quarta-feira, 23 de maio de 2007


Antero de Quental

1842 - 1891
Antero Tarquínio de Quental era originário dos Açores, tendo nascido em Ponta Delgada a 18 de Abril de 1842. É possível que a tradição familiar tenha contribuído para a sua inclinação humanística, dado que entre os seus antepassados havia um pregador de mérito, P. Bartolomeu de Quental, e um poeta amigo de Bocage, o avô André Ponte de Quental. Recebeu da família, principalmente de sua mãe, uma educação religiosa e tradicional, que viria a abandonar mais tarde, nos seus aspectos mais visíveis, se bem que tenha conservado até ao fim um fundo de religiosidade.
Frequentou, em 1852, o Colégio do Pórtico, em Ponta delgado, na altura em que Castilho era o seu director. Veio para o continente em 1855, matriculando-se inicialmente no Colégio de S. Bento, em Coimbra, frequentando depois o curso de direito, entre 1858 e 1864. Durante a juventude publicou diversos textos nos jornais "Prelúdios Literários", "O Académico" e "O Instituto".
Em 1861 publicou a primeira obra em livro, Sonetos, seguida nos anos seguintes por Beatrice (1863), Fiat Lux! (1863) e Odes Modernas (1865). Em Coimbra foi presidente de uma organização secreta, de contestação à tradição académica, a "Sociedade do Raio". É também desta época o seu interesse pelas ideias socialistas e pela filosofia. Torna-se um leitor atento de Proudhon e Hegel.
Bibliografia:Sonetos, 1861Beatrice, 1863Fiat Lux!, 1863Odes Modernas, 1865Bom Senso e Bom Gosto, 1865A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, 1865Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX, 1865Portugal perante a Revolução de Espanha, 1868Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, 1871Primaveras Românticas, 1872Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, 1872A Poesia na Actualidade, 1881Sonetos Completos, 1886A Filosofia da Natureza dos Naturalistas, 1887Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, 1890Raios de Extinta Luz, 1892
Em 1865 desencadeou uma acirrada polémica com os escritores românticos, ao reagir à carta-prefácio de Castilho que apresentava o livro Poema da Mocidade, de Manuel Pinheiro Chagas. Na sua carta, Castilho criticava os jovens escritores de Coimbra, tendo Antero reagido com o famoso folheto Bom Sendo e Bom Gosto. Num segundo texto, A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, defendia a ideia de que a literatura deveria ter uma função social, por oposição ao lirismo ultra-romântico. Ramalho Ortigão envolveu-se também na polémica ao lado de Castilho, tendo mesmo travado um duelo com Antero. A "Questão Coimbrã" marca a entrada em cena de uma nova geração literária, que pretendia demarcar-se da escola romântica — a Geração de 70.
Concluído o curso, Antero voltou aos Açores por pouco tempo, instalando-se depois em Lisboa (1866). Viveu durante alguns meses em Paris, onde trabalhou como tipógrafo. A sua intenção era conhecer de perto o modo de vida das classes trabalhadoras, movido pelos ideais socialistas que então defendia.
Novamente em Lisboa, colaborou com José Fontana na organização de associações operárias e na divulgação das ideias revolucionárias. Nesta fase publicou regularmente textos de carácter político e literário nos jornais "Diário Popular", "Jornal do Comércio" e "O Primeiro de Janeiro". Foi na casa que partilhava com Jaime Batalha Reis que nasceu o chamado grupo do "Cenáculo", espécie de tertúlia onde se discutiam as novas ideias que chegavam de França.
Entre 1870 e 1872, integrou a redacção de jornais de orientação socialista: "A República" e o Pensamento Social". Em 1872 ajudou a fundar a Associação Fraternidade Operária, que era a representante em Portugal da 1ª Internacional Operária.
Dentro do mesmo espírito de intervenção, participou em 1871 na organização das "Conferências do Casino", tendo sido o autor de um dos textos mais célebres dessa série — Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos.
Em 1973 o pai faleceu e a herança permitiu a Antero viver nos anos seguintes em desafogo económico. Em 1876 faleceu a mãe. Por essa altura já ele era afectado por crises de depressão que ajudam a explicar o abrandamento da sua actividade política e literária. Em 1875 encontramo-lo a dirigir com Batalha Reis a "Revista Ocidental". Os anos seguintes são de pessimismo e desilusão, bem evidentes nos Sonetos Completos (1886).
Em 1881 instalou-se em Vila do Conde e procurou assegurar a educação das filhas de Germano Meireles, após o falecimento do amigo. Os anos seguintes foram de relativa calma, depois da agitação que a depressão lhe trouxe.
Em 1890 presidiu à Liga patriótica do Norte, um dos movimentos nacionais de reacção ao ultimato inglês, que obrigava Portugal a renunciar à ocupação das terras situadas entre Angola e Moçambique. É provável que a constatação do estado de decadência a que o país chegara tenha contribuído para agravar a sua tendência crónica para a depressão. Foi neste ano que publicou na "Revista de Portugal", dirigida por Eça de Queirós, um dos textos mais importantes da filosofia portuguesa — Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.
No ano seguinte, regressou aos Açores, suicidando-se a 11 de Setembro (1891).
Obras consultadas:Breve História da Literatura Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1999

Sobre a Aparição


Quando em 1959 Vergílio Ferreira publicou a primeira edição de Aparição, na colecção "Contemporânea" da Portugália Editora e com uma excelente capa de António Charrua, estava bem longe de supor o êxito que obteria esse seu romance, logo galardoado com o "Prémio Camilo Castelo Branco" da Sociedade Portuguesa de Escritores, e que em quarenta anos tem conhecido sucessivas reedições, está traduzido em várias línguas, foi até hoje motivo de estudos, ensaios e teses de licenciatura, é desde há anos adoptado como livro obrigatório no ensino do Português.
Romance estruturado em redor da descoberta do "eu" e da própria redenção pessoal, a partir da experiência vivida por Alberto Soares, que chega a Évora como professor liceal, toda a estrutura narrativa se desdobra nos limites que mais o obceca nessa descoberta, por entre a surpresa e o alarme irradiante, a inverosimilhança de tudo o que se passa em redor e num meio fechado como o dessa cidade alentejana, na angústia do que de mais essencial o homem coloca em questão - ou seja, o sentido dessa aparição que é afinal uma contraditória união e desunião connosco próprios, como verdade ou evidência do que nos é mais profundo, porque como Vergílio Ferreira depois proclamará em Espaço do Invisível 1 (1965) "a evidência do sangue é a indiscutibilidade de existirmos". E nesse encontro connosco, que é a tese que domina todo o sentido filosófico ou metafísico deste romance ou determina os contornos psicológicos das suas próprias personagens, tudo parece irrealizável antes de haver um "tu" para que se apela (e isso será o passo dado em Estrela Polar, 1962), porque a cada passo se interroga se "valerá a pena insistir no que se não pode explicar?".
Mas a personagem central de Aparição (o professor Alberto Soares) não pretende "provar" coisa nenhuma no modo próprio de intuir a realidade da vida e a evidência ou o alarme de existir e somente pretende estabelecer essa clara e nítida diferença que em determinado momento da sua descoberta lhe consente "saber" e "ver" - e aí reside, pois, o espírito da aparição, isto é, saber que é mortal e ver que o é quando passa para o outro lado do saber e deseja fazer entender aos outros essa mesma revelação. Não como triunfo sobre a morte, mas como forma de plena redenção da vida. Ou de tudo o mais que está para lá do sagrado e do intangível e somente em instantes de plenitude se descobre ou entende. E é esse sentido do sublime e da evidência que em Aparição se ergue como superior lição das coisas e da vida, não em termos de pura transcendência de que "em todo o real existe sempre o irreal que é dele, e esse é que é", como proclama ainda em Pensar (1992), mas com a lúcida consciência de saber de que tudo está e se afirma "na nossa capacidade de ver esse irreal e do que dele nos apareça", tal como para a maioria dos crentes os deuses não são divinos e apenas existem no plano rudimentar das suas imagens.
Decorridos, pois, quarenta anos sobre a sua primeira edição, e tendo em conta as mais de quarenta edições que até hoje se fizeram deste admirável romance de Vergílio Ferreira, importa ainda salientar o sentido de flagrante actualidade que a sua leitura consente aos leitores que hoje ainda descubram este livro e relembrar o registo feito em Conta-Corrente 1 (1980), em que o autor de Para Sempre não deixa de se surpreender: "Por desfastio e não saber que ler, peguei em Aparição. E imprevistamente, eu que já tive de reler o livro várias vezes na altura das reedições, tomou-me uma imensa emoção. Estranha saudade me atravessou de um tempo irreal, de Évora, da aldeia, recuperados numa memória absoluta, num tempo de nunca. Reparo, aliás, que estou agora mais tolerante com os meus livros. Como um velho com os netos? Ou como quem se embevece perante as suas proezas, quando o que lhe resta delas é a lembrança".

Serafim Ferreira
crítico literário

Vergílio Ferreira
APARIÇÃO, romance, 43ª. edição
Bertrand Editora - Lisboa, 1998.

Vida e obra de Virgílio Ferreira

Escritor português, natural de Melo, Gouveia. Passou a maior parte da sua infância com as tias maternas, devido à emigração dos pais para os Estados Unidos. Aos dez anos de idade ingressou no seminário do Fundão, que abandonou em 1932, tempo cuja má recordação, segundo o próprio, só se desfez após a escrita catártica de Manhã Submersa (1954). Depois de deixar o seminário, acabou o curso liceal no Liceu da Guarda e entrou, em 1936, para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se formou em Filologia Clássica, em 1940. Dedicou-se inicialmente (durante a adolescência e o período de formação em Coimbra) à poesia, que, embora nunca tenha publicado, nunca o abandonou, como o prova o lirismo da sua prosa. Em 1939 escreveu o seu primeiro romance, O Caminho Fica Longe, que publicou quatro anos mais tarde. Depois de ter concluído o estágio no Liceu D. João III, em Coimbra, leccionou, até 1981, em diversos liceus do país: Faro (1942); Bragança (1944); Évora (1945-59), que deixou profundas marcas em vários romances, nomeadamente em Aparição (1959); Lisboa, no liceu Luís de Camões (a partir de 1959).

Inicialmente ligado ao neo-realismo, acabou por se desligar deste movimento literário, evoluindo a sua obra no sentido de uma temática existencialista e de um humanismo trágico. A sua obra é atravessada por uma constante reflexão sobre a condição humana, um constante registo das grandes interrogações do homem, da procura de sentido para as razões essenciais da vida e da morte. Esta orientação foi seguida a partir do romance Mudança (1950), ficando definitivamente associada às obras seguintes do escritor.

A par desta interrogação filosófica sobre o destino do homem, os textos de Vergílio Ferreira, nomeadamente os ensaios, traduzem também uma reflexão sobre os problemas da arte e da civilização europeias. No entanto, na sua obra, os aspectos ensaísticos estão também frequentemente implicados nos romances. Considerado um dos grandes escritores portugueses do século XX, Vergílio Ferreira manteve-se à margem de polémicas estritamente políticas e de grupos literários, o que lhe valeu algumas críticas por parte de outros nomes do mundo cultural português.

Vergílio Ferreira publicou as obras de ficção, O Caminho Fica Longe (1943), Onde Tudo Foi Morrendo (1944), Vagão J (1946), Mudança (1950), A Face Sangrenta (1953), Manhã Submersa (1954, obra adaptada ao cinema por Lauro António), Aparição (1959, Prémio Camilo Castelo Branco), Cântico Final (1960), Estrela Polar (1962), Apelo da Noite (1963), Alegria Breve (1965, Prémio da Casa da Imprensa), Nítido Nulo (1971), Apenas Homens (1972), Rápida A Sombra (1975), Contos (1979), Para Sempre (1983), Uma Esplanada Sobre o Mar (1986), Até ao Fim (1987, Grande Prémio de Novela e Romance da Associação Portuguesa de Escritores), Em Nome da Terra (1990), Na Tua Face (1993, Grande Prémio de Novela e Romance da APE) e, já após a sua morte, Cartas a Sandra (1996). É também autor dos ensaios Terá Camões Lido Platão? (1942), Sobre o Humorismo de Eça de Queirós (1943), Do Mundo Original (1957), Carta ao Futuro (1958), Da Fenomenologia a Sartre (1962), André Malraux: Interrogação ao Destino (1963), Espaço do Invisível 1 (1965), Invocação ao Meu Corpo (1969), Espaço do Invisível 2 (1976), Espaço do Invisível 3 (1977), Um Escritor Apresenta-se (1981), Espaço do Invisível 4 (1987), Arte Tempo (1988) e dos diários Conta-Corrente I (1980), Conta-Corrente II ( 1981), Conta-Corrente III (1983), Conta-Corrente IV (1986), Conta-Corrente V (1987), Pensar (1992), Conta-Corrente Nova Série 1 (1993), Conta-Corrente Nova Série 2 (1993), Conta-Corrente Nova Série 3 (1994), Conta-Corrente Nova Série 4 (1994).

Foram-lhe atribuídos, entre outros, o Prémio do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários (1985, pelo conjunto da sua obra), o Prémio Femina (1990), o Prémio Europália (1991) e o Prémio Camões (1992).

Várias obras suas foram adaptadas ao cinema: além de Manhã Submersa, já mencionada, Cântico Final, e os contos O Encontro, A Estrela e Mãe Genoveva. Algumas das suas obras encontram-se traduzidas em várias línguas.

Vergílio Ferreira (1916-1997)-Vida e Obra


Vergílio Ferreira iniciou a sua actividade literária na década de quarenta do século XX.

Seduzido pela força do neorealismo, sofrerá uma sensível mudança que o tornou marginal à ideologia marxista, mas que o afastará também do catolicismo. O que essencialmente o fez mudar, como ele próprio escreveu, não foi a aspiração ao humanismo e à justiça, mas um conceito prático de justiça e de humanismo, pois que se os modos de concretização de um sonho podem sofrer correcção, não o sofreu neste caso, a aspiração que visava concretizar. Transparecia seguramente nesta mudança.

O que seja esse equilíbrio ele no-lo diz, remetendo-o para o insondável e incognoscível de nós, um substrato gerado ao longo dos infinitos acidentes, encontros e desencontros e que nos surge como anterioridade radical às nossas escolhas e opções. Por isso "o impensável e o indiscutível subjaz a todo o pensar, e para lá dele, ao sentir", sendo sobre esse impensável que se nos organiza a harmonia do pensar, que ulteriormente tentamos explicar ou demonstrar com a disciplina da razão. Este é um dos temas mais recorrentes no pensamento de VF, a que já se referira na sua mais importante obra filosófica, a Invocação ao meu Corpo, ao considerar que "há duas zonas no homem que são a das origens e a da concretização, a do indizível e a do dizível, a do absoluto e a da redutibilidade".

Daí a relevância do tema da "aparição", consentânea com a revelação momentânea de uma verdade que em nós se pode gerar lentamente, mas cujo momento culminante tem quase sempre o instantâneo da estrada de Damasco e a dimensão fulgurante do mistério. "O mistério e o seu alarme são o tecido de tudo", dirá em Carta ao Futuro (1957).

Daí também o estatuto da arte, ao longo de toda a sua obra: o mundo da arte é o mundo da aparição, o mundo inicial. A arte será, como disse, "o arauto do impensável, ou o lugar onde se lhe vê a face, cabendo ao filósofo explicitá-la em pensamento", ou, noutra afirmação não menos explícita: "a arte inscreve no coração do homem o que a vida lhe revelou sem ele saber como, e o filósofo transpõe a notícia ao cérebro, na obsessiva e doce mania de querer ter razão", repetindo aqui uma ideia que sempre lhe foi cara: a de que a filosofia é um pobre sobejo do milagre da arte, e vem depois, já tarde, "como os corvos ao cadáver", pois que, como escreveu em Invocação ao meu Corpo, "todo o pensar é póstumo ao que se é, à aparição da verdade essencial, da revelação do originário. Por isso é que a filosofia é uma aventura perene como a arte. Cada filósofo recupera esse espanto inicial, de interrogação suspensa, degradando-a em pergunta quando lhe reponde com razões", deixando patente que a degradação a que se refere se reporta a uma filosofia de matriz racionalista.

A arte não interpreta, revela; não explica, mostra o lado oculto do homem, por isso, em arte, saber é comover-se. Já em Espaço do Invisível III afirmara a mesma tese, em justificação do título: "mas se em todo o horizonte está presente um horizonte que o margina, até um horizonte final, se na mais breve palavra está o aviso do insondável, se o espaço do invisível se anuncia no do visível, é na obra de arte que mais presente e visível se nos revela o invisível".

Em todo o caso, dando corpo a um pensamento de base existencialista, emerge o primado do sentir, "o essencial não é para se pensar mas para se sentir", que nos diz que "a verdade é amor", pelo que é a verdade emotiva a primeira e a última que nos liga ao mundo.

Daí também um dos seus temas preferidos, o das "verdades de sangue": um autor que se admira mas que se não ama, "vai para o lado de nós, onde o sangue não circula ou é uma aguadilha", ou, como dirá em Do Mundo Original, "uma verdade só interfere na vida quando o sangue a reconhece", pelo que uma razão ajuda, mas não decide uma receptividade.

E daí de novo a arte, inclusive a arte que lhe coube, que foi a da escrita, a do romance lírico, onde as coisas adquirem a sua essencialidade, a sua verdade emotiva, tornando visível o mistério.

Mistério e espanto perante o estremecimento íntimo das coisas em nós. Aí a raíz da atitude lírica que integrará na sua actividade romanesca, fazendo do romance o lugar de cruzamento entre o lirismo e a reflexão filosófica de vertente existencial, na convicção, por si afirmada, de poder perfeitamente escoar em prosa a poesia que lhe coube, e com a preocupação acrescida de teorizar em ensaios múltiplos - apesar das suas invectivas contra a pobreza da razão - as questões apresentadas ficcional e literariamente.

Todavia, o cântico ao homem é à sua irredutibilidade individual que tanto o afastou do estruturalismo e nele via a morte do homem, o cântico ao homem que assistiu à morte de Deus, tragicamente vivida em Manhã Submersa, e se colocou no seu altar com a força iluminadora que de si próprio descobriu irradiar, coexiste com a amarga experiência da desagregação dos valores artísticos, sociais, históricos e ideológicos. Entre todos, a morte da arte é a que assume a dimensão mais trágica, uma morte que é autodestruição, e que justifica muita da frieza que empresta aos seus últimos romances, nomeadamente em Para Sempre.

Ao tema regressará em Pensar, numa comparação singela do aldeão que sempre foi: "Dar um sentido à vida. Para lho darem aos domingos, quando não trabalham, os campónios da aldeia embebedam-se e dão-se facadas. A arte do nosso tempo sabe-o e faz o mesmo". Entre os quatro grandes mitos modernos, Acção, Erotismo, Arte e Deus, foi a morte da Arte que mais o ocupou, a par da morte de Deus. A arte moderna esquecera o "mundo original", autonomizara as formas e divorciara-se do homem?

Em todo o caso, o tema essencial de toda a sua obra foi certamente o da procura do sentido da existência num universo sem sentido, fazendo-o navegar no que Eduardo Lourenço chamou um "niilismo criador" e um "humanismo trágico", explorando até à exaustão o tema do "eu", ao mesmo tempo eterno e inscrito na finitude, a mesma finitude que o embrenha na temática da morte, num homem que heroicamente, e também angustiadamente, suporta o desafio da finitude.

"Tenho a corrupção lenta do tempo, tenho a eternidade a executar". Eis, numa breve expressão de Rápida a Sombra, a dimensão trágica do seu pensar, onde se desenrola uma intensa reflexão sobre o corpo e a morte. Há em todo o homem são um impulso para um mais daquilo que se é no presente, e que jamais se alcança, ou que se sabe jamais poder alcançar-se ("um apelo ao máximo" que vem do máximo que o homem é), num processo infindo a que só o absurdo da morte põe termo: "Na profundidade de nós, o nosso eu é eterno, e todavia é justamente o corpo que nos contesta a eternidade". Todavia, em Invocação ao meu corpo, VF pretendeu divinizar o corpo, naquele sentido em que o "homem é espírito e corpo", e por isso realiza o espírito no corpo ou é corpo espiritualizado, estando todo o homem nele "como um Deus panteista".

No entanto, novo conflito deflagra entre essa exaltação divinatória, e a consciência trágica da sua corruptibilidade e da sua objectiva degradação, lançando o homem na angustiante consciência da sua "infinitude limitada", e ao mesmo tempo no plano heróico de saber que a morte o espera, devendo viver "como se ela não contasse", ou, como escreveu em Nítido Nulo: "viver a eternidade e, num momento de distracção, cortarem-la rente".

Obras
O Caminho Fica Longe, 1943; Onde Tudo Foi Morrendo, 1944; Vagão J, 1946; Mudança, 1949; A Face Sangrenta, 1953; Manhã Submersa, 1954; Carta ao Futuro 1958; Aparição, 1959; Cântico Final, 1960; da Fenomenologia a Sartre, 1962; Introdução a O Existencialismo é um Humanismo, de Jean Paul Sartre, 1962; Estrela Polar, 1962; Apelo da Noite, 1963; Alegria Breve, 1965; Do Mundo Original, 1957; Invocação ao meu corpo, 1969; André Malreaux -- Interrogação ao Destino, 1963; Espaço do Invisível, 4 volumes, 1965- 76- 77- 87; Nítido Nulo, 1971; Apenas Homens, 1972; Rápida a Sombra, 1974; Contos, 1976; Signo Sinal, 1979; Para Sempre, 1983; Até ao Fim, 1987; Pensar, 1992; Conta-Corrente, cinco volumes, 1980-1988; Carta a Sandra, 1997 (edição póstuma)

Bibliografia: Eduardo Lourenço, "Vergílio Ferreira e a Geração da Utopia", em O Canto e o Signo. Existência e Literatura, Lisboa, 1993; id., "O itinerário de Vergílio Ferreira", ibidem; id. Mito e obsessão na obra de Vergílio Ferreira", ibidem; id., "Sobre Mudança" ibidem; id., "Vergílio Ferreira -- Do alarme ao júbilo" ibidem; id., "Pensar Vergílio Ferreira", ibidem; id., "Desesperadamente, alegria", ibidem; António Quadros, "Vergílio Ferreira", em Logos-Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa-São Paulo, 1989-92; Rosa Goulart, O Romance Lírico de Vergílio Ferreira, Lisboa 1990; Eduardo Prado Coelho, "Signo Sinal, ou a resistência do invisível", em Colóquio/Letras, 54 (1980); Jacinto do Prado Coelho, "Vergílio Ferreira um estilo de narrativa à beira do intemporal", em Ao contrário de Penélope, Lisboa 1976; Maria Lúcia Dal Farra, O narrador ensimesmado, São Paulo, 1978; João Décio, Vergílio Ferreira: a ficção e o ensaio, São Paulo, 1977; Helder Godinho, O universo imaginário de Vergílio Ferreira, Lisboa, 1985; id., Estudos sobre Vergílio Ferreira, Lisboa, 1982; José Luis G. Laso, Vergílio Ferreira -- espaço simbólico e metafísico; Lisboa, 1989; Maria da Rosa Padrão, Um Escritor Apresenta-se, Lisboa, 198; José de Almeida Pavão, "Entre o neo-realismo e a problemática metafísica em Vergílio Ferreira", em Arquipélago, Série Línguas e Literaturas, IX, 1987; Alexandre Pinheiro Torres, "Entrada no universo angustiado de Vergílio Ferreira", em Romance: o mundo em equação, Lisboa, 1967.

Pedro Calafate

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Felizmente há Luar - Sttau Monteiro

RESUMO DA OBRA:

1ºACTO

Várias personagens do povo dialogam falando da miséria e opressão em que vivem. Alimentam a esperança de que o General Gomes Freire de Andrade as salve da vida que têm.
Vicente, personagem do povo, diz-lhes que para ele os generais estão todos do lado do poder. Considera Freire de Andrade um “estrangeirado” e perante o 1ºPolícia assume a sua traição face ao povo. A única coisa que ele pretende da vida é ascender socialmente para sair da miséria em que nasceu. Rejeita o seu nascimento e a sua origem humilde.
Os polícias foram incumbidos de levar Vicente à presença de D. Miguel Forjaz. Este está preocupado com a revolta do povo e teme o poder que o General Gomes Freire de Andrade tem sobre o povo. Assim, incumbe Vicente de vigiar a casa do general, prometendo-lhe em troca torná-lo chefe da polícia.
Principal Sousa conversa com D.Miguel e comentam preocupados que as movimentações políticas que se adivinham poderão levá-los a perder poderes e privilégios. Beresford chega e anuncia a ambos uma conjura em Lisboa, segundo informações recebidas pelo capitão Andrade Corvo, ex-maçónico ao serviço da Junta. Os três decidem aniquilar o chefe dos conspiradores.
Morais Sarmento, e Andrade Corvo tentam vencer os escrúpulos de estarem a trair a causa maçónica. D. Miguel pede-lhes que denunciem os chefes da conjura a troco de benesses. Beresford pede-lhes também que tragam uma proclamação contra o rei.
Beresford, Principal Sousa e D.Miguel conversam e é visível :
- o desprezo de Beresford em relação a Portugal, só colabora com a regência a troco de dinheiro.
- D.Miguel chama-lhe mercenário
- Principal Sousa chama-lhe herege.
- Principal Sousa é um hipócrita fascinado pelo poder
- Têm os três receio do General Gomes Freire.

Vicente informa Beresford, Principal Sousa e D.Miguel de que das dez pessoas que entraram em casa de Gomes Freire só conhece sete e de que grande parte dos conspiradores são oficiais mas o povo aguarda a revolta com entusiasmo.
Para Beresford é seu inimigo quem o impede de organizar o exército, quem pensa que o pode substituir e todos aqueles que quiserem retirar-lhe os 16000$00 anuais.
Apesar destas três personagens se odiarem mutuamente, unem-se em torno do mesmo interesse comum: conservar o poder e procurar um bode expiatório para executar. Assim escolhem o General Gomes Freire.



2ºACTO


Manuel representa o papel de mendigo e de nobre ríspido. Num monólogo desta personagem fica o público a saber que o General foi preso e levado para o forte de S.Julião da Barra.
Para o povo,que vive em grande miséria, chegou o momento do desespero e todos sentem que a prisão do General os deixou sem esperança no futuro. A polícia proibe ajuntamentos e obriga o povo a dispersar. Rita diz ao marido, Manuel, que arrombaram as portas de casa do General e que Matilde, sua mulher, ficou a chorar. Pede ao marido que se afaste da política pois prefere morrer de fome do que perdê-lo.
Matilde, num monólogo, manifesta revolta e rancor por considerar a prisão do marido altamente injusta. Gomes Freire lutou sempre pelos valores de valentia, justiça e lealdade, ao contrário da classe política que revela cobardia, injustiça, deslealdade, hipocrisia, desonestidade e materialismo. Sente saudades do passado e da companhia do seu marido e revela desencanto pela vida que viveu. Sente ânimo e força interior para lutar pela libertação do marido.

Sousa Falcão critica a classe dirigente, considerando-a mesquinha e materialista, receosa e insegura. Acha que os políticos concebem um Deus à sua imagem e semelhança.

Matilde vai falar com Beresford e fala-lhe da sua vida:
- em solteira fora criada no meio da natureza, num ambiente pobre mas muito religioso
- casou com Gomes Freire e viveu feliz, com total dedicação. Com ele tomou consciência da opressão que há no mundo.

Matilde pede a Beresford que liberte o marido mas este humilha o general, e acusa-o de, apesar do seu nascimento, defender os interesses do povo. Segundo ele, “a simples existência de certos homens é já um crime”.

O padre informa que será feita uma acção de graças, no Domingo, em todas as paróquias, por alma dos conjurados que pensavam formar um governo revolucionário.
Matilde sente-se revoltada com a indiferença que o povo manifesta face ao facto do marido estar preso.
O 1ºPopular informa que Vicente foi feito chefe da polícia e que quando lhe estendeu a mão levou uma cacetada.
Manuel tem consciência de que o povo foi sempre explorado e que na situação em que vivem não podem fazer nada pelo General a não ser continuar a aceitar moedas dos poderosos. Num gesto simbólico oferece a Matilde uma moeda, “as moedas por que se vende a alma”.
Sousa Falcão, amigo e confidente de Gomes Freire, traz notícias. Diz que não autorizam que ninguém o veja, nem sequer os amigos e parentes. Meteram-no numa masmorra sem comer durante seis dias, ninguém o autoriza a barbear-se nem a escolher um advogado. Indicaram-lhe um que tinha já a seu cargo a defesa de 12 presos.

Matilde vai pedir a D. Miguel a libertação do marido, mesmo sabendo que ele não atenderá o seu pedido. D. Miguel recusa-se a recebê-la. O criado traz o recado de que D. Miguel não recebe “amantes de traidores e amigos dos inimigos de el-rei”.
Matilde vai então pedir a Principal Sousa a libertação do general. Ela acusa-o de ser cúmplice da prisão, condenação e morte do marido. Indiferente, principal Sousa não ouve a voz de Matilde e diz que o General morre por razões de Estado.

Frei Diogo, que acabara de confessar o General tem compaixão de matilde e sente a injustiça que recai sobre o General. Reconforta-a e diz-lhe: “O general pediu-me para a procurar, minha senhora, e para lhe dizer que tem pensado em si constantemente”.
Matilde roga pragas a Principal Sousa, acusando-o de hipócrita e traidor, não cumprindo a sua missão de bispo.
Sousa Falcão informa que os presos vão já a caminho do Campo de Sant’Ana. E que já se viam as fogueiras.
Matilde volta a pedir ao Principal a libertação do marido.
D.Miguel, cheio de rancor, afirma que o cheiro proveniente da execução dos conspiradores permanecerá na memória de todos, durante muitos anos e que, sempre “que pensarem em discutir as nossas ordens lembra-se-ão do cheiro”. Matilde fala com a cruz como símbolo da resignação, misericórdia e salvação.
Sousa Falcão sente remorsos por não estar com Gomes Freire de Andrade pois partilhava das suas opiniões.
Matilde, juntamente com Sousa Falcão contempla pela última vez o marido que em breve será enforcado. Veste uma saia verde que o marido lhe comprara em Paris. O corpo do general arde na fogueira mas o seu espírito vem abraçá-la num adeus derradeiro. Matilde profetiza com o clarão da fogueira o início de uma revolução que porá fim á opressão e à ditadura.
Numa noite em que “felizmente há luar”, o clarão poderá ser visto por todos e todos poderão ver a injustiça que foi feita com o general.

Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro – , esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.

Quem foi Sttau Monteiro?



Luís Infante de Lacerda Sttau Monteiro nasceu no dia 03/04/1926 em Lisboa e faleceu no dia 23/07/1993 na mesma cidade. Partiu para Londres com dez anos de idade, acompanhando o pai que exercia as funções de embaixador de Portugal. Regressa a Portugal em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por Salazar. Licenciou-se em Direito em Lisboa, exercendo a advocacia por pouco tempo. Parte novamente para Londres, tornando-se condutor de Fórmula 2. Regressa a Portugal e colabora em várias publicações, destacando-se a revista Almanaque e o suplemento "A Mosca" do Diário de Lisboa, e cria a secção Guidinha no mesmo jornal. Em 1961, publicou a peça de teatro Felizmente Há Luar, distinguida com o Grande Prémio de Teatro, tendo sido proibida pela censura a sua representação. Só viria a ser representada em 1978 no Teatro Nacional. Foram vendidos 160 mil exemplares da peça, resultando num êxito estrondoso. Foi preso em 1967 pela Pide após a publicação das peças de teatro A Guerra Santa e A Estátua, sátiras que criticavam a ditadura e a guerra colonial. Em 1971, com Artur Ramos, adaptou ao teatro o romance de Eça de Queirós A Relíquia, representada no Teatro Maria Matos. Escreveu o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, adaptada como novela televisiva em 1982 com o título Chuva na Areia.Obras – Ficção: Um Homem não Chora (romance, 1960), Angústia para o Jantar (romance, 1961), E se for Rapariga Chama-se Custódia (novela, 1966). Teatro: Felizmente Há Luar (1961), Todos os Anos, pela Primavera (1963), Auto da Barca do Motor fora da Borda (1966), A Guerra Santa (1967), A Estátua (1967), As Mãos de Abraão Zacut (1968).

A OBRA FELIZMENTE HÁ LUAR

CLASSIFICAÇÃO


Trata-se de uma drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, do modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição.


- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- desfesa intransigente da justiça social
- teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma posição
- intemporalidade da peça remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denúncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade solidária que permitia a verdadeira realização do homem.

As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
BRECHT ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.
Em "FELIZMENTE HÁ LUAR!", as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para que a "distanciação se concretize".
Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição.
O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a entender de forma clara a mensagem.

LINGUAGEM: natural, viva e maleável; frases em latim com conotação irónica, frases incompletas por hesitação ou interrupção, marcas características do discurso oral e recurso frequente à ironia e sarcasmo.
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinonimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para falar do presente.
o teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influencia de Brecht – DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da historia narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se distanciam da historia narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um olhar crítico para que se aperceber e criticar as injustiças e opressões.

TEMPO
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da acção

ESPAÇO
espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

O TÍTULO
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo momento, representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência e do antipoder. Porém o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma eufórica exclamação
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e percebessem que aquele é o fim ultimo de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações.
Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.

CONTEXTO HISTÓRICO: Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão, a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: GENERAL BERESFORD

Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto é, em 1965, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo.
A peça "Felizmente há luar" é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.



GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade

D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista. prepotente; autoritário; servil (porque se rebaixa aos outros);

PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso; desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses

BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista; autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico

VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo pode ascender socialmente).

MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos populares; é corajoso.

MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor, como pelo ódio.

SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
Frei Diogo: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal Sousa.
Delatores: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.

MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite, constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a seguir na luta pela liberdade.

LINGUAGEM E ESTILO
Linguagem
- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas das personagens
- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento da condenação e da execução
- frases incompletas por hesitação ou interrupção
- marcas características do discurso oral
- recurso frequente à ironia e sarcasmo

Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia)
Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
TEXTO PRINCIPAL: As falas das personagens
TEXTO SECUNDÁRIO: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60: denúncia da violência
Felizmente Há Luar! tem como cenário o ambiente político dos inícios do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir.
Luís de Sttau Monteiro marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, e denuncia a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, precisamente sob a ditadura de Salazar.
O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no século XIX em que decorre a acção permitiu-lhe, assim, colocar também em destaque as injustiças do seu tempo e a necessidade de lutar pela liberdade.
Em Felizmente Há Luar! percebe-se, facilmente, que a História serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60, do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa, durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que mais tarde contribuíram para a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974. Tal como a conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores permitiu o triunfo do liberalismo, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante a ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia.
Tempo da História (século XIX – 1817)

- agitação social que levou à revolta liberal - 1820
– conspirações internas;
-revolta contra a presença da Corte no Brasil e influência do exército britânico
- regime absolutista e tirânico
- classes sociais fortemente hierarquizadas
- classes dominantes com medo de perder privilégios
- povo oprimido e resignado
- a “miséria, o medo e a ignorância”
- obscurantismo, mas “felizmente há luar”
- luta contra a opressão do regime absolutista
- Manuel, “o mais consciente dos populares”, denuncia a opressão e a miséria
- perseguições dos agentes de Bereford
- as denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmente que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam
- censura
- severa repressão dos conspiradores
- processos sumários e pena de morte
- execução do General Gomes Freire

Tempo da escrita - 1961
- agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial
- regime ditatorial de Salazar
- maior desigualdade entre abastados e pobres
- classes exploradas, com reforço do seu poder
- povo reprimido e explorado
- miséria, medo e analfabetismo
- obscurantismo, mas crença nas mudanças
- luta contra o regime totalitário e ditatorial
- agitação social e política com militares antifascistas a protestarem
- Perseguições da PIDE
- denúncias dos chamados “bufos”, que surgem na sombra e se disfarçam, para colher informações e denunciar
- censura à imprensa
- prisão e duras medidas de repressão e de tortura
- condenação em processos sem provas

Carácter épico da peça/Distanciação histórica (técnica realista; influência de Brecht)


Felizmente Há Luar! é um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico. Na linha do teatro de Brecht, exprime a revolta contra o poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive. Por isso, oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição.
O teatro é encarado como uma forma de análise das transformações sociais que ocorrem ao longo dos tempos e, simultaneamente, como um elemento de construção da sociedade. A ruptura com a concepção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina a criar o terror e a piedade, isto é, já não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir "sentir" por "pensar".
Observando Felizmente Há Luar! verificamos que são estes também os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista em Portugal), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura nos anos 60 do século XX) e assim pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição.

"Trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista

Felizmente Há Luar! é uma "trágica apoteose" da história do movimento liberal oitocentista, interpretando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e do generalíssimo Beresford. Como afirma Luciana Stegagno Picchio, é retratada a conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que se manifestava contrária à presença inglesa ("Manuel – Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai na mão dos Ingleses!"), na pessoa de Beresford, e à ausência da corte no Brasil. Coloca-se em destaque ao longo de toda a peça a situação do povo oprimido, as Invasões Francesas, a "protecção" britânica, iniciada após a retirada do rei D. João VI para o Brasil, e a falta de perspectivas para o futuro.
Para que o movimento liberal se concretize, é necessária a morte de Gomes Freire, dos seus companheiros e também de muitos outros portugueses, que em nome dos seus ideais são sacrificados pela pátria. Conspiradores e traidores para o poder e para as classes dominantes, que sentem os seus privilégios ameaçados, são os grandes heróis de que o povo necessita para reclamar a justiça. Por isso, as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se num estímulo. A fogueira acesa na noite para queimar Gomes Freire, que os governadores querem que seja dissuasora, torna-se na luz para que os oprimidos e injustiçados lutem pela liberdade. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire, são de coragem e estímulo para que o Povo se revolte contra a tirania dos governantes: ("Matilde – Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! / Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) Felizmente – felizmente há luar!").

OS SÍMBOLOS:

Saia verde
: A saia encontra-se associada à felicidade e foi comprada numa terra de liberdade: Paris. , no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. "alegria no reencontro"; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros esperança através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor predominante na natureza e dos campos na Primavera, associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens (por D.Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o povo se revolte).
A luz – como metáfora do conhecimento dos valores do futuro (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas relacionam-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte. A luz representa a esperança num momento trágico.
Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo
Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periodicidade. A luz da lua, devido aos ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a força extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar.
O fogo é um elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela do fogo. Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e liberdade.
Moeda de cinco reis – símbolo do desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus.
Tambores – símbolo da repressão sempre presente.

Carácter interpretativo e simbólico
A saia verde
" A felicidade – a prenda comprada em Paris (terra da liberdade), no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas;" Ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a "alegria" do reencontro ("agora que acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito").
" A saia é uma peça eminentemente feminina e o verde está habitualmente conotado com tranquilidade e esperança, traduzindo uma sensação de repouso, envolvente e refrescante.
O título/a luz/a noite/o luar
O título é duas vezes mencionado ao longo da peça, inserido nas falas das personagens:
D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos governadores: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (…) Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro…"Logo de seguida afirma: «É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar…» - esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia desta execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo, que se pretendia exemplar. Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde, "companheira de todas as horas" do general Gomes Freire de Andrade, são de coragem e estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes: "-Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! /Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim…/ (Pausa) / Felizmente – felizmente há luar!"Na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão "felizmente há luar" pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens:
As forças das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo utilizam, paradoxalmente, o lume (fonte de luz e de calor) para "purificar a sociedade" (a Inquisição considerava a fogueira como fonte e forma de purificação);
Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade.
Assim, dado que o luar permite que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência isso significará:
- Para os opressores, que mais pessoas ficarão "avisadas" e o efeito dissuasor pretendido será maior;
- Para os oprimidos, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade.
A fogueira/o lume
Após a prisão do general, num diálogo de "tom profético" e com "voz triste" (segundo a didascália), o Antigo Soldado, afirma: "Prenderam o general…Para nós, a noite ainda ficou mais escura…". A resposta ambígua do 1º Popular pode assumir também um carácter de profecia e de esperança: "É por pouco tempo, amigo. Espera pelo clarão das fogueiras…". Matilde, ao afirmar que aquela fogueira de S. Julião da Barra ainda havia de "incendiar esta terra!", mostra que a chama se mantém viva e que a liberdade há-de chegar.A linguagem em Felizmente Há Luar! é…Natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de algumas personagens;Uso de frases em latim, com conotação irónica, por aparecerem aquando da condenação e da execução;
Frases incompletas por hesitação ou interrupção;
Marcas características do discurso oral;
Recurso frequente à ironia e ao sarcasmo.

A didascália

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com as personagens oprimidas).
As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, um sino que toca a rebate, o murmúrio de vozes, o toque de uma campainha, o murmúrio da multidão) e efeitos de luz (o contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra, de acordo, aliás, com o desenlace trágico).
De realçar que a peça termina ao som de fanfarra ("Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.") em oposição à luz ("Desaparece o clarão da fogueira."); no entanto, a escuridão não é total, porque "felizmente há luar".

Antero de Quental


Antero de Quental- 1842 - 1891


Bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra; publicista, homem político, filosofo e poeta. N. em Ponta Delgada a 18 de Abril de 1842, onde também faleceu a 11 de Setembro de 1891. Era descendente duma das mais antigas famílias das ilhas dos Açores, sendo filho de Fernando do Quental.
Depois de estudar as primeiras letras na sua terra natal, veio para Lisboa e cursou as aulas do estabelecimento de ensino fundado e dirigido por António Feliciano de Castilho. Em 1856 foi matricular-se em Direito na Universidade de Coimbra, tomando o grau de bacharel em 1864. Desde 1860 que o jovem poeta se tornara conhecido no mundo literário, com a publicação em opúsculo anónimo, segundo Raymundo Capella, da poesia À historia, cujas estrofes são as que abrem a primeira edição das Odes modernas. Desde esse ano apareceram também várias poesias e artigos de prosa nos jornais Academico, Preludios litterarios, Estreia litteraria, Phosphoro, publicados em Coimbra. Em 1861 saiu dos prelos da Imprensa Literária da mesma cidade, um folheto intitulado Sonetos de Anthero. Em 1863 publicou-se o poemeto Beatrice, e a poesia Fiat lux, que se tornou raríssima, por ter o seu autor inutilizado quase todos os exemplares, poucos dias depois de impressos. Mas em 1865 é que se publicou, também em Coimbra, o volume das Odes modernas, que marcou a Antero do Quental um lugar de destaque nas letras portuguesas. Deste livro se fez segunda edição no Porto em 1875, contendo varias composições inéditas. No Porto também saiu, em 1871, o volume das Primaveras românticas, com o subtítulo de versos dos vinte anos. A série das suas publicações em prosa, encetou-a Antero do Quental em Coimbra, em 1865, com a sua Defesa da Carta encíclica de Sua Santidade Pio IX contra a chamada opinião liberal; este opúsculo tem esta dedicatória: “A todos os católicos sinceros e convictos. A todos os hereges sinceros e convictos. Testemunho de boa-fé.”
Outro opúsculo, publicado no mesmo ano de 1865, é que provocou uma verdadeira tempestade literária, denominada A questão coimbrã. Intitulava-se Bom-senso e bom-gosto; carta ao Ex.mo Sr. António Feliciano de Castilho; reimprimiu-se primeira e segunda vez, contando ao todo três edições. A virulenta e prolongada polémica literária que derivou daquele opúsculo, chegou ao extremo de redundar num duelo à espada entre Quental e Ramalho Ortigão, autor do opúsculo Literatura de hoje. O duelo efectuou-se no Porto, no sítio chamado da Arca de Agua, ficando Ramalho Ortigão levemente ferido num pulso. Ainda em 1865. publicou Antero do Quental em Lisboa, um outro opúsculo A dignidade das letras e as literaturas oficiais, em que atenuou alguns dos exageros da sua apreciação no opúsculo que provocara a questão coimbrã. Volvidas depois as publicas atenções para os factos político-sociais, interveio Antero do Quental nos debates do momento com a publicação dos opúsculos de combate: Portugal perante a revolução de Espanha, considerações sobre o futuro da politica portuguesa? O ponto de vista da democracia ibérica, em 1868; e O que é a Internacional; o socialismo contemporâneo, o programa da Internacional; a organização da Internacional; as conclusões, em 1871, este sem o nome do autor.
Entretanto, promoviam-se em Lisboa, no salão do Casino Lisbonense, as Conferencias democráticas, cujo programa tem a data de 16. de Maio de 1871, e é assinado além de Antero do Quental, por Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queiroz, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis, J. P. Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga e Teófilo Braga. As Conferencias democráticas foram inauguradas por Antero do Quental, que também fez a segunda conferência, a qual teve por tema as Causas da decadência dos povos peninsulares nos três últimos séculos. Este notável discurso foi publicado no Porto no mesmo ano de 1871; nele dá Antero do Quental como causas da decadência de Portugal a monarquia e o catolicismo. Proibidas as Conferencias democráticas por uma portaria do então presidente do conselho de ministros, o marquês de Ávila e Bolama, Antero do Quental publicou a sua Carta ao Ex.mo Sr. António José de Ávila, marquês de Ávila, presidente do conselho de ministros, que está escrita com veemência e enérgica indignação.
Afastando-se por essa época da vida publica, após uma viagem aos Estados Unidos, dedicou-se mais especialmente Antero do Quental ás preocupações literárias entrando na nova polémica literária suscitada pela versão do Fausto, de Goethe, pelo visconde de Castilho, desta vez do lado deste e seus amigos e admiradores; dessa época é também o seu opúsculo Considerações sobre a filosofia da história literária portuguesa, em 1872, onde aprecia o livro de Oliveira Martins sobre Camões e os Lusíadas e a Teoria da história da literatura de Teófilo Braga. Em prosa há dispersos por jornais e revistas, muitos artigos dignos de leitura e meditação, como acerca de Lopes de Mendonça, nas colunas duma folha operária do Porto. Deve-se também mencionar os seus manifestos políticos, quando o partido socialista, em 1880, lhe indicou o nome aos eleitores como candidato a deputado por um círculo de Lisboa. Em 1892, o livreiro Gomes, de Lisboa, editou o volume raios de extinta luz, poesias inéditas de Antero de Quental, com outras pela primeira vez coligidas, precedidas de um esboço biográfico por Teófilo Braga. Das suas obras poéticas, além da imitação dum soneto por Manuel del Palacio, traduções em espanhol por Frederico Balart, segundo comunicação de Sanchez Moguel, havendo a Illustracion Española y Americana apresentado já especímenes desta versão; de Manuel Curros Enriquez; e de Baldomero Escobar. Em francês, além de Fernando Leal, traduziram Antero do Quental o autor de Epines et roses, em Gouttes d'Ame, Paris; Achille Millien, em suas Fleurs de poesie, morceaux des poétes étrangers contemporains, traduits en vers; Maxime Formont no capitulo III da sua obra Le Mouvement poéti­que contemporain en Portugal, Lyon, 1892; e H. Faure. Em italiano, contam-se as versões de Marco Antonio Canini, Giuseppe Cellini, Domenico Milelli, E. Teza, G. Zuppone-Strani, com quem colaborou o autor das Fiori d'Oltralpe, onde, além da tradução de varias poesias insere igualmente a versão siciliana Zara, traduzida outrossim em dialecto corso por A. P. Fioravanti; esta poesia, bem como os sonetos A Virgem Santíssima e Quia aeternus, em italiano, foi traduzida outrossim por Prospero Peragallo e Clelia Bertily; desta versão se encontra uma reprodução no livro de António Padula, I nuovi poeti portoghesi, onde também se vê uma tradução Dos Captivos em prosa. Do epitáfio Zara, há também uma tradução em italiano por Francisco Accineili. A edição poliglota Zara (Lisboa, Imprensa Nacional, 1894) compreende traduções em latim, italiano, siciliano, calabrês, napolitano, bolonhês, romanhol, veneziano, veronês. milanês, genovês, romanche, francês, valão, bearnês, delfinês, provençal, e catalão, maiorquino, castelhano, asturiano, mirandês, galego, romeno, polaco, boémio, russo, esloveno, eslovaco, croata, grego, albanês, inglês, sueco, dinamarquês, norueguês, neerlandês, alemão; daco saxónico, bretão, irlandês, daco-cigano, hebraico, árabe, finlandês, húngaro e basco. A estas versões cumpre aditar as posteriores em russo, em eslavo de Montenegro e em arménio antigo e moderno. Das outras obras poéticas de Antero do Quental resta registrar as traduções em inglês pelo Dr. Richard Garnett e por Edgar Prestage, benemérito das letras lusitanas. Em alemão outro benemérito de nossa literatura, Wilhelm Storck, publicou uma versão dos Sonetos de Quental. Em sueco os traduziu Goran Bjorkman, como em dinamarquês recentemente Karl Larsen, professor da Universidade de Copenhaga. Dos escritos em prosa de Antero do Quental há da Carta autobiographica a Storck, versões em alemão e em inglês; e desde 1882 uma tradução espanhola do estudo crítico A poesia na actualidade, traslado devido a Ricardo Caruncho, e impresso em Corunha.
O péssimo estado de saúde de Antero de Quental, a que debalde buscava remédio no conselho das sumidades da ciência médica, como Charcot em Paris, acabara por o obrigar ao retiro de um isolamento completo, em Vila do Conde, onde em 1890, quando se deu o Ultimatum inglês, o entusiasmo da mocidade académica portuense o foi buscar, oferecendo-lhe a presidência da Liga Patriótica do Norte, agremiação oriunda dum comício popular. A Liga Patriótica do Norte, porém, fracassou; e na sequência dos sucessos, veio Antero de Quental a regressar à sua terra natal, onde inesperadamente o público culto foi alarmado pela surpresa da terrível notícia do suicídio do grande poeta. No ano de 1896 apareceu no Porto, editado por Mathieu Lugan, um volume In memoriam, de Antero de Quental, colaborado por alguns dos seus mais íntimos amigos pessoais, trazendo dois apêndices, um de Ernesto do Canto, outro a excelente bibliografia Anteriana, de Joaquim de Araújo.
A este estudo se ligam os opúsculos seguintes: do mesmo Joaquim de Araújo, Bibliographia Antheriana, resposta a alguns reparos do Sr. Delphim Gomes, Coimbra, 1896, e Bibliographia Antheriana, resposta aos Srs. Delphim Gomes e José Pereira Sampaio, Génova, 1897; de Delphim Gomes, Bibliographia Antheriana, notas ao ensaio do Sr. Joaquim de Araújo Coimbra, 1896; Bibliothe­ca Antheriana, defeza dalgumas notas impugnadas pelo Sr. Joaquim de Araújo, Coimbra, 1896, e Bibliographia Antheriana, a propósito da «Resposta» do Sr. Joaquim de Araújo aos Srs. Delphim Gomes e José Pereira de Sampaio, por José d'Azevedo e Menezes, Barcelos, 1897.
Antero Tarquínio de Quental era originário dos Açores, tendo nascido em Ponta Delgada a 18 de Abril de 1842. É possível que a tradição familiar tenha contribuído para a sua inclinação humanística, dado que entre os seus antepassados havia um pregador de mérito, P. Bartolomeu de Quental, e um poeta amigo de Bocage, o avô André Ponte de Quental. Recebeu da família, principalmente de sua mãe, uma educação religiosa e tradicional, que viria a abandonar mais tarde, nos seus aspectos mais visíveis, se bem que tenha conservado até ao fim um fundo de religiosidade.
Frequentou, em 1852, o Colégio do Pórtico, em Ponta delgado, na altura em que Castilho era o seu director. Veio para o continente em 1855, matriculando-se inicialmente no Colégio de S. Bento, em Coimbra, frequentando depois o curso de direito, entre 1858 e 1864. Durante a juventude publicou diversos textos nos jornais "Prelúdios Literários", "O Académico" e "O Instituto".
Em 1861 publicou a primeira obra em livro, Sonetos, seguida nos anos seguintes por Beatrice (1863), Fiat Lux! (1863) e Odes Modernas (1865). Em Coimbra foi presidente de uma organização secreta, de contestação à tradição académica, a "Sociedade do Raio". É também desta época o seu interesse pelas ideias socialistas e pela filosofia. Torna-se um leitor atento de Proudhon e Hegel.
Em 1865 desencadeou uma acirrada polémica com os escritores românticos, ao reagir à carta-prefácio de Castilho que apresentava o livro Poema da Mocidade, de Manuel Pinheiro Chagas. Na sua carta, Castilho criticava os jovens escritores de Coimbra, tendo Antero reagido com o famoso folheto Bom Sendo e Bom Gosto. Num segundo texto, A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, defendia a ideia de que a literatura deveria ter uma função social, por oposição ao lirismo ultra-romântico. Ramalho Ortigão envolveu-se também na polémica ao lado de Castilho, tendo mesmo travado um duelo com Antero. A "Questão Coimbrã" marca a entrada em cena de uma nova geração literária, que pretendia demarcar-se da escola romântica — a Geração de 70.
Concluído o curso, Antero voltou aos Açores por pouco tempo, instalando-se depois em Lisboa (1866). Viveu durante alguns meses em Paris, onde trabalhou como tipógrafo. A sua intenção era conhecer de perto o modo de vida das classes trabalhadoras, movido pelos ideais socialistas que então defendia.
Novamente em Lisboa, colaborou com José Fontana na organização de associações operárias e na divulgação das ideias revolucionárias. Nesta fase publicou regularmente textos de carácter político e literário nos jornais "Diário Popular", "Jornal do Comércio" e "O Primeiro de Janeiro". Foi na casa que partilhava com Jaime Batalha Reis que nasceu o chamado grupo do "Cenáculo", espécie de tertúlia onde se discutiam as novas ideias que chegavam de França.



Entre 1870 e 1872, integrou a redacção de jornais de orientação socialista: "A República" e o Pensamento Social". Em 1872 ajudou a fundar a Associação Fraternidade Operária, que era a representante em Portugal da 1ª Internacional Operária.
Dentro do mesmo espírito de intervenção, participou em 1871 na organização das "Conferências do Casino", tendo sido o autor de um dos textos mais célebres dessa série — Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos.
Em 1973 o pai faleceu e a herança permitiu a Antero viver nos anos seguintes em desafogo económico. Em 1876 faleceu a mãe. Por essa altura já ele era afectado por crises de depressão que ajudam a explicar o abrandamento da sua actividade política e literária. Em 1875 encontramo-lo a dirigir com Batalha Reis a "Revista Ocidental". Os anos seguintes são de pessimismo e desilusão, bem evidentes nos Sonetos Completos (1886).
Em 1881 instalou-se em Vila do Conde e procurou assegurar a educação das filhas de Germano Meireles, após o falecimento do amigo. Os anos seguintes foram de relativa calma, depois da agitação que a depressão lhe trouxe.
Em 1890 presidiu à Liga patriótica do Norte, um dos movimentos nacionais de reacção ao ultimato inglês, que obrigava Portugal a renunciar à ocupação das terras situadas entre Angola e Moçambique. É provável que a constatação do estado de decadência a que o país chegara tenha contribuído para agravar a sua tendência crónica para a depressão. Foi neste ano que publicou na "Revista de Portugal", dirigida por Eça de Queirós, um dos textos mais importantes da filosofia portuguesa — Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.
No ano seguinte, regressou aos Açores, suicidando-se a 11 de Setembro (1891).
Obras consultadas:
Breve História da Literatura Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1999



Bibliografia:
Sonetos, 1861
Beatrice, 1863
Fiat Lux!, 1863
Odes Modernas, 1865
Bom Senso e Bom Gosto, 1865
A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, 1865
Defesa da Carta Encíclica de Sua Santidade Pio IX, 1865
Portugal perante a Revolução de Espanha, 1868
Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, 1871
Primaveras Românticas, 1872
Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, 1872
A Poesia na Actualidade, 1881
Sonetos Completos, 1886
A Filosofia da Natureza dos Naturalistas, 1887
Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, 1890
Raios de Extinta Luz, 1892



1842:
Em Ponta Delgada, a 18 de Abril, nasce Antero Tarquínio de Quental. A 2 de Maio é baptizado na Igreja Matriz de S. Sebastião de Ponta Delgada. - 1847: Começa a aprender francês com António Feliciano de Castilho que vive nessa altura na capital açoriana. - 1852: Em Agosto vem com sua mãe para Lisboa, matriculando-se no Colégio do Pórtico, do qual Castilho é director. - 1853: Antero regressa a Ponta Delgada onde em 7 de Julho de 1855 concluirá a Instrução Primária. Em 20 de Outubro desse mesmo ano volta a Lisboa onde frequenta o colégio Escola Académica. - 1856: Inscreve-se como aluno interno no Colégio de S. Bento, em Coimbra. Escreve os primeiros versos que lhe são conhecidos numa carta enviada a seu irmão André. - 1858: Após algum tempo de estudo em Lisboa, com a ajuda de seu tio paterno Filipe de Quental, lente de Medicina, conclui os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade de Coimbra, onde se matricula no 1º ano de Direito em 28 de Setembro, sendo admitido a 2 de Outubro. - 1859: Em Abril é condenado pelo Conselho de Decanos a oito dias de prisão por, com outros estudantes, ter tomado parte num acto praxístico - armado de um cacete e com o rosto coberto, «dando grau a caloiros e cortando-lhes o cabelo». Em 24 de Maio é aprovado no acto do 1º ano de Direito. Em Setembro matricula-se no 2º ano de Direito. - 1860: Mora no Largo da Sé Velha, ficando também por vezes em casa de seu tio Filipe de Quental, na Travessa da Couraça. Em Janeiro publica nos Prelúdios Literários «Na Sentida Morte do Meu Condiscípulo Martinho José Raposo». Em Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro, também nos Prelúdios, publica «Leituras Populares». Em Março, com Alberto Sampaio, Alberto Teles e outros, dirige o jornal O Académico - Publicação Mensal, Científica e Literária. - 1861: Em Abril participa na fundação da Sociedade do Raio, uma sociedade secreta que se caracteriza por lançar desafios blasfemos a Deus durante a ocorrência de trovoadas. Em O Fósforo, publica um artigo sobre João de Deus: «A Propósito de um Poeta». Em Outubro matricula-se no 4º ano. - 1862: Em 21 de Outubro saúda, em nome da Academia, o príncipe Humberto de Sabóia. - 1863: Em 22 de Julho faz exame e passa para o 5º ano. - 1864: Em 2 de Julho conclui o curso de Direito. 1866: Em Janeiro tenta alistar-se no exército de Garibaldi. - 1867: Em 19 de Agosto embarca para Ponta Delgada. - 1868: Em 31 de Outubro regressa a Lisboa. 1869: Em Julho embarca para os Estados Unidos. - 1871: Em 22 de Maio as Conferências são inauguradas. - 1874: Adoece gravemente em Ponta Delgada. - 1876: Em Maio desloca-se a Ponta Delgada, regressando em Julho a Lisboa. - 1877: No início de Julho faz uma viagem a Paris, onde consulta o Dr. Charcot. - 1878: Entre Fevereiro e Junho hospeda-se em casa de Oliveira Martins, no Porto. - 1880: Em fins de Maio, numa carta a Alberto Sampaio inclui o soneto «Estoicismo». - 1882: Em Maio escreve os sonetos «Na Mão de Deus» e «Evolução». - 1883: Em Maio escreve o soneto «Voz Interior». - 1884: No Palácio de Cristal, no Porto, encontra-se com Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão. Tiram a fotografia do «grupo dos cinco». - 1885: Encontra-se Com Carolina Michaëlis. - 1886: Perto do fim do ano recebe a primeira carta de Wilhelm Storck com sonetos seus traduzidos para o alemão. - 1887: Em 8 de Maio desloca-se a Ponta Delgada. - 1888: Pensa candidatar-se a uma cadeira da projectada Escola Normal Superior. - 1889: Columbano pinta-lhe o retrato que se conserva no Museu do Chiado. - 1890: Em 11 de Janeiro - Ultimato inglês. - 1891: Jantar de despedida, oferecido pelos Vencidos da Vida no Tavares. Em 5 de Junho parte para Ponta Delgada. No dia 11 de Setembro compra um revólver e, às 20 horas, no lado norte do Campo de S. Francisco, suicida-se com dois tiros.
O Palácio da Ventura Sonho que sou um cavaleiro andante.Por desertos, por sóis, por noite escura,Paladino do amor, busca anelanteO palácio encantado da Ventura! Mas já desmaio, exausto e vacilante,Quebrada a espada já, rota a armadura...E eis que súbito o avisto, fulguranteNa sua pompa e aérea formosura! Com grandes golpes bato à porta e brado:Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais! Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...Mas dentro encontro só, cheio de dor,Silêncio e escuridão -- e nada mais! No Turbilhão A Jaime Batalha Reis No meu sonho desfilam as visões,Espectros dos meus próprios pensamentos,Como um bando levado pelos ventos,arrebatado em vastos turbilhões... Num espiral, de estranhas contorções,E donde saem gritos e lamentos,Vejo-os passar, em grupos nevoentos,Distingo-lhes, a espaços, as feições... - Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,Que me fitais com formidável calma,Levados na onda turva do escarcéu, Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes?Quem sois, visões misérrimas e atrozes?Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!... Aspiração Meus dias vão correndo vagarosos,Sem prazer e sem dor pareceQue o foco interior já desfaleceE vacila com raios duvidosos. É bela a vida e os anos são formosos,E nunca ao peito amante o amor falece...Mas, se a beleza aqui nos aparece,Logo outra lembra de mais puros gozos. Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:Se um momento a prendeu mortal beleza,É pela eterna pátria que suspira... Porém, do pressentir dá-ma a certeza,Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,Eu sempre bendirei esta tristeza! O QUE DIZ A MORTE «Deixai-os vir a mim, os que lidaram;Deixai-os vir a mim, os que padecem;E os que cheios de mágoa e tédio encaramAs próprias obras vãs, de que escarnecem... Em mim, os Sofrimentos que não saram,Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem. As torrentes da Dor, que nunca param, Como num mar, em mim desaparecem.»
- Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das coisas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
Nirvana
Para além do Universo luminoso
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.

A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida...
Numa imobilidade indefinida
Termina aí o ser, inerte, ocioso...

E quando o pensamento, assim absorto,
Emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,

A bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.
Mors-Amor
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a Morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"
A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

A Mensagem de Fernando Pessoa


Mensagem, uma aventura espiritual da Pátria

È com a obra Mensagem, que Fernando Pessoa adquire o grau de “Criador de Mitos”.
O poeta expressa poeticamente os mitos que os Descobrimentos tinham revelado como acção: “O mito é o nada que é tudo”. Através de uma formulação simbólica e mitológica, a Mensagem contem uma concepção que passa para além da História, uma realidade que passa para além das coordenadas do tempo. Transcreve-se a história de uma Nação de uma forma transfigurada. As personagens históricas transformam-se em mitos transformando-se numa outra realidade. Trata-se, pois, de um conjunto de antepassados que abrem caminho à realização de um ser colectivo. A obra pode ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, não possuirá a continuidade do relato histórico. A acção dos heróis só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Sò terão direito à imortalidade aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos.
A estrutura da Mensagem , sendo a de um Mito, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte dum mundo; à morte seguir-se-á um renascimento no sentido cósmico. Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria; as mães que estão na origem das dinastias cantadas como “antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do Império”; os heróis navegantes que percorrem o mar em busca do caminho da imortalidade; os profetas, vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, todos estão presentes à espera que nasça o Quinto Império.
Fernando Pessoa vê os Descobrimentos como uma aventura iniciática. Toda a Mensagem aparece a partir desta intuição, motivações vindas dum consciente intangível. A obra surge assim como um dever, missão terrestre que, estando para além do homem,lhe concede por este caminho a sua verdadeira personalidade. Empossados de uma missão que os ultrapassa, surgem sempre esses construtores e heróis da nação, tal como o argonauta que faz frente e riposta ao Mostrengo:
“Aqui, ao leme, sou mais do que eu
Sou um povo que quer o mar que é teu”

Caeiro sobre Cesário Verde

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que eu tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para as árvores
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...

Campos em F. Pessoa

Álvaro De Campos

Personagem nervosa e emotiva, é apresentado quase como um anti-intelectual. De todos os heterónimos é o que mais evolui. Começa por ser decadentista e acaba por ser um moderno cantor dos instintos ferozes e do grande movimento de sociedades industrializadas. Por fim decai no tédio numa vida que se arrasta sem sentido. Campos reflecte duma forma imediatista as sensações do dia-a-dia, de forma enervada e negligente.
Embora opte pela modernidade é um romântico por natureza , segundo ele “toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é então dizer-se o que se não sente”. Assim será possível entender a Ode Triunfal porque ao exprimir o desejo de ser “triturado ou esmagado” pela civilização sabemos que não é esse o seu desejo ao nivel do sentimento e compreendemos então que a civilização construída pela inteligência do homem so poderá conduzi-lo ao tédio e à frustação pois foi essa inteligência que acabou por “matar” o homem na sua essência e que o transformou numa peça dessa engrenagem maldita. Se um “motor” pode ser mais belo que a vitória de Samotrácia é porque chegámos a uma civilização em que a racionalização e a inteligência acabam por aniquilar o sentido da vida e todos os nossos sentimentos. Por isso Caeiro é o Mestre porque escolheu a vida em plena natureza em que o homem pode sentir e ser livre.


Sentir tudo de todas as maneiras é olhar para a vida e tentar tudo o que é novo. Viajar, conhecer outros países e outras sensações nem que seja através do ópio é o mesmo que desejar ser máquina, engrenagem e deixar que o próprio corpo funcione com a velocidade de tudo o que é artificial.
A única coisa que interessa são as sensações fortes mas ficará sempre uma eterna solidão e o poeta será como um livro abandonado que perdeu a sua utilidade embora possua uma imensa sabedoria.

Miguel Torga

MIGUEL TORGA


O poeta desenvolve três linhas de pensamento:
“um desespero humanista”,
“uma problemática religiosa”
“um sentimento telúrico”.
O desespero humanista é visível na revolta e no inconformismo que levam à solidão e à angústia, pela incerteza no próprio divino que conduz ao pessimismo.
Relativamente à problemática religiosa, o poeta manifesta permanentemente conflito entre o divino e o terreno. Para poder fazer afirmar o homem nega Deus. O sagrado é então expresso pela própria vida e pela força da terra. Deus é uma palavra obsessiva que o poeta receia tal como teme o absoluto. Nutre um sentimento telúrico de inspiração genesíaca. A terra é vista como um lugar de realização do ser humano e da sua ligação ao sagrado. Na terra fértil a fecundação permite a vida do homem que se reproduz na busca de novas vidas.
Miguel Torga projecta na sua escrita as suas preocupações com o ser humano, as suas limitações e a sua necessidade de transcendência. Manifesta apego aos limites carnais, terrenos e uma revolta espontânea contra os mesmos limites.

Aparição - um romance de Virgílio Ferreira

APARIÇÃO

O homem deve viver um percurso interior que o conduza a uma reflexão sobre a vida. Antes do mais o homem será tudo aquilo que tiver projectado ser, e não o que ele quiser ser, logo o homem é apenas o que ele faz de si próprio e nele cabe toda a responsabilidade da sua existência. Na obra Aparição, o autor pretende apresentar a relação do homem com a ordem universal, através do encontro do indivíduo com o seu “eu” metafísico e profundo. Alberto Soares, que protagoniza essa busca do homem em si mesmo, chegará à conclusão de que é impossível fixar os momentos de “aparição” ao nível da afectividade. Também Carolino procura a totalidade do “eu” que o conduzirá ao assassinato de Sofia, visto que se perpetuará nele para além da vida aparente e sujeita ao tempo. Alberto Soares compreenderá a ordem universal e Carolino irá tentar ir para além dela. Assim só o homem é responsável por si próprio e quando os valores por que nos guiamos são vagos, resta-nos guiarmo-nos pelo instinto. Todos os sentimentos se constroem com base no que se pratica. Amor e verdade são coisas problemáticas e inatingíveis na ordem do mundo mas que o narrador encontra ao lado da sua mulher que, aparentemente sombra da sua existência, constrói com ele essa totalidade.

Alberto Soares é o protagonista do romance , a personagem central e o narrador da história. É o herói que narra mas não o faz numa posição omnisciente e imperturbável, mas inquieta-se e comove-se intimamente com o que narra. Não é um simples espectador, é uma testemunha. Espanta-se, alarma-se com o mistério do que existe e consigo mesmo (o ambiente de classe média de província, o carácter impulsivo e a crueldade de Sofia, a mediocridade dissimulada de Ana, a luta social de Chico, a afirmação destrutiva de Carolino).
Alberto Soares inquieta-se perante a morte (do pai, de Cristina, de Sofia, perante os lugares como a montanha, a cidade de Évora, a casa). Contempla-se diante de si e inquieta-se procurando resposta para a pergunta: “Quem sou eu?”
Para além da resposta às exigências materiais do Homem, Alberto Soares, portador da inquietação metafísica de Vergílio Ferreira, procura um sentido para a existência. É neste romance uma personagem central, cujo ponto de vista avassalador é preenchido pelo assombro e pela inquietação.


CARACTERIZAÇÃO DE PERSONAGENS

ALBERTO SOARES

Professor do liceu, personagem principal. Vai dar aulas para Évora. Tratam-no por monge em família por ser tão introvertido. Sente uma imensa angústia resultante da “violência da descoberta da morte”, que surge no momento em que tem de vestir o seu pai que está morto. Acha que existe um pacto entre o nome e a pessoa. Pensa que a profissão não se escolhe, é algo que nos sai. Sente uma imensa necessidade de justificar a vida em face da inverosimilhança da morte.
Deixou de ser crente em Deus e acha que o ser existe enquanto existe na memória das pessoas.
Sente-se perturbado com a presença de Sofia acabando por se envolver com ela numa relação amorosa.
Sente espanto, fúria e terror pela morte do Bailote. Pretende elucidar as pessoas sobre o milagre de estar vivo.
Narra uma história de infância para explicar a imagem de si a si próprio - o espelho devolveu-lhe a sua própria imagem e ele toma consciência de si próprio.
Fica surpreendido com Carolino por este ter compreendido os seus princípios e por defendê-los. Descobre-se a si mesmo, que apenas está vivo e que Deus morreu, não existe.
Sente-se incomodado na presença de Ana pois esta quer saber o que há entre ele e a irmã, acabando por difamar a própria irmã.
Afirma-se materialista. Deseja ir morar para a Casa do Alto e deixa a Pensão Machado. Mostra-se entusiasmado com a sua profissão e com os novos métodos que experimenta. Diz-nos que há já algum tempo que luta “por reconduzir à dimensão humana tudo quanto traz ainda um rasto divino”. Mais uma vez faz referência à sua infância e ao seu cão Mondego. Recorda o desgosto que sentiu com a morte do cão, o seu 1ºcontacto com a morte. Descreve-nos a ceia de Natal, quebrou-se o hábito familiar depois da morte do pai. Alberto sente-se só mas sente-se bem. Ouve os cânticos de Natal e considera-os “lavados da sua pureza”. Para ele Tomás, o irmão mais velho, é um ser “adormecido nesta quietude da terra” que no fundo não sabe que é mortal”.
A pensão Machado fechou e Alberto instala-se na Pensão Eborense. Manifesta o desejo de tirar a carta com o sorteio dos bens. Apetece-lhe rever Sofia. Sente que há algo entre Sofia e Carolino. É advertido pelo Reitor do perigo de dar lições particulares. Sai com Sofia e esta revela-lhe que foi ela que o denunciou. Aluga a Casa de São Bento- casa do Alto
Para ele só “se é homem assumindo tudo o que fale em nós”.
Alberto assiste ao desastre de Cristina. Fica muito perturbado. É visitado por Carolino que o tenta assassinar, mas Alberto assume um comportamento surpreendente- esbofeteia o rapaz até se estafar.
É convidado pelo Reitor a deixar Évora por causa do escândalo que corre pela cidade. Na sua conversa com Ana percebe que em Cristina havia várias personalidades: a que se vestiu de holandesa e a que tocava piano.
Alberto gosta de estar só e de pensar nas coisas. Chico responsabiliza-o pelas suas ideias perversas e por influenciar Ana a ponto de esta falar como ele. Faz uma viagem pelo país. É informado por Alfredo que Sofia tenta de novo o suicídio. Passa pelos ceifeiros e perturba-se. A sua intenção era trazer para a condição humana uma condição de Deus.
Recebe um telefonema ameaçador do Liceu. Sabe que Sofia apareceu assassinada com um punhal. Parte para Faro.
Chico considera Alberto o responsável pela morte de Sofia e ele assume essa responsabilidade. É dispensado pelo Reitor do serviço de exames.
Na sua última noite na Casa do Alto, surpreende-se com a magia da queimada. Imagina toda a cidade a arder. O homem deve construir o seu reino e achar o seu lugar na verdade da vida. Compreende então a loucura do Bexiguinha.
À distância de alguns anos casou, adoeceu e retirou-se do ensino.

MÃE DE ALBERTO

Chama-se Susana, é carinhosa, tinha um olhar de mansidão e amargura.
Evaristo, o seu filho mais novo, é o seu preferido pois recorda-lhe a maternidade. É muito beata e pouco interessada pela vida de Alberto. Está habituada ao silêncio. Na ceia de Natal, depois da morte do marido, fica sozinha com o seu filho Alberto, sob um imenso silêncio. Critica os filhos por nem no dia de Natal assistirem à missa.

PAI DE ALBERTO

Chamava-se Álvaro, tratavam-no por “velhote”. Ouvia os filhos com tolerância, era médico, gostava de Ter a casa cheia, teve uma morte súbita numa noite de luar.
Ajudou Alberto na escolha da profissão pois cedo descobriu que ele era uma criança atenta que procurava coisas mais profundas. A sua morte e o trabalho de o vestir já sem vida origina em Alberto “uma angústia resultante da violenta descoberta da morte”. Com o seu desaparecimento quebram-se as tradições familiares e dá-se o desmembramento da família. Era ateu. Tomás era o seu filho preferido.