segunda-feira, 21 de maio de 2007

A Mensagem de Fernando Pessoa


Mensagem, uma aventura espiritual da Pátria

È com a obra Mensagem, que Fernando Pessoa adquire o grau de “Criador de Mitos”.
O poeta expressa poeticamente os mitos que os Descobrimentos tinham revelado como acção: “O mito é o nada que é tudo”. Através de uma formulação simbólica e mitológica, a Mensagem contem uma concepção que passa para além da História, uma realidade que passa para além das coordenadas do tempo. Transcreve-se a história de uma Nação de uma forma transfigurada. As personagens históricas transformam-se em mitos transformando-se numa outra realidade. Trata-se, pois, de um conjunto de antepassados que abrem caminho à realização de um ser colectivo. A obra pode ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, não possuirá a continuidade do relato histórico. A acção dos heróis só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Sò terão direito à imortalidade aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos.
A estrutura da Mensagem , sendo a de um Mito, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte dum mundo; à morte seguir-se-á um renascimento no sentido cósmico. Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria; as mães que estão na origem das dinastias cantadas como “antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do Império”; os heróis navegantes que percorrem o mar em busca do caminho da imortalidade; os profetas, vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, todos estão presentes à espera que nasça o Quinto Império.
Fernando Pessoa vê os Descobrimentos como uma aventura iniciática. Toda a Mensagem aparece a partir desta intuição, motivações vindas dum consciente intangível. A obra surge assim como um dever, missão terrestre que, estando para além do homem,lhe concede por este caminho a sua verdadeira personalidade. Empossados de uma missão que os ultrapassa, surgem sempre esses construtores e heróis da nação, tal como o argonauta que faz frente e riposta ao Mostrengo:
“Aqui, ao leme, sou mais do que eu
Sou um povo que quer o mar que é teu”

Caeiro sobre Cesário Verde

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que eu tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para as árvores
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...

Campos em F. Pessoa

Álvaro De Campos

Personagem nervosa e emotiva, é apresentado quase como um anti-intelectual. De todos os heterónimos é o que mais evolui. Começa por ser decadentista e acaba por ser um moderno cantor dos instintos ferozes e do grande movimento de sociedades industrializadas. Por fim decai no tédio numa vida que se arrasta sem sentido. Campos reflecte duma forma imediatista as sensações do dia-a-dia, de forma enervada e negligente.
Embora opte pela modernidade é um romântico por natureza , segundo ele “toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é então dizer-se o que se não sente”. Assim será possível entender a Ode Triunfal porque ao exprimir o desejo de ser “triturado ou esmagado” pela civilização sabemos que não é esse o seu desejo ao nivel do sentimento e compreendemos então que a civilização construída pela inteligência do homem so poderá conduzi-lo ao tédio e à frustação pois foi essa inteligência que acabou por “matar” o homem na sua essência e que o transformou numa peça dessa engrenagem maldita. Se um “motor” pode ser mais belo que a vitória de Samotrácia é porque chegámos a uma civilização em que a racionalização e a inteligência acabam por aniquilar o sentido da vida e todos os nossos sentimentos. Por isso Caeiro é o Mestre porque escolheu a vida em plena natureza em que o homem pode sentir e ser livre.


Sentir tudo de todas as maneiras é olhar para a vida e tentar tudo o que é novo. Viajar, conhecer outros países e outras sensações nem que seja através do ópio é o mesmo que desejar ser máquina, engrenagem e deixar que o próprio corpo funcione com a velocidade de tudo o que é artificial.
A única coisa que interessa são as sensações fortes mas ficará sempre uma eterna solidão e o poeta será como um livro abandonado que perdeu a sua utilidade embora possua uma imensa sabedoria.

Miguel Torga

MIGUEL TORGA


O poeta desenvolve três linhas de pensamento:
“um desespero humanista”,
“uma problemática religiosa”
“um sentimento telúrico”.
O desespero humanista é visível na revolta e no inconformismo que levam à solidão e à angústia, pela incerteza no próprio divino que conduz ao pessimismo.
Relativamente à problemática religiosa, o poeta manifesta permanentemente conflito entre o divino e o terreno. Para poder fazer afirmar o homem nega Deus. O sagrado é então expresso pela própria vida e pela força da terra. Deus é uma palavra obsessiva que o poeta receia tal como teme o absoluto. Nutre um sentimento telúrico de inspiração genesíaca. A terra é vista como um lugar de realização do ser humano e da sua ligação ao sagrado. Na terra fértil a fecundação permite a vida do homem que se reproduz na busca de novas vidas.
Miguel Torga projecta na sua escrita as suas preocupações com o ser humano, as suas limitações e a sua necessidade de transcendência. Manifesta apego aos limites carnais, terrenos e uma revolta espontânea contra os mesmos limites.

Aparição - um romance de Virgílio Ferreira

APARIÇÃO

O homem deve viver um percurso interior que o conduza a uma reflexão sobre a vida. Antes do mais o homem será tudo aquilo que tiver projectado ser, e não o que ele quiser ser, logo o homem é apenas o que ele faz de si próprio e nele cabe toda a responsabilidade da sua existência. Na obra Aparição, o autor pretende apresentar a relação do homem com a ordem universal, através do encontro do indivíduo com o seu “eu” metafísico e profundo. Alberto Soares, que protagoniza essa busca do homem em si mesmo, chegará à conclusão de que é impossível fixar os momentos de “aparição” ao nível da afectividade. Também Carolino procura a totalidade do “eu” que o conduzirá ao assassinato de Sofia, visto que se perpetuará nele para além da vida aparente e sujeita ao tempo. Alberto Soares compreenderá a ordem universal e Carolino irá tentar ir para além dela. Assim só o homem é responsável por si próprio e quando os valores por que nos guiamos são vagos, resta-nos guiarmo-nos pelo instinto. Todos os sentimentos se constroem com base no que se pratica. Amor e verdade são coisas problemáticas e inatingíveis na ordem do mundo mas que o narrador encontra ao lado da sua mulher que, aparentemente sombra da sua existência, constrói com ele essa totalidade.

Alberto Soares é o protagonista do romance , a personagem central e o narrador da história. É o herói que narra mas não o faz numa posição omnisciente e imperturbável, mas inquieta-se e comove-se intimamente com o que narra. Não é um simples espectador, é uma testemunha. Espanta-se, alarma-se com o mistério do que existe e consigo mesmo (o ambiente de classe média de província, o carácter impulsivo e a crueldade de Sofia, a mediocridade dissimulada de Ana, a luta social de Chico, a afirmação destrutiva de Carolino).
Alberto Soares inquieta-se perante a morte (do pai, de Cristina, de Sofia, perante os lugares como a montanha, a cidade de Évora, a casa). Contempla-se diante de si e inquieta-se procurando resposta para a pergunta: “Quem sou eu?”
Para além da resposta às exigências materiais do Homem, Alberto Soares, portador da inquietação metafísica de Vergílio Ferreira, procura um sentido para a existência. É neste romance uma personagem central, cujo ponto de vista avassalador é preenchido pelo assombro e pela inquietação.


CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS

ALBERTO SOARES

Professor do liceu, personagem principal. Vai dar aulas para Évora. Tratam-no por monge em família por ser tão introvertido. Sente uma imensa angústia resultante da “violência da descoberta da morte”, que surge no momento em que tem de vestir o seu pai que está morto. Acha que existe um pacto entre o nome e a pessoa. Pensa que a profissão não se escolhe, é algo que nos sai. Sente uma imensa necessidade de justificar a vida em face da inverosimilhança da morte.
Deixou de ser crente em Deus e acha que o ser existe enquanto existe na memória das pessoas.
Sente-se perturbado com a presença de Sofia acabando por se envolver com ela numa relação amorosa.
Sente espanto, fúria e terror pela morte do Bailote. Pretende elucidar as pessoas sobre o milagre de estar vivo.
Narra uma história de infância para explicar a imagem de si a si próprio - o espelho devolveu-lhe a sua própria imagem e ele toma consciência de si próprio.
Fica surpreendido com Carolino por este ter compreendido os seus princípios e por defendê-los. Descobre-se a si mesmo, que apenas está vivo e que Deus morreu, não existe.
Sente-se incomodado na presença de Ana pois esta quer saber o que há entre ele e a irmã, acabando por difamar a própria irmã.
Afirma-se materialista. Deseja ir morar para a Casa do Alto e deixa a Pensão Machado. Mostra-se entusiasmado com a sua profissão e com os novos métodos que experimenta. Diz-nos que há já algum tempo que luta “por reconduzir à dimensão humana tudo quanto traz ainda um rasto divino”. Mais uma vez faz referência à sua infância e ao seu cão Mondego. Recorda o desgosto que sentiu com a morte do cão, o seu 1ºcontacto com a morte. Descreve-nos a ceia de Natal, quebrou-se o hábito familiar depois da morte do pai. Alberto sente-se só mas sente-se bem. Ouve os cânticos de Natal e considera-os “lavados da sua pureza”. Para ele Tomás, o irmão mais velho, é um ser “adormecido nesta quietude da terra” que no fundo não sabe que é mortal”.
A pensão Machado fechou e Alberto instala-se na Pensão Eborense. Manifesta o desejo de tirar a carta com o sorteio dos bens. Apetece-lhe rever Sofia. Sente que há algo entre Sofia e Carolino. É advertido pelo Reitor do perigo de dar lições particulares. Sai com Sofia e esta revela-lhe que foi ela que o denunciou. Aluga a Casa de São Bento- casa do Alto
Para ele só “se é homem assumindo tudo o que fale em nós”.
Alberto assiste ao desastre de Cristina. Fica muito perturbado. É visitado por Carolino que o tenta assassinar, mas Alberto assume um comportamento surpreendente- esbofeteia o rapaz até se estafar.
É convidado pelo Reitor a deixar Évora por causa do escândalo que corre pela cidade. Na sua conversa com Ana percebe que em Cristina havia várias personalidades: a que se vestiu de holandesa e a que tocava piano.
Alberto gosta de estar só e de pensar nas coisas. Chico responsabiliza-o pelas suas ideias perversas e por influenciar Ana a ponto de esta falar como ele. Faz uma viagem pelo país. É informado por Alfredo que Sofia tenta de novo o suicídio. Passa pelos ceifeiros e perturba-se. A sua intenção era trazer para a condição humana uma condição de Deus.
Recebe um telefonema ameaçador do Liceu. Sabe que Sofia apareceu assassinada com um punhal. Parte para Faro.
Chico considera Alberto o responsável pela morte de Sofia e ele assume essa responsabilidade. É dispensado pelo Reitor do serviço de exames.
Na sua última noite na Casa do Alto, surpreende-se com a magia da queimada. Imagina toda a cidade a arder. O homem deve construir o seu reino e achar o seu lugar na verdade da vida. Compreende então a loucura do Bexiguinha.
À distância de alguns anos casou, adoeceu e retirou-se do ensino.

MÃE DE ALBERTO

Chama-se Susana, é carinhosa, tinha um olhar de mansidão e amargura.
Evaristo, o seu filho mais novo, é o seu preferido pois recorda-lhe a maternidade. É muito beata e pouco interessada pela vida de Alberto. Está habituada ao silêncio. Na ceia de Natal, depois da morte do marido, fica sozinha com o seu filho Alberto, sob um imenso silêncio. Critica os filhos por nem no dia de Natal assistirem à missa.

PAI DE ALBERTO

Chamava-se Álvaro, tratavam-no por “velhote”. Ouvia os filhos com tolerância, era médico, gostava de Ter a casa cheia, teve uma morte súbita numa noite de luar.
Ajudou Alberto na escolha da profissão pois cedo descobriu que ele era uma criança atenta que procurava coisas mais profundas. A sua morte e o trabalho de o vestir já sem vida origina em Alberto “uma angústia resultante da violenta descoberta da morte”. Com o seu desaparecimento quebram-se as tradições familiares e dá-se o desmembramento da família. Era ateu. Tomás era o seu filho preferido.

Eça de Queirós

Biografia
José Maria Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim a 25 de Novembro de 1845 e morreu em Paris, no ano de 1900. É considerado a figura mais importante do romance português. Formou-se em direito, em Coimbra. Em 1869 assistiu à inauguração do canal de Suez e viajou no Oriente. Quando regressou decidiu entrar no Corpo Diplomático. Em 1873 é nomeado consul em Cuba e daí segue para Inglaterra (1874/78). O seu último cargo é em Paris.
A sua obra é vasta e dela se destaca:
1866- artigos e relatos breves na Gazeta de Portugal que deram origem às Prosas Bárbaras.
1874- Singularidades de uma rapariga loira - Conto
1870- O Mistério da Estrada de Sintra - Romance Policial escrito conjuntamente com Ramalho Ortigão.
1875- O Crime do Padre Amaro
1878- O Primo Basílio
1880- O Mandarim
1887- A Relíquia
1888- Os Maias
1891- O Suave Milagre
1900- A Ilustre Casa de Ramires
- Correspondência de Fradique Mendes
1901- A Cidade e as Serras

Cesário Verde


“Eu que sou feio, sólido, leal(...)/eu que sou hábil, prático, viril(...)/cismático, doente, azedo, apoquentado(...) / eu que não cedo às atracções do gozo(...) /e que abafo uns desesperos mudos(...) / sem custo hei-de deixar as mágoas deste mundo”




Há exactamente 154 anos, no dia 25 de Fevereiro, nascia em Lisboa José Joaquim Cesário Verde, o poeta de quem Alberto Caeiro dizia: “Ele era um camponês/que andava preso em liberdade pela cidade”, a cidade de Lisboa que ele poetizou fazendo parecer que “cada rua é um canal de uma Veneza de tédios”, no dizer de Álvaro de Campos.
Na realidade, Cesário Verde vê a Lisboa do século XIX de uma forma absolutamente realista e fornece-nos “fotografias verbais” que nos transportam para espaços de sofrimento relacionados com a humilhação, o sofrimento, a morte, a doença, produzidos sobretudo pela industrialização da cidade que a desumaniza constantemente, provocando tudo isto no homem um imenso tédio e desejo de evasão. Embora seja o grande poeta da cidade, Cesário opõe-lhe constantemente uma visão saudável, honesta e perfeita que é transmitida pelo campo que ele tão bem conhecia. Lisboa é o local onde o “povo folga, estúpido e grisalho”, o “populacho diverte-se na lama” e onde “à crua luz os pálidos barbeiros com óleos e maneiras femininas” co-habitam com as vizinhas que palram nas janelas enquanto ao fundo surgem vindos das minas os carvoeiros, os calafates voltam “de jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos”, os mestres-carpinteiros saltam de viva em viga e as varinas “hercúleas, galhofeiras (...) embalam nas canastras /os filhos que depois naufragam nas tormentas”. Uma cidade povoada de “lúbricas pessoas, velhas de bandós, caixeiros, cauteleiros roucos, tristes bebedores, dúbios caminhantes, imorais, rapagões morosos, duros baços, homens de carga, burguesinhas do catolicismo, mas também uma pobre engomadeira “pobre esqueleto branco”, “sem peito, os dois pulmões doentes e uma pequenina vendedeira de hortaliças “esguedelhada, feia, magra, enfezadita, mas pitoresca e audaz. O poeta tudo pinta com letras, relembra os coxos, os surdos, os manetas que sulcam as calçadas com as suas muletas. É este o poeta que conclui, numa breve síntese que “O mundo é velha cena ensanguentada,/ coberta de remendos, picaresca; /a vida é chula farsa assobiada /ou selvagem tragédia romanesca”.
Na realidade a sua vida foi uma verdadeira tragédia romanesca. Viveu apenas 31 anos que foram suficientes para numa única obra nos dar uma imagem da própria vida, nas suas oposições e nos seus contrastes, nas suas humilhações e desesperos.

Cesário, o pintor com palavras
Pintor nascido poeta, Cesário Verde é um daqueles artistas para quem o mundo externo conta de modo primacial , e as suas emoções poéticas só atingem plena expressão quando preliminarmente aquecidas pela visão pictórica. Não se confunda, todavia este sentido pictórico, como valor de motivação poética, com certa atracção do descritivo, essa muito mais vulgar em poetas portugueses... Um colorista e um selectivo: eis duas primeiras conclusões a que chegará, sem dúvida, quem reflicta um pouco sobre a obra de Cesário. Na sua visão pictórica, o elemento cor é fundamental e porventura o mais fecundo. Por isso nos seus versos, a cor não qualifica, antes se destaca e se impõe como valor substantivo, que requer, por seu turno,adjectivação particular. Outras vezes, a cor, agindo como intermediária na metáfora, transporta de um termo de comparação para o outro as virtualidades apenas características de um deles: “ E eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas”. Trata-se, no fim de contas, de um curioso caso de hipálage(...) Por outro lado, fácil será reconhecer que os seus melhores poemas- ou os melhores trechos dos seus poemas- propõem sempre quadros já delimitados, em que parece ter havido uma selecção prévia e rigorosa. Não encontraremos, nos seus versos, nem a enumeração, tão vulgar em António Nobre, nem as aglomerações, tão frequentes em Junqueiro. A poesia de Cesário, por ser essencialmente pictórica, nutre-se de imediatez: as “telas da memória retocadas” perdem, com o retoque, a graça e a naturalidade- ou o vigor e o dramatismo- dos quadros pintados sobre modelos relativamente próximos. (David Mourão-Ferreira).

Aparição- Virgílio Ferreira

Vergílio Ferreira (28 de Janeiro de 19161 de Março 1996) foi um escritor português, nascido em Melo, no concelho de Gouveia, uma aldeia com vista sobre a serra que tanto haveria de influenciar a sua obra.
Professor de formação (veja-se a referência aos professores de Manhã Submersa e Aparição, foi contudo, como escritor que mais se distinguiu. O seu nome continua actualmente associado à literatura através da atribuição do Prémio Vergílio Ferreira. Em 1992, foi galardoado com o Prémio Camões.
A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois periodos literários: o Neo-Realismo e o Existencialismo. Considera-se que Mudança é a obra que marca a transição entre os dois periodos.
Às 15 horas do dia 28 de Janeiro, sexta-feira, de 1916, em Melo, concelho de Gouveia, nasce Vergílio António Ferreira, filho de António Augusto Ferreira e Josefa Ferreira. Em 1920, os pais de Vergílio Ferreira emigram para os Estados Unidos, deixando-o, com seus irmãos, ao cuidado de suas tias maternas. Esta dolorosa separação é descrita em Nitido Nulo. A neve - que virá a ser um dos elementos fundamentais do seu imaginário romanesco é o pano de fundo da infância e adolescência passadas na zona da Serra da Estrela. Aos 10 anos, após uma peregrinação a Lourdes, entra no seminário do Fundão, que frequentará durante seis anos. Esta vivência será o tema central de Manhã Submersa.
Em 1932, deixa o seminário e acaba o Curso Liceal no Liceu da Guarda. Começa a dedicar-se à poesia. Entra para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, continuando a dedicar-se à poesia, nunca publicada, salvo alguns versos lembrados em Conta-Corrente e, em 1939, escreve o seu primeiro romance, O Caminho Fica Longe. Licenciou-se em Filologia Clássica em 1940. Conclui o Estágio no Liceu D.João III (1942), em Coimbra. Começa a leccionar em Faro. Publica o ensaio "Teria Camões lido Platão?" e, durante as férias, em Melo, escreve "Onde Tudo Foi Morrendo". Em 1944, passa a leccionar no Liceu de Bragança, publica "Onde Tudo Foi Morrendo" e escreve "Vagão "J"". Na sua vida de professor liceal, há dois momentos fundamentais: a sua estadia em Évora (1945-1958) - que entrará para o nosso imaginário através de Aparição - e a sua vinda para Lisboa (1959), onde ensinou no Liceu Camões até à sua reforma.
A primeira fase do seu percurso romanesco, agora retirada da edição da Obra Completa enquadra-se no neo-realismo então vigente. Ainda assim, Vagão J (1946) opera já uma pequena revolução sem consequências: o movimento neo-realista passou-lhe ao lado, e o autor, perante a incompreensão da crítica, recuou e só viria a reincidir muito mais tarde.
Com Mudança (1949) começa Vergílio Ferreira a conquistar a sua voz própria. Aliás, em maior rigor, dever-se-ia dizer que é a voz própria que começa a conquistar o seu autor. De facto, Mudança estava arquitectado para ser um romance neo-realista exemplar - e em muitos aspectos é-o; mas é também outra coisa, que posteriormente se veio a interpretar como sendo a deslocação do neo-realismo para o existencialismo. Tal deslocação ter-se-lhe-á imposto inconscientemente no processo de escrita, sobretudo no tratamento do tempo e da figura da infância. Na velocidade do tempo que estrutura o romance - e que decorre do modo de representação neo-realista: materialismo histórico e materialismo dialéctico, a figura da infância enquanto queda para o passado e queda tanto mais desamparada quanto esse passado não é apenas uma memória mas sobretudo o sem fundo que fecha e vela o próprio sentido do nosso trânsito pelo tempo, a figura da infância introduz a desaceleração que toda a hipótese de um sentido arqueológico introduz. Não significa isso que essa atenção ao mais original solucione os problemas de sentido - ela desloca apenas as coordenadas da procura. Mas com esse movimento transforma-se também o modo de representação.
É já de uma forma deliberada que Vergílio Ferreira se distancia do neo-realismo nos romances escritos antes de Aparição (1959) mas só publicados depois deste. Em Apelo da Noite (1963) reivindica-se face ao homem de acção, o "crime de pensar "; em Cântico Final (1960) é a arte, como encontro de um "mundo original", de um sagrado ou absoluto agnóstico, que se furta a qualquer compromisso ideológico. Mas é Aparição - que juntamente com A Sibila (1953) de Augustina Bessa-Luís o romance português contemporâneo - que imporá o seu universo romanesco, seja naquilo a que se chamou, não sem verdade, mas com alguma pressa reducionista, o eu existencialismo, seja no seu estilo ensaístico ou filosofante. Tentando descrever a experiência, no limite inenarrável, do aparecimento do eu a si próprio, e circunscrevendo-a dentro de uma problemática decididamente metafísica e existencial, Aparição é o limiar de uma agónica mas sempre deslumbrada interrogação sobre a condição humana. Estrela Polar (1962) e sobretudo Alegria Breve (1965), onde o pathos da sua escrita atinge o ponto de máxima exacerbação mas também de máxima perfeição, além de aprofundarem e completarem a temática de Aparição, introduzem um experimentalismo que terá larga descendência na nossa ficção. A partir de Nítido Nulo (1972) o tom da sua obra começa a ser matizado pela ironia. É uma ironia que vem daquilo que o desgaste ensina. E o que ele ensina é que toda a verdade se esvazia, toda a evidência se torna opaca, todas as ideias pesam para o lado da morte. O pathos até aí predominante era o era o tom de quem falava do interior de uma evidência estética, de uma Stimmung umbilical. Nunca em Vergílio Ferreira uma árvore provoca náusea ou uma praia com sol induz um crime absurdo. Se há náusea (mas praticamente não a há) ou absurdo (este sim, mais visível), eles não começam logo na facticidade do mundo mas somente na condição humana em si mesma. O mundo apenas é. Experienciá-lo esteticamente é já um limiar de sentido. Daí que os narradores vergilianos se sintam tentados a configurá-lo como uma verdade, existencial e não sistemática, é certo, mas suficientemente segura para se afirmar contra todas as ideologias. Ora o que acontece no "niilismo activo " de Nítido Nulo, no seu "morrer tudo", é tudo envolve também esta hipótese de verdade que os narradores anteriores utilizavam como escudo no combate cultural. O deslizar insensível da aisthesis para o logos é agora difícil, e sê-lo-á cada vez mais. Por isso os romances se começam a distribuir por dois espaços - tempo: um passado onde decorre o diferendo ideológico - cultural, diferendo não só incomensurável como, em última instância (revelada por aquilo que o desgaste ensina), inútil; e um presente de pura afirmação de ser.
O primeiro pólo perderá progressivamente a sua capacidade de engendramento narrativo, o combate que nele se desenrolará é apenas o ruído do mundo, não uma alínea de qualquer história teleologicamente configurada - daí a paralisia da história em Signo Sinal (1979). O segundo pólo, impossibilitado agora de funcionar como " fundamento mítico " de uma macronarrativa, apresenta-se como uma espécie de justaposição de hauikus, de nós de revelação que não constróem o "sentido de um final " mas uma litania de apaziguamento, uma pietas para com aquilo que mais primordialmente somos - um sujeito - casa atravessado por tudo o que vem de todos os pontos cardeais, e todavia lateral a essas múltiplas orientações, sempre não sabendo, como em Para Sempre (1983) ou nas séries de Conta-Corrente (1890 a 1992).
É este não - saber que obriga Vergílio Ferreira ao continuar da escrita e faz que os narradores vergilianos envelheçam como o seu autor. Envelhecer, por exemplo, é passar de filho a pai. De Até ao fim (1987) a Cartas a Sandra (1996), o narrador, entre outras coisas, é um pai a quem o filho morre. O que morre na morte do filho é aquela força que não suporta a suspensão da história e se autodestrói na procura da resposta que não há. Poder-se-ia mesmo dizer que a morte do filho é a prova por absurdo de que a lateralidade axiológica em que se coloca o pai não é simplesmente a desistência do cansaço mas a sabedoria da suplementaridade, seja a do puro possível da verdade branca do mar que move Até ao Fim, seja a da ironia dos contrafactuais ontológicos que se experimenta em Na Tua Face (1993).
Envelhecer é também passar da despesa do tempo à sua reinvenção no absoluto da memória. Mas esta lição (ou condição) proustiana tem em Vergílio Ferreira as condicionantes contemporâneas de uma sociedade tardo-capitalista, aquela em que a redescrição metafórica do que foi não pode já competir com os meios tecnológicos de representação (cinema, TV, vídeo, etc.) e por isso constrói a afectividade do acontecimento puro: " Não bem o seu corpo esbelto como um voo de ave, mas só esse voo. Não bem a sua juventude eterna mas a eternidade. Não o gracioso dela mas a graça " (Em Nome da Terra , 1990).
Claro que há ainda romance, e até na sua dimensão mais consensual e acidentalmente romanesca, que é a da história de amor. Mas se, na sequência da tradição, também aqui o amor é aquilo que só se sabe depois, diferentemente dela, este depois não é a origem reencontrada mas um frágil presente que se sustenta apenas da escrita do nome amado, como em Cartas a Sandra, romance que deixa incompleto e que foi publicado no ano da sua morte. Vergílio Ferreira morre em Lisboa, a 1 de Março de 1996 e é sepultado em Melo.
Os Diários
Durante treze anos (1981-1994) Vergílio Ferreira publicou nove volumes de diário, ao qual pôs o título genérico de Conta-Corrente. Os textos contidos nesses volumes vão desde Fevereiro de 1969 (altura em que iniciou a sua escrita) até Dezembro de 1992 (altura em que terá abandonado o género). Os volumes subdividem-se em duas séries: a primeira composta por cinco volumes e a segunda composta por quatro volumes.
A publicação do diário de Vergílio Ferreira foi uma das poucas tempestades na bonançosa comunidade literária pós 25 de Abril, como também é «um documento precioso sobre a evolução da ideias do século XX português. Vergílio Ferreira era um homem atento a tudo aquilo que o rodeava, quer tivesse interesse político, ou social, ou estético, ou literário. O seu diário veio, assim, agitar a comunidade portuguesa pensante, criando alguns focos de conflito por um lado e manifestações de apoio por outro.
O autor já tinha por várias vezes tentado escrever um diário, mas foi só em 1969 que leva o seu projecto em frente: «Fiz cinquenta e três anos há dias. (...) É a opinião do Registo Civil (...). E então lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afectando?» . Esta frase é sem dúvida elucidativa das intenções do autor: primeiro, tentar escrever um registo diário; segundo, escrever nele tudo aquilo que o foi marcando. Nesta frase também se pode verificar que não é a primeira vez que o autor tenta escrever um diário: «e se eu tentasse mais uma vez».
O tentar escrever um diário é algo que está sempre presente, e, muitas vezes, a escrita desse mesmo diário torna-se difícil, pois o autor sente que se está a expor em demasiado perante o leitor, sente que o leitor pode “lê-lo”: «Extremamente difícil continuar este diário.(...) Que me leiam um romance, não me perturba. Mas não que me leiam a mim.» Existe a questão do íntimo sempre presente ao longo deste volume e o próprio autor refere que colocar ao alcance dos seus leitores a sua intimidade, os seus desabafos, não é propriamente algo que lhe agrada: «o desejo de “desabafar” não é propriamente um desejo sublime». Apesar de tudo a escrita do diário prossegui.
Mas, o que levou o autor a continuar o seu diário?
Segundo Eduardo Prado Coelho o diário «recorta sobre um fundo de impossibilidade de escrita. É na medida em que Vergílio Ferreira não tem a certeza de ser capaz de escrever ainda que suporta deslizar para este devir-feminino da escrita de um diário» . O próprio Vergílio Ferreira coloca uma condição para continuar a escrever o diário: «A continuar, só optando pelo registo que transcende os limites pessoais.» . No entanto, a escrita do diário prosseguiu.
Ficção
1943 O Caminho fica Longe
1944 Onde Tudo foi Morrendo
1946 Vagão "J"
1949 Mudança
1953 A Face Sangrenta
1954 Manhã Submersa
1959 Aparição
1960 Cântico Final
1962 Estrela Polar
1963 Apelo da Noite
1965 Alegria Breve
1971 Nitido Nulo
1972 Apenas Homens
1974 Rápida, a Sombra
1976 Contos
1979 Signo Sinal
1983 Para Sempre
1986 Uma Esplanada Sobre o Mar
1987 Até ao Fim
1990 Em Nome da Terra
1993 Na Tua Face
1996 Cartas a Sandra

[editar] Ensaios
1943 Sobre o Humorismo de Eça de Queirós
1957 Do Mundo Original
1958 Carta ao Futuro
1963 Da Fenomenologia a Sartre
1963 Interrogação ao Destino, Malraux
1965 Espaço do Invisivel I
1969 Invocação ao Meu Corpo
1976 Espaço do Invisivel II
1977 Espaço do Invisivel III
1981 Um Escritor Apresenta-se
1987 Espaço do Invisivel IV
1988 Arte Tempo

Diários
1980 Conta-Corrente I
1981 Conta-Corrente II
1983 Conta-Corrente III
1986 Conta-Corrente IV
1987 Conta-Corrente V
1992 Pensar
1993 Conta-Corrente-nova série I
1993 Conta-Corrente-nova série II
1994 Conta-Corrente-nova série III
1994 Conta-Corrente-nova série

APARIÇÃO ( romance de Vergílio Ferreira publicado em 1959), é um romance de personagem que tem como finalidade não apenas contar histórias, mas apresentar as reflexões que o autor vai expondo a propósito dele próprio, de outras personagens ou do mundo em geral. Segundo palavras do autor, este romance foi “a necessidade de ele se redescobrir e descobrir os limites da sua condição humana.
A Aparição é um livro escrito na primeira pessoa que discute teorias filosóficas relacionadas com o existencialismo. Esta obra pode ser dividida em três partes: o prólogo, a história em si em vinte e cinco capítulos e o epílogo. No prólogo, Alberto Soares, o nosso protagonista, encontra-se no presente e começa a reflectir sobre a sua vida. No início do primeiro capítulo ele começa a contar-nos a história da sua vida, por meio de uma analepse. Ele conta acerca da sua estadia em Évora e como nesse período de tempo (um ano lectivo) ficou a leccionar nessa terra e conheceu pessoas com quem discutiu e aprofundou as suas teorias relacionadas com a existência; a procura da sua pessoa e da sua aparição. Criou também uma relação com uma mulher, Sofia, que era dominadora e mais tarde deixou de dar importância a Alberto, passando a concentrar a sua atenção em Bexiguinha, que tinha ideias/teorias parecidas às de Alberto; criou uma relação amor ódio com Ana, a irmã de Sofia. Ambos discutiam acerca das teorias existenciais do autor e ela desvalorizava e valorizava em simultâneo a lógica deste. Ao longo do livro temos dificuldade em saber se Ana gosta ou desgosta de Alberto visto estar constantemente a convidá-lo para que a acompanhe e, ao mesmo tempo, contra as suas ideias. No livro, o própio Alberto questiona-se a si próprio se certos personagens, como Ana, estão a favor ou contra ele. Existe ainda outra personagem, também irmã de Sofia, que é Cristina. Esta criança excepcional tocava piano de forma magnifíca, algo que acalmava Alberto. Ao longo do livro entramos ainda numa 2ª analepse onde o autor se recorda de um passado ainda mais distante. Esse passado, normalmente relacionado com a família, relata-nos o que o levou a ter estas teorias filosóficas, sendo as mais importantes a morte do pai e do seu cão. Existem várias outras mortes de personagens mais importantes, tendo todas uma simbologia: o Bailote comete suícidou por ter perdido a fonte do seu rendimento, sendo que a sua existência perde todo o sentido; Cristina morre pois é perfeita demais para viver neste mundo; Sofia morre como punição de todo o mal que tivera feito aos outros; Bexiguinha e Ana não conseguiram igualar os seus seres e desistiram, o que se pode considerar uma morte psicológica. Talvez Alberto, o herói que alcançou a sua aparição, possa ser visto como um alter-ego de Vergílio Ferreia, pois se o autor escreveu sobre estas teorias, é porque também ele pensou sobre elas. (Recensão critica de Nuno Pinheiro, criada para a disciplina de Português)

Há uma personagem que ocupa toda a obra e à volta da qual tudo gira. Há um eu narrador, distanciado dos acontecimentos da narrativa e um narrador-personagem auto e homo-diegético, à volta do qual se movem as outras personagens. O eu-narrador distante move-se num tempo posterior aos acontecimentos narrados.

Alberto Soares é simultaneamente a personagem central e o narrador do que lhe aconteceu em dois planos distintos (na sua aldeia e na cidade de Évora).
Há uma acção principal que abrange a maior parte dos factos narrados ligados a uma trágica revelação ou Aparição, no espaço citadino, e uma acção secundária, ligada ao espaço rural, que completa a acção principal (morte do pai).




2ºCAPÍTULO

Acção Principal-Acontecimentos /Reflexões
  • Chegada ao Liceu de Évora “A profissão não se escolhe, sai-nos”
  • Encontro com o Reitor
  • A descoberta de nós próprios

Acção Secundária

O seu pai ajuda-o na escolha da profissão “Mas eu, eu o que é que sou”?

Estrutura
Inútil tentar dormir- Volta à realidade
Banho Conversa com Sr.Machado
“Que as coisas querem-se claras desde o início”
“Lavei-me enfim(...)
Saí com uma tranquilidade nova”

Descrição da cidade de Évora “A cidade resplandecia a um sol familiar, branca, enredada de ruas (...) Évora mortuária, encruzilhada de raças,ossuário dos séculos...”

Pausa narrativa
“Escrevo à luz mortal deste silêncio lunar,
batido pelas vozes do vento, num casarão
vazio”

Continuação da descrição da cidade até Liceu: “E finalmente descubro o edifício do Liceu”

Tempo de escrita /Tempo da narrativa

“Conto tudo, como disse, à distância de alguns anos(...)
Mas os elos de ligação entre os factos que narro é como
se se diluissem num fumo de neblina...”
“Eis-me, pois, em face do Liceu...”
“Não escolhi a profissão: de algum modo saíra-me”
Espaço da memória: A ESCOLHA DA PROFISSÃO
Professor porquê? Papel fundamental do pai: “Penso que te darás melhor em Letras”
A vida de Professor era tranquila para quem nunca tivera saúde
Interesse demonstrado pelas leituras /versos/interesse filosófico pela vida: Quem sou eu?
O Liceu
Espaço
Claustro
Jardim tratado
taça de mármore
silêncio
Tempo
Setembro
Exames de 2ª época

O Reitor
“homem alto e vagaroso”
É recordado como um amigo de “face cansada de quem esgotou a vida” que o ouvia “do lado de lá do seu cansaço”

“Dois dias depois começavam os exames de 2ªépoca”
Início do trabalho- Mudança no tempo
“O tempo arrefecera bruscamente”
“O sol triste pousa ao de leve nas coisas”
“Um vento inesperado sopra de vez em quando”
Notícia de que o Dr. Moura telefonou e “quer saber onde é que o pode encontrar”

3ºCAPÍTULO

ACÇÃO PRINCIPAL
  • Regresso à pensão Machado

O Mistério da Morte, Deus, Imortalidade.

ACÇÃO SECUNDÁRIA
O trabalho de vestir o pai morto Inverosimilhança da Morte
“Deus está morto porque sim”
“Deus é absurdo porque é”
“O Deus da Infância já não cabe no adulto Alberto Soares”

ESTRUTURA
“Mas não foi fácil encontrarmo-nos”- continuação directa do capítulo anterior

Encontro com o Dr. Moura, no café Arcada, em dia de feira

“vozearia, fumarada e odor a corpos” tornavam difícil o encontro /falam sobre a morte do pai de Alberto.
Memória da casa, “velha casa”
O Dr. Moura fala de Sofia
Pausa: O narrador fala da memória que tem de Sofia: “os teus olhos vivos(...)
tinham o mistério da vitória e do desastre, da violência e do sangue”
Aparece Alfredo Cerqueira, genro do Dr. Moura
Alberto Soares recebe um convite para jantar.

Jantar com a família Moura
Descrição da casa


Família Moura:

  • MADAME- “abundante senhora, loura por antiguidade, ousada e astuciosa”, mulher distante.
  • ANA- “cabelos longos e lisos, face magra de energia e de ânsia, olhar vivo”
  • CRISTINA- “Sete anos, saia azul de folhos, arzinho de menina grave”
  • SOFIA - a última a aparecer
    “vestido branco colado como borracha, e um corpo intenso e maleável (...) era assim como se uma descarga da terra a atravessasse toda”
  • ALFREDO- “docemente calvo, sorria para tudo”

O NARRADOR É ESCRITOR- NÃO É CRENTE

  • CHICO- (amigo da família Moura). “um tipo baixinho, sólido, quadrado, de uns trinta anos com ar dominador de pugilista.

    CRISTINA TOCA PARA TODOS MAGIA - “Eis que chega a tua hora, Cristina”

    REFLEXÕES SOBRE CRISTINA “Ana estranhamente acarinhou-a de um modo especial”
    Antevisão de uma relação muito especial : “Tu não és de parte alguma, de tempo algum”
    “Cristina viera fora do tempo” - “Eu vi abrir-se à nossa face o dom da revelação”
    “Súbita aparição foste surpresa em tudo para todos”

    “Depois cantou-se”
    “Ergui-me enfim para me despedir”
    “Saí enfim para a noite”- Conversa com o Chico sobre a cultura na cidade de Évora.


De regresso à Pensão o narrador enerva-se com o Sr. Morgado e tem vontade de mudar .
Necessidade da escrita
REGRESSO À MEMÓRIA
Vestir o pai- “Senti um arrepio na ameaça do contacto com uma carne morta”
“a estúpida inverosimilhança da morte”
“que é que te habita, que é que está em ti”
Descrença total em Deus: “Não cabe na harmonia do que sou”
A morte do corpo/A morte do EU.


4ºCAPÍTULO


Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
(não há) “Justificar a vida em face da inverosimilhança da morte”
Acção Secundária
Apresentação parcial da tia Dulce Interrogação sobre a morte e o nada a que esta reduz as pessoas.

ESTRUTURA
Toda a acção se desenrola em torno de um problema existencial: “portanto eu tinha um problema”. (A descoberta do problema deu-se quando o narrador sente repugnância em tocar na carne morta do seu pai)
O homem é produto de tudo e de todos quantos o antecedem
Divagações entre SER e NÃO SER
Do NÃO SER ao NADA: “Quem te habita não é (...) depois serás exactamente um nada”
O ser existe enquanto existe a memória da sua existência
Memória da tia Dulce (tudo o que era mau se esquece e o que resta é apenas “o velho album de fotografias”)
O autor é o herdeiro dos “mistérios da família” que se transmitem através do velho album de fotografias.

TIA DULCE
Irmã do avô
magrinha
sisuda (para impôr o respeito)
Cumpria as regras sociais (não comer muito)
Tinha algo de diferente (“porque em ti vivia a fascinação do tempo, o sinal do que nos transcende”
beata
gananciosa.

5ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Início das lições de Sofia O estranho procedimento de Sofia
Recepção de Sofia na Pensão “Porque há-de a vida ter razão sobre
do Sr. Machado. nós? porque havemos sempre de ser
Passeio com o Dr. Moura nós a sumeter-nos?”
História do Bailote

ESTRUTURA
Sofia inicia as suas lições e revela um temperamento inconstante e estranho - “E era assim como se qualquer coisa a habitasse e fosse maior do que ela e do que a miséria das regras de gramática”
O narrador sente-se perturbado com a presença de Sofia.
Sofia rejeita as aulas de latim. A mãe desculpa-a: “temos de ter todos paciência”
Sofia vai buscar Alberto à pensão para um encontro com o Dr. Moura. O sr. Machado ficou muito incomodado.
O Dr. Moura apresenta-lhe uma visão equivalente a um santuário.
O Dr. Moura traça o perfil de Sofia a partir de histórias da sua infância. Revela os seus comportamentos estranhos e os seus gostos mórbidos. Fala-se das suas tentativas de suicídio.
O narrador, servindo-se de uma prolepse, anuncia que Sofia acabou por morrer, “morte inesperada que te evitou o gesto puro de te matares.
Regressa à conversa do Dr. Moura, num dia em que o narrador pela primeira vez viu a Praça da Cidade enfeitada de crisântemos. Percebe-se o gosto de Sofia pelo “absoluto da destruição”
A destruição e a morte predominam. Bailote pede ajuda ao Dr. Moura, numa atitude de desespero, tentando recuperar o gesto e a força perdidos. Pede ao médico um remédio que o cure, que o impeça de ser velho e de se tornar inùtil. O Dr. Moura segue em frente para visitar uma doente. No caminho do regresso apercebem-se de que o homem se enforcou.
6ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Encontro com o Chico “era absolutamente necessário que
Encontro com Carolino, o Bexiguinha a vida se iluminasse na evidência
da morte”
“Quem sou eu? Quem está comigo?
Acção Secundária
Narração de uma história de infância A descoberta de que era alguém na
imagem que o espelho lhe devolveu, a “aparição fulminante de mim a mim
próprio”.
ESTRUTURA
O narrador sente “espanto, fúria e terror” pela morte do Bailote. O Dr. Moura fica em silêncio, perturbado.
“Que fazemos nós na vida?”
Alberto Soares sente a necessidade de fazer a conferência para elucidar as pessoas, para elucidar as pessoas, para “revolucionar o mundo”.
Procura Chico por todo o lado até que resolve ir a casa dele.
Fala-se da conferência em que Alberto Soares se propõe falar de uma coisa nova.
Aparece Carolino: aluno de Alberto Soares, primo do Chico, moço bisonho, cara cravada de impigens, tratavam-no por Bexiguinha.
Alberto Soares fala e Carolino escuta-o entusiasmado.
Toca o telefone e interrompe as lucubrações do narrador sobre Nós e o Eu que nos habita. Chico não pode compreender, é um homem do cimento e dos alicerces.
Alberto Soares conta um episódio da sua infância, passado na casa da família, era ele pequeno. As memórias trazem-lhe a imagem do pai a falar-lhe sobre o Universo.
A criança descobre a sua imagem reflectida no espelho e julga tratar-se de um ladrão. Todos acham que ele possui uma grande imaginação e culpam a tia Dulce e as suas histórias de influenciar a criança sensível.
Chico não compreende nada, Carolino fica petrificado. Para Chico o importante e a “única verdade a conquistar é a de que todos os homens têm direito a comer”. Tudo o que Alberto Soares lhe conta é conversa da idade da pedra lascada.
Alberto Soares deseja um humanismo que seja “uma consciência, uma plenitude”
Carolino defende os princípios do seu mestre e mostra ter compreendido tudo, o que muito surpreende Alberto Soares.



7º CAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Continuação das lições a Sofia Há uma vida atrás da vida, uma irrea-
lidade presente à realidade.
Aventura amorosa com Sofia “A descoberta de nós mesmos, a des-
coberta da gratuidade do milagre de sermos”
ESTRUTURA
Alfredo Cerqueira brinca com Alberto Soares ao vê-lo dar pão a um cão. O narrador percebe que toda a conversa do dia anterior fora comentada por Chico, no jantar em casa do Cerqueira. Para Sofia e Ana as palavras de Alberto Soares são esclarecedoras, mas Cerqueira não percebeu nada.
Cerqueira leva Alberto ao Liceu e diz-lhe que Ana quer falar com ele.
Importância do estado do tempo para o narrador: “a chuva tem para mim o abalo da revelação”.
Reflexões sobre o presente e o passado.
Alberto Soares vai dar lição a Sofia, num dia de muita chuva. Esta espera-o toda vestida de preto. Alberto Soares deixa-se seduzir pela imagem de Sofia e agarra-lhe as mãos.
Recomeça a lição mas Sofia não a deseja e revela a Alberto Soares ter já percebido a perturbação que lhe causa. Sofia beija-o e revela-lhe total compreensão sobre a conversa que este havia tido com o Chico.
Alberto Soares mergulha numa profunda intimidade com Sofia que lhe surge agora como “uma beleza demoníaca, uma criança assassina (...) a boca ávida e sangrenta. E um apelo de uma união trágica e blasfema subiu-me pelo corpo”.
Deram enfim a lição sobre o canto IV da Eneida.
8ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Depois da aventura amorosa, Alberto Soares deambula perturbado e reflecte sobre o vazio da sua vida.


ESTRUTURA
Alberto Soares sai de casa de Sofia muito perturbado
“Será pois vão tudo o que sonho?”
Surge-lhe a imagem de Sofia e o narrador sente vontade de a ver de novo.
Regresso a casa de Sofia. Esta esperava-o, sabia que ele voltaria
Madame Moura observa-o e pergunta-lhe “como vai a nossa estudante”. Recorda-lhe ainda a sua condição de professor e a distância entre ele e Sofia.
9ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Aulas diárias no Liceu “Fixar a vida em torno de uma ideia, de um sentimento, como é difícil”
Visita a casa de Alfredo Cerqueira.
Conversa com Ana.
Jantar com a família Cerqueira.
“Trago comigo a destruição dos mitos que inventaste, desses sofás em que instalaste o teu viver quotidiano” “Deus morreu. Deus não é a minha meta” “Interrogo-me porque a morte é um muro sem portas” “Essa é a base última de um verdadeiro humanismo: instalar o homem mesmo nos aposentos divinos”
Acção Secundária
Narração da situação religiosa da família A descoberta de si próprio e a morte
Narração da história da sua vida: crente, de Deus.
perdeu a fé, fez-se político, abandonou a política,
esteve desempregado, grau zero. Descobre que
está vivo, nada mais.
ESTRUTURA
Instala-se o quotidiano, “e a vida recomeçou”, “o cão espera o osso”


Caminho para o Liceu: descrição dos “Aldrabões de Feira”- Pobre feira da ladra- (a vida)
Encontro com Cristina, no caminho. O narrador é informado de que Ana se encontra doente.
Visita a Ana.
Ana quer saber o que há entre Alfredo e Sofia.
Discutem-se as ideias de Alberto sobre religião. Ana discorda dele e acha que essas ideias podem mudar certas pessoas.
Alberto fala das relações da sua família com a religião:
- Pai- ateu
- Mãe- beata
- Evaristo- Blasfemava como um espanhol
- Tomás- não ia à missa mas não dizia mal dos padres.
- Alberto- Tornou-se ateu porque “o padre ia a nossa casa e arrotava. Depois soube que tinha filhos” Deixou de ir à missa e deixou de rezar. Não lhe aconteceu nada. Afinal Deus não existe”
Descrição do seu percurso a nível das ideias:
“Depois fui político”, mas essas ideias esbateram-se com o passar dos anos.
Atinge então o grau zero e descobre apenas que está vivo, que existia, que era ele.
As reflexões são interrompidas pelo gato preto. Ana serve-lhe um whisky.
Ana pretende retomar a conversa e chamar-lhe pantomineiro. Acha que ele finge tudo aquilo porque “Deus vive no seu sangue” Diz-lhe ainda que não pense que a sua conversa pode perturbar alguém e retoma a conversa sobre Sofia e os seus casos amorosos.
Alberto dispõe-se a partir mas Alfredo chega e retoma a conversa de banalidades. Fala-se na morte do Bailote. A família deste responsabiliza o Dr. Moura pela sua morte.
Alberto mal o ouve. Pensa em tudo o que Ana lhe disse e sente-se incomodado. Abstrai-se e pensa em Sofia, ela não é o que a irmã pensa (“Sofia é maior do que a tua vilania”)
Alfredo resolve mostrar a casa a Alberto, em especial a cama e o colchão.
Chega Chico. Alfredo vai também mostrar-lhe o colchão.
Alberto quer de novo partir. É convidado para jantar. Quando pretende recusar Ana chama-lhe cobarde pois percebe que perturba Alberto e que ele quer sair por causa disso.
Descrição do jantar: Alberto sente-se incomodado. A mesa é demasiado grande, a sala parece pouco acolhedora, a conversa desagrada-lhe. Ninguém o pode compreender.
Fala-se do “Comité de Salvação”, um grupo de amigos que se reune para “redimir o homem de hoje e preparar o homem de amanhã”.
Chico ridiculariza as ideias de Alberto: “È exactamente por isso que nos irrita que alguém nos venha ainda com notícias dos deuses e da água benta”.
Retoma-se a conversa. Alberto afirma-se materialista porque não pode atribuir as culpas aos deuses.
A conversa é interrompida por um telefonema de Cristina para saber o estado de saúde de Ana. Fala-se da presença de Alberto no jantar. Ana diz a Alberto que Sofia perguntou por ele.
Põe-se música. Alfredo cabeceia com o excesso de álcool. Chico pergunta a Alberto se já foi crente.
Alberto retoma a conversa, afirma que deixou de ser crente há sete anos mas Ana interrompe a conversa.
Chico mostra uma certa hostilidade em relação a Alberto e numa espécie de aviso diz-lhe: “Você é responsável por tudo quanto acontecer” e afasta-se.
Alberto vai sozinho para casa. É de noite, as ruas estão desertas, reina o silêncio.
Alberto encontra o pobre do Manuel Pateta como sempre já bêbado.
O narrador recorda com relutância que terá ainda que ir dormir à Pensão do sr. Machado, que este lhe fará mais um sermão. De novo mostra o desejo de ir morar para a Casa do Alto, sozinho, onde ninguém o poderá incomodar.
10ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Aulas diárias no Liceu “Mas eu sabia, eu, que luto há tanto tempo
Novo encontro com Carolino por reconduzir à dimensão humana tudo
quanto traz ainda um rasto divino (...), eu,
que sou materialista mas não só de um materialismo que se mede a metro, pesa na
balança, eu, que sonho com o reinado integral do homem na terra da sua condenação e grandeza”.
ESTRUTURA
Alberto Soares mostra-se entusiasmado com a sua profissão, com os novos métodos que vai experimentando.
O Reitor resolve conversar com ele e avisa-o de que é preciso ter cuidado com a cidade e com o meio. Algumas dessas inovações de Alberto poderão ser mal interpretadas pelo meio.
Carolino resolve procurá-lo.
Alberto e Carolino vão dar um passeio pelo campo.
Carolino fala na destruição da linguagem.
Alberto Soares tenta compreendê-lo. Utiliza-se uma prolepse em que o narrador afirma: “Eu, porém, não queria envenenar-te, ao contrário do que depois de afirmou”.
Carolino fala do homem que se enforcou e expõe algumas ideias que parecem aterradoras:”já não há deuses para criarem e assim o homem (...) é que é deus porque pode matar”.
Alberto afirma que “a vida é um milagre fantástico”.
Carolino acha que pode compreender muito bem um assassino.
A conversa foi interrompida por um porco que lhe saltou no caminho.
Ambos observam a natureza que os rodeia, os vários animais, o rebanho que o cão guarda.
O cão aproxima-se deles. Agarram em pedras para se defenderem. Carolino atira uma pedra, erra a pontaria e mata uma galinha. Fica fascinado ao olhar para a galinha morta. Indícios de que Carolino tem uma personalidade perturbada.

11º CAPÍTULO
Acção Secundária
Acontecimentos Reflexões
Férias na aldeia “O Natal não é de nunca porque nunca foi do presente”
Morte do cão Mondego
ESTRUTURA
Primeiro Natal depois da morte do pai. Quebra-se a tradição da família toda reunida. Alberto Soares afirma preferir ficar sozinho: “Para mim não faz diferença: estou eu e aquilo que me povoa”
António vai esperá-lo à estação e manifesta o desejo de lhe contar as novidades. Alberto não quer ouvir, quer apenas pensar.
Chegada a casa. Não se vê ninguém. A mãe está deitada. Encontra-se cansada e sem energia. Ele pensa que a mãe está doente.
Ao jantar a mãe pergunta-lhe as novidades mas parece pouco interessada e habituada já ao silêncio.
A casa está triste e silenciosa, Alberto recorda a infância e o cão Mondego. Recorda o desgosto que sentiu pela morte do cão- 1ª imagem da morte.

12ºCAPÍTULO
Acção Secundária
Acontecimentos Reflexões
Visita de Tomás Reflexões sobre a morte
Ceia de Natal “Estou só e sinto-me bem”

ESTRUTURA
Alberto Soares é acordado pelo sol e apercebe-se da rotina que o envolve.
Ao ouvir uma buzina espera reaver todo o quotidiano familiar, espera o som de outras vozes mas é apenas Tomás que chega.
Quebrou-se o hábito familiar. Tomás é agora o chefe da família, “fala paternalmente” com Alberto.
1ºNatal em que a família não se reune.
Fala-se das partilhas e do estranho estado em que a mãe se encontra.
Descrição da ceia de Natal, um momento triste e cheio de ausências em que Alberto Soares fica sozinho com a sua mãe, sob um imenso silêncio.

13ºCAPÍTULO
Acção Secundária
Acontecimentos Reflexão

Episódio das partilhas Reflexão sobre a tranquilidade do
seu irmão Tomás.
A aparição de nós a nós próprios.

ESTRUTURA
Tomás e Alberto levam a mãe à missa e ficam a conversar.
Alberto ouve os cânticos de Natal e considera-os “lavados na sua pureza de um início absoluto, inventados em inocência e em confiança perene”. Não sente saudades do passado mas sonha o sonho.
Os cânticos não significam nada mais que um ritual para os que estão dentro da igreja, esses limitam-se a cantá-los.
Crítica da mãe: “Nem no dia de Natal” os seus filhos assistiram à missa.
Tomás conversa com Alberto e descreve a sua tranquilidade de vida: “Eis-te nos teus domínios (...) como um belo patriarca”.
Almoço em casa dos sogros de Tomás.
Tomás e Alberto, duas realidades diferentes... Alberto considera Tomás um ser “adormecido nesta quietude da terra” que no fundo não sabe “que é mortal”. Tomás acha que Alberto deve ir à missa, que é a sua última tarefa. Alberto não compreende as reflexões que Tomás faz sobre os filhos mas ao vê-los reunidos no almoço compreende finalmente toda a filosofia de vida de Tomás. Ele era de um mundo diferente mas vivia tranquilo.
Chegada de Evaristo com a família.
Conversa sobre as partilhas. Alberto Soares fica incomodado com a conversa e deixa que Evaristo e Tomás resolvam tudo.
Desmembramento da família. Por causa das partilhas “Evaristo cortou relações connosco”.
14ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Regresso a Évora e instalação na pensão “O espantoso milagre de estar vivo
Eborense e o incrível absurdo da morte”
Visita a Sofia sem sucesso “Uma vida é coisa séria: uma tese não se medita, fala-se, lê-se, discute-se”
Encontro com Alfredo, Ana e Sofia no
café da praça.
ESTRUTURA
Prolepse: A minha história espera-me mais terrível do que nunca, disparando para o seu desfecho.
A pensão Machado fechou. O narrador instala-se na Eborense. Sugere-se apenas que o fecho da pensão se deve a motivos políticos mas a razão mantem-se desconhecida.
Alberto Soares manifesta o desejo de tirar a carta (ideia que lhe surgiu com o sorteio dos bens).
Sente saudades de Sofia e procura-a em casa mas Lucrécia informa-o de que ela não está.
Na Praça encontra Ana e Alfredo e dirigem-se ao café onde também irá ter Sofia. Alberto encontra a oportunidade tão esperada de a rever.
Ana pergunta a Alberto se durante as suas férias aprofundou as suas “teses”.
Alfredo interrompe a conversa com uma “grossera ofensiva”
Chegada de Sofia: “ E ela veio enfim...” mas disse apenas “olá” e anunciou que vinham também Chico e Carolino.
Alberto sente-se perturbado mas não o demonstra. Fica sem palavras: “tudo o que eu dissesse estava a mais”
Carolino está comprometido na presença de Alberto. Instala-se ao pé de Sofia. Alberto sente que há algo entre os dois: “Estais pois unidos secretamente...”
Alberto anuncia a sua mudança para a Casa do Alto. Ana compreende a sua necessidade de se isolar e poder meditar em sossego.
Alberto assume o facto de ter ido a casa do Dr. Moura apenas para procurar Sofia. Mas há algo que se relaciona com as lições de latim, de que ele ainda não sabe.

15ºCAPÍTULO

Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Advertência de Alberto Soares pelo Reitor “Toda a mulher é um homem não realizado”
Alberto Soares procura descobrir que contou
a sua aventura amorosa
Alberto Soares aluga a casa de S.Bento
Alberto Soares sai com Sofia
Alberto recebe de Sofia a revelação de que
foi ela quem o denunciou ao Reitor.
ESTRUTURA
O Reitor manda chamar Alberto e fala-lhe nas lições particulares a Sofia.
“Temos inimigos, todos temos inimigos” (...) “todos temos inimigos, era preciso cuidado com os inimigos”
Alberto vai a casa de Sofia e Lucrécia diz-lhe que Sofia está a dar lição. Alberto fala com Madame e esta diz-lhe que Bexiguinha está a ajudar Sofia.
A conversa é interrompida pela música de Sofia.
A vida de aulas recomeça. O narrador reflecte sobre a vida da cidade. “ò cidade estranha, cidade velha (...) cidade milenária”
Alberto muda de casa e recebe um bilhete de Sofia a pedir-lhe que se encontre com ela no Museu.
O pretexto para o encontro foi um convite para almoçar de Alfredo. O convite é para ir à Sobreira.
Sofia resolve sair do Museu com Alberto e vão passear de carro até um descampado.
Sofia seduz Alberto e diz-lhe que afinal veio ter com ele para lhe explicar o que se passara nas férias.
Explica-se a relação entre Sofia e Bexiguinha. Este é visto como o duplo.
Sofia afirma ter denunciado Alberto.








16ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos
Visita à quinta da Sobreira
ESTRUTURA
Alberto chega tarde mas todos mostraram interesse pela sua demora.
Alfredo mostra-se de novo um homem terra-a-terra e tenta falar de porcos.
Alberto fala no silêncio que deseja ter na nova casa.
Chico mostra um certo desdem por Alberto e informa-o de que já não se poderão realizar as conferências.
Alberto estranha a ausência de Cristina e é informado de que ela não veio por estar doente.
Alberto fala com Carolino sobre a sua desistência do Liceu mas o Carolino mostra-se irritado.
Fica em aberto o Carnaval no Redondo.

17ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Instalação na casa do Alto “Só se é homem assumindo tudo o que fale
em nós.”
“O que me excita a escrever é o desejo de
perseguir o alarme que me violentou e ver-me através dele e vê-lo de novo em mim,
revelá-lo na própria posse, que é recuperá-lo
pela evidência da arte. Escrevo para ser, escrevo para segurar nas minhas mãos inábeis o que fulgurou e morreu”.
“Sou. Jacto de mim próprio, intimidade comigo, eu, pessoa que é em mim,
absurda necessidade de ser, intensidade absoluta no limiar da minha aparição em mim”.
ESTRUTURA
Descrição da Casa do Alto.
Reflexões de Alberto: “ A massa de amigos com que fui fraternizando através da vida despreza-me com náuseas”.
“Só se é homem assumindo tudo o que fale de nós”
Alberto arruma a casa e revê o album da tia Dulce. Lembra-se que todos aqueles já morreram. Apesar do seu cansaço todos se mantêm vivos na sua memória: “Mas agora ainda estais vivos, ainda alguém, eu, aqui, silencioso nesta casa solitária, vos liga à vida que freme para lá destes muros na Primavera anunciada(...)”
O narrador lembra uma visita que Sofia lhe fez. Escreve há distância de alguns anos: “Minha mulher dorme”.

18ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos
Ida ao Carnaval ao Redondo
Desastre com o jeep de Alfredo
Morte de Cristina
ESTRUTURA
Alberto pergunta a Cristina se quer viajar com ele mas ela prefere ir com Alfredo.
Sofia e a mãe viajam com Alberto
Cristina está feliz no seu fato de holandesa, atira serpentinas e enfeita os carros.
Bexiguinha espera-os no Redondo.
Descrição dos mascarados.
Lanche em casa do Bexiguinha.
Regresso a Évora. “Alfredo comeu e bebeu alegremente. Tem a face rubicunda do prazer carnudo”.
Alberto apercebe-se de que Chico e Alfredo estão na estrada, cheios de sangue, devido ao desastre. Cristina respira ainda. Ana, em silêncio, agarra a irmã e leva-a ao colo, no carro de Alberto, para o hospital. O caminho parece demasiado longo, não tem fim. Chegam ao hospital. Não se encontra o Dr. Moura.
Alberto procura o Dr. Moura na Igreja: “Moura desagravava o Senhor dos pecados de Carnaval”
Alberto vai ao pé de Cristina e assiste à sua morte. Cristina mexe os dedos, como se tocasse uma “música do fim, a alegria subtil desde o fundo da noite, desde o silêncio da morte”.
19ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Visita de Carolino ao Dr. Alberto e tentativa “Não procures a noite por não suportares
de assassinato. o dia. Leva para o sol a tua aparição e serás um homem”
ESTRUTURA
Alberto tenta falar com Ana, com o Dr. Moura, mas não encontra ninguém.
Numa noite de forte chuva Carolino visita Alberto na Casa do Alto. Mostra-se enlouquecido e enraivecido.
Alberto não mostra medo de Carolino e revela firmeza no seu comportamento. No fundo acha que o rapaz enlouqueceu.
Carolino afirma: “Eu não tenho medo. De nada. Mesmo da morte, o senhor tem medo da morte, a morte é a gente antes de ter nascido...” Aponta então uma navalha a Alberto Soares. Este revela um comportamento surpreendente. Sente-se cheio de uma força brutal “e na raiva que se apossara de mim, esbofeteei o rapaz até me estafar. Mas eu sentia obscuramente que apenas me esbofeteava a mim”.
Prolepse: “Porque sei agora que o teu crime não era contra mim, não seria contra ela. O teu crime era contra a vida, contra o absurdo que te assolou”.
Carolino parte finalmente.
20º CAPÍTULO
Acção principal
Acontecimentos Reflexões
Alberto é convidado pelo Reitor a deixar “Terei pois, como destino, esta agitação constante, Évora por causa do escândalo que corre esta sufocação de nada?”
pela cidade.
Encontro casual com Ana.
ESTRUTURA
O narrador acha que deveria ter contado a alguém o que se passara com carolino, mas não o faz.
Alberto continua a procurar alguém mas não encontra.
Conversa com o Reitor. Este quer saber se Alberto sai ou não de Évora porque “os ditos chegam sempre, a gente não quer ouvir, mas ouve, não tem outro remédio (...) a gente julga que está procedendo bem, mas é preciso sabermos com quem falamos”.
Alberto encontra Alfredo. Este mostra-se simpático e dá a Alberto notícias da família. Mostra conhecer ou saber o que se passara entre Alberto e Carolino. Fala do sofrimento de Ana e do seu desejo de estar só. Ana sofria “de uma crise”. Sofia partira para Lisboa para uma casa de freiras.
Alberto entra na Sé devido à forte chuva que se faz sentir e encontra Ana. Esta diz precisar daquele silêncio. Lembra o local onde estivera a urna de Cristina e começa a falar, transfigurada, da morte. Percebe que em Cristina havia várias personalidades: a que morreu vestida de holandesa, a que tocava; revela necessidade de estar ali, naquela igreja, porque ali é o lugar “que tem uns restos do que é importante”, é “um lugar onde se ouve bem”.
A chuva pára e saem ambos da Igreja. Alberto acompanha Ana até ao largo.
21ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Alberto é visitado por Chico que o responsabiliza “Duas verdades vividas não podem estabelecer um diálogo”
pelas suas ideias perversas.
ESTRUTURA
Chico visita Alberto, num Domingo de manhã. Estava violento em palavras e atitudes: “ bateu à porta com violência, a violência categórica de quem vem por ordem da justiça”. Quer saber se Alberto se vai embora de Évora.
Alberto fica incomodado por achar que ele não tem nada a ver com isso. Tenta, no entanto, falar com ele com calma.

22ºCAPÍTULO
Acção Pincipal
Acontecimentos Reflexões
Partida para férias e estadia na aldeia um ou dois dias “Quue maldição pesa sobre a assunção do
nosso destino? Sobre o nosso confronto connosco mesmos? Sobre a evidência da nossa condição?”
ESTRUTURA
Alberto vai viajar pelo país: Lisboa, Sintra, Praia da Areia Branca, Leiria, Figueira, Aveiro, Porto, Vila Praia de Âncora, Amarante, Vila Real. “Desço enfim à minha aldeia”- o tempo mudou. É Primavera, o mês de Abril. A mãe vive a sua solidão: “Somos a mesma carne, o mesmo calor de sangue, dizem-me que me pareço contigo, no olhar ao menos: estamos sós e definitivos aqui à face um do outro”.
Alberto não vê os irmãos e passa pouco tempo na aldeia.





23ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos
Regresso a Évora, ao Liceu.
Visita à Quinta da Bouça
Encontro com Sofia
Alberto fala dos mistérios do Universo
ESTRUTURA
Mês de Maio, “O Verão chegou à cidade”. Alberto continua a não ver ninguém. De vez em quando cruza-se com o Dr. Moura que “finge não o ver” ou o sauda discretamente”.
Encontro com Alfredo que lhe dá notícias dos outros e o convida a ir a sua casa.
Alfredo convida Alberto para ir à herdade e dá-lhe notícias de Sofia. Informa-o de que Sofia tentou de novo o suicídio. O Dr. Moura parece preocupado com o futuro de Sofia.
Alberto quer saber notícias de Ana mas Alfredo repete-lhe o convite para ir à herdade.
Num dia de grande calor Alberto vai à Quinta da Bouça, depois de ter dado uma manhã de aulas. Passa no local onde Cristina morreu.
Passa também pelos ceifeiros e perturba-se: “diante de mim, em fila, como em marcha de penitência, homens e mulheres, cosidos com a terra, ceifam uma seara”: “agora sois só os escravos da maldição- maldição dos homens que se enojam de ter as vossas tripas, os vossos ossos.
Alberto vê Ana a ler com duas crianças junto dela e surpreende-se. Percebe que são filhos do Bailote, os dois mais novos. Ana está absorvida com as crianças e com o livro, Alfredo diz que ela é feliz.
Ana fala com Alberto sobre as crianças: “É extraordinário como no corpo destes pequenos há uma pessoa viva, um todo independente, como uma consciência brutal da sua individualidade”.
Sofia aparece e fala com normalidade dos seus projectos, do exame que vai fazer, da sua vida.
Jantam ao ar livre e Alberto continua a observar os ceifeiros.
Alfredo propõe a Alberto que no seu regresso leve consigo Sofia.
Sofia conversa e diz “sou corajosa e não tenho ilusões”. Depois pede-lhe para parar no local onde Cristina morreu e canta. Pede a Alberto para a levar a sua casa.
Alberto e Sofia passam a noite juntos, ficam a ver as estrelas e o universo. Sofia canta de novo mas Alberto sente-se perturbado.
Sofia visita algumas vezes Alberto e subitamente desaparece.

24ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acção Principal Reflexões
Ana torna-se fanática
Notícia da “suposta morte de Chico” “Mas eu queria soluções para toda a vida, eu queria uma certeza assumida, assimilada, para a ameaça de morte”.
“Toda a ambição do narrador tinha sido trazer para a condição do homem, uma condição de Deus”.
ESTRUTURA
Alguém informa Alberto de que Chico morreu mas de facto ele está apenas doente.
Alberto visita Chico e encontra Ana e Alfredo. Chico está perturbado: “Um doente é um ser em decadência”.
Alberto pensa na vida e lembra-se de Florbela Espanca: “para lá do muro gradeado do jardim, Florbela continuava a sua meditação.
25ºCAPÍTULO
Acção Principal
Acontecimentos Reflexões
Alberto Soares recebe no Liceu um telefonema ameaçador: “O que enfrenta o meu cansaço, o “Só você é responsável. Só Você” que afoga a minha interrogação é esta fácil desautorização da morte”
ESTRUTURA
Noite de S. João, “noite cálida de bruxas e de sonhos”. Festa na praça, noite de feira no Rossio.
Alberto cruza-se com Ana. Esta pergunta-lhe por Sofia. A última vez que Alberto vira Sofia esta estava com Carolino, “num banco secreto do jardim”.
Alberto continua a observar a confusão dos palhaços e dos trapezistas e cruza-se de novo com Ana e Alfredo. Este diz-lhe que se vir Sofia a informe que estão todos no café Luso.
Alberto recorda um telefonema ameaçador que recebeu no Liceu.
Á distância da escrita o narrador afirma: “para que insistir na minha inquietação (...) como quem quer retardar um efeito teatral? Na realidade, no dia seguinte (...) Sofia apareceu num caminho (...) assassinada a punhal”.
C0NCLUSÃO
Alberto, o narrador dá-nos conta da sua partida para Faro.
Chico considera Alberto responsável pela morte de Sofia, tal como já havia afirmado.
Alberto sente-se responsável e assume essa responsabilidade: “ Se algum crime houve em mim foi só o ter nascido”.
Tal como à chegada a Évora, na partida, é Manuel Pateta quem o ajuda a carregar as malas.
O Reitor dispensa Alberto do serviço de exames.
Última noite na Casa do Alto. Alberto surpreende-se com a magia da “queimada”, o incêndio do restolho para a renovação da terra. Imagina toda a cidade a arder. Sente emoção: “Cidade , minha cidade...” A noite avança, a minha cidade arde sempre”. “Acaso será possível construir uma cidade como a imagino, a Cidade do Homem?”
O homem deve construir o seu reino e achar o seu lugar na verdade da vida.
Alberto relembra sempre a música de Cristina.
Alberto “compreende” a loucura de Bexiguinha.
O narrador, à distância de alguns anos casou, adoeceu e retirou-se do ensino.
Na solidão da noite, ao luar, o homem sonha...







Antero de Quental





ESPIRITUALISMO I



Como um vento de morte e de ruína,
A Dúvida soprou sobre o Universo.
Fez-se de noite de súbito, imerso
O mundo em densa e álgida neblina.

Nem astro já reluz, nem ave trina,
Nem flor sorri no seu aéreo berço
Um veneno subtil, vago, disperso,
Empeçonhou a criação divina.

E, no meio da noite monstruosa,
Do silêncio glacial, que paira e estende
o seu sudário, donde a noite pende,
Só uma flor humilde, misteriosa
Como um vago protesto da existência,
Desabrocha no fundo da Consciência.


II

Dorme, entre os gelos, flor imaculada
Luta, pedindo um último clarão
Aos sóis que ruem pela imensidão,
Arrastando uma Auréola apagada...


Em vão! Do abismo a boca escancarada
Chama por ti na gélida amplidão...
Sobe do poço eterno, em turbilhão,
A treva primitiva conglobada...

Tu morrerás também. Um ai supremo,
Na noite universal que envolve o mundo,
Há-de ecoar, e teu perfume extremo

No vácuo eterno se esvairá disperso
Como o alento final dum moribundo
Como o último suspiro do Universo.







O POETA
Antero propõe-se inaugurar na literatura portuguesa uma poesia nova que se inspire em ideias filosóficas, ideais éticos e emoções religiosas. Considera a idealidade e a realidade como próprias da verdadeira poesia. É o antagonismo entre luz e trevas que domina na imaginação de Antero. A luz aparece relacionada com o Divino e o Sublime, a Verdade e a Beleza, a Fé e a Ideia, o Amor puro e o Pensamento puro, a Liberdade e o Heroísmo, mas também com a inquietude de ânsias febris, lutas absurdas e torturantes, revelações aniquiladoras e inexoráveis; a escuridão aparece relacionada com o terrestre e a imperfeição, a ilusão e a aparência, a descrença e a incerteza, a dúvida e a angústia, o abismo e o vácuo, mas também com o sossego e o esquecimento, a harmonia e a paz do Nirvana, do Não-Ser da Morte que, oposto ao ser inquieto, perturbador da vida, apenas aparente, ilusória e dolorosamente desenganadora, é o Ser absoluto imóvel e imutável.

CICLOS:

1º Ciclo (1860-1862)
Perturbação, incerteza, inquietude, abandono, perda de fé, busca de novas verdades.





2ºCiclo (1862-1866)
O homem e a Criação ficam unidos, a separação lembra a transitoriedade das coisas colocando o não-amado e aquele que não ama fora da harmonia natural.


3ºCiclo (1864-1874)
Devoção religiosa, cede à consciência de que o céu não abriga nenhuma divindade e à intuição de que não se trata de procurar Deus ou de acreditar nele, mas que se impõe conhecer a Verdade. Culto da luz e da claridade. A Ideia, a Verdade, o Bem a Essência só se revelam na Consciência Humana. Passa a envolver-se na luta por ideias e ideais.


4ºCiclo (1874-1880)
“A força da inacção, a perspectiva da morte vizinha, a ruína de muitos projectos (...) puseram-me face ao problema da existência. A minha vida pareceu-me vã e a existência em geral incompreensível”.”A voz da consciência moral não pode ser a única voz sem significação no meio das vozes inúmeras do Universo...”. Achei que o misticismo, sendo o desnvolvimento psicológico, deve corresponder à essência mais funda das coisas”. “O pessimismo não é um ponto de chegada mas sim um caminho”. “O pessimismo é a redução ao absurdo do Naturalismo e das ilusões”. “A realidade visível não passa de mera ilusão, a realidade é mera aparência e só existe verdadeiramente como símbolo e veículo da vida moral”.


5ºCiclo (1880-1884)
Reflexo do triunfo sobre o pessimismo e da metamorfose religiosa. No Não-Ser reconhece-se o Ser absoluto. A transitoriedade das coisas deixa de ser motivo de desespero. Conhecê-la é penetrar na própria essência dos fenómenos e descobrir a verdadeira realidade do mundo moral, os limites que o mundo natural impõe e a liberdade que o mundo moral concede. A vida e a morte já não inspiram horror.


A OBRA:

1. MISSÃO SOCIAL DA POESIA /Apostolado Social


“A um poeta” (3ºciclo)
Os poetas têm em si a verdadeira essência mas estão adormecidos em relação ao que se passa à sua volta (atitude romântica). Faz-se por isso um apelo para que os poetas cantem a vida (o sol) e não a morte (larvas tumulares) e que façam da sua voz a voz das multidões (atitude realista). Esta atitude conduzirá a uma criação pura e à verdadeira poesia. Esta será uma forma de combate (missão social) e a palavra será uma arma, o poeta “soldado do futuro”.

“Hino à razão” (3ºCiclo)
A Liberdade é o que se procura como fim “entre clarões”. Para o conseguir é necessário Amor e Justiça. A atracção pela Liberdade que se apresenta como auto-determinação do ser não invalida a liberdade humana condicionada. A “alma livre” é condicionada pela Razão mas é pela Razão que as nações buscam a Liberdade como fim último. Amor, Justiça e Liberdade são três valores indispensáveis. Ao tornar a Razão irmã do Amor e da Justiça o poeta revela-se preocupado em harmonizar os conceitos. Cabe à Razão levar o homem a saber que só o Amor e a Justiça podem criar a harmonia e conduzir à Liberdade.

“Tese e Antítese I e II” (3ºciclo)
A nova Ideia (deusa furiosa) é a inteligência que comanda a força ou a Razão e que possui por isso uma força revolucionária e transformadora, uma força universal imparável. A nova Ideia é toda a força de transformação que existe no homem e nas sociedades e que é responsável por todas as revoluções. O pensamento é “fogo” ( logo revolução) e “luz” (Verdade e Justiça). O homem deverá mudar a sua atitude estática (“combatei pois...”


2. ANTÍTESE ESPIRITUALISMO E LIBERDADE/ MECANISMO E DETERMINISMO

“Evolução”
(5ºciclo)

O homem evolui desde o estado primitivo (granito- elemento composto mas facilmente degradável- passando por tronco ou ramo que irrompe mesmo quando se fere), passa pelo estado animalesco (fera ou monstro primitivo) limitando-se a rugir e a buscar abrigo até que se torna um homem (hoje). Nesse momento descobre a “escada multiforme” (a própria vida com seus contornos), que conduz ao vácuo e à morte, se nos limitarmos a olhar para o fundo. Mas se olharmos para o alto, para o infinito surgem emoções (“às vezes choro”) e conseguimos finalmente sonhar com a liberdade porque o infinito é tudo aquilo que está para além do homem e a liberdade é o fim a que se aspira. Tal como a evolução biológica humana passou por várias fases, assim o homem e a sua espiritualidade são caminhos a percorrer.


“Espiritualismo I e II ” - (4ºciclo)

(Se a consciência é livre, o determinismo implica que, todavia, ela é sempre histórica e está condenada a desaparecer)






3.ANGÚSTIA EXISTENCIAL (pessimismo)

“O Palácio da Ventura” (2ºCiclo)
(nunca se encontra o que se espera, a felicidade é algo de inatingível, ou seja, a busca do absoluto conduz ao vazio e à morte)- A histórica jornada transcende o plano individual: o drama é eterno e universal e o Vagabundo e o Deserdado é o homem ansioso e eternamente infeliz. Na vida há miragens (o palácio que se desenha na sua pompa aérea), há lutas e entusiasmos (cavalgada numa amplidão sem fim), desânimos (espada quebrada e armadura rota) e decepções (silêncio e escuridão).

“Despondency”- (2ºciclo)
“Sonho Oriental”- (2ºCiclo)

4. DESEJO DE EVASÃO

“Nirvana” (4ºciclo)
“Na mão de Deus “- (5ºciclo)
(identificação do “eu” com o mundo imperfeito, o mundo real e de injustiça, e a identificação da Ideia, da perfeição, com Deus, embora seja um Deus vago e panteísta. A Virgem é referida como a ligação maternal entre o homem (mundo imperfeito) e Deus (mundo da perfeição).




BEATRICE (Último soneto do 1ºciclo)





Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,
Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar no céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:





Depois que sobre o peito os braços apertando
Achei o vácuo só, e tive a luz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:





Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,
Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos
Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contem...





Não temas pois- Oh vem! o céu é puro, e calma
E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!






Amor de Perdição



Novela de paixão amorosa, talvez a mais intensa e profunda que se escreveu na Peninsula Ibérica.


Duas famílias nobres, moradoras em Viseu, os Albuquerques e os Botelhos, odeiam-se por causa dum litígio em que o juiz Domingos Botelho deu aos primeiros uma sentença desfavorável. Mas Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, ainda na adolescência apaixonam-se. Teresa estava prometida a Baltasar Coutinho, seu primo, que despeitado, leva o pai de Teresa, Tadeu de Albuquerque, a encerrá-la no convento de Monchique, no Porto. Simão espera-os à saída de Viseu, luta com Baltasar e, enfurecido pela insolência do rival, mata-o a tiro, entregando-se à justiça. Condenado à forca, a sentença é comutada, por diligência de Domingos Botelho. Simão é transferido para a cadeia da Relação do Porto, e deverá ser degradado para a India. Entretanto, minada pela desgraça, Teresa encontra-se moribunda. Quando parte a nau dos condenados, Simão ainda a vê dizer-lhe adeus do mirante do convento, mas, devido ao mau tempo, a nau pára em frente de Sobreiras, e Simão, horas depois, sabe da morte da amada. Ao décimo dia de viagem, morre também. Na novela há ainda um amor infeliz e sublime: o de Mariana, filha do ferrador João da Cruz. Abnegada e sem esperança, serve de intermediária entre Simão e Teresa, e sozinha no mundo, após o assassínio do seu pai, acompanha Simão ao exílio. Quando este morre suicida-se.

Simão - Belo, moço, desempenado e viril, caracteriza-se a princípio como um génio turbulento, que o leva a desdenhar dos pergaminhos da família e a conviver com os desordeiros de Viseu, gentalha da plebe. Mas, o amor por Teresa transfigura-o a ponto de vir a encarnar um ideal humano. Conservando um feitio colérico, revoltado e indomável, Simão revela, no decorrer da história, nobreza de carácter que transparece, por exemplo, no modo como censura João da Cruz, quando este mata um criado, já ferido, de Baltasar Coutinho, ou ainda na constante ingratidão que devota ao ferrador e a Mariana. Por lealdade, após matar Baltasar, entrega-se à justiça e confessa no tribunal a causa do crime. Por altivez e nobreza, recusa os favores tardios do pai, rejeitando a graça de poder cumprir a pena em Vila Real, preferindo o degredo. Este homem de ferro, impávido nos momentos decisivos e obstinado na desgraça, suscita a admiração num desembargador: “Há grandeza neste homem de dezoito anos, Senhor Albuquerque”. Camilo identificou-se com o herói e fez dele um grande poeta amoroso, um grande romântico sobretudo nas cartas de amor que envia a Teresa e nas quais desabafa ressentimentos, ódios e a nostalgia de sonhos impossíveis.


Teresa é a grande heroína, “uma menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem nascida. Possuía uma grande força de carácter, um orgulho fortalecido pelo amor, e um pouco de astúcia. Encarna a paixão amorosa pura e obstinada. É uma figura consumida, estática por trás da janela do convento, vítima insubmissa dos homens e do Destino, de olhos postos na justiça do céu, na justiça divina.

A obra é pois um conflito entre o amor e os preconceitos de pais inflexíveis, desumanos no seu orgulho. Um caso de rivalidade que, gerando o ódio e a vingança, conduz ao crime. Um exemplo romântico do poder transfigurante do amor. Desordeiro, dado às piores companhias, Simão torna-se um homem digno, com uma sensibilidade de poeta. Simão sabe-se marcado por um destino, luta sem esperança, recusa complacências, avança com altivez para o abismo, cumpre-se como herói, daí o sentido trágico da novela.


Esboço Biográfico
Camilo Castelo Branco teve uma vida atribulada, passional e impulsiva. Uma vida tipicamente romântica.
Foi órfão de mãe quando tinha um ano de idade e órfão de pai quando tinha dez anos, o que lhe criou um carácter de eterno insatisfeito com a vida. Estando órfão, foi recebido por uma tia de Vila Real, e depois por uma irmã mais velha em Vilarinho de Samardã, em 1839 recebendo uma educação irregular através de dois padres de província.
Na sua adolescência formou-se lendo os clássicos portugueses e latinos, lendo literatura eclesiástica e em contacto com a vida ao ar livre transmontana.
Aos dezesseis anos contrai matrimónio com Joaquina Pereira que cedo abandona. O seu carácter instável e irrequieto leva-o a amores tumultuosos (Patrícia Emília, a freira Isabel Cândida).
Ainda a viver com Patrícia Emília de Barros, Camilo publicou n'O Nacional, correspondências contra José Cabral Teixeira de Morais, governador civil. Devido a esta desavença é espancado pelo «Olhos-de-Boi», capanga do governador. As suas irreverentes correspondências jornalísticas valeram-lhe, em 1848, nova agressão a cargo de Caçadores 3. Camilo abandona Patrícia nesse mesmo ano, fugindo para casa da irmã, residente agora em Covas do Douro.
Camilo tenta cursar medicina no Porto. A partir de 1848 faz uma vida de boémia, repartindo o seu tempo entre os cafés e os salões burgueses, dedicando-se no entanto ao jornalismo.
Apaixona-se por Ana Plácido, e quando esta se casa, tem, de 1850 a 1852, uma crise de misticismo, chegando a cursar o seminário que abandona. Ana Plácido é mulher de um negociante chamado Pinheiro Alves, um brasileiro (daí aparecer a personagem tipo do brasileiro tantas vezes nas suas novelas, quase sempre de maneira depreciativa). Ele seduz e rapta Ana Plácido e, depois de algum tempo a monte, são capturados pelas autoridades e julgados. Este caso emocionou a opinião pública pelo seu conteúdo tipicamente romântico do amor contrariado que se ergue à revelia das convenções sociais. Ficam presos na cadeia da relação do Porto, onde escreveu Memórias do Cárcere, tendo conhecido o famoso delinquente Zé do Telhado. Depois de absolvidos do crime de adultério, Camilo e Ana Plácido passam a viver juntos.
Entretanto Ana Plácido tem um filho, de origem incerta, teoricamente de seu antigo marido Pinheiro Alves, ao que se somam mais dois de Camilo. Com uma família para sustentar Camilo vai escrever a um ritmo alucinante.
Quando o ex-marido de Ana Plácido, Pinheiro Alves, falece em 1863, o casal vai viver para a sua casa, em São Miguel de Seide. Em 1885 obtém o título de visconde de Correia Botelho. Em 9 de Março de 1888 casa-se com Ana Plácido.
Camilo passa os últimos anos da sua vida ao lado de Ana Plácido. No entanto, não encontra a estabilidade emocional por que anseia. As dificuldades financeiras são muitas e os filhos dão-lhe enormes preocupações: considera Nuno irresponsável e Jorge sofre de uma doença mental. A progressiva e crescente cegueira (causada pela sífilis), impede Camilo de ler e de trabalhar capazmente, o que o mergulha num enorme desespero. Às 15h15 de 1 de Junho de 1890, depois da visita de um oftalmologista que lhe confirmara a gravidade do seu estado, Camilo desfere na têmpora direita um tiro de revólver, acabando por morrer às 17h00 do mesmo dia.