quarta-feira, 11 de julho de 2007

Actores de Hollywood vão protagonizar «Os Maias» em Londres

Um elenco com actores de Hollywood vai protagonizar uma dramatização do romance «Os Maias», de Eça de Queirós, numa ambiciosa produção no «West End», em Londres, no próximo ano, revelou hoje o produtor, Eduardo Barreto.
«Só posso dizer que vai ser um elenco de luxo e o actor principal será um dos grandes nomes de Hollywood», adiantou à Agência Lusa Eduardo Barreto, responsável pelo projecto.
O produtor não quis nomear os actores, «uma mistura de ingleses e americanos com experiência em teatro e cinema», alegando que estão ainda a decorrer as negociações para encontrar datas possíveis nas suas agendas profissionais.
Devido a estes constrangimentos, deverá demorar ainda «umas boas semanas» até os contratos estarem assinados, adiando a peça - que esteve anunciada para Dezembro - para a próxima Primavera, em 2008, «não antes de Abril».
Um «grande elenco» é um dos ingredientes essenciais para concretizar este projecto com sucesso, enuncia Barreto, já que é isso que vai atrair financiadores e público.
«Tem de ter elementos comerciais para fazer dinheiro«, vincou, em declarações à Lusa.
A peça vai chamar-se »Lisbon« e foi adaptada do romance oitocentista de Eça pelo reputado dramaturgo britânico Peter Oswald, que escreveu um texto »lindíssimo, meio em verso, meio em prosa«, acrescenta o produtor.
A adaptação coloca em destaque as três personagens masculinas, Carlos da Maia, João da Ega e Afonso da Maia, e são esses papéis que serão protagonizados pelos actores conhecidos.
Parte do financiamento estará assegurada, assim como uma sala no conhecido »West End«, bairro londrino onde se concentram os principais teatros, já que Eduardo Barreto está a colaborar com um dos maiores grupos do meio.
A »força da história« e o facto de ser »um projecto de qualidade« conseguiu atrair também »um encenador inglês muito conceituado e premiado nos EUA«, mas cujo nome o produtor preferiu manter em segredo até estar confirmado.
A convicção de Eduardo Barreto neste projecto, no qual trabalha »há dois anos«, vem do facto de ter encenado »O Crime do Padre Amaro«, de Eça de Queirós, também na capital britânica em 2001, e que, segundo ele, »foi muito bem recebido.
Residente em Londres desde 1992, Eduardo Barreto, 37 anos, tem uma carreira variada como actor e realizador de filmes comerciais, tendo nos últimos anos trabalhado sobretudo em produção com a companhia que criou, a Requiem Productions.

Diário Digital / Lusa
11-07-2007 13:24:00

terça-feira, 19 de junho de 2007

Fernando Pessoa



É uma imagem conhecida e já serviu para ilustrar a capa de uma fotobiografia de Fernando Pessoa. O poeta tinha 10 anos quando tirou este retrato em Durban, na África do Sul, onde viveu e estudou. A expressão do Pessoa que nos foi dado a ver já está aqui. E quanto mais se olha para ela mais se fica com a impressão que o poeta só teve uma expressão. E manteve-a sempre de cada vez que enfrentava uma máquina fotográfica, quer tivesse 3, 10 ou 30 anos. No verso da fotografia, Pessoa escreveu esta dedicatória: “Á sua querida tia Lisbella com muitos beijos do seu sobrinho muito amigo Fernando. Durban 1898”.
A fotografia que Fernando Pessoa tirou em Durban, na África do Sul, quando tinha 10 anos, foi vendida a um alfarrabista por 8500 euros, tornando-se na imagem mais cara alguma vez vendida num leilão em Portugal. A outra carte-de-visite de Pessoa colocada em praça (um retrato do atelier Camacho, de Lisboa), captada quando o poeta tinha cerca de 3 anos, foi arrematada por 460 euros (o preço-base era de 300).

domingo, 17 de junho de 2007

Como construir um discurso político

sábado, 16 de junho de 2007

Como comentar um poema

Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior, composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático. Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao poeta.

Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.

Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos métricos são fonológicos. A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos, aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades que alude o substantivo.O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.

Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos. Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta. As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento
Personificação/prosopopeia
antítese ( contraste de ideias)
Hipérbole
Tropos
Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque

Para saberes mais sobre as diversas figuras de estilo consulta:

Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual
Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os conceitos; é observar as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias explícitas; é um momento em que o leitor estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o modo como o fez, com a sua subjectividade de quem analisa e comenta.
O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos diferentes planos de análise.
As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário citar um verso completo ou uma frase completa deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição. Quando se desejar citar mais do que um verso e essa citação seguir exactamente a ordem do poema em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da utilização de uma barra oblíqua [/].

Modernismo

O MODERNISMO em Portugal tem seu início oficial no ano de 1915, quando um grupo de escritores e artistas plásticos lança o primeiro número da "Orpheu", revista trimestral de literatura. Esse grupo é composto por Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada Negreiros o brasileiro Ronald de Carvalho e, entre outros, o fantástico e polêmico, Fernando Pessoa e seus heterônimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro).Segundo Luís de Montalvor, Orfeu "é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento". Ainda conforme Moltalvor, a pretensão dos integrantes da Orfeu "é formar, em grupo ou idéia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos".Esses jovens artistas, também conhecidos como Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Marinetti; pelo Institucionalismo de Henri Bergson, cuja linha de pensamento só admitia o conhecimento natural e espontâneo e dizia não à ciência e à técnica; e pelos ensinamentos de Martin Heidegger, que colocava a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como uma determinação social.




Os objectivos principais dos orfistas eram:



Mário de Sá Carneiro Almada Negreiros Fernando Pessoa

Chocar a burguesia com a sua obra irreverente (poesias sem metro, exaltando a modernidade);
Tirar Portugal de seu descompasso com a vanguarda do resto da Europa.
Logo no primeiro número, publicado em abril de 1915, os orfistas conseguiram criar o ambiente de escândalo desejado, graças a críticas violentas, que podem ser encontradas nos poemas "Ode triunfal" de Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa) e "Manicure" de Mário de Sá-Carneiro. Esse primeiro número esgotou-se em apenas três semanas graças a um sucesso "negativo": as pessoas que compravam a revista ficavam horrorizadas e despejavam sua ira contra os seus colaboradores. Armando Cortes Rodrigues, um dos membros da Orpheu, conta que os orfistas eram constantemente ironizados e chamados de loucos.O segundo e último número da revista Orpheu foi lançado em julho de 1915, com conteúdos bem mais futuristas. O terceiro número chegou a ser planejado, mas não foi editado por causa do suicídio de Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da revista.



Mário de Sá Carneiro

Almada Negreiros

Essa primeira geração Modernista, surgida em meio à Primeira Guerra Mundial, foi nitidamente influenciada pelos vários manifestos de vanguarda europeus. Esse talvez seja o motivo principal dos autores desse período apresentarem individualidades muito fortes e não seguirem um padrão estético linear. Apesar do precoce desaparecimento da "Orpheu", essa revista deixou uma rica herança, uma vez que surgiram várias outras revistas que, a grosso modo, foram seguidoras do orphismo e que tiveram duração efêmera, ou seja, duraram pouco. Foram elas:
Centauro (1916);
Exílio (1916);
ícaro (1917);
Portugal Futurista (1917);
Etc.
Ainda nesse primeiro momento do Modernismo português surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e Florbela Espanca. Nomes de destaque na literatura portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum dos momentos modernistas. Para o professor de Literatura Portuguesa Massaud Moisés esses dois poetas são enquadrados em um momento literário que classifica como "Interrogno".




Revista Exílio - nº unico abril 1916. Direção Augusto de Santa Rita
Linhas temáticas da poesia de Miguel Torga

Grupo 1 _A criação poética ( sonho, solidão, rebeldia, rito, liberdade) _ Lê os poemas: Canção do Semeador; Maceração; Prospecção.

Grupo 2 _ A condição humana (terrena, animal, mortal) _ Lê os poemas: Comunhão, Condição, Cântico de Humanidade

Grupo 3 _ A revolta da imanência humana contra a transcendência divina _ Lê os poemas: Desfecho, Súplica, Livro de Horas

Grupo 4 _ Problemática religiosa _ Lê os poemas: De Profundis, Tantum Ergo

Grupo 5 _ O desespero humanista _ Lê os poemas: Liberdade; Orfeu Rebelde, Drama

Grupo 6 _ A Obsessão Telúrica _ Lê os poemas: Êxtase, Lezíria, A Terra

Grupo 7 _ A dimensão telúrica da Natureza ( a Terra , corpo vivo; A terra, centro do Cosmos; o abraço Terra Céu, o anseio Terra/Mar; A Terra-Pátria-Ibéria) _ Lê os poemas: Ibéria; Pátria; Imagem; Regresso;

Grupo 8 _ Apego aos limites carnais, Terrenos e a revolta espontânea contra esses limites: Lê os poemas: Depoimento, Descida aos infernos, Mudez;

Grupo 9 _ Apologia de um sentido terreno, instintivo _ Lê os poemas: Bucólica, Mirante, Lavram e semeiam aqui ao lado, S. Leonardo da Galafura;

Grupo 10_ Miguel Torga reactualiza muitos mitos clássicos. Rescreve os seguintes mitos presentes na obra de Torga: Prometeu, Ícaro, Tântalo, Narciso, Orfeu, Anteu e Sísifo.

Nota: Para leres os poemas assinalados clica nesta página.

Comunicado- Miguel Torga

Na frente ocidental
nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Começo- Miguel Torga

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.


Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.

Terra- Miguel Torga

Também eu quero abrir-te e semear
Um grão de poesia no teu seio!
Anda tudo a lavrar,
Tudo a enterrar centeio,
E são horas de eu pôr a germinar
A semente dos versos que granjeio.

Na seara madura de amanhã
Sem fronteiras nem dono,
Há de existir a praga da milhã,
A volúpia do sono
Da papoula vermelha e temporã,
E o alegre abandono
De uma cigarra vã.

Mas das asas que agite,
O poema que cante
Será graça e limite
Do pendão que levante
A fé que a tua força ressuscite!

Casou-nos Deus, o mito!
E cada imagem que me vem
É um gomo teu, ou um grito
Que eu apenas repito
Na melodia que o poema tem.

Terra, minha aliada
Na criação! Seja fecunda a vessada,
Seja à tona do chão,
Nada fecundas, nada,
Que eu não fermente também de inspiração!

E por isso te rasgo de magia
E te lanço nos braços a colheita
Que hás de parir depois...
Poesia desfeita,
Fruto maduro de nós dois.
Terra, minha mulher!

Um amor é o aceno,
Outro a quentura que se quer
Dentro dum corpo nu, moreno!
A charrua das leivas não concebe
Uma bolota que não dê carvalhos;
A minha, planta orvalhos...

Água que a manhã bebe
No pudor dos atalhos.
Terra, minha canção!
Ode de pólo a pólo erguida
Pela beleza que não sabe a pão
Mas ao gosto da vida!

O Jardim de Sophia - Ribeiro Telles

Quando procurei inventar um jardim para a Sophia, deparei com um lugar onde a força telúrica das colinas e do estuário e a beleza da paisagem se interligavam de tal maneira que o Jardim não é mais do que o elo, no sítio próprio, onde se consubstancia tal aliança.
O Jardim situa-se num socalco duma colina, tendo em frente a encosta verdejante e as muralhas escondidas do castelo, enquanto que para Sul se adivinha o nevoeiro e a luz do Tejo. É como que um quintal do velho arrabalde mourisco, donde se vislumbra uma paisagem recortada no azul luminoso do céu de Lisboa.
Pelo lugar e pelo jardim corre o tempo: a alegria do dia, a que se sucede o segredo da noite, a metamorfose das estações e o suave silêncio da natureza, pontuado pelo cantar dos pássaros.
Sophia integrou-se naquele espaço que esperava pela poesia para se tornar humanamente compreensível e transcendente.
Para mim a Sophia, o jardim e a paisagem do lugar são um todo, onde apenas surgem como referências simbólicas: Um prado humilde, um cipreste, apontando para as alturas, o abrigo dum pinheiro manso, uma alfarrobeira mediterrânica, um caramanchão, tão característicos das quintas românticas do Porto, e a mesa e cadeira de Sophia.
O Jardim vai por certo permanecer - "Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta/ Continuará o jardim, o céu, o mar, e como hoje igualmente hão-de bailar/ As quatro estações à minha porta" - mas temo pelo futuro do lugar e da paisagem, ante o avassalador avanço da obesidade do betão e do chão asfaltado, consequência da "morte" da poesia.

O Mar em Sophia de Mello Breyner

Metade da minha alma é feita de maresia.
A expressão prima pela economia de palavra que povoa o texto poético de Sophia: um verso ao qual não foi necessário acrescentar outros que igualmente o povoam; nem com eles fazer montagens, como se o poema fosse um filme, segundo o que Sophia de Mello Breyner explica com a maior clareza numa das suas Artes Poéticas . Um verso que define uma idiossincrasia da sua alma poética, como se a maresia pudesse a um tempo constituir metade da essência da sua alma e eventualmente cobrir, pelo seu elemento etéreo – o cheiro vindo do mar que penetra no ar -, a outra metade da sua alma.
A essência da sua alma poética vive da cumplicidade da maresia e da sua identidade como respiração da brisa marinha, numa harmonia perfeita de ritmo vital anímico e espiritual em que confluem as metáforas vividas do mar, do ar e da brisa ou vento suave, ritmo da própria respiração vital do sujeito lírico que, por sua vez, faz parte do universo do próprio mar, o qual dá pela ausência do sujeito lírico quando ele se aparta de uma praia e por ele vai esperando, no esplendor da maré vasa:

Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
A união cósmica do sujeito lírico com o “mar, o vento e a lua” passa de aspiração a acto, neste poema, pelo espaço de êxtase e nudez da praia, sintonizando-se com a dança e harmonia cósmicas que perpassa no universo poético de Sophia de Mello Breyner, sintonizando-se também, na expressão de outro poema, com o “secreto bailar do meu sonho” que o som humanizado do mar- “a tua voz”- segue:

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Claridade e Rigor na poesia de Eugénio de Andrade


MAIS de cinquenta anos passados sobre a revelação em livro, a poética de Eugénio de Andrade, na clara solaridade vocabular que em todos os seus poemas se patenteia com exuberância, tem reincidido nos últimos livrosna mesma sinceridade e brevidade expressivas que fazem de toda a sua obra essa morada onde pairam sempre as sombras, passos e lugares que foram da infância e adolescência, de peregrinação e de vagabundagem por muitas outras paragens. Por isso, retomar o diálogo com o Poeta de Mar de Setembro, mesmo na insistência de uma concisão vocabular que o fazem mergulhar por vezes em certas imagens quase comuns ou de menor forma expressiva, de algum modo estabelecer o convívio com uma das vozes mais coerentes da poesia desta segunda metade do século XX português.Na verdade, cada novo livro de Eugénio de Andrade, sendo ainda e sempre um mesmo e outro livro, prolonga ou retoma esse discurso cristalino e sincero, breve e incisivo, de saber guiar o leitor pelos lugares obscuros, 'branco no branco' (mesmo na aparente contradição expressiva e poética), que traz consigo essa tradição lírica portuguesa de Bernardim, Camões ou até dos primeiros trovadores medievais. Mas esse discurso, sendo idêntico e sempre diferente, ainda o mesmo tom e modo de o Poeta saber falar da vida e do mundo, dos pessoas e das coisas, dos olhares e dos sentimentos, nesse dizer por dizer ao rés das águas límpidas ou dos rios e lugares de diversa peregrinação, na persistente e decantada claridade poética:
Toda a ciência está aqui,na maneira como esta mulherdos arredores de Cantãoos dos campos de Alpedrinharega quatro ou cinco leiras de couves.
E, por essa repetida 'arte poética', Eugénio de Andrade, na brevidade e sinceridade do verbo, na emotiva e sempre renovada forma de abordar ou olhar o mundo, reencontra ou redescobre, mesmo num lódão perto da casa onde morara, num Porto que desde há muitos anos lhe pertence por direito de íntima coabitação, esse sentido solar da sua própria efemeridade, no fazer rente ao dizer e na carga simbólica e sentida das palavras com que todo esse seu 'verbo' poético se tece e enaltece:
Também a poesia é filha da necessidade- esta que me chega um pouco já fora do tempo, deixou de ser a sumarenta alegria do sol sobre a boca.

Por isso, na avalanche metafórica e expressiva de um propositado e claro rigor de expressão, uma poesia que arrebata e comove, destituída de sombras ou inibições, liberta de ironias ou de sarcasmos, mas, como declara Jorge de Sena, todavia'uma poesia aberta com generosidade a todos os anseios de libertação, sempre concebida num bom gosto que defendeu o poeta dos exageros do neo-realismo, do surrealismo ou do barroquismo hispânico', alcançando, no termo dessa sua pessoal experiência e aventura poética cumprida em largos anos, uma plenitude que faz a poesia de Eugénio de Andrade ser hoje verdadeiramente das mais lidas e admiradas por amplas camadas de leitores.Talvez porque no rigor prosseguido no fio calmo dos anos, o que o Poeta de As Mãos e os Frutos deseja acima de tudo é que, pela simplicidade formal e pela transfiguração da sua expressão e clareza, essa solidariedade se confirme, de livro a livro, na cadência dos próprios versos, nessa inocência quase pagã sem deuses nem excessos, no cantante enaltecer do corpo, da terra e da vida, ou como já observara Eduardo Lourenço poder ainda dizer-se que'nenhum poeta como Eugénio de Andrade escreveu poesia de tal modo convincente com as figuras que lha sugerem e o obrigam a cantá-las, como se tudo estivesse certo no universo e só nós, no fundo, estivéssemos a mais'.E assim, na intencional insistência dessa música vital que perpassa em cada poema de Eugénio de Andrade, saber-se que o rumor do mundo se constrói ainda e sempre de palavras, que nessa poética carregam todo o peso da memória, pelas sombras e lugares de um inalterável peregrinar, em trajecto que é único e singularíssimo na poesia portuguesa do nosso tempo, e ter sabido desde longe andar em boas companhias: Homero, Platão, Whitman ou Blake, Lorca, Machado, Montale ou Pessoa. E uma vez mais proclamar num dos poemas emblemáticos de Rente ao Dizer:
materna casa da alegriae da mágoa;dança do sol e do sal;língua em que escrevo;ou antes: falo.

Serafim Ferreira
OBRAS DE EUGÉNIO DE ANDRADE
Fundação Eugénio de Andrade / Porto.

Autor do Artigo
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.


Inf. sobre o artigo
Jornal "a Página"Nº 65
Ano 7 Fevereiro 1998
Pag. 27


sobre Eugénio de Andrade


José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu a 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, uma pequena aldeia da Beira Baixa situada entre o Fundão e Castelo Branco, filho de uma família de camponeses, "; gente que trabalhava a pedra e a terra". A sua infância é passada com a mãe, que é a figura dominante de toda a sua vida e da sua poesia. O pai, filho de camponeses abastados, pouco esteve presente, dado que o casamento, efectuado mais tarde, durou muito pouco.
Entra para a escola da aldeia natal aos 6 anos. Um ano depois, muda-se com a mãe para Castelo Branco. Em 1932, muda-se novamente, agora para Lisboa, cidade onde se fixara seu pai, e onde permanece por um período de 11 anos. Conclui, entretanto, a instrução primária. Prossegue os estudos e, em 1935, afirma-se em si o interesse pela leitura. Passa horas a ler em bibliotecas públicas e começa a escrever poemas.
Em 1938 escreve uma carta e envia três ou quatro poemas a António Botto, que manifesta interesse em conhecê-lo. Em 1939 publica o seu primeiro poema, "Narciso" e, pouco tempo depois, passa a assinar com outro nome: nasce o poeta Eugénio de Andrade.
Em 1941 faz-se a primeira referência pública à sua poesia na conferência que Joel Serrão, seu amigo, pronunciou na Faculdade de Letras de Lisboa, sobre "A Nova Humanidade da Poesia Nova". Um ano depois, em Novembro, Eugénio lança o seu primeiro livro de poesia: "Adolescente". Em 1943, o poeta muda-se novamente acompanhado pela sua mãe para Coimbra, onde permanece até ao final do ano de 1946, altura em que se fixa novamente em Lisboa. Entretanto, em 1944, cumpre o Serviço Militar e, após a recruta, é colocado nos Serviços de Sáude de Lisboa mas, visto que morava em Coimbra, trata rapidamente de transitar para lá. Fazem-se, nesse ano ainda, as primeiras traduções de poemas seus para francês e, em 1945, a Livraria Francesa publica o seu livro "Pureza".
É com "As Mãos e os Frutos", em 1948, que Eugénio de Andrade alcança o sucesso. A partir dessa data, inicia-se uma carreira especialmente rica em poesia, mas também com produções nos domínios da prosa, da tradução e da antologia. Eugénio de Andrade ergue-se ao primeiro plano da poesia portuguesa.
Entretanto, em 1947, graças a um amigo, ingressa nos quadros do Ministério da Saúde como inspector-administrativo dos Serviços Médico-Sociais, onde permaneceu até 1983. Em 1950 é tranferido para o Porto, cidade onde ainda hoje vive.
A 14 de Março de 1956 morre a sua mãe e morre uma parte do poeta: "A minha ligação à infância é, sobretudo, uma ligação à minha mãe e à minha terra, porque, no fundo, vivemos um para o outro".
Em 1977 inicia-se a publicação da "Obra de Eugénio de Andrade" pela Editora "Limiar". Nasce, em 1991, a Fundação Eugénio de Andrade, que está a reeditar toda a obra do poeta, sendo o último volume o número 26, o livro de poesia "O Sal da Língua" (1995).
Durante os anos que se seguem até hoje, o poeta fez diversas viagens, foi convidado para participar em vários eventos e travou amizades com muitas personalidades da cultura portuguesa e estrangeira, como Joel Serrão, Miguel Torga, Afonso Duarte, Carlos Oliveira, Eduardo Lourenço, Joaquim Namorado, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teixeira de Pascoaes, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Mário Cesariny de Vasconcelos, José Luís Cano, Ángel Crespo, Luís Cernuda, Marguerite Yourcenar, Herberto Helder, Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, Óscar Lopes, e muitos outros...
Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia. Obras em prosa, antologias, álbuns, livros para crianças e traduções para português de grandes poetas estrangeiros (Lorca, Safo, Char, Reverdy, Ritsos, Borges, etc...) completam até ao presente a sua bibliografia, para além de muitos títulos traduzidos e publicados em 20 línguas e em 20 países: na Alemanha, Itália, Venezuela, China, Espanha, no México, Luxemburgo, em França, nos Estados Unidos da América, ...Eugénio de Andrade é, realmente - a par de Pessoa - o poeta português mais divulgado no mundo. A sua obra tem sido, por outro lado, objecto de estudo e reflexão por parte de escritores e críticos literários quer estrangeiros quer portugueses. Avesso a participar em eventos mundanos, o poeta raramente tem concedido entrevistas.

A poesia de Eugénio de Andrade

O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa). A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem, são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento doloroso provocado pelo envelhecimento, pela consciência da aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da vida e dos sentidos.
As mãos
Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono
As amoras
O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Alguns dos temas que atravessam a poesia de Eugénio de Andrade estão também na sua prosa, nomeadamente a memória do mundo da infância e a presença modeladora da pintura e da música. Mesmo ao nível do vocabulário essencial, o poeta e o prosador encontram-se muitas vezes; as diferenças residem sobretudo na articulação discursiva e no pressuposto teórico segundo o qual «a poesia é a ficção da verdade», como diz no poema «São Coisas Assim», do livro O Sal da Língua:

Quem dividiu comigo a alegria
merecia ao menos
que o trouxesse à orvalhada
e limpa terra do pema. Mas também
o poeta escreve direito por linhas
tortas: a poesia é a ficção
da verdade.(…)
Sendo «ficção da verdade», a poesia é um trabalho de construção que não elidindo os dados da experiência do sujeito, os transforma e amplifica, num processo de imaginação de que as palavras são, ao mesmo tempo, factor e resultado. Ora, o que parece desagradar a Eugénio de Andrade nos seus textos em prosa é precisamente o facto de a sua presença ser aí demasiado nítida, excessivamente visível; falta aquele trabalho de amplificação de sentidos que está bem explicado no poema «Ocorre-me tropeçar», inserto em O Sal da Língua:

Ocorre-me tropeçar em ti num linha
que escrevi noutra idade – tão discreta
é a tua presença que ninguém
a não ser eu te poderá descobrir.
(…)
“É o seu peito, a sua boca” digo então,
e na penumbra do quarto por instantes
brilha de novo o corpo do desejo.
Há um tipo de texto em que confluem harmoniosamente a vontade de contar e a necessidade de elaboração semântica e estilística: o poema em prosa. Eugénio de Andrade também tem escrito poemas deste género, com alguma regularidade. Assim, é um poema em prosa a longa dedicatória do livro Os Amantes sem Dinheiro (1950); em As Palavras Interditas (1951) é também em prosa o poema inaugural que, a partir do título – «Primeiramente» – institui o amor como tema central do livro; há em Limiar dos Pássaros (1976) um conjunto de textos subordinados ao título interno «Verão sobre o corpo», que constitui uma sequência de poemas em prosa, em estreita ligação, mesmo sintáctica, com o poema inicial7; e há, sobretudo, dois livros maiores do autor, totalmente compostos por poemas em prosa: Memória doutro Rio (1978) e Vertentes do Olhar (1987).
Numa entrevista, Eugénio de Andrade fala da «afasia» provocada por Limiar dos Pássaros, e alude a um novo livro composto por «poesia em prosa» – trata-se de Memória doutro Rio. Esta referência é relevante, porque o poeta reflecte sobre os motivos que o levaram a enveredar por um tipo de escrita que, aparentemente, se afasta dos preceitos mais exigentes da sua poética. O poema em prosa surge como um meio eficaz de contornar a «afasia», funcionando a dois níveis de libertação complementares: o escritor retoma o controlo da sua “voz” e a poesia ensaia novos caminhos, adquirindo, através da prosa, uma respiração diferente: «A mim, a mudança de clave, como diz uma amiga minha, permitiu-me uma respiração mais ampla, um ritmo mais próximo do falar materno(…)» Considerando que o poema em prosa «não tem entre nós tradição nem prestígio », Eugénio de Andrade acaba por concluir que «a fronteira entre poesia e prosa, quando a invenção verbal não tem outra finalidade que não seja ela própria, é puramente formal; em literaturas adultas, não é raro ambas juntarem as suas águas e o resultado podem ser coisas esplendorosas, quando assinadas por esses homens “que dão corpo à alma da sua língua”»

Cesário Verde- A oposição cidade-campo

Cesário Verde foi um dos nossos maiores poetas. Não editou nenhum livro em vida. A obra está compilada num volume a que Silva Pinto, seu grande amigo que a publicou, chamou "O Livro de Cesário Verde". O poeta publicou parte da sua obra em jornais, quando podia e nem sempre podia por não pactuar com o sistema instituído dos "lambe-botas".
Numa primeira fase Cesário inspira-se na mulher e no campo. Com a publicação do poema Esplêndida o poeta mostra estar já absorver a natureza urbana atingindo o cume com o poema Sentimento de um Ocidental. Em Contrariedades há a nevrose dos cigarros em excesso, as dores de cabeça, o "pobre esqueleto branco da vizinha", "uma infeliz sem peito, com os dois pulmões doentes".
Cesário não se deixa contagiar pelo positivismo filosófico e defende o trabalho como fonte de riqueza. Prefere o natural e o saudável à civilização industrial dos grandes centros urbanos. Um dos poemas mais característicos desta fase é Num Bairro Moderno. O cheiro a gás, o luxo, a depravação da cidade causam-lhe náuseas, incomodam-no. Mas a cidade também o fascina. Descreve assim uma manhã na Lisboa burguesa oitocentista, na parte de Lisboa que contrastava com os bairros pombalinos, feitos de ruelas escuras e estreitas. Nas ruas macadamizadas e bordadas de casas apalaçadas distingue-se a figura de uma vendedeira que transporta consigo o campo, num "retalho de horta aglomerada".De repente o poeta recria uma super-realidade: as melancias, repolhos, nabos, melões, cenouras, alfaces, tomates, humanizam-se através de uma visão transfiguradora do real: "uma cabeça numa melancia/ e nuns repolhos seios injectados/e os nabos- ossos nus, da cor do leite/e os cachos de uvas- os rosários d'olhos"
Vários foram os recursos estilísticos utilizados por Cesário. Dotado de uma linguagem amarga e sarcástica em que nos fala de "um desejo absurdo de sofrer", a sua poesia distingue-se pela exactidão do vocabulário e pelas imagens alucinadamente visuais. O poeta desenha, grava e esculpe em versos decassilábicos e alexandrinos. A sua linguagem está, contudo, cheia de movimento e pitoresco, linguagem familiar e técnica: "navalhas de mola, enxós de martelo, biscate, batatal, etc".
O seu estilo impressionista utiliza sobretudo a ironia num estilo dinâmico e realista:
"E eu que medito um livro que exacerbe/ quisera que o real e a análise mo dessem"

Eça e os Maias

Os Maias é o mais volumoso e complexo romance de Eça e talvez a sua obra-prima. O escritor apresenta uma visão social muito crítica, aos nobres e políticos (Conde de Gouvarinho), aos banqueiros (Cohen), aos diplomatas (Steinbroken), aos românticos (Alencar), aos oradores patrioteiros e verbosos (Rufino), aos jornalistas (Palma Cavalão). Todas as personagens são seres derrotados, vencidos, falhados, mesmo João da Ega, a personagem que se pode encarar como a sua auto-projecção. Todas as personagens são vítimas da sociedade.
A acção passa-se em Lisboa, no final do terceiro quartel do século XIX- Afonso da Maia, aristocrata e proprietário rico, estava casado com uma beata de quem tinha um filho, Pedro da Maia. Após uma vida de libertinagem, Pedro vai viver com Maria de Monforte, que havia chegado a Lisboa havia pouco tempo. Desta relação nascem dois filhos: Carlos e Maria Eduarda. Maria de Monforte apaixona-se por um napolitano e abandona Pedro, deixando-lhe apenas o filho: Carlos da Maia. Com o desgosto e devido ao facto de ser muito frágil, Pedro suicida-se, deixando Carlos com o seu avô, Afonso da Maia. Carlos era um rapaz esbelto e inteligente que tirou o curso de Medicina e tinha todas as hipóteses de vir a ser um homem de sucesso. O seu grande amigo, João da Ega tentava escrever um livro de sucesso: Memórias de um Átomo. Natural de Celorico da Beira, representava o dandismo... e era amante da mulher do banqueiro Cohen. Euzebiozinho era um tipo efeminado que representa a educação portuguesa típica da época. Dâmaso Salcede tinha a mania que era fidalgo e Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico amigo de Pedro da Maia, representa a persistência do Romantismo na sociedade... Depois de um caso com a condessa de Gouvarinho, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda. Supostamente esta era casada com Castro Gomes. Através de um baú chegado de Paris é desvendado o terrível segredo: Carlos e Maria Eduarda, os amantes, eram afinal irmãos. Afonso da Maia, o bastião da família, morre de desgosto. Maria Eduarda parte para Paris. Carlos e Ega vão viajar pelo mundo a fim de espairecerem.
Segundo Eça "os Maias sairam uma coisa extensa e sobrecarregada, em dois grossos volumes! Mas há episódios bastante toleráveis. Folheia-os, porque os dois tomos são volumosos demais para ler. Recomendo-te as cem primeiras páginas; certa ida a Sintra; as corridas; desafio; a cena no Jornal A Tarde; e sobretudo o Sarau Literário onde se discute o valor do realismo por oposição ao romantismo... ".
O que mais nos encanta, como sempre, é a sua prosa cheia de maleabilidade, de recursos caricaturais e de fina ironia, impossível de imitar.
Estilo e Linguagem
Eça utilizou a sensibilidade sensorial, o impressionismo e a ironia. Para desenvolver estes três tópicos serviu-se de vários processos linguísticos: o novo emprego da adjectivação dupla e tripla, o advérbio de modo como elemento de caracterização, uma inovadora construção de frases com frequente recurso à hipálage e à sinédoque.
Por tudo quanto acabámos de dizer, facilmente verificamos que foi uma das mais relevantes personalidades literárias na Literatura Portuguesa. Manejando ao mesmo tempo a ironia e o sarcasmo, fixando a vida maravilhosamente, soube tudo dizer numa linguagem dúctil e transparente, ondeante e simples.

Antero de Quental- Estilo e Linguagem dos sonetos

Antero de Quental foi o maior niilista do século XIX. Na sua alma abrigaram-se duas naturezas: uma, a do poeta militante, construtiva; outra, a do pessimista "nostálgico da fé, ávido de eternidade".
Os seus sonetos apresentam cenários vagos, de contornos mal definidos, grandiosos e imponentes. Nestes cenários surgem elementos familiares ao Romantismo como as nuvens, as estrelas, o vento, a noite, o mar, o deserto.... a adjectivação é de sabor romântico: sinistro, nocturno, pálido, trágico, vago... utiliza personagens alegóricas como a Ideia, a Razão, a Noite, a Consciência, a Morte...
Para traduzir o desalento utiliza frequentemente imagens pobres e rimas monótonas... aparecem com frequência dois ou mais adjectivos para classificarem o mesmo substantivo: "veneno subtil, vago, disperso"..."céu pesado, nevoento"..."trágica voz rouca"
Alguns adjectivos utilizados são de origem clássica: inulto, glauco, adusto, e vocábulos antigos para traduzir o tom solene e grave.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Miguel Torga






Apontamentos Bio-bibliográficos






Adolfo Correira da Rocha nasceu a 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta ( Trás-os-Montes), onde frequentou a escola primária. Depois de uma curta passagem pelo seminário de Lamego, partiu para o Brasil, com apenas treze anos, regressando a Portugal, após o que se matricula na Faculdade de Medicina, licenciando-se em 1933.
Tenda publicado em 1928 um pequeno livro de versos, Ansiedade, colaborou em seguida na Presença, que viria a abandonar. Rampa, em 1930, é a obra em que começa a afirmar a sua verdadeira força poética. Dirigiu também a revista Sinal, a que se seguiu uma outra, Manifesta, tendo também colaborado na Revista de Porutgal. Com A Terceira Voz, em 1934, surgiria o pseudónimo que o tornaria uma das maiores figuras das letras portuguesas: Miguel Torga. Com o seu espírito de independência e a originalidade da sua escrita, à margem de grupos literários, criaria uma obra com características muito próprias, que lhe conferem um lugar destacado na nossa literatura.
Após breve passagens profissionais por Vila Nova (Miranda do Corvo) e Leiria (onde viria a ser preso e remetido para os cárceres salazaristas), fixa-se definitivamente em Coimbra, onde desenvolveu, a par da sua actividade médica, o oficio de escritor, através de uma obra multifacetada, abrangendo os diversos géneros literários, da poesia a conto, do teatro ao romance, sem esquecer textos de empenhada afirmaçao ou os volumes autobiográficos da Criação do Mundo e as reflexões e poemas que nos deixou nos dezasseis volumes do seu Diário. A sua vasta bibliografia granjeou-lhe o reconhecimento do valor da sua obra, não só em Portugal, que retratou em páginas admiráveis, mas também por esse mundo fora, me que, traduções nos mais diversos paises e idiomas e prémios literários significativos, tomariam o seu nome verdadeiramente universal.
Com a tenacidade com que construiu a sua obra literária e exerceu a sua actividade de médico, lutando no seu isolamento criador, enfrentou estoicamento a doença que acabara por vencê-lo no dia 17 de Janeiro de 1995. E quando no dia seguinte, fez a derradeira viagem de Coimbra para Agarez natal da sua ficção, de Miguel Torga ficava para todo o sempre a originalidade e a força da sua obra singular.

Quando em 1925, o jovem Adolfo Rocha chega a Coimbra, para em três anos fazero curso dos liceus e ingressar na Faculdade de Medicina, estava, porventura, longe de imaginar que na Cidade do Mondego iria cumprir uma longa jornada de sete décadas. Setenta anos quase ininterruptos de estudo, de estudo, de devotado serviço a dois amos, a medicina e as letras, médico e escritor, tornando-se universal com o nome de Miguel Torga. Coimbra que lhe inspirou os versos que lhe ditou a escrita e foi janela aberta para o Portugal que calcorreou e o Mundo que percorreu. E onde os dias da sua criação atingiram os cumes literários e recebeu os ecos da sua consagração.Por isso, esta exposição é um breve retrato dessa jornada sem fim, pois para sempre se sentirá em Coimbra a presença de Torga, como para sempre estará Coimbra bem viva na sua obra.

Eugénio de Andrade


Biografia Breve

1923 - a 19 de Janeiro, nasce na Póvoa de Atalaia, Eugénio de Andrade, nome civil José Fontinhas. Inicia aí mesmo os seus estudos primários que prossegue em Castelo Branco.

1932 - com sua mãe, figura titular e poética da sua vida, migra para Lisboa.

1933 - estuda no Liceu Passos Manuel e inscreve-se, depois, na Escola Técnica Machado de Castro pensando seguir Engenharia, que viria a abandonar.

1939 - incentivado por António Botto, que conhecera anteriormente, publica o poema “Narciso” que ainda assina com o nome civil e que mais tarde repudia.

1942 - publica Adolescente, o seu livro de estreia, dedicado a Pessoa que também virá a repudiar e que apenas retirará alguns textos depois publicados em Primeiros Poemas.

1943 - instala-se com sua mãe nos arredores de Coimbra. Conhece Afonso Duarte, Miguel Torga, Carlos de Oliveira e Eduardo Lourenço.

1944 - é incorporado no serviço militar onde, após a recruta, é colocado nos serviços de saúde de Lisboa e depois em Coimbra.

1945 - publica Pureza que terá o mesmo destino de Adolescente .

1947 - é admitido nos Serviços Médicos-Sociais, nos quais se manterá em funções como inspector, até 1983. Conhece Sophia de Mello Breyner Andresen.

1949 - torna-se amigo de Mário Cesariny e priva com o grupo de surrealistas, movimento que poucas marcas deixará na sua poesia.

1950 - publica Os Amantes Sem Dinheiro . Muda-se para o Porto. Em 1951 publica Palavras Interditas . Conhece Pascoaes. Em Madrid, priva com Vicente Aleixandre e Ángel Crespo.

1956 - morre sua mãe. Publica Até Amanhã ilustrado com originais de Jean Cocteau.1957 - publica Coração do Dia . Conhece Luís Cernuda, cujas cartas a Eugénio foram mais tarde publicadas em Espanha. Jorge de Sena, seu amigo desde o inicio da década, inclui-o nas suas Líricas Portuguesas .

1960 - conhece Marguerite Yourcenar com quem se corresponderá. Lopes-Graça edita em disco as suas composições para os poemas de As Mãos e os Frutos .

1964 - publica Ostinato Rigore , que ele próprio considera, a par do posterior Branco no Branco um dos seus melhores livros.

1968 - publica Os Afluentes do Silêncio , prosa, e Daqui Houve Nome Portugal uma monumental antologia de verso e prosa sobre o Porto.

1969 - traduz as Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado.

1971 - publica Obscuro Domínio e mais uma antologia Memórias de Alegria dedicada a Coimbra. É lançado, ainda, 21 Ensaios sobre Eugénio de Andrade .

1972 - publica a antologia de poesia erótica Variações Sobre Um Corpo , uma recolha da sua própria poesia Antologia Breve e o volume Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões . Uma das reedições da sua escolha de Camões iria ultrapassar, logo após o 25 de Abril, todos os recordes de tiragens.

1974 - publica Escrita da Terra com títulos como Monfortinho, Castelo Branco, Póvoa de Atalaia e numa 3ª edição Campos de Atalaia

1976 - publica Limiar dos Pássaros e a sua primeira obra de literatura infanto-juvenil História da Égua Branca .

1981 - primeiro encontro com Jorge Luís Borges. Óscar Lopes edita um volume dedicado à poesia de Eugénio Uma Espécie de Música .

1982 - publica O Peso da Sombra . Recebe o grau de Grande Oficial de Ordem Militar de Sant'Iago de Espada.

1983 - é nomeado para a Academie Mallarmé de Paris.

1984 - Branco no Branco , editado em este ano, recebe o Prémio de Poesia Pen Club.

1985 - a C. M. do Porto concede-lhe a Medalha de Méritos da Cidade e no ano seguinte recebe o prémio da Assoc. Internacional dos Críticos Literários.

1987 - edita Vertentes do Olhar que recebe o Prémio Dom Dinis.

1988 - publica O Outro Nome da Terra obtendo o primeiro Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores. É homenageado com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito.

1989 - a tradução francesa de Branco no Branco vale-lhe o Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia estrangeira editado em França.

1991 - um grupo de amigos decide criar a Fundação Eugénio de Andrade e publica, já com a chancela da fundação, o livro Rente a Dizer . Os seus 50 anos de trabalho literário são comemorados.

1994 - publica Oficio da Paciência . Muda-se para a casa da Fundação Eugénio de Andrade, um ano mais tarde publica O Sal da Língua e a Fundação abre finalmente ao público.

1996 - recebe o Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz.

2000 - é-lhe atribuído o Prémio Extremadura de criação literária, o Prémio Celso Emílio Ferreiro e o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e no ano seguinte recebe o Prémio Camões.

2002 - recebe o Prémio de Poesia Pen Club com o Os Sulcos da Sede editado no ano anterior.

Vergílio Ferreira- Bibliografia Breve









1916 - Vergílio Ferreira nasce em Melo, concelho de Gouveia, na Serra da Estrela.
1926 - Entra para o Seminário do Fundão.
1932 - Estuda no Liceu da Guarda onde conclui o curso liceal.
1936 - Vai para Coimbra, como aluno da Faculdade de Letras. Escreve as primeiras poesias. 1940 - Licencia-se em Filologia Clássica.
1942 - Lecciona no liceu de Faro.
1943 - Publica O Caminho Fica Longe , romance.
1944 - Lecciona no liceu de Bragança.
1945 - Ingressa no Liceu de Évora, onde leccionará durante 14 anos.
1946 - Casa com Regina Kasprzykowsky. Publica Vagão «J», romance.
1949 - Publica Mudança , romance.
1953 - Publica A Face Sangrenta , colectânea de contos e Manhã Submersa, romance.
1959 - Ingressa no Liceu Camões, em Lisboa. Publica Aparição , romance galardoado no ano seguinte com o «Prémio Camilo Castelo-Branco», da Sociedade Portuguesa de Escritores. Publica Cântico Final , romance.
1965 - Publica Alegria Breve , romance galardoado com o «Prémio da Casa da Imprensa».
1971 - Publica Nítido Nulo , romance.
1976 - Publica os Contos.
1979 - Publica Signo Sinal , romance.
1980 - Lauro António realiza a longa--metragem Manhã Submersa , onde Vergílio Ferreira desempenha o papel de Reitor.
1981 - Jubila-se de professor do ensino secundário.

1983 - Recebe os Prémios do Pen Club, daAssociação Internacional dos Críticos Literários, do Município de Lisboa e o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus. Publica Para Sempre , romance.
1984 - É eleito sócio da Academia Brasileira de Letras.
1986 - É homenageado em Gouveia, seu concelho natal. É dado o seu nome à Biblioteca Municipal.
1987 - Publica Até ao Fim, romance.
1988 - Recebe o «Grande Prémio do Romance e da Novela» da Associação Portuguesa de Escritores pelo romance Até ao Fim .
1990 - Recebe o prémio «Fémina» com «Matin Perdu», tradução francesa de Manhã Submersa. Publica Em Nome da Terra , romance.
1991 - Recebe, em Bruxelas, o «Prémio Europália» pelo conjunto da sua obra literária.
1992 - É eleito para a Academia das Ciências de Lisboa. Recebe o «Prémio Camões».
1993 - Realização do «Colóquio sobre Vergílio Ferreira», em homenagem aos seus 50 anos de actividade literária, na Faculdade de Letras do Porto. Torna-se Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
1995 - 10 de Setembro - Inaugura a Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira em Gouveia, à qual doa a sua biblioteca particular.
1996 - 1 de Março - Morre em Lisboa. Está sepultado em Melo «virado para a Serra», como foi seu desejo. É editada a obra inacabada Cartas a Sandra.



Uma voz canta não sei onde.
Ergue-se sobre o silêncio da terra.
[…] É a voz da escuridão e das raízes.

Para Sempre
Uma aldeia perdida num recanto de montanha – a Serra da Estrela.


É uma paisagem familiar, que Vergílio Ferreira conheceu na sua infância e a ela constantemente regressa, descrevendo-a nos seus livros. A casa de família, onde escreveu algumas das sua obras. A paz da aldeia natal, no seu ritmo sereno. A coragem e resignação das suas gentes, os seus cantos de trabalho, as suas preces, as suas festas e tradições. E a montanha, o seu silêncio e solidão, o seu encantamento e mistério. Imensa massa de duro granito, ora coberta de neve, ora vestida de verde, ora estalando ao sol. Recortada contra o azul intenso de um céu de Verão ou emersa nos nevoeiros de Inverno. Topo do mundo, de onde se abarcam horizontes sem fim. Repleta de cores e cheiros da urze, das giestas e pinhais. Percorrida pelo balido das ovelhas, o marulhar das águas livres das ribeiras, o rugido do vento, o som imperceptível da neve a cair... Foi esse o ambiente que formou a sensibilidade do Escritor, a sua forma de viver e sentir, a sua maneira de estar no mundo. É esse o ambiente que tentamos desvendar, e convidamos a descobrir, na presente exposição.