando na nossa realidade.
"a fecundá-la decorre"- a lenda tem uma interacção positiva com a realidade; "A vida, metade de nada, morre"- a vida por si só nada vale porque logo desaparece (mas o mito persiste!).

Ulisses

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Ulisses

O mytho é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo -
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos creou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundal-a decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Segundo- O DAS QUINAS (Mensagem)

Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Christo definiu:
Assim o oppoz à Natureza
E Filho o ungiu.

Comentários:
"Os Deuses vendem quando dão" é uma frase que remonta pelo menos à Grécia Clássica e que corresponde a uma visão mesquinha da divindade: os favores dos deuses pagam-se!
"Ai dos felizes porque são só o que passa"- a felicidade é transitória e os que se contentam em ser apenas felizes não têm consequência na História; "Baste a quem baste...etc"- a mesma noção referida: a quem basta o que tem, por esses limites se fica! "ter é tardar"- a posse do bastante adia os cometimentos.
"Foi com desgraça e...etc"- mas Deus tem outro ideal: concebeu o Cristo para ser infeliz e baixo (e, contra a natureza humana, para não desejar felicidade material ou posses) e, tendo-o assim determinado, sagrou-o como Filho, mostrando o Seu caminho (não material, mas espiritual). O campo das quinas simboliza, em geral, a espiritualidade em Portugal, o sonho. Em particular é um elogio ao sacrifício da felicidade material a altos ideais (que o poeta cria ser o seu próprio caso).

O dos Castelos - Mensagem

A Europa jaz, posta nos cotovellos:
De Oriente a Occidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabellos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovello esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquelle diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se appoia o rosto.

Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Occidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.



O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada. Compare-se com um trecho d' Os Lusiadas de que a parte referente a Portugal pode ser lida (com comentários meus) seguindo este "link", ou a totalidade (a partir da Estância 6) este outro. O campo dos castelos representa a materialidade (ver "O das Quinas").
"olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa que Pessoa remontava à Grécia Antiga.
"olhar esfíngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas) pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia original o que permite, também, conservar a métrica que seria alterada pela grafia "esfíngico" em vez de "sphyngico". Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões de estilo mas também de elitismo.
"o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou, através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o futuro a haver).
NOTA: sobre este poema leia-se o comentário de Soares Feitosa que se segue e que pode ser lido na sua integralidade no Jornal da Poesia:
" O leitor já tem todo o direito de ir dizendo: "Também, com Pessoa, é moleza...". Nada disso. Só neste poema, de tudo o que li de Pessoa, há o abismo-absoluto-e-inesperado — hifenizei: abismo-absoluto-e-inesperado. A mesma angústia da falta de tempo do Anjo sobre as águas... Em análise: Trata-se de um poema “geográfico”, mero comparatório do mapa físico da Europa com a efígie de uma pessoa. A Europa jaz, posta nos cotovellos: De Oriente a Occidente jaz, fitando, E toldam-lhe romanticos cabellos Olhos gregos, lembrando. Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. O cotovello esquerdo é recuado; O direito é em angulo disposto. Aquelle diz Italia onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se appoia o rosto. Ainda sem maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema bobo. Confira no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra seriam os cotovelos de uma jovem. Fita, com olhar sphyngico e fatal, Occidente, futuro do passado. Aqui a coisa já começa a “complicar”. Anunciam-se borrascas e temporais: Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado. Mas, finalmente, mas: O rosto com que fita é Portugal. Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do mesmo Pessoa, contidos nesta frase perfeita: O rosto com que fita é Portugal.! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico — era terreno preparatório (Batista, às margens do Jordão, batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde fitar não é simplesmente sinônimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!".